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TRADUCAO “Publicado orginaimente na Pacific Sociological Review, Fall 1962,67-74, come titulo Sociology as an art form. Postetiormente, no fivo Tradition and revolt. historical and sociological es- says, NYork, Vintage Books, 1970, *Professoras do Departamento de Sociologia da FFLCH - USP eesponsdveis pela disciptina de Métodos e Técnicas de Pesquisa if do curso de graduagdo.em Giéncias Soctais Plural; Sociologia, US®,S. Paulo, 7:11 A sociologia como uma forma de arte’ Robert A. Nisbet Tradugdo de Syivia Gemignani Garciat* Revisdo de Heloisa Helena Teixeira de Souza Martins** Restumo: A sociologia, como toda cine, é também unna forma de arte, Dis- tintas quanto aos modos de expresso, ciéncia e arte possuem afinidades substanciais: ambas operaum com o mesmo tipo de invaginago eriativa e bus- cam a beleza ¢ a vendade, Argumentando em tomo dessa idgia central, Ro- bert Nisbet considera os cientistas-anistas curopeus dos séculos XVII ¢ XVIII, 0 pioncirismo da ante na expressio de translommagies sécio-culturas € ddopoimentos de vientistas cnntemporincos sobre © provesso eriativo na ciéncin, A histrica distingzo entre uma ciéncia metédica, puramente racional ¢ en pirica, capaz de cheyar & verdade, ¢ uima arte excéntrica e inspirada, est Camente movida pela busca da beleza, é produto da modemnidade pos-dupla fevolugao: a primeira ligada 2 associagGo entre ciéncia e tecnologia: a se- gunda a rejeigdo romantica do mundo industrial. A distingzo cit origem & arte omamental ¢ 4 cigncia apticada ¢ prestadora de servigus que caracte zam 0 séeulo XX, com profundos efeitos sobre a produgdo socioldgica. Baseado na tese central de seu Formacdo do pensamento saciolégico (1966), Nisbet opdc as afinidades humanisticas ¢ romanticas da sociologia clissiea a0 predominio do empiricismo e do formalist metodol6gico da sociotogia cicntificista que se expande a partir dos Eslados Unidos. Como ‘outros socidlogos erticus desde fins da déeada de 50, Nisbet langa mio da sociologia chissica para analisar ~ ¢ rejeitar - as vertentes ciemlificistas da sociologia contemporiinea em um texto obrigatério para a compreensio do desenvolvimento histGrico da disciplina e de uma das principais vertentes ‘que se enfrentam em seu interior em torno da defini do perfil da forma- 430 e da produgio sociokigicas ao longo de sua historia Palavras-chave: cisneia, arte, Sociologia clés :3, ociologia contemporinea 130, 1° seen. 2000 un I A sociologia como uma forma de arte ober Naber dmito desde logo que, tanto por temperamento quanto por formacdo académica, sempre estive mais interessado nos nGo-usos da nossa disciplina que em seus usos, Admito, além disso, acreditar que as teorias deveriam ser testadas tanto por sua abrangéncia como por sua compreensio, sua importincia tanto quanto sua validade € sua elegancia tanto quanto sua con- gruéncia com fatos tais como os que temos & mao. E minha maior convicgio que a Sociologia faz seus avancos intelectuais mais, ficatives sob © impulso de estimulos e através de processos que partilha extensamente com a arte; que, sejam quais forem as diferengas entre a cigncia e a arte, 60 que elas tém em comum 0 que mais importa para a descoberta e a criatividade. Nada do que eu digo significa que a sociologia nao seja uma ciéncia. Dados os meus propésites, estou bastante inclinado a colocar a sociologia na mesma linha da fisica e da biologia, apli- cando, para cada uma destas, a esséncia do que eu digo sobre a sociologia. Cada uma delas é de fato ciéncia, mas é também uma forma de arte e, se nos esquecemos disso, corremos 0 risco de perder a ciéncia, restando-nos apenas 0 empiricismo exagerado 0u 0 narcisismo metodolégico, cada uma deles tao distante da cién- cia quanto a arte esta dos outdoors. Meu interesse pela sociologia como uma forma de arte foi recentemente estimulado por algumas reflexdes sobre idéias que estiio, reconhecidamente, entre as mais distintivas contribuigdes da sociologia para 0 pensamento moderno. Deixem-me citar as seguintes: sociedade de massas, alienagdo, anomia, racionaliza- edo, comunidade, desorganizagdo. Falarei mais sobre essas idéias € seus contextos um pouco mais tarde, Por ora, é suficiente notar que todas elas tém produzido efeitos duradouros tanto sobre 0 ca- rater tedrico quanto empirico da sociologia. E todas elas t&m exer- cido notavel influéncia em outros campos do pensamento cientifi- co e humanistico. Ocorreu-me que nenhuma dessas idéias resulta historica- ne Plural; Sociologia, USP, Paulo, 7:111-130, ° sem, 2000 ‘A sociologia como uma forma de arte Robert & Nisbet mente da aplicagdo daquilo que, hoje em dia, chamamos com sa- tisfagdo de método cientifico, Se existe evidéncia de que qualquer uma dessas idéias, tal como foram primeiramente expostas nos escritos de homens como Tocqueville, Weber, Simmel e Dur- kheim, € 0 resultado do pensamento-que-resolve-problemas (pro- blem-solving thought), que vai rigorosa © conscientemente da questo 4 hipétese e dai a conclusio verificada, sou ineapaz de descobrir. Ao contrério, cada uma dessas profundas ¢ seminais idéias poderia ser vista como a conseqiiéncia de processos inte- lectuais que tém muito mais relagio com o artista que com o cien- tista, tal como este tiltimo tende a ser concebido pela maioria de niés. Se deixurmos de lado os processos de intuigio, impressioni mo, imaginagao icénica (a frase & de Sir Herbert Read) e até ob- jetivacdo, parece improvavel que qualquer uma dessus id tie vesse chegado a influenciar geragdes de pensamento e ensina- ‘mentos subsequientes. Sem diivida, para alguns, essa conclusio, se é que é plau- sivel, parecerd estar colocando ancesirais confidveis sob suspeitas despreziveis: como a descoberta de uma crianga de que seu pai membro da sociedade John Birch ou de que sua mie € uma des- cendente dos Jukes ou Kallikaks, Ela pode lembrar, também, a de- monstragio gratuita que um antrop6logo faz para um informante pentecostal acerca das origens totémicas da Cristandade. Mas dei- xemos para mais tarde o comentirio acerca desse aspecto de nos- 30 objeto, voltando-nos, por alguns momentos, para uma questo mais fundamental e abrangente — 0 habito de tratar a ciéncia como se ela fosse substantiva e psicologicamente diferente da arte. Trata-se de um habito profundamente enraizado mas, de modo algum, universal na histéria do pensamento moderno. Nao precisamos ir além da Renascenca para descobrir uma época na qual arte e ciéncia eram geralmente vistas como manifestagées di- ferentes de uma mesma forma de consciéncia criativa. Sabemos que Leonardo da Vinci pensava em suas pinturas e em seus enge- nhosos trabalhos em fisiologia e mecinica como, igualmente, arte tipo de pensamento € até 0 resultado, em cada um, Plural; Sociologia, USP, Paulo,7:111-130, 1° see. 2000 3

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