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ee ‘As expectativas dos pesquisadores qualitatives e © problema do acesso, 109 AAs definic6es de papéis ao entrar em um campo aberto, | 10 O acesso a instituighes, 111 © acesso a individuos, 112 Estranheza e familiaridade, 114 OBJETIVOS DO CAPITULO. Apés a leitura deste capitulo, voce deverd ser capaz de: nN desenyolver uma sensibilidade a esse passo-chave no processo de pesquisa. vf. compreender que vocé, enquanto pesquisador, precisara situar-se no campo. vf aprender as estratégias que as instituicées usam para lidar com pesquisadores e, 4s vezes, impedi-los de entrar. compreender a dialética de estranheza e familiaridade neste contexto. AS EXPECTATIVAS DOS PESQUISADORES QUALITATIVOS E O PROBLEMA DO ACESSO A questo do acesso ao campo em estudo é mais crucial na pesquisa qualita- tiva do que na quantitativa. Aqui, 0 conta- to buscado pelos pesquisadores € 0 mais préximo ou mais intenso, 0 que, em resu- mo, pode ser demonsirado em termos das expectativas associadas a alguns dos mé- todos qualitativos atuais. Por exemplo, a realizacao de entrevistas abertas exige um maior envolvimento entre o entrevistado € 0 pesquisador do que aquele necessério na simples entrega de um questionério. Na gravacio de conversas cotidianas, espera- se dos participantes certo grau de revela- cdo de suas préprias vidas cotidianas que eles nao consigam, com facilidade, contro- Jar antecipadamente. Enquanto observador participante, o pesquisador normalmente vai ao campo por periodos mais longos. De um ponto de vista metodolégico, a pesqui- sa faz mais justica a seu objeto por meio desses procedimentos. Da perspectiva da praticabilidade cotidiana, estes procedi- mentos acarretam uma exigéncia muito maior das pessoas envolvidas. E por isso que a questao sobre a forma como conse- guir acesso a um campo e aquelas pessoas € processos que representam um interesse especifico no campo merece atengo espe- cial. O termo genérico “campo” pode de- signar uma determinada instituicgo, uma subcultura, uma familia, um grupo especi- Uwe Flick fico de pessoas com uma biografia especi- al, tomadores de decisées em administra- ges ou empresas, e assim por diante. Em cada um desses casos, enfrentam-se os mesmos problemas: como o pesquisador assegura a colaboracao de seus participan- tes potenciais no estudo? Como conseguir nao apenas que estas pessoas demonstrem boa vontade, mas que isso também leve a entrevistas concretas ou a outros dados? AS DEFINICOES DE PAPEIS AO ENTRAR EM UM CAMPO ABERTO Na pesquisa qualitativa, o pesquisa- dor e seu entrevistado t&m uma importén- cia peculiar. Pesquisadores e entrevistados, bem como suas competéncias comunicati- vas, constituem o principal “instrumento” de coleta de dados e de reconhecimento. Por este motivo, os pesquisadores ndo po- dem adotar um papel neutro no campo e em seus contatos com as pessoas a serem entrevistadas ou observadas. Em vez. dis- so, devem assumir certos papéis e posigdes = ou serao designados para tanto -, muitas vezes de modo indireto e/ou a contragos- to, As informaces a que o pesquiisador teré acesso e das quais permanecerd exclufdo dependem essencialmente da adocao bem- sucedida de um papel ou postura apropria- da. Assumir ou ser designado a um papel deve ser visto como um processo de nego- ciag&o entre o pesquisador eo participante que atravessa diversos estagios. “Partici- pantes”, aqui, refere-se Aquelas pessoas a serem entrevistadas ou observadas. No caso de pesquisar-se em instituigSes, 0 termo também se refere aqueles que devem au- torizar ou facilitar o acesso. O insight cada vez maior da importncia do processo interativo de negociagao e de definicao de papéis para os pesquisadores no campo encontra sua expressao nas metéforas uti- lizadas para