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Barroco Brasileiro e Português

1580-1768

Charles Borges Casemiro

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Editora Casemiro
@
São Paulo
2014

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BARROCO BRASILEIRO E PORTUGUÊS
1580-1768

Copyright @ 2014:
Charles Borges Casemiro

Editoração eletrônica:
Editora Casemiro 3

Capa:
Michelângelo di Caravaggio. A Crucificação de São Pedro. Óleo sobre Tela, 1600-01.

Preparação de Texto:
Charles Borges Casemiro
Ieda Ferreira Banqueri Casemiro

Revisão:
Charles Borges Casemiro
Ieda Ferreira Banqueri Casemiro

Dados Catalográficos na Fonte:


CASEMIRO, Charles Borges. BARROCO BRASILEIRO E PORTUGUÊS: 1580-1768. São
Paulo: Casemiro, 2014.

Literatura Brasileira e Portuguesa 869.0.81 e 869.07.


Literatura Brasileira e Portuguesa: Crítica 869.0.81.09 e 869.07
30 páginas.

Editora Casemiro
@
2014

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Charles Borges Casemiro

Barroco Brasileiro e Português


1580-1768

Editora Casemiro
@
São Paulo
2014

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BARROCO EM PORTUGAL (1580/1756) E NO BRASIL
(1601/1768)

1. O Filipismo e a Contrarreforma Católica

Em 1580, Portugal perdeu sua autonomia política, submetendo seus desígnios aos da Coroa
Espanhola. A morte do rei D. Sebastião, na Batalha de Alcácer Quibir, em 1578, pôs fim à 5
trajetória de sucesso da política expansionista portuguesa. Filipe II da Espanha assumiu o trono
português e governou Portugal entre 1580 e 1640, período que ficou conhecido como do Filipismo.

No ano em que teve início o Filipismo, morreu o poeta Luís Vaz de Camões (1524*/1580),
símbolo da cultura clássico-pagã lusitana, o que deu ocasião a um período de fortes influências da
cultura espanhola sobre a cultura portuguesa. A cultura maneirista espanhola – originada,
sobretudo, dos contrastes entre a religiosidade contrarreformista e o paganismo materialista do
expansionismo renascente – espalhou-se também por Portugal.

Com o domínio espanhol, o cotidiano português transformou-se, em todos os sentidos, em uma


extensão da vida política e cultural da Espanha, o que, mesmo durante o momento da Restauração –
período da retomada da autonomia portuguesa, entre 1640 e 1750 – mostrava-se ainda patente.

2. O Barroco no Brasil: Literatura e Colonização

O Brasil, na virada do século XVI para o XVII, era a principal colônia portuguesa.
Atravessava o ciclo econômico da cana-de-açúcar e, socialmente, restringia-se à formação de
pequenos núcleos de povoamento, criados em função das atividades econômicas colonizadoras.

Durante o século XVII, a economia canavieira nordestina declinou, sobretudo, por conta da
concorrência do açúcar holandês, e o litoral nordestino cedeu seu lugar de importância a um novo
núcleo civilizatório no Sudeste, região das Minas Gerais, ligado à exploração do ouro.

Esses núcleos civilizatórios estabeleciam-se, ainda, como verdadeiros centros de fixação da


cultura europeia na colônia, graças à atuação das Missões Bandeirantes e Jesuíticas.

Sob o mando de Filipe II de Espanha e de Portugal, e, posteriormente, sob o mando dos reis da
“Restauração Portuguesa”, a começar por D. João IV, o Conde de Bragança, reproduzia-se, na
América, a cultura que marcava a Península Ibérica: de um lado, os ideais contrarreformistas e
inquisitoriais; de outro lado, os ideais burgueses do lucro, do luxo e da luxúria, fazendo do Brasil
uma mera extensão do Maneirismo Ibérico.

3. O Barroco em Portugal e no Brasil

O Barroco Português e o Barroco Brasileiro se construíram como resultado das contradições


do Filipismo atuando no Brasil e em Portugal. Apelaram ao Cultismo ou Gongorismo (culto às
formas perfeitas, requintadas, rebuscadas, detalhistas, confusas, exageradas etc.) e ao Conceptismo
(culto ao jogo de ideias contraditórias, ao jogo lógico: primeiro, pela aproximação dos opostos –
parenese –; depois, pela fusão dos opostos - fusionismo) vindos do Maneirismo Espanhol.

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A construção formal requintada e o raciocínio tortuoso e enviesado foram adotados como
possibilidades de representação das nuances de um mundo também contraditório e retorcido, cheio
de movimentos visuais e sonoros – cromatismos que, não poucas vezes, resultaram em produções
artísticas carregadas de exagero, de pomposidade e de detalhismo, repetindo os caminhos
espanhóis.

O formalismo harmonizador das contradições e o raciocínio confuso firmaram-se como bases


de sustentação do Barroco Ibérico e do Barroco Brasileiro, o que, para Gérard Genette, seria a
própria essência do Barroco: “transformar toda diferença em oposição, toda oposição em simetria, e
toda simetria em identidade”.
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Observemos algumas características do Barroco:

 Linguagem rebuscada: os raciocínios requintados e contraditórios (conceptismo)


correspondendo às representações linguísticas requintadas (cultismo: vocabulário raro e
culto, sintaxe culta e retorcida, inversões surpreendentes, detalhismo, uso de formas fixas e
fórmulas literárias consagradas).

 Interrogações constantes e exclamações contundentes: expressam as dúvidas, as incertezas,


as reflexões e as emoções oscilantes que governaram o universo barroco colonial.

 O uso abusivo de imagens e figuras literárias: denunciam a fixação barroca pelo detalhe, pela
minúcia, pelo enfeite estético; denunciam a atração barroca pelo luxo, pela pomposidade
literária, colocados acima da clareza e da lógica.

4. Gregório de Matos Guerra: o desengaño

Gregório de Matos Guerra foi o terceiro filho de um fidalgo português estabelecido no


Recôncavo Baiano, como senhor de engenho. Segundo José Miguel Wisnik, o nascimento de
Gregório de Matos, em 20 de dezembro de 1833 (ou 36), veio somente acrescentar prestígio à
família já tão próspera daquele núcleo canavieiro.

Gregório estudou em Coimbra, fazendo-se Doutor em Direito. Exerceu em Lisboa o Júdice


Cível de Crimes e de Órfãos, sempre como uma espécie de jogo verbal, muito próximo dos
maneirismos do poeta Camões, do Padre António Vieira e dos poetas espanhóis Gôngora e
Quevedo.

Ainda em Portugal, casou-se e passou a frequentar a corte de D. Pedro II. No entanto, depois
da morte de sua mulher, retornou ao Brasil (1681).

No Brasil, renegou casa, cargos e encargos da sociedade de prestígio. Transformou-se numa


espécie de artista de rua e passou a conviver com todas as camadas da sociedade e com toda sorte
de festas e cerimoniais da cultura popular brasileira.

A SÁTIRA SOCIAL E A SÁTIRA ERÓTICA: O “BOCA DO INFERNO”


No momento de maior proximidade com a cultura popular e, portanto, com a realidade
colonial, Gregório de Matos produziu a parte mais controvertida de sua obra – sua sátira social e sua
sátira erótica: poemas críticos, obscenos e petulantes, com temas ligados à situação social da
colônia, à crise do núcleo canavieiro, à debilitação das instituições, à ascensão dos negociantes
portugueses e mulatos e à opressão política e econômica do sistema colonial.

Texto I

A cada canto um grande Conselheiro,


que nos quer governar cabana e vinha:
não sabem governar sua cozinha 7
e podem governar o Mundo inteiro!

Em cada porta um bem frequente Olheiro


da vida do Vizinho e da Vizinha,
pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
para o levar à Praça e ao Terreiro.

Muitos Mulatos desavergonhados,


trazendo sob os pés os Homens nobres;
posta nas palmas toda a picardia.

