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DIVULGACGAO © CONFRORTO BINSTEIN-LORENTZ E SUAS INTERPRETACOES, III. A heuriatica de Einstein A. Villani Instituto de Fisica - usP INTRODUGAO Apés @ andlise da teorla de Lorentz segundo as interpretacses confiltantes de Holton e de Zahar, tentaremos entender as 2 z0es do sucesso da teoria de Einstein no melo clentifico até 1916,ano da publicagao da Teorla da Relatividade Geral. Estas razdes, eviden- temente, devem variar de acordo com a Interpretagio dada ao significa do global da teorla de Lorentz. Wo caso de Holton a resposta é bastan te simples: a teoria da Relatividade superou a do éter de Lorentz, pols esta Gitima tinha um certo aspecto de artificialidade e de fraqueza Intrinseca, e€ consequentemente a comunidade cientifica se dedicou ao aprofundamento da Relatividade que, apesar dos seus aspectos pouco co muns, se apresentava com uma organicidade © uma coeréncia a toda pro- va. Mas na interpretagao de Zahar, também a teoria de Lorentz mostra- “se estruturada e,consequentemente & legitima a tentativa de aprofunda- “la. Porque entao o sucesso da teoria da Relatividade, visto que, do Ponto de vista empirico, nenhuma das duas explicava mais dados experl Mentais do que a outra? A resposta a esta pergunta nos ocupard nestas duas dltimas par tes do trabalho, com a interpretagso de Zohar") © de pattimelli(2), Para Zahar a teoria de Einstein apresenta uma maior potencia- Vidade, pois a sua “heuristic ou seja, 0 conjunto de sugéstées e “di cas" que governa o aparecimento ou as modificagoes das hipéteses aux Viares, se apresenta mals aberta e mais Flexfvel para abracar novos ¢ Pos © novos resultados experimentais. Ao contrario, para Battimelli, que compartilha da opiniao da equivaléncia empirica das duas teorias, nenhuma ldgica da descoberta consegue dar conta do sucesso de Einstein, pois as razoes mais fortes se situam no campo sécio-econdmico e nas condigées materials do desen volvimento da pesquisa experimental. As idélas de Zahar ser3o apre- sentadas nesta II! parte, ao passo que as de Battimelll ser’o o obje- to da IV parte, junto com algumas nossas consideracdes a respelto do pro- blema. 23 IIIT.1. © papel heuriotico da Matematica £ bem conhecido que o desenvolvimento da ciéncia e, em parti- cular da ff'sica, tem estimulado um correspondente progresso da mate thea: o desenvolvimento do caélculo avangado esta estritamente ligado aos progressos do programa de Newton, as “linhas de forga" de Faraday s0 associadas a lels que obtém a sua formulagao matematica através das equagoes diferenclals de Maxwell, a andlise vetortal @ estimulada pelo desenvolvimento da hidrodinamica. E © processo contrério? Qual a funcao heurfstica da matemati ca? Para Zahar, existem duas maneiras Importantes pelas quails a ma tematica favorece as descobertas fIsicas: 2) “0 clentista pode partir de um principio ffsico intulti vo. Ao ser "'traduzido" em uma das linguagens matematicas dispont- veis na época, o principio pode ser modificado, em particular pode adquirir estrutura adicional e tornar-se assuncao fisica mals for- (4) Um exemplo disso & a Idéla de Fresnel de que a luz & um fendmeno ondu do tipo sen (224) evi- latério, que uma vez representado por uma fun dentemente adquire um conteido Fisico mals espec!fico. Um outro exem plo & a modificagao do princfpio de Faraday por parte de Maxwell: quan do este Gitimo traduziu a ffsica intultiva de Faraday em equacdes di- ferenciais, ele percebeu uma contradi¢gao com a lei de conservacao da carga: @ modificagio, de uma das equagdes com a introdugdo da “corren te de deslocamento" € um exemplo de como a modificagao matemitica da teorla conseguiu antecipar-se 4 descoberta da fisica. b) "0 método usual en Fisica tedrica & dar uma expressio ma temética a uma hipétese fIsica e depols utilizar técnicas légico- matematicas para tlrar consequéncias da hipétese. Ao fazer isso, 05 fIsicos podem recorrer a multas operagies matemiticas, algunas das quais constituem truques ou Invencdes que podem ser necessari 2s para tornar possivel a dedugio. duhem(3) fsica a todas as entidades » assinalou que seria loucura insistir em dar Interpretac matemiticas e as operagdes utilizadas na teorla clentifica... No entanto, tentando encontrar uma interpretagso realista de algumas quantidades matemiticas, que aparecem 3 primeira vista como despojadas de qualquer significado ffsico, o cientista pode (4) ser conduzido a uma nova conjectura fIsica (22) | . 0 caso de Lorentz, que vimos na parte 11 deste trabalho bem signiflcativo: a transformagao de Lorentz era uma ferramenta matemitica pa ra resolver equacgses diferenciais, no entanto a interpretagao ffsica da transformagao levou a hipdtese da Contragao e das Forgas HMole- 24 culares. Zahar clita também um outro exemplo: “Analogemente Dirac propés uma equagio relativistica que possula solugdes com energia negativa. "Prima facie" tals solu- ses néo podem ser Interpretadas fisicamente. Insistindo em inter Pretar as solugdes negativas, Dirac previu a existancia do posi~ tron: a auséncia de um elétron de carga (-e) e energia (-E) fol In terpretada como a presenca de positron, ou seja, de uma particula de carga (+e) © energia (+£)..."(5), 0 duplo papel heurfstico da matematica, a saber, o aumento do conteddo empirico através da tradugo na linguagem mate lca e atra- vés da interpretagio Fisica de entidades matematicas, ficarsclaro no de senvélvimento do programa de Einstein que agora vamos anallsar. TII.2, A heurietica de Einstein A heurfstica de um programa de pesquisa, como ja acenamos, é dado por um conjunto de crengas metafisicas, até certo ponto vagas e vazias de conteido especifico, mas que fornecem um certo nimero de pres erigdes que, aplicadas a casos particulares, tornam-se poderosos ins- trumentos de Invengao de hipdteses e teorias cientIficas, No caso especifico de Einstein € possfvel localizar pelo me- nos duas regras: a) As teorias devem satisfazer uma coeréncia Interna que nos fornega uma imagem de mundo coerente, simples, unificado, harmonioso © organicamente compacto. A matematica utilizada para explicitar es~ ta teoria deve refletir esta perfeigao interna. Esta exigéncia ' stética" tem fundamento na crenga de que a na tureza € simples: consequentemente o principio de simplicidade e cée- réncla nao € simplesmente uma exigancia da economia de pensamento,mas @ exigida para que a teoria seja verossemelhante. Evidentemente,além das exigéncias intrinsecas, existe também a prescrigao de que a teoria seJa compativel com os resultados empfricos. "A grande atragio da teoria (da Relatividade) & a sua con- sisténcia légica, Se, a partir dela, alguma dedug3o for demonst. da Insusten jel, @ teorla toda deverd ser abandonada. Parece im Possivel uma modiflcagao sem a destrulgio da teoria intelra! (Eins tein 1950) (6) "0 prineiro ponto de vista € Sbvio: a teoria nao deve con- tradizer os fatos empfricos" (Einstein 1949) (7) 25

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