descrevé-lo. Utilizando-se do exemplo da obser- vacio participante na pesquisa de campo etmogréfica (ver Capitulo 17), Alder e Alder (1987) apresentam um sistema de papéis de membro no campo (ver Figura 10.1). Eles demonstram as diferentes formas de- senvolvidas para lidar com esse problema na histéria da pesquisa qualitativa. Em um élo, eles situam os estudos da Escola de Chicago (ver Capitulo 2) e 0 uso da obser- vagdo pura dos membros em um campo de interacdo aberta e bem-direcionada com es- tes membros e da participacio ativa em sua vida cotidiana. O dilema da participaco e da observaciio torna-se relevante em ques- tes de distanciamento necessario (qual a participagio necessdria a uma boa obser- vacéio, qual a participacao permissivel no contexto do distanciamento cientifico?) Adler e Adler encontram, em uma postura intermediéria - a “sociologia existencial” de Douglas (1976) -, a soluc&o do proble- ma na participacdo que tenha a finalidade de revelar os segredos do campo. No outro polo, a preocupacéo da etnometodologia recente (ver Capitulo 6) est na descricao dos métodos empegados pelos membros, em vez de suas perspectivas, com 0 objeti vo de descrever 0 processo em estudo a partir de dentro. Aqui, 0 problema do aces- so é administrado por meio da imers&o no processo de trabalho observado e pela con- dico de membro no campo de pesquisa. Para Adler e Adler, a forma como a Escola de Chicago trata desse problema esta comprometido demais com o distan- ciamento cientifico do “objeto” de pesquisa. Por outro lado, eles sdo um tanto criticos em relacao aos tipos de acesso obtidos pela etnometodologia, assim como pela sociolo- gia existencial (embora dispostos em pé- los distintos em sua sistemética). Em am- bos os casos, 0 acesso é obtido pela fusdo completa com 0 objeto de pesquisa. O con- ceito que apresentam dos papéis de mem- bro no campo parece-lhes uma solucao mais realista, situada entre esses dois pé- los. Eles elaboram os tipos de “papéis de membro: o periférico, o ativo, e o membro completo”. Para o estudo de campos mais delicados (no caso, traficantes de droges), eles sugerem uma combinacao de “papéis Introdugio a pesquisa qualitativa Observar os membros Interagir com os membros Participacio Investigativa Papéis de membro: membro periférico membro ativo membro completo Membro de boa-fé Escola de Chicago Participar com os membros Sociologia Existencial Etnometodologia Figura 10.1 Os papéis no campo (Adler e Adler, 1987, p. 33). piiblicos e ocultos” (1987, p. 21) — 0 que significa que eles nao revelam seu verda- deiro papel (como pesquisadores) a todos os membros do campo, com o objetivo de obter os insights mais abertos possiveis. © ACESSO A INSTITUICOES ‘Ao pesquisar-se em instituigdes (por exemplo, servicos de aconselhamento), esse problema torna-se mais complicado. Geralmente, ha um envolvimento de diver- sos niveis no regulamento do acesso. Em primeiro lugar, existe o nivel das pessoas responsdveis pela autorizacgio da pesqui- sa, Caso existam dificuldades, as autorida- des externas consideram essas pessoas res- ponséveis por essa autorizagio. Em segun- do lugar, encontramos o nivel daqueles que serfio entrevistados ou observados e, por- tanto, que disponibilizarao seu tempo e sua boa vontade. Para a pesquisa em administragSes, Lau e Wolff (1983, p. 419) delineiam o processo da seguinte maneira. Em uma institui¢&o como uma administracao soci- al, os pesquisadores e seus interesses de pesquisa so definidos como clientes. Como um cliente, 0 pesquisador deve fa- zer sua solicitacdo em termos formais. Essa solicitacdo, suas implicagdes (ques- to de pesquisa, métodos, tempo neces- sério) € a pessoa do pesquisador precisam passar por um “exame oficial”. O trata- mento dispensado & solicitacao do pesqui- sador ¢ “pré-estruturado” pelo fato de o pesquisador ter sido encaminhado por outras autoridades. Isso significa que, em um primeiro momento, a autorizaco ou o apoio a essa solicitacdo por parte de uma autoridade superior pode gerar desconfi- anca entre as pessoas a serem entrevista- das (por que essa autoridade estaria a fa- vor desta pesquisa?). Por outro lado, ser endossado por outras pessoas (por exem- plo, colegas de outra instituicao) pode, ao mesmo tempo, facilitar 0 acesso. No fim, a solicitacdo do pesquisador pode ser en- caixada as rotinas administrativas e tra- tada a partir da aplicacio de procedimen- tos institucionalmente familiares. Esse proceso, denominado “trabalho de con- sentimento”, é um “produto conjunto, em alguns casos, um problema operacional explicito para ambos os lados”, Por exemn- plo, a tarefa principal £ a negociacaio de regras linguisticas comuns entre as pes- quisadores e os profissionais. A andlise dessa entrada como proceso construtivo e, ainda mais importante, a andlise das falhas nesse processo permitem ao pesqui- sador revelar processos centrais de nego- ciacdo e de rotinizacao no campo de uma forma exemplar (por exemplo, com clien- tes “reais"). Uwe Flick Wolff (2004a) resume da seguinte maneira os problemas relacionados & en- trada em instituigdes enquanto campos de pesquisa: 1. A pesquisa ¢ sempre uma intervencao em um sistema social. 2. A pesquisa é um fator de ruptura para o sistema a ser estudado, ao qual rea- ge defensivamente. 3. Existe uma opacidade mitua entre 0 projeto de pesquisa e o sistema social a ser pesquisado, 4. A troca de um grande volume de in- formacdo sobre a entrada no campo de pesquisa nao reduz a opacidade. Em vez disso, leva a uma complexida- de cada vez maior no processo de con- sentimento, podendo levar a um au- mento das “reacdes imunes”. Em am- bos os lados, geram-se mitos que sao alimentados pela troca crescente de informacio. 5, Emvez de compreensao miitua no mo- mento da entrada, deve-se lutar por um acordo enquanto processo. 6. Aprotecdo dos dados é necesséria, mas pode contribuir para o aumento da complexidade no processo de acordo. 7. O campo revela a si mesmo quando o projeto de pesquisa entra em cena (por exemplo, os limites de um sistema so- cial so percebidos). 8. 0 projeto de pesquisa nada pode ofe- recer ao sistema social. Quando mui- to, pode ser funcional. O pesquisador deve tomar’o cuidado de nao fazer promessas em relaco A utilidade da pesquisa para o sistema social. 9. O sistema social ndo possui razées re- ais para rejeitar a pesquisa. Esses nove pontos j4 contém, em si mesmos, varias razes para uma possivel falha no acordo quanto & finalidade e & necessidade da pesquisa. Um projeto de pesquisa representa uma intromisséio na vida da instituigio a ser estudada. A pes- quisa representa uma perturbacao, rompe rotinas, sem oferecer uma compensacdo perceptivel, imediata ou a longo prazo, para a instituicao e seus membros. A pes- quisa instabiliza a instituig¢So com trés im- plicacdes: que as limitacdes de suas pré- prias atividades acabarao sendo reveladas, que os motivos ocultos da “pesquisa” so € continuam sendo pouco claros para @ ins- tituicdo e, finalmente, que nao ha razdes consistentes para recusar as solicitagées de pesquisa. Consequentemente, é necessario inventar e sustentar motivos, caso a pes- quisa precise ser evitada. Situa-se aqui o papel da irracionalidade no curso do pro- cesso de acordo. Por fim, o fornecimento de mais informacoes sobre o embasamento, as inteng6es, 0 procedimento e os resulta- dos da pesquisa planejada nao conduz ne- cessariamente a uma maior clareza, poden- do, inclusive, levar a mais confusio e ge- rar 0 oposto do entendimento. Ou seja, negociar a entrada em uma instituicao é menos uma questo de fornecer informa- Bes do que a forma como se estabelece uma relacdo, Nessa relacdo, deve-se desen- volver confianga suficiente nos pesquisa- dores enquanto pessoas ¢ em sua solicita- co, para que a instituicao ~ a despeito de todas as reservas ~ envolva-se na pesquisa. Contudo, é ainda necessério destacar que as discrepancias de interesses e de pers- pectivas entre os pesquisadores e as insti- tuicdes em estudo nao podem ser, em prin- cipio, eliminadas. Podem, no entanto, ser minimizadas ao conseguir-se desenvolver confianca suficiente por parte dos partici- pantes ¢ das instituicdes a ponto de forjar uma alianga de trabalho na qual a pesqui- sa se torne posstvel © ACESSO A INDIViDUOS Uma vez obtido 0 acesso ao campo ow A instituicdo em geral, o pesquisador enfrentard o problema de como chegar As pessoas dentro desse campo que constitu- am 0 grupo mais interessante de partici- pantes (ver Capitulo 11). Por exemplo, como conseguir recrutar conselheiros ex- perientes e em exercicio para participarem do estudo e ndo meros estagidrios, sem experiéncia pratica, que ainda nao tém per- missdo para trabalhar em casos relevantes, mas que ~ por isso mesmo ~ dispdem de mais tempo para participar da pesquisa? Como conseguir acesso &s figuras centrais de um ambiente e nao meramente aquelas que estfio 4 margem? Aqui, novamente, os processos de negociacao, as estratégias de referéncia, no sentido de um procedimen- to do tipo bola de neve e, acima de tudo, as competéncias em estabelecer relacées, desempenham um papel central. Muitas vezes, as restricoes no campo, causadas por certos métodos, sao diferentes, em cada caso. No que diz. respeito ao acesso a pes- soas em instituigdes e em situacbes espect- ficas, 0 pesquisador enfrenta em sua pes- quisa, sobretudo, 0 problema da disponi- bilidade. No entanto, quanto ao acesso a individuos, a questo de como encontré- los revela-se igualmente dificil. No esque- ma do estudo de individuos que nao pos- sam ser abordados ou estar presentes em Introducio pesquisa qualitative um ambiente especifico, como funciondri- os ou clientes de uma instituicio, 0 pro- blema principal € definir como encontré- Jos. Podemos tomar como exemplo o estu- do biografico do curso e a avaliacao subje- tiva das carreiras profissionais. Nesse es- tudo, por exemplo, era necess4rio entre- vistar homens que morassem sozinhos apés a aposentadoria. A questo, entio, é como e onde encontrar esse tipo de pessoa. Po- deriam servir como estratégias a utilizagao da midia (antincios em jornais, em progra- mas de radio) ou de avisos em instituicbes (centros educacionais, pontos de encontro) que essas pessoas costumem frequentar. Outro caminho para a seleco de entrevis- tados € 0 pesquisador aplicar a estratégia da bola de neve e fazer com que um caso 0 leve a outro. Ao utilizar essa estratégia, muitas vezes, escolhe-se amigos de amigos e, assim, pessoas ligadas a seu proprio ambiente mais amplo. Hildenbrand adver- te para os problemas relacionados a essa estratégia: Embora normalmente exista a suposigao de que 0 acesso ao campo seja facilitado Essas restricbes contza varios métodos de pesquisa podem ser demonstradas pela andl "ce de varios métodos qiie utilizei para estudar a quesiao da confianca ne aconselhamento “Nese estudo, aplicaram-se entzevistas © andlise de conversacéo. Abordei 0: conselheitos “permissao para entrevistd-los durance uma oui dlias horas e permis "<0 para a giavacao de uma ou mais consultas com clientes (que também concordaram preca! ss apenas até 1 certo ponto, Esse exemplo mostra -iversos pos de problemas, de suspeitas <¢ " antecipadamenté). AD ‘concordarem em particip do esttido, alguns dos conselheiros ‘iveram 1 t trevistados, aes medo de quest liscretas' oie “seisa0 de aconselliament

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