Estupendas usuras nos mercados


todos os que não furtam, muito pobres:
e eis aqui a Cidade da Bahia.
(Matos, Gregório de. Poemas Escolhidos, Org. José Miguel Wisnik, São Paulo, Cultrix, 1994, p.
41)

Observar no texto:

a) Nas duas primeiras estrofes, a dimensão antitética do texto: particular x público.

b) O levantamento e o registro crítico do comportamento social na colônia brasileira: a


incompetência política; as inversões sociais e de valores; a usura; o comércio desregrado etc.

c) A apresentação detalhista, argumentativa, irônica a respeito da realidade colonial.

d) O formalismo atento ao ritmo do decassílabo heroico, à rima e à organização estética do


soneto.

e) As analogias formais – aliterações (repetições de sons consonantais): “Pesquisa, escuta,


espreita e esquadrinha…”, “postas nas palmas toda picardia”.

f) A presença da antítese (aproximação de opostos, sustentando um raciocínio dialético; esse


tipo de condução lógica, no caso da oratória religiosa, ganha o nome de parenese) e do
paradoxo (fusão de opostos: fusionismo) na primeira estrofe.
Texto II

Descarto-me da tronga, que me chupa;


Corro por um conchego todo o mapa;
O ar da feia me arrebata a capa;
E o gadanho dá limpa até a garupa.

Busco uma freira, que me desentupa


as vias, que o desuso, às vezes, tapa.
Topo-a e topando-a, todo bolo rapa?
Que as cartas lhe dão sempre com chalupa?
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Que hei de fazer se sou de boa cepa?
E na hora de ver repleta a tripa
Darei por quem mo vase toda Europa?

Amigo, quem se alimpa da carepa,


Ou sofre uma muchacha, que o dissipa
Ou faz de sua mão uma cachopa.
(Matos, Gregório de. Poemas Escolhidos, Org. José Miguel Wisnik, São Paulo, Cultrix, 1994, p.
273)

Observar no texto:

a) Presença de elementos antitéticos: o profano e o sagrado, reduzidos à unidade (a freira e a


prostituta) na construção de um universo de sátira erótica.
b) O vocabulário popular mesclado ao vocabulário culto, como resultado de pesquisa,
rebuscamento, adequação ao assunto tratado.
c) A estrutura rebuscada do soneto: 14 versos decassílabos heroicos, rimados, organizados em
dois quartetos e dois tercetos (obs: reparar no sistema de rimas).
d) A representação da dúvida entre o profano e o sagrado, verificada, inclusive, na pontuação
interrogativa.
e) O efeito irônico, satírico e crítico produzido em torno da redução da prostituta e da freira a
objetos de prazer sensualizados.
f) O caminho sugerido por Gerard Genette: “transformar toda diferença em oposição, toda
oposição em simetria, e toda simetria em identidade”.
g) Vocabulário: tronga = prostituta; gadanho = foice de cabo longo (sentido pop. = órgão sexual
masculino); chalupa = de maior valor (no sentido do poema = as cartas de malandragem);
boa cepa = boa origem, boa estirpe (no texto: bom gadanho); carepa = meninice; hormônios
da adolescência com suas primeiras lanugens; muchacha, cachopa = moça.

LIRISMO

Ao lado da sátira desenfreada, que conferiu ao poeta, o apelido de “Boca do Inferno”, Gregório
de Matos construiu também sua “lira”, em que registrou várias angústias do homem de seu tempo.
Fazendo uso do soneto, como modelo formal predileto, levou a cabo o estilo e o conteúdo lírico-
filosófico, o lírico-religioso e o lírico-amoroso.
LIRISMO FILOSÓFICO

Em seu lirismo filosófico, explorou os temas ligados à filosofia barroca do desengaño: a


angústia gerada pela passagem do tempo, pela inutilidade e fugacidade das coisas e pela brevidade
dos prazeres, em que se ressaltavam as oscilações da cultura barroca, dividida entre os prazeres do
corpo (carpe diem) e os prazeres do espírito (salvação, ascese).

Texto III

Nasce o sol, e não dura mais que um dia,


Depois da Luz, se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura, 9
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém, se acaba o Sol, por que nascia?


Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz falte firmeza,


Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,


E tem qualquer dos bens por natureza.
A firmeza somente na inconstância.
(Matos, Gregório de. Poemas Escolhidos, Org. José Miguel Wisnik, São Paulo, Cultrix, 1994, p.
317)

Observar no texto:

a) A linguagem reflexiva e filosófica, verificada na presença das interrogações e tentativas de


compreensão da brevidade e da inconstância das coisas.

b) A emoção oscilante e a habilidade verbal do poeta diante das contradições da realidade.

c) O formalismo: o modelo do soneto; a seleção vocabular; a construção culta da frase


(hipérbatos: inversões na ordem frasal; paralelismo de estruturas sintáticas; anáforas:
repetição e reiteração de um termo já usado em versos anteriores).

d) As figuras de linguagem: a antítese (aproximação de opostos), a metáfora (símbolos), o


paradoxo (fusão de opostos), a elipse (o apagamento de um termo subentendido), o uso de
maiúsculas conferindo um valor alegórico às expressões.

Texto IV

Discreta e formosíssima Maria,


Enquanto estamos vendo a qualquer hora,
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos e boca, o sol e o dia:
Enquanto com gentil descortesia,
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança brilhadora,
Quando vem passear-te pela fria:

Goza, goza a flor da mocidade


Que o tempo trata a toda ligeireza
e imprime em toda a flor sua pisada.

Ó não aguardes que a madura idade


Te converta essa flor, essa beleza, 10
Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.
(Gregório de Matos in: Gonzaga, Sergius. Manual de Literatura Brasileira, Porto Alegre,
Mercado Aberto, 1993, p. 19)

Observar no texto:

a) A visão desencantada diante da brevidade dos prazeres, sujeitos à implacável passagem do


tempo: aproximação com o tema filosófico, pois discute a natureza finita do ser exposto ao
tempo.

b) A incitação ao Carpe Diem, como sugestão pagã (Epicurismo).

c) A linguagem argumentativa, sedutoramente metafórica, diante da interlocutora Maria.

d) Figuras de linguagem: gradação (intensificação ou desintensificação progressiva da imagem),


antítese (aproximação dos opostos), hipérbole (imagem exagerada), prosopopeia
(personificação de seres inanimados), metáfora (símbolos).

e) O soneto enquanto modelo formal: 14 versos decassílabos heroicos rimados, organizados em


dois quartetos e dois tercetos.

f) A estrutura sintática subordinada adverbial, contribuindo para a identificação da brevidade da


existência e para a argumentação de que tenta dissuadir a interlocutora Maria a aproveitar os
prazeres.

Lirismo Religioso

O lirismo religioso do poeta apresenta a desconfortável posição do homem barroco exposto à


lógica do cristianismo contrarreformista: os prazeres proporcionados pelo corpo e pela vida terrena
(carpe diem) são pecados que impedem a salvação – único prazer verdadeiro, na visão religiosa.
Assim, o homem, finito e pecador, coloca-se diante de Deus, infinito e perdoador, implorando, por
intermédio de Cristo, que lhe sejam perdoados os pecados e que lhe seja concedida a salvação. O
poeta realiza todo um jogo verbal argumentativo, muito requintado, cumprindo, com a poesia, um
papel semelhante ao da ascese alcançada nos cultos, orações e sermões. No Lirismo Religioso de
Gregório, é comum a presença de oposições – como homem-Deus, finito-infinito, pecado-perdão,
punição-recompensa, perdição-salvação – compondo um universo de dúvida e angústia que, por
fim, se re-harmoniza ao vislumbre da salvação.
Texto V

A vós correndo vou, braços sagrados,


Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsados


De tanto sangue e lágrimas cobertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não castigar-me, estais fechados. 11

A vós, pregados pés, por não deixar-me,


A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, para chamar-me.

