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ARISTOTELES. Retorica. Traducdo e notas de Manuel Alexandre Junior, Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena. Sao Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. P. 67/80. 66 Auisroreuss ar indulgéncia. Contra aqueles que censuramos ¢ com quem ja divergimos, como Calipo fez. com Dion”; pois tam- bém tais casos quase parecem nio ser atos de injustica. Contra os que estao 2 ponto de ser atacados por outros, se eles nao atacarem primeiro, quando ja nao ¢ possivel delibe- rar; foi assim, diz-se, que Enesidemo envioua Gélon® o pré- mio de cétabo ao ter ele reduzido & escravidao uma cidade, porque deste modo se antecipou ao que ele préprio tinha a intengio de fazer. Contra aqueles a quem se causa dano para depois se Ihes poderem fazer muitos atos de justica, na ideia de que é facil reparar o mal feito; tal como disse Jaséo, ‘© Tessdlio”, que convém cometer algumas injusticas a fim de que também se possam fazer muitas coisas justas. ‘Também facilmente se cometem as injusticas que todos ‘0s homens ou a maior parte deles costumam cometer; pois pensam vir a ser perdoados das suas ofensas. Os roubos faceis de ocultar: tais como os que rapidamente se conso- mem, como, por exemplo, os alimentos; ou os objetos que podem mudar de forma, cor, ou composicao; ou os que se ‘escondem com facilidade em muitos lugares, tais como os que se transportam facilmente ou os que ¢ possivel ocultar Observa Q.Racionero que Aristoteles estéfalando de fatos que co. rnhecia bem, pois se tratava de dois condiseipulos seus ‘habia acompartado a Dién en la expedicidn que éste n el 357, para liberar a los siclianos de su tania, pero cayé en desgracia senatios de Did, Para salvarse urdié un complot come resultado del cual Dign perdi la vida (354)" (op. cit, p. 279, n. 309). Esta histria é narrada por Plutarco na Vita Dion, 54-6. °% Historia mal conhecida. Hé registro apenas de um Enesidemo, mem- bbro da guarda pessoal de Hipécrates,trano de Gela,e pat de Teron, tirano de Acragas (488-472 a.C.). Quanto a Gélon, sabe-se que foi trano de Gela € posteriormente se estabeleceu em Siracusa (485 a.C). Vide W. M. A. Gr ‘maldi, op. cit, p. 283. © cétabo era um jogo corrente em simpésios, que ‘consistia em acertar em algo com 0 vinho contido num copo. O prémio do vencedor eram ovos, bolos e carnes doces. A principal fonte de informagio sobre este jogo & Atencu, 479¢-e, 487d-e, 665-668. Trata-se do trano de Feras entre 385 a.C. e 370 .C. (Plutarco, Mo- ralta, 8173-818) Reronica {67 em pequenos esconderijos; também os de coisas indistintas em tudo semethantes &s que tem quem comete a injustica. As injusticas que as vitimas tém vergonha de declarar, como 6 ultrajes softidos pelas mulheres da sua familia, por elas proprias, ou pelos seus filhos. Os delitos em que o recurso a tribunal pareceria ato de pessoa conflituosa, como os danos de pouca monta e facilmente perdosveis Este é um relato mais ou menos completo das citcuns- tancias em que se comete a injustiga, a natureza das injusti- as, as vitimas destas e suas causas. Distingamos agora todos os atos de injustica e de jus- tica, comegando por observar que 0 que é justo e injusto ja foi definido de duas maneiras em relacao a dois tipos de leis e a duas classes de pessoas. Chamo lei tanto & que é particular como & que é comum. £ lei particular a que foi definida por cada povo em relacdo asi mesmo, quer seja es- crita ou nao esctita; e comum, a que é segundo a natureza. Pois hé na natureza um principio comum do que é justo e injusto, que todos de algum modo adivinham mesmo que no haja entre si comunicacao ou acordo; como, por exem- plo, o mostra a Antigona de Séfocles ao dizer que, embora seja proibido, é justo enterrar Polinices, porque esse é um direito natural: 13, Critérios de justiga e de in ica Pois ndo é de hoje nem de ontem, mas desde sempre que esta lel existe, e ninguém sabe desde quando apareceu."® E como diz Empédocles acerca de nao matar o que tem vida, pelo fato de isso nao ser justo para uns e injusto para outros: "© Sofocles, Antigona, 456-7. 37a 68 | Ansrérstss Mas a lei éter e da incomensurdvel terra.™ E como também o diz Alcidamante no seu Messe: nfaco™™: Livres detxou Deus a todos, a ninguém fez escravo a natu- reza.'™ Em relagao as pessoas, a justica & definida de duas ma- neiras; pois 0 que se deve e nao deve fazer é definido, quer em relagdo & comunidad, quer em relagao a um dos seus membros. Por conseguinte, é possfvel cometer a injustica e praticar a justica de duas maneiras, pois ela pratica-se em re- Jagio a um determinado individuo ou em relagao & comuni- dade; porque o que comete adultério ou fere alguém comete injustica contra um dos individuos, mas o que nao cumpre os seus deveres militares comete-o contra a comunidade. Tendo sido feita a distingao dos varios tipos de delitos, uns contra a comunidade e outros contra um ou varios in- dividuos, retomemos 0 assunto e digamos o que significa softer injustica. Softer injustiga é ser vitima de um trata- mento injusto por parte de um agente voluntario; pois co- E porque quem sofre injustica sofre necessariamente um dano, e um dano contra a sua vontade, claramente se vé, ‘a Empédocles, DK B 135, '© VideG. Kennedy, op.ct,p. 03, Aleidamante era um sofista anterior a Aristételes, dseipulo de Gerglas e mest de retérica. Este discurso era provavelmente do género epditico, © Observa G. Kennedy que os manuscrtos de Aristétles no avan «gam aqui uma citagdo, que ela € supeida por um comentador medieval Como a edigéo de Oxford a contempl nésa regstramosigualmente. A legislagto greya fia dstncdo entre ofensa publica (rpaes) e vo- Jagao de direitos privados (Bie); mas, como observa G. Kennedy, essa dis- tingio difere da compreensio moderna de ei criminal e civ, na medida em que muitas ages hoje consideradas crimes, inluindo © homicidio, ram entdotidas como violas de diceitos privados (op. ct, p. 103, 231). Rerontca |69 pelo que atrés fica dito, em que consistem os danos; pois as agdes boas e més foram atras definidas em si mesmas, e-se disse que sdo voluntérias as que se fazem com conhe- cimento de causa. De sorte que, necessariamente, todas as acusagées se referem ou 4 comunidade ou ao individuo, tendo acusado agido ou por ignorancia e contra a sua vontade, ou voluntariamente e com conhecimento; e, neste tiltimo caso, com intengao ou por forca da emocio. Falare- mos da c6lera na parte em que nos ocuparmos das paixdes; ja falamos, porém, das coisