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CAPITULO IV A ANALISE DE CONTEUDO Jorge Vala 1. INTRODUCAO Na sequéncia da obra de Lasswell (1927) — Propaganda Technique in the World War @) e dos trabathos de Berelson e Lazarsfeld (1948), a andlise de cuntedido foi durante bastante tempo apresentada.como uma técnica predominantemente ‘iti no estudo da comunicacdo social e da propaganda politica e associada a objectivos prag- miticos ¢ de intervencdo. O Congresso de Allerton House em 1955 (Pool, 1959) in- trochiz uma ruptura nessa tradicao: neste congresso nao participaram apenas autores li- gados as cifncias politicas, mas também psicélogos, socidlogos e linguistas; as ques- {Ges discutidas ndo relevavam apenas de problemas de eficécia, mas de problemas te6- ricos e metodolégicos, Aanilise de contetido & hoje uma das técnicas mais comuns na investigagao empi- rica realizada pelas diferentes ciéncias humanase sociais. Lembre-se,aliés, que numa das primeiras investigagdes empiricas em ciéncias sociais, The Polish Peasant in Ei rope and America, Thomas ¢ Znaniecki (1918-1984) recomeram de alguma forma a andlise de conteido: através do estudo de cartas e de outros documentos autobiografi- ‘cos procuravam conhecer as atitudes e os valores dos seus autores ou das pessoas a quem se dirigiam. Também em psicologia se encontra uma velha tradigao de recurso a0 materiais biogréficos como fonte de informacao sobre a personalidade, motiva- GGes € atitudes dos individuos. Esta tradigéo, retomada, entre outros, por Allport (1) 0 leitor encontraré as referéacias completas das citagdes na lista que consti a orientayio bibliogrica final 102 JORGE VALA (1942), ressurge agora, embora noutro contexto, sob a designagéo de estudos de His- triag de Vida (Pais, 1984), E, porém, forcoso reconhecer que a expansio da anilise de contetido nio foi acompanhada por uma teoria capaz.de articular o texto como estrutura e os objectos 4a psicologia e da sociologia — a linguagem vale apenas como indice de fenémenos nio linguisticos, "chega-se ao sentido de um segmento do texto atravessando a sua es- srutura linguistica [...), 0 trabalho do analista apoia-se em indicadores linguisticos cu- Ja pertinéncia néo esti fixada" (Pécheux, 1967). Estes e outros problemas conduri- Tam um certo nimero de autores a formularem fortes criticas metodol6gicas & andlise de conteiido (p. ex. Henry e Moscovici, 1968), ¢ estao na base da proposta de Pé- cheux (1969) de uma Andlise Automdtica do Discurso, Porém, como reconhecem Ghiglione ¢ Matalon (1980), a proposta de Pécheux enferma "dos defeitos constitu. tivos de toda a andlise de contelido: a intervencdo do codificador no estabelecimento do sentido do texto". Em termos mais gerais, sfo os niveis forma e contetido que pa- recem resistir a diferentes ensaios de articulacao: "este é um problema que a andlise de contetido nunca conseguiu resolver —em geral, limitou-se a analisar itens de conter- do, por vezes esforgou-se por analisar procedimentos estilisticos, mas nunca soube Propor um quadro comum a estes dois niveis de andlise” (Burgelin, citado por Morin, 1968). E na segunda metade da década de sessenta e nos primeiros anos de setenta que estas questes so largamente discutidas e suscitam propostas tedricas diferencia as, que Morin (1968) agrupou sob a designacio de “frente comum linguistico-semio- logico-estrutura” ®), O impacto de tais propostas nas ciéncias sociais foi quanto a nds efémero e, contrariamente ao que seria de prever hd alguns anos ©), a andlise de contetido volta” se de novo para os mestres do passado e reaprende as ligdes de Berelson (1954) e Osgood (1959). Tal nao significa porém que os problemas metodol6gicos e tedricos que brevemente referimos nio tivessem ou ndo tenham consisténcia. Dir-se-ia que fo- ram tomeados através da procura de uma separacZo nitida dos campos da linguistica, 4a semintica e da andlise de contetido (Bardin, 1979). A ambicio transdisciplinar é provavelmente prematura neste dominio, Nao é porém objectivo deste texto proceder a um inventério dos limites da andlise de contetido ou & sua eritica metodolégica. As referéncias que acabamos de fazer vi- sam tio $6 que o leitor interessado se abra ao debate do problema. O que propomos este texto € um certo ntimero de pistas que permitam um primeiro acesso & prética da andlise de contetido. Comegaremos por enunciar os objectivos desta técnica, para de- pois a integrarmos no leque mais vasto dos métodos e técnicas das ciéneias sociais. ‘Na terceira parte do texto descrevem-se as etapas e procedimentos principais de uma anélise de contetido, adoptando-se, adentro da perspectiva em que nos situamos, um (2) Os nimeros da revista Communications publicados nesta época 430 conta do exsencial sobre este debate, Ver panculamnente o nimero 8, 1966. {G) Veje-se a este proposito um pequeno texto que escrevemos em 1978 em colaboracéo com A. Rodrigues. A ANALISE DE CONTECDO 103 onto de vista to ecléctico quanto possivel, para que o leitor possa aprofundar as orientagdes que se the revelem mais interessantes, 2, FUNDAMENTOS E OBJECTIVOS DA ANALISE DE CONTEUDO Berelson (1952) definiu a andlise de contedido como uma técnica de investigagéo que permite "a descricdo objectiva, sistemdtica e quantitativa do contetido manifesto da comunicasdo". Adoptando esta mesma definicio, Cartwright (1953) alarga o ambi. 10 da andlise de contetdo na medida em que prope a sua extensio a "todo 0 compor- tamento simbélico". Trinta anos depois, Krippendorf (1980) definiu andlise de conted do.como "wma técnica de investigagdo que permite fazer inferéncias, vdlidas e replicé- veis, dos dados para o seu contexto". Cremos poder estabelecer uma equivaléncia entre o carécter objective ¢ sistemati- coda andlise de contecido referido por Berelson e Cartwrighte as condigées de valida. dee replicabilidade expressas por Krippendort. Enquanto técnica de pesquisa, aandli- se de conteiido exige a maior explicitacao de todos os procedimentos utilizados, Krippendorfretira da sua definigdo a refeténcia a quantificagdo, no restringindo assim as direcedes que pode tomar a andlise de contetido. A quantificacao é sem divi. da umaestratégia cheia de virtualidades, mas nao hi justificago para no reconhecer 6s sucessos das investigagées de orientacao qualitativa. O rigor nfo é exclusivo da quantificagdo, nem to pouco a quantificagao garante porsia validadee a fidedignida- de que se procura. Note-se ainda que enquanto Cartwright e Berelson falam na sua definigao em conteiido manifesto, Krippendor? fala em inferéncia. Esta distingdo tem subjacente orientagdes metodoiégicas bem diferentes e é um dos polos das discussées eriticas so- ‘bre a anilise de contetido (e.g. Henry e Moscovici, 1968), A proposta de Berelson de restrigdo da andlise de contetido ao contetido manifesto estd associada a ideia de que esta técnica deve servir objectives predominantemente Gescritivos ¢ classificat6rios,¢ revela a preocupacao do autor em preservaro trabalho em andlise de contetido de inferéncias ingémuas ou selvagens. Esta preocupago de Berelson € relevante. Ela coloca 0 analista de sobreaviso em relagao as sociologias ¢ psicologias ingénuas, & ideia da transparéncie do pensamento dos actores sociais, 2s virtudes da intuicdo. E, por outro lado, uma proposta em favor das estratégias de Pesquisa que sujeitam a ldgica da descoberta e da prova a procedimentos criticos ¢ rigorosos onde o investigador joga contra as suas hipsteses. ‘Mas voltemos & oposi¢ao contetido manifesto-inferéncia. A andlise de contetido de- ve apenas servir a descrico? As priticas de andlise de contetido levam-nos a respon- der negativamente. Como lembra Bardin (1979), € a inferéncia que permite a passa.

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