A vós, lado patente, quero unir-me,


A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.
(Matos, Gregório de. Poemas Escolhidos, Org. José Miguel Wisnik, São Paulo, Cultrix, 1994, p.
300)

Observar no texto:

a) O excesso de detalhes que revelam os aspectos salvadores do Cristo na cruz, a partir da


intensa presença de adjetivos recobertos de significação religiosa.

b) O excesso de figuras de linguagem: metonímias (sinédoque: parte em lugar do todo),


metáfora (símbolo), antítese (aproximação de opostos), gradação (intensificação ou
desintensificação gradual da imagem) etc.

c) O vocabulário requintado, sacro resgatado do discurso religioso contrarreformista.

d) A construção sintática retorcida e culta, como resultado das inúmeras inversões sintáticas
(hipérbatos), do paralelismo de estruturas sintáticas (analogias entre construções sintáticas),
das construções anafóricas (anáforas: recuperação e reiteração de termos já utilizados em
versos anteriores), do uso de segunda pessoa do plural e apóstrofes (intensa presença de
vocativos).

e) O formalismo do soneto camoniano.

f) O jogo verbal que expressa a emoção religiosa – a angústia e o desejo de salvação do eu-
lírico pecador, colocado diante de Cristo, o Salvador.

Texto VI
Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Porque quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa que vos tem ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada


Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história,

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,


Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória. 12
(Matos, Gregório de. Poemas Escolhidos, Org. José Miguel Wisnik, São Paulo, Cultrix, 1994, p.
297)
Observar no texto:

a) O jogo argumentativo (conceptismo) percebido no texto, sobretudo, a partir dos conectivos


que estabelecem uma intrincada relação de dependência entre as frases e ideias (predomínio
da subordinação): o andamento do texto expõe uma tese (1 º quarteto), argumentos (2º quarteto
e 1o terceto) e uma conclusão (2o terceto).

b) As ambiguidades presentes nos quartetos, que apontam, ao mesmo tempo, para o homem
pecador e para o Deus perdoador.

c) O Cultismo percebido no formalismo do soneto, no vocabulário rebuscado, nas construções


de frases rebuscadas, no excesso de figuras de linguagem (antíteses: aproximação de
opostos; paradoxos: fusão de opostos; metáforas: símbolos; analogias: comparações
implícitas; citação: referência a outros textos, intertextualidade; hipérbatos: inversão na
ordem dos termos da frase; a subordinação).

LIRISMO AMOROSO

O lirismo amoroso, de Gregório de Matos, revela-nos como era visto o amor na época barroca.
Reflexo de um momento de ambiguidades, que colocava o homem entre os prazeres do corpo e os
prazeres do espírito, os poemas de Gregório tomam como ponto de partida a antítese entre a matéria
e o espírito. Tratam o tema amoroso e o objeto amado como um complexo de contradições e
ambiguidades: a dúvida entre o ascetismo e a sensualidade, entre a paixão e o refreamento, entre a
solidão e a comunhão, entre o amor carnal e o amor platônico construindo um conceito de amor
angustiado, paradoxal, incerto.

Texto VII

Ardor em coração firme nascido!


Pranto por belos olhos derramado!
Incêndio em mares de água disfarçado!
Rio de neve em fogo convertido!

Tu, que em um peito abrasas escondido,


Tu, que em um rosto corres desatado,
Quando em fogo em cristais aprisionado
Quando em cristal em chamas derretido.
Se és fogo como passas brandamente?
Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai! que andou Amor em ti prudente!

Pois para temperar a tirania,


Como quis, que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu, parecesse a chama fria.
(Matos, Gregório de. Poemas Escolhidos, Org. José Miguel Wisnik, São Paulo, Cultrix, 1994, p.
218)

Observar no texto: 13

a) A visão contraditória sobre o amor, expressa por metáforas: símbolos; antíteses: aproximação
de opostos; e paradoxos: fusão de opostos; anáforas: repetição e reiteração de termos já
usados em versos anteriores; paralelismo de estruturas.

b) A percepção sensorial: apelos visuais e táteis.

c) A pontuação exclamativa e interrogativa expressando um lirismo angustiado, as dúvidas, os


absurdos, as incertezas diante do amor.

d) A definição do amor como contradição angustiante: o amor é um tirano, que promove um


jogo entre a aparência e a realidade – um desengaño.

e) A intertextualidade com o soneto “O amor é um fogo que arde…” de Luís Vaz de Camões.

f) A estrutura argumentativa do soneto: tese, argumentos, conclusão.

Texto VIII

Anjo no nome, Angélica na cara!


Isso é ser flor, e Anjo juntamente:
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós, se uniformara:

Quem vira uma tal flor, que a não cortara,


De verde pé, da rama florescente;
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus o não idolatrara?

Se pois como Anjo sois dos meus altares,


Fôreis o meu Custódio, e a minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo, que por bela, e por galharda,


Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
(Matos, Gregório de. Poemas Escolhidos, Org. José Miguel Wisnik, São Paulo, Cultrix, 1994, p.
202)
Observar no texto:

a) A visão paradoxal sobre o amor e sobre o objeto amado: dividido entre o prazer do corpo e a
contemplação do espírito.

b) A presença da antítese: anjo e flor.

c) A presença do paradoxo: “Angélica flor; Anjo florente”; “Anjo que me tenta”.

d) Vocabulário requintado; frase requintada (hipérbatos: inversões na ordem frasal), conjunção


entre construções coordenadas e subordinadas refinando a estrutura reflexiva do texto. 14

e) Forma perfeita do soneto: quatorze versos decassílabos heroicos rimados, organizados em


dois quartetos e dois tercetos.

5. Padre António Vieira: o texto sacro

O Padre António Vieira é uma referência indiscutível para todos aqueles que apreciam o uso
inteligente e elegante da palavra: sua retórica constitui um dos melhores exemplos da conjunção
entre a beleza discursiva e o poder de persuasão e convencimento.

Nascido em Portugal (1608), viveu pelo menos dois terços de sua vida no Brasil. Chegou à
Bahia com seis anos de idade e, aos 21 anos, tornou-se professor de Teologia no Colégio de
Salvador.

Quando D. João IV assumiu o trono português em 1640, Vieira retornou a Portugal e pôde
viver alguns anos de grande prestígio na corte, sob as proteções do rei. No entanto, por defender,
abertamente, os judeus, passou a sofrer a perseguição da Inquisição, o que o obrigou a voltar ao
Brasil em 1652.

Estabeleceu-se no Maranhão e dedicou-se a combater a escravidão de indígenas. Por conta


disso, acabou sendo expulso das Missões Maranhenses em 1661.

Com a morte de D. João IV, o padre caiu nas mãos da Inquisição, acusado de heresia. Segundo
apontavam, defendia o mito sebastianista, o advento do Quinto Império e os judeus — assim, foi
conduzido à prisão por dois anos e proibido de pregar por oito anos.

A pena, no entanto, foi interrompida em 1668, porque foi aceito seu pedido de anistia. Passou
um tempo na Itália até que, em 1681, recebeu o perdão do Papa, que o isentou definitivamente das
acusações da Inquisição. Regressou ao Brasil, onde exerceu o cargo superior das missões na Bahia,
até sua morte em 1697. Nesse período de recolhimento, dedicou-se ao acabamento de suas obras
sacro-literárias: epístolas, profecias e sermões.

Principais recursos encontrados em seus textos:

Mescla entre um estilo culto, requintado, abundantemente detalhista – cultismo – sem


desprezar certos relances de oralidade e descontração.
Perfeita adequação entre o todo e as partes do texto, organizado sempre no sentido da
sustentação dos argumentos e da persuasão – linguagem conceitual, buscando uma rígida
organização lógica.

Uso exagerado de figuras de linguagem: antíteses, paradoxos, paráfrases, metáforas,


analogias e comparações.

Conceptismo (parenese e fusionismo): aproximando e mesclando elementos profanos (o


cotidiano da sociedade, a mitologia, a história, a política, a economia, o próprio estilo etc.) e
sacros (o texto bíblico, as parábolas, as experiências místicas, as encíclicas papais, os
pronunciamentos dos doutores da Igreja etc.).
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Suas principais produções foram os sermões, que apresentam um projeto tradicional de
retórica:

Introito: apresentação do assunto a ser explanado; geralmente, realizada pela evocação de um


verso bíblico, que sintetiza as intenções do sermão.

Invocação: um pedido de inspiração, de modo geral, feito aos santos ou às santas (Nossa
Senhora), ao Cristo ou a Deus.

Argumentação: desenvolvimento do tema proposto, com finalidade persuasiva – lança mão


de um leque de argumentos, provenientes da Bíblia, das encíclicas papais, da filosofia dos
doutores da Igreja, mas, ao mesmo tempo, do cotidiano pagão, da história das sociedades e
das culturas terrenas (ex.: mitologia, filosofia e história dos gregos e romanos).

Peroração: momento da conclusão e da afirmação das verdades morais pregadas; momento da


exaltação dos fiéis para que as verdades pregadas se convertam em ações.

Texto I
(…)
Fazer tão pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um dos três
princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma
se converter por meio de um sermão, há de haver três concursos: há de concorrer o pregador com
a doutrina, persuadindo; há de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há de
concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um homem ver a si mesmo são necessárias três
coisas: olhos, espelho e luz. Se tem o espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem
espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo há mister luz, há mister
espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma senão entrar um homem dentro
em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, é necessária luz, e é necessário
espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a
graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão das
almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte,
por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por
parte de Deus?
Primeiramente, por parte de Deus, não falta nem pode faltar. Esta proposição é de fé,
definida no concílio tridentino, e no nosso Evangelho a temos. Do trigo que deitou à terra o
semeador, uma parte se logrou e três se perderam. E por que se perderam estas três? – A primeira
perdeu-se, porque a afogaram os espinhos; a segunda, porque a secaram as pedras; a terceira,
porque a pisaram os homens e a comeram a aves. Isto é o que diz Cristo; mas notai o que não diz.
Não diz que parte alguma daquele trigo se perdesse por causa do sol ou da chuva. A causa por
que ordinariamente se perdem as sementeiras, é pela desigualdade e pela intemperança dos
tempos, ou porque falta ou sobeja a chuva, ou porque falta ou sobeja o sol. Pois por que não
introduz o Cristo na parábola do Evangelho algum trigo que se perdesse por causa do sol ou da
chuva? – Porque o sol e a chuva são influências da parte do Céu, e deixar frutificar a semente da
palavra de Deus, nunca é por falta do Céu, isso nunca é, nem pode ser. Sempre Deus está pronto
da sua parte, com o sol para aquentar e com a chuva para regar; com o sol para alumiar e com a
chuva para amolecer, se os nossos corações quiserem: Qui solem suum oriri facit super bonos et
malos, et pluit super justos et injustus (Math. V – 45) Se Deus dá o seu sol e a sua chuva aos bons
e aos maus; aos maus que se quiserem fazer bons, como a negará. Este ponto é tão claro, que não
há para que nos determos em mais prova. Quid debui facere vineae meae et non feci? – disse o
mesmo Deus por Isaías (Isaí. V – 4). 16
Sendo pois certo que a palavra divina não deixa de frutificar por parte de Deus, segue-se que
ou é por falta do pregador, ou por falta dos ouvintes. Por qual será? Os pregadores deitam a culpa
aos ouvintes; mas não é assim. Se fora por parte dos ouvintes, não fizera a palavra de Deus muito
grande fruto, mas não fazer nenhum fruto e nenhum efeito, não é por parte dos ouvintes. Provo.
Os ouvintes, ou são maus ou são bons; se são bons, faz neles grande fruto a palavra de Deus; se
são maus, ainda que não faça neles fruto, faz efeito. No Evangelho o temos. O trigo que caiu nos
espinhos nasceu, mas afogaram-no: Simul exortae spinae suffocaverunt illud. O trigo que caiu
nas pedras nasceu também, mas secou-se: et natum aruit. O trigo que caiu na terra boa nasceu e
frutificou com grande multiplicação: Et natum fecit fructum centuplum. De maneira que o trigo
que caiu na boa terra, nasceu e frutificou; o trigo que caiu na má terra, não frutificou, mas nasceu;
porque a palavra de Deus é tão fecunda que nos bons faz muito fruto e é tão eficaz que nos maus,
ainda que não faça fruto, faz efeito; lançada nos espinhos, não frutificou, mas nasceu até nos
espinhos; lançada nas pedras, não frutificou, mas nasceu até nas pedras. Os piores ouvintes que
há na Igreja de Deus são as pedras e os espinhos. E por quê? – Os espinhos por agudos, as pedras
por duras. Ouvintes de entendimentos agudos e ouvintes de vontades endurecidas são os piores
que há. Os ouvintes de entendimentos agudos são maus ouvintes, porque vêm só a ouvir
sutilezas, a esperar galantarias, a avaliar pensamentos, e às vezes também a picar a quem os não
pica. Aliud cecidit inter spinas: O trigo não picou os espinhos, antes os espinhos o picaram a ele;
e o mesmo sucede cá. Cuidais que o sermão vos picou a vós, e não é assim, vós sois os que picais
o sermão. Por isso são maus ouvintes os de entendimentos agudos. Mas os de vontades
endurecidas ainda são piores, porque um entendimento agudo pode-se ferir pelos mesmos fios, e
vencer-se uma agudeza com outra maior; mas contra vontades endurecidas, nenhuma coisa
aproveita a agudeza, antes dana mais, porque quanto as setas são mais agudas, tanto mais
facilmente se despontam na pedra. Oh! Deus nos livre de vontades endurecidas, que ainda são
piores que as pedras. A vara de Moisés abrandou as pedras e não pôde abrandar uma vontade
endurecida: Percutiens virga bis silicem; et egressae sunt aquae largissima. (Num. XX – 11)
Induratum est cor Pharaonis. (Exod. VII – 13). E com os ouvintes de entendimentos agudos e os
ouvintes de vontades endurecidas serem os mais rebeldes, é tanta a força da divina palavra, que,
apesar da agudeza, nasce nos espinhos, e apesar da dureza, nasce nas pedras. Pudéramos argüir
ao lavrador do Evangelho de não cortar os espinhos e de não arrancar as pedras antes de semear,
para que se visse a força do que semeava. É tanta a força da divina palavra, que, sem contar nem
despontar espinhos, nasce entre espinhos. É tanta a força da divina palavra, que, sem arrancar
nem abrandar pedras, nasce nas pedras. Corações embaraçados como espinhos, corações secos e
duros como pedras, ouvi a palavra de Deus e tende confiança; tomai exemplo nessas mesmas
pedras e nesses mesmos espinhos. Esses espinhos e essas pedras agora resistem ao semeador do
Céu; mas virá tempo em que essas mesmas pedras o aclamem e esses mesmos espinhos o
coroem. Quando o semeador do Céu deixou o campo, saindo deste Mundo, as pedras se
quebraram para lhe fazerem aclamações, e os espinhos se teceram para lhe darem coroa. E se a
palavra de Deus até dos espinhos e das pedras nasce, não triunfar dos alvedrios hoje a palavra de
Deus, nem nascer nos corações, não é por culpa, nem por indisposição dos ouvintes.
Supostas estas duas demonstrações; suposto que o fruto e o efeito da palavra de Deus não
fica, nem por parte de Deus, nem por parte dos ouvintes, segue-se, por conseqüência clara, que
fica por parte do pregador. E assim é. Sabeis, cristãos, por que não faz fruto a palavra de Deus? –
Por culpa dos pregadores. Sabeis, pregadores, por que não faz fruto a palavra de Deus? – Por
culpa nossa.
(…)
Será por ventura o estilo que hoje se usa nos púlpitos? Um estilo tão empeçado, um estilo
tão dificultoso, um estilo tão afetado, um estilo tão encontrado a toda a arte e a toda a natureza?
Boa razão é também esta. O estilo há de ser muito fácil e muito natural. Por isso Cristo comparou
o pregar ao semear: Exiit, qui seminat, seminare. Compara Cristo o pregar ao semear, porque o 17
semear é uma arte que tem mais de natureza que de arte. Nas outras artes tudo é arte; na música
tudo se faz por compasso, na arquitetura tudo se faz por regra, na aritmética tudo se faz por conta,
na geometria tudo se faz por medida. O semear é assim. É uma arte sem arte; caia onde cair.
Vede como semeava o nosso lavrador do Evangelho. Caía o trigo nos espinhos e nascia: Aliud
cecidit inter spinas, et simul exortae spinae. Caía o trigo nas pedras e nascia: Aliud cecidit super
petram, et ortum. Caía o trigo na terra boa e nascia: Aliud cecidit in terram bonam, et natum. Ia o
trigo caindo e ia nascendo.
Assim há de ser o pregar. Hão de cair as coisas e hão de nascer; tão naturais que vão caindo,
tão próprias que venham nascendo. Que diferente é o estilo violento e tirânico que hoje se usa!
(…)
Já que falo contra os estilos modernos, quero alegar por mim o estilo do mais antigo
pregador que houve no Mundo. E qual foi ele? – O mais antigo pregador que houve no Mundo
foi o Céu. Caeli enarrant gloriam Dei et opera manuum e jus annuntiat firmamentum – diz David
(Psal. XVIII – 1).
(...)
As palavras são as estrelas, os sermões são a composição, a ordem, a harmonia e o curso
delas. Vede como diz o estilo de pregar do Céu, com o estilo que o Cristo ensinou na Terra. Um e
outro é semear; a Terra semeada de trigo, o Céu semeado de estrelas. O pregar há de ser como
quem semeia e não como quem ladrilha ou azuleja. Ordenado, mas como as estrelas: Stellae
manentes in ordine suo (Jud. V –20). Todas as estrelas estão por sua ordem; mas é ordem que faz
influência, não é ordem que faça lavor. Não fez Deus os Céus em xadrez de estrelas, como os
pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras. Se de uma parte está branco, da outra há de
estar negro; se de uma parte está dia, da outra há de estar noite; se de uma parte dizem luz, da
outra hão de dizer sombra; se de uma parte dizem desceu, da outra hão de dizer subiu. Basta que
não havemos de ver num sermão duas palavras em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira
com o seu contrário? Aprendamos do Céu o estilo da disposição, e também o das palavras. Como
hão de ser as palavras? – Como as estrelas. As estrelas são muito distintas e muito claras. Assim
há de ser o estilo da pregação – muito distinto e muito claro. E nem por isso temais que pareça o
estilo baixo; as estrelas são muito distintas e muito claras e altíssimas. O estilo pode ser muito
claro e muito alto; tão claro que o entendam os que não sabem, tão alto que tenham muito que
entender os que sabem. O rústico acha documentos nas estrelas para sua lavoura e o mareante
para sua navegação e o matemático para as suas observações e para os seus juízos. De maneira
que o rústico e o mareante, que não sabem ler nem escrever, entendem as estrelas; e o
matemático, que tem lido quanto escreveram, não alcança a entender quanto nelas há. Tal pode
ser o sermão – estrelas, que todos vêem e muito poucos as medem. (…)
(Sermão da Sexagésima, ou A Palavra de Deus in: Vieira, Pe. Antônio. Sermões. 2ª edição. Rio de
Janeiro: Agir, 1960, p. 107)

Observar no texto:
a) Sermão proferido em 1655, na Capela Real de Lisboa, que define, conforme a exposição do
próprio Vieira, o verdadeiro estilo de pregar. É considerado o sermão de entrada para
compreensão da obra de Vieira, por conta de seu caráter metalinguístico.

b) A riqueza vocabular (teologia, natureza, ciência, filosofia, cotidiano) e a riqueza sintática


(hipérbatos, paralelismo, estruturas silogísticas etc) do texto.

c) O uso insistente das figuras de linguagem: metáforas (símbolos), comparações, analogias


(comparações implícitas), antíteses (aproximação de opostos).

d) A capacidade argumentativa (poder de convencimento) do texto, em seus recursos lógicos 18


(silogismos), em seus jogos de ideias contraditórios (conceptismo: parenese).

e) A sobriedade das construções, que aproximam, com estilo exuberante e pomposo, certa ironia
da indignação religiosa do palestrador.

f) A intertextualidade com os textos bíblicos e o estilo da parábola.

Texto II

Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a conquistar a Índia: e
como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores,
repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício: porém ele, que não era medroso nem
lerdo, respondeu assim: Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós,
porque roubais em uma armada, sois imperador. Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito
é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. O
ladrão que furta para comer, não vai nem leva ao inferno: os que não só vão, mas levam, de que
trato, são outros ladrões de maior calibre e de mais alta esfera; os quais debaixo do mesmo nome
e do mesmo predicamento distingue muito bem São Basílio Magno. Não só são ladrões, diz o
santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que vão banhar para lhes colher a roupa; os ladrões
que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os
exércitos e legiões, já com força roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um
homem, estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor
nem perigo; os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam.

Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma tropa de
varas e ministros levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: Lá vão os ladrões grandes
a enforcar os pequenos. Ditosa Grécia que tinha tal pregador! E mais ditosa as outras nações, se
nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas. Quantas vezes se viu em Roma ir a enforcar um
ladrão por ter roubado um carneiro; e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador,
por ter roubado uma província. E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões
triunfantes? (...)...

(“Sermão do Bom Ladrão”. Apud E. Gomes. Trechos Escolhidos,


Rio de Janeiro, Agir, 1971, pp. 81 e 82)
Observar no texto:

a) O raciocínio conceptista, parenético.

b) A riqueza vocabular e sintática do texto; o uso da parábola, das comparações, das analogias,
das antíteses.

c) O poder de convencimento do texto, centrado em seus recursos lógicos.

d) A visão fusionista de mundo, que aproxima a discussão sobre os problemas sociais da


discussão sobre a moralidade e a ética no comportamento cristão.
19
e) A contraditória gama de argumentos, que passa pelos exemplos cotidianos, pela parábola,
pela oratória dos doutores da Igreja, por aspectos da história e da mitologia.

Leitura Complementar

Ao lado do Padre António Vieira, se destacaram, no Barroco Português, em menor escala, as


figuras do Padre Manuel Bernardes, de Sóror Mariana Alcoforado e de D. Franscisco Manuel de
Melo. O primeiro, por causa de seus tratados religiosos, de sua literatura moralista e de seus
sermões, construídos como verdadeiras histórias de exemplo moral. A segunda, Sóror Mariana
Alcoforado, ganhou destaque por suas Cartas Portuguesas (5 cartas de amor, inicialmente
conhecidas em Francês — 1669), que relatam, em tom emotivo e confessional, a paixão de uma
interna do Convento da Conceição da Beja por um oficial do exército francês, que estivera por um
tempo a serviço em terras portuguesas. Já D. Francisco Manuel de Melo fundamentou a riqueza de
sua obra na versatilidade; sua produção é um dos melhores exemplos das interferências culturais
espanholas em Portugal: escreveu epístolas, teatro, historiografia, prosa moralista e poesia, sendo
que, nesta última, ganhou maior destaque literário.

Texto I

Castigo de amores sacrílegos

Em certa idade de Espanha, uma Religiosa tinha por devoto a um secular com cujas
freqüentes visitas, conversações e regalos se acendeu no peito de ambos um tão sacrílego fogo,
que ela se determinou a dar-lhe entrada pela janela. Apontou-lhe hora em que o esperaria e, para
maior dissimulação, advertiu à criada, que dormia em outro aposento mais interior, que se não
inquietasse ainda que ouvisse algum ruído, porque ela andava indisposta e não podia dormir.
Naquela mesma noite, antes da hora concertada, entrou o demônio no aposento da Freira e lhe
apertou a garganta com tanta força que a deixou afogada. E se bem a criada a ouvia gemer e
estrebuchar quando o inimigo lhe estava dando garrote, não se moveu julgando que eram efeitos
da indisposição de sua ama, conforme lhe tinha avisado. Porém, como o demônio arremessasse
depois aquele miserável corpo no meio da casa com grande ruído, levantou-se a criada e o viu já
destituído do vital alento e desfigurado com um aspecto horrendo. Ao mesmo ponto subiu o
devoto à janela e chamou com voz baixa a Religiosa pelo seu nome. Ouviu a criada, abriu a
janela e lhe disse:

— Vedes aqui a minha ama morta às mãos do demônio.


Não é crível o pasmo e assombro que o secular recebeu com espetáculo tão triste e
inopinado. Abriu-lhe Deus os olhos da alma; tornou logo a descer-se. Chorou e confessou seus
pecados e nunca mais teve correlação com Freiras.

(Padre Manuel Bernardes. Apud Cereja, W. et alii. Panorama da Literatura Portuguesa, São
Paulo, Atual, 1991, p. 44)

Texto II
20
Carta

Que vai ser de mim, e que queres tu que eu faça? Estou longe de tudo o que futurei!
Contava que me escrevesses de todas as terras por onde passasses e que as tuas cartas fossem
muito grandes. Cuidava que desses alento à minha paixão com a esperança de tornar-te a ver-te;
que uma confiança completa na tua fidelidade me trouxesse algum sossego, e que assim eu
ficasse numa situação mais aliviada sem dores ainda maiores. Chegara até a formar uns leves
projetos de empregar todos os esforços de que fosse capaz para me sarar, se viesse a ter a certeza
de que me esqueceras de todo.

O teu afastamento, alguns rebates de devoção; o receio de estragar sem remédio a pouca
saúde que me resta com tantas vigílias e apoquentações; a minguada esperança no teu regresso, a
frieza da tua feição e dos teus últimos adeuses, a tua partida fundamentada em pretextos fracos, e
mil outras razões boas demais e demasiado simples pareciam oferecer-me um amparo firme, se
dele necessitasse. Só e tendo de batalhar comigo mesma, mal podia desconfiar de todas as minhas
fraquezas, nem adivinhar tudo o que hoje padeço.

Pobre de mim! Digna de lástima que sou por não poder partilhar contigo as minhas penas e
ser eu só a desgraçada! Tira-me a vida este pensamento. Morro de desgosto ao imaginar que
nunca gozaste verdadeiramente os nossos enlevos. Sim, conheço agora a má fé de todas as tuas
intenções. Atraiçoavas-me todas as vezes que me dizias que o teu maior contentamento era estar
a sós comigo. Somente às minhas importunações devo os teus transportes e afagos... Formaste de
caso pensado a tenção de me entontecer. Consideraste a minha paixão uma vitória tua sem que o
teu coração nela entrasse em coisa nenhuma. És assim tão vil e tens tão pouca delicadeza que não
soubeste tirar melhor proveito dos meus arrebatamentos? E como é possível que com tanto amor
eu não conseguisse dar-te uma felicidade perfeita? Lamento, por amor de ti apenas, as venturas
sem par que perdeste. Que mal sestro te levou a não as querer gozar? Ai, se as provaras, verias
que eram mais gostosas que a satisfação de me haveres seduzido, e reconhecerias que se é mais
feliz e que é bem mais agradável amar com ardor do que ser amado.(...)

(Sóror Mariana Alcoforado. Terceira Carta. Apud Tufano, Douglas. Estudos de Literatura
Portuguesa, São Paulo, Moderna, 1981, pp.128 e 129)
Texto III

Delírios da Natureza

Em um ponto me alegro, e me entristeço,


Choro, e rio, ouso, vivo, e morro,
Caio e grito, contemplo, e não discorro,
Parto, e fico, não vou, e me despeço.

Lembrando-me de mim, de mim me esqueço,


Ora fujo, ora torno, paro e corro,
Já atado, já solto, preso, e forro, 21
Lince, e cego, me ignoro, e me conheço.

Eu mesmo me acredito, e me desminto,


Eu mesmo agravo o mal, e peço a cura,
Eu mesmo me consolo e me ressinto.

Saiba, pois, toda a humana criatura,


Que, para escapar deste labirinto,
Há de fugir às mãos da formosura.

(Dom Francisco Manuel de Melo. Apud Medina Rodrigues et alii. Literatura Portuguesa, São
Paulo, Ática, 1994, p. 103)

Exercícios

(VUNESP) Texto para as questões 1 e 2.

Texto I

AO CONDE DE ERICEYRA D. LUIZ DE MENEZES PEDINDO LOUVORES AO


POETA NÃO LHE ACHANDO ELLE PRESTIMO ALGUM.

Um soneto começo em vosso gabo;


Cantemos esta regra por primeira,
Já lá vão duas, e esta é a terceira,
Já este quartetinho está no cabo.

Na quinta torce agora a porca o rabo:


A sexta vê também desta maneira,
Na sétima entro já com grã canseira,
E saio dos quartetos muito brabo.

Agora nos tercetos que direi?


Direi, que vós, Senhor, a mim me honrais,
Gabando-vos a vós, e eu fico um Rei.

Nesta vida um soneto já ditei,


Se desta agora escapo, nunca mais;
Louvado seja Deus, que o acabei.

(in: MATOS, Gregório de. Obra Poética, 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1990, vol. I, p. 129-30)

Texto II

O SONETO 22

Era magro, feio, merecia o superlativo: era magérrimo e feíssimo. Usava óculos, fumava de
piteira, a voz rachada, andava mal vestido, mas tinha – milagre jamais explicado – um carrinho
inglês que sempre estava de bateria arriada e precisava ser empurrado.
Trabalhava num vespertino, seu texto era barroco, cobria festividades cívicas e religiosas.
Era – segundo meu pai – uma boa alma, embora fosse ruim de corpo. Um dia, me levou para um
canto da redação e recitou-me um soneto de sua lavra, os olhos faiscando de lascívia contrariada.
Esqueci o soneto minutos depois. Guardei por uns tempos o final, aquilo que os parnasianos
chamavam de “chave de ouro”. Transcrito em papel talvez não impressione.
Dito por ele, num canto empoeirado da redação, com sua voz rachada, a piteira nas mãos
trêmulas, era uma apoteose da dor: “Passei bem junto a ela. E decerto / ela me soube que eu
passei tão perto / e nem suspeita que eu segui chorando!”. O verso quebrado e a exclamação final
faziam parte da poética e das redações daquele tempo.
Chamava-se Cardim. Domingos da Silva Cardim se não me engano. Casara-se com uma
viúva tão feia e magra como ele, também boníssima alma. Não tinham filhos.
Por isso ou aquilo, Cardim apaixonava-se com freqüência e, quanto menos correspondido,
mais apaixonado ficava. Deve ter feito outros sonetos, circulou pela redação um poema
pornográfico e anônimo que desde o redator-chefe até o contínuo que ia buscar café na esquina
atribuíram ao estro do Cardim.
(in: CONY, Carlos Heitor, Folha de S. Paulo. Cad. 1, p. 2 – Opinião,
6/7/97.)

1. (VUNESP) A forma poemática do soneto foi bastante empregada no período barroco.


Gregório de Matos praticou sonetos líricos, religiosos, eróticos, laudatórios, satíricos,
humorísticos. Releia o soneto que o poeta dedicou ao Conde de Ericeyra e responda:

a) No primeiro verso, o poeta declara que o soneto se destina a louvar o Conde, mas acaba
tratando de outro assunto, para com isso caracterizar uma atitude de desprezo e deboche. Que
assunto real é desenvolvido pelo poeta em seu poema?

b) Com base nas informações verificáveis nos dois textos dados, defina, sob o ponto de vista da
versificação, as características fundamentais da forma poemática “Soneto”.

2. (VUNESP) Em sua crônica, Carlos Heitor Cony apresenta, com fino humor, um antigo colega
e poeta, um tipo bastante curioso, dado a cultivar sonetos. O cronista, num processo de
reminiscência, aborda a personalidade do poeta, as características de seu estilo e suas
produções poéticas. Observe, numa releitura do texto, esse processo de caracterização da
personagem e, em seguida responda:
a) Ao referir-se ao discurso da personagem, o cronista afirma que “seu texto era barroco”.
Considerando as características do estilo de época denominado barroco, em que se inscreve a
poesia de Gregório de Matos, explique o que Cony quis dizer a respeito do estilo de
Domingos da Silva Cardim.

b) Semelhantemente ao que fez Gregório em seu poema, embora de modo mais direto, ao
apresentar e descrever Domingos da Silva Cardim, o cronista assume uma atitude de
deboche, que por vezes beira ao escárnio. Transcreva duas frases da crônica em que se
caracteriza tal atitude.

23
3. Leia os textos abaixo:

Triste Bahia! ó quão dessemelhante


Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.

II

Aquele não sei quê, que, Inês, te assiste


No gentil corpo, e na graciosa face,
Não sei donde te nasce, ou não te nasce,
Não sei onde consiste, ou não consiste.

III

Meu amado Redentor,


Jesu Cristo soberano,
Divino homem, Deus humano,
da terra e céus criador:
por serdes quem sois, Senhor,
e porque muito vos quero,
me pesa com rigor fero
de vos haver ofendido,
de que agora, arrependido,
meu Deus, o perdão espero.

IV

É vaidade, Fábio, nesta vida,


Rosa, que da manhã lisonjeada,
Púrpuras mil, com ambição dourada,
Airosa rompe, arrasta presumida. (...)

Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa


De que importa, se aguarda sem defesa
Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?
Os trechos apresentados correspondem a quatro diferentes tendências da poesia de Gregório de
Matos. Identifique-as e justifique sua resposta com características presentes nos textos.

4.
Nasce o sol e não dura mais que um dia.
Depois da luz, segue-se a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
24
No quarteto acima, de Gregório de Matos, podemos encontrar um tipo de raciocínio típico do
Barroco. Que tipo de raciocínio é este? Que tipo de figura de linguagem o facilita?

a) Raciocínio parenético, facilitado pela forte presença de antíteses.


b) Raciocínio parenético, facilitado pela forte presença de metonímias.
c) Raciocínio parenético, facilitado pela forte presença da hipérbole.
d) Raciocínio fusionista, facilitado pela forte presença de prosopopeias.
e) Raciocínio fusionista, facilitado pela forte presença de gradações.

5. (PUC/SP)

Que falta nesta cidade? Verdade.


Que mais por sua desonra? Honra.
Falta mais que se ponha? Vergonha.
O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.

Pode-se reconhecer nos versos acima, de Gregório de Matos,

a) o caráter de jogo verbal próprio do estilo barroco, a serviço de uma crítica, em tom de sátira,
do perfil moral da cidade da Bahia.
b) o caráter de jogo verbal próprio da poesia religiosa do século XVI, sustentando piedosa
lamentação pela falta de fé do gentio.
c) o estilo pedagógico da poesia neoclássica, por meio da qual se investe das funções de um
autêntico moralizador.
d) o caráter do jogo verbal próprio do estilo barroco, a serviço da expressão lírica do
arrependimento do poeta pecador.
e) o estilo pedagógico da poesia neoclássica, sustentando em tom lírico as reflexões do poeta
sobre o perfil moral da cidade da Bahia.

6. Leia o texto a seguir:

O todo sem a parte não é o todo;


A parte sem o todo não é a parte;
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.
Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte sempre fica o todo.

O braço de Jesus não seja parte,


Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo,


Um braço, que lhe acharam, sendo parte,
Nos diz as partes todas deste todo. 25

No soneto de Gregório de Matos, podemos encontrar no texto:

a) um refinado jogo verbal para expressar as ansiedades religiosas do eu-lírico pecador diante
do Cristo Salvador.
b) um refinado jogo verbal para expressar as ansiedades da vida pecaminosa do eu-lírico que
recusa a salvação do Cristo.
c) um refinado jogo verbal para expressar os sofrimentos do Cristo na cruz e o castigo do
pecador.
d) a simplicidade do jogo verbal para expressar os sofrimentos do Cristo e o mistério
inalcançável da salvação.
e) a simplicidade do jogo verbal para expressar as ansiedades da vida pecaminosa do eu-lírico
diante do Cristo.

7. (FATEC)

No colégio dos padres, Gregório de Matos escreveu:


"Quando desembarcaste da fragata, meu dom Braço de Prata, cuidei, que a esta cidade tonta,
e fátua*, mandava a Inquisição alguma estátua, vendo tão espremida salvajola* visão de palha
sobre um mariola*".
Sorriu, e entregou o escrito a Gonçalo Ravasco.
Gonçalo leu-o, gracejou, entregou-o ao vereador.
O papel passou de mão em mão.
"A difamação é o teu deus", disseram, sorrindo.”
(Ana Miranda, Boca do Inferno)

(* fátua: tola; * salvajola: variante de "selvagem"; * mariola: velhaco)

O trecho ilustra:

a) a poesia erótica de Gregório de Matos, inspirada na vida dos prostíbulos da cidade da Bahia e
que deu origem à alcunha do poeta, "Boca do Inferno".
b) a poesia lírica de Gregório de Matos, voltada para a temática filosófica, em linguagem
marcada pelos recursos da estética barroca.
c) a poesia satírica de Gregório de Matos, dedicada à descrição fiel da sociedade da época,
utilizando recursos expressivos característicos do barroco português.
d) a poesia erótica de Gregório de Matos, caracterizada pela crítica aos comportamentos e às
autoridades baianas da época colonial.
e) a poesia satírica de Gregório de Matos, que representa, no conjunto de sua obra, uma espécie
de fuga aos moldes barrocos portugueses e ataca, no linguajar baiano da época, costumes e
personalidades.

8. (FATEC)
Quando jovem, Antônio Vieira acreditava nas palavras, especialmente nas que eram ditas
com fé. No entanto, todas as palavras que ele dissera, nos púlpitos, nas salas de aula, nas
reuniões, nas catequeses, nos corredores, nos ouvidos dos reis, clérigos, inquisidores, duques,
marqueses, ouvidores, governadores, ministros, presidentes, rainhas, príncipes, indígenas, desses 26
milhões de palavras ditas com esforço de pensamento, poucas - ou nenhuma delas - havia surtido
efeito. O mundo continuava exatamente o de sempre. O homem, igual a si mesmo. (Ana
Miranda, Boca do Inferno)

A expressão “...milhões de palavras ditas com esforço de pensamento.” faz referência a um traço
da linguagem barroca presente na obra de Vieira; trata-se do:

a) gongorismo, caracterizado pelo jogo de ideias.


b) cultismo, caracterizado pela exploração da sonoridade das palavras.
c) cultismo, caracterizado pelo conflito entre fé e razão.
d) conceptismo, caracterizado pelo vocabulário preciosista e pela exploração de aliterações.
e) conceptismo, caracterizado pela exploração das relações lógicas, da argumentação.

Texto para exercícios 9 e 10:

Os senhores poucos, os escravos muitos; os senhores rompendo galas, os escravos despidos


e nus; os senhores banqueteando, os escravos perecendo à fome; os senhores nadando em ouro e
prata, os escravos carregados de ferros; os senhores tratando-os como brutos, os escravos
adorando-os e temendo-os como deuses; os senhores em pé apontando para o açoite, como
estátuas da soberba e da tirania, os escravos prostrados com as mãos atadas atrás, como imagens
valíssimas da servidão e espetáculos de extrema miséria. Oh Deus! Quantas graças devemos à Fé
que nos destes, porque só ela cativa o entendimento para que, à vista destas desigualdades,
reconheçamos vossa justiça e providência! Estes homens não são filhos do mesmo Adão e da
mesma Eva? Estas almas não foram resgatadas com o sangue do mesmo Cristo? Estes corpos
não nascem e morrem como os nossos? Não respiram o mesmo ar? Não os aquenta o mesmo sol?
Que estrela é logo aquela que os domina tão triste, tão inimiga, tão cruel?

(“Sermão Vigésimo Sétimo do Rosário”. Apud Gonzaga, Sergius. Manual de Literatura


Brasileira, Porto Alegre, Mercado Aberto, p. 22)

9. O trecho de Vieira possui uma dimensão ambígua: ao passo que discute uma questão social,
utiliza esta questão para revelar “verdades sagradas”.

a) Qual é a questão social discutida no texto?

b) Que “verdade sagrada” podemos visualizar como pano de fundo da questão social?
c) Retire um trecho que comprove esta relação entre as questões históricas e religiosas na obra
de Vieira.

d) Aponte três recursos literários utilizados na construção do texto de Vieira, que fazem parte do
ideário barroco.

10.No trecho, percebemos o abundante uso de interrogações. Que função desempenha esse tipo
de pontuação no texto?

Tarefa 27

Texto para as tarefas T1 e T2:

(…)
Goza, goza a flor da mocidade
Que o tempo trata a toda ligeireza
e imprime em toda a flor sua pisada.

Ó não aguardes que a madura idade,


Te converta essa flor, essa beleza,
Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

T1. Nessas estrofes de um soneto lírico de Gregório de Matos, dedicado a Maria dos
Povos, vemos a pregação:

a) da transitoriedade das coisas e da culpa do pecado, trazida pelo tempo.


b) da transitoriedade das coisas e da necessidade de aproveitá-las (Carpe Diem).
c) da durabilidade das coisas que se convertem em prazer de viver.
d) da durabilidade das coisas que se convertem em maturidade.
e) da efemeridade do tempo que passa convertendo tudo em flor da mocidade.

T2. No texto podemos observar um verso que se constrói sobre o recurso da gradação.
Qual?

a) “Goza, goza da flor da mocidade...”


b) “Que o tempo trata a toda ligeireza...”
c) “Ó não aguardes que a madura idade...”
d) “Em tua face a rosada Aurora...”
e) “Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada...”

T3.
Não vira em minha vida a formosura,
Ouvia falar nela cada dia,
E ouvida me incitava, e me movia
A querer ver tão bela arquitetura:
Ontem a vi por minha desventura
Na cara, no bom ar, na galhardia
De uma mulher, que em Anjo se mentia;
De um Sol, que se trajava em criatura:

Matem-me, disse eu vendo abrasar-me,


Se esta a cousa não é, que encarecer-me
Sabia o mundo, e tanto exagerar-me:

Olhos meus, disse então por defender-me,


Se a beleza heis de ver para matar-me,
Antes olhos cegueis, do que eu perder-me. 28

a) Com base no texto, que imagem poderíamos atribuir à mulher (objeto do amor) e ao próprio
amor na poesia barroca?

b) Aponte três características formais típicas da construção barroca do texto.

T4. Podemos afirmar que a poesia de Gregório de Matos divide-se em quatro diferentes grupos.
Quais são? Caracterize-os sinteticamente.

T5. (UFRS) Sobre a poesia de Gregório de Matos Guerra é correto afirmar que:

a) privilegia os cenários bucólicos percorridos por pastores e ninfas examinados de uma


perspectiva satírica e irônica.
b) expõe em sintaxe simples o caráter sereno e amoroso de um pastor que corteja sua amada com
promessas de vida amena e burocrática.
c) expõe em sintaxe complexa e com metáforas antitéticas os dilemas do amor e do espírito no
quadro da Contrarreforma.
d) privilegia o cenário urbano para denunciar as arbitrariedades da Inquisição e o racismo dos
portugueses instalados na colônia.
e) privilegia os cenários palacianos em que ocorrem intrigas e conspirações envolvendo nobres
burocratas, monges e prostitutas.

T6. Quanto à forma, podemos afirmar que um texto é Barroco em função:

a) da simplicidade formal, verificada na ausência de rimas, no vocabulário comum à situação


religiosa e na presença de um excessivo número de figuras de linguagem (gradação, antítese,
metáfora, metonímia).
b) da simplicidade formal, verificada na presença de um vocabulário popular religioso, no
sistema de rima e na métrica extremamente rígida.
c) da complexidade formal, verificada no excesso de figuras de linguagem (antítese, metonímia,
metáfora, gradação), no vocabulário e nas frases cultas.
d) da complexidade formal, verificada na ausência de um sistema rígido de rimas, na ausência de
figuras de linguagem e no despojamento do vocabulário ligado ao tema religioso.
e) da complexidade formal, verificada no excesso de figuras de linguagem (antítese, metáfora,
metonímia e gradação), na correção gramatical e no despojamento do vocabulário.

T7. (FUVEST) A respeito do Padre António Vieira, pode-se afirmar:


a) Embora vivesse no Brasil, por causa de sua formação lusitana, não se ocupou de problemas
locais.
b) Procurava adequar os textos bíblicos às realidades de que tratava.
c) Dada sua espiritualidade, demonstrava desinteresse por assuntos mundanos.
d) Em função de seu zelo para com Deus, utilizava-o para justificar todos os acontecimentos
políticos e sociais.
e) Mostrou-se tímido diante dos interesses dos poderosos.

T8. Assinale a alternativa que não podemos associar à obra de Padre Antônio Vieira.

a) Aproxima um estilo culto, detalhista (cultista), a alguns relances de oralidade e descontração.


b) Promove a adequação o todo e a parte, organizando-os no sentido de sustentar os argumentos 29
e a persuasão (conceptismo).
c) Apresenta uma forma requintada (cultismo): é bastante comum o uso de antíteses, paradoxos,
paráfrases, metáforas, analogias e comparações.
d) Incorpora temas e argumentos dúbios (fusionismo e parenese): profanos (o cotidiano da
sociedade, a mitologia, a história, a política, a economia, o estilo etc.) e argumentos sacros (o
texto bíblico, as parábolas, as experiências místicas, as encíclicas papais, os pronunciamentos
dos doutores da Igreja).
e) Usa uma linguagem descontraída, próxima da oralidade popular, que corresponde a
raciocínios simples e claros.

T9. (FCC/SP) Assinale o texto que, pela linguagem e pelas ideias, pode ser considerado
como representante da corrente barroca.

a) “Brando e meigo sorriso se deslizava em seus lábios; os negros caracóis de suas belas
madeixas brincavam, mercê do zéfiro, sobre suas faces... e ela também suspirava.”
b) “Estiadas amáveis iluminavam instantes de céus sobre ruas molhadas de pipilos nos arbustos
dos squares. Mas a abóboda de garoa desabava os quarteirões.”
c) “Os sinos repicavam numa impaciência alegre. Padre António continuou a caminhar
lentamente, pensando que cem vezes estivera a cair, cedendo à fatalidade da herança e à
influência do meio que o arrastavam para o pecado.”
d) “De súbito, porém, as lancinantes incertezas, as brumosas noites pesadas de tanta agonia, de
tanto pavor de morte, desfaziam-se, desapareciam completamente como tênues vapores de
um letargo...”
e) “Ah! Peixes, quantas invejas vos tenho a essa natural irregularidade! A vossa bruteza é
melhor que o meu alvedrio. Eu falo, mas vós não ofendeis a Deus com as palavras: eu
lembro-me, mas vós não ofendeis a Deus com a memória: eu discorro mas vós não ofendeis a
Deus com o entendimento: eu quero, mas vós não ofendeis a Deus com a vontade.”

T10.
“Olhai, Senhor, que já dizem. Já dizem os Hereges insolentes com os sucessos prósperos,
que vós lhes dais, ou permitis: já dizem que porque a sua, que eles chamam Religião, é a
verdadeira, por isso Deus os ajuda, e vencem; e porque a nossa é errada, e falsa, por isso nos
desfavorece, e somos vencidos. Assim o dizem, assim o pregam, e ainda mal porque não faltará
quem os creia. Pois é possível, Senhor, que hão de ser vossas permissões argumentos contra a
vossa Fé? É possível que se hão de ocasionar de nossos castigos blasfêmias contra vosso nome?
Que diga o Herege (o que treme de o pronunciar a língua), que diga o Herege que Deus está
holandês? Oh não permitais tal, Deus meu, não permitais tal, por quem sois. (...) Abrasai,
destruí, consumi-nos a todos; mas pode ser que algum dia queirais Espanhóis e Portugueses, e
que os não acheis. Holanda vos dará os apostólicos conquistadores, que levem pelo Mundo os
estandartes da cruz; Holanda vos dará os pregadores evangélicos, que semeiem nas terras dos
Bárbaros a doutrina católica e a reguem com o próprio sangue; Holanda defenderá a verdade de
vossos Sacramentos e autoridade da Igreja Romana; Holanda edificará templos, Holanda
levantará altares, Holanda consagrará sacerdotes e oferecerá o sacrifício de vosso Santíssimo
Corpo; Holanda, enfim, vos servirá tão religiosamente, como em Amsterdão, Meldesburgo e
Flisinga e em todas as outras colônias daquele frio e alagado inferno que se está fazendo todos os
dias.”
(Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda. Apud Gonzaga, Sergius.
Manual de Literatura Brasileira, Porto Alegre, Mercado Aberto, p. 22)

No plano terreno, podemos dizer que Vieira conseguiu, neste trecho, mostrar a proximidade e 30
cooperação entre:

a) os interesses contrarreformistas e os interesses expansionistas protestantes.


b) os interesses contrarreformistas e os interesses colonizadores portugueses.
c) os interesses contrarreformistas e os interesses reformistas holandeses.
d) os interesses reformistas católicos e os interesses colonizadores portugueses.
e) os interesses reformistas protestantes e os interesses contrarreformistas holandeses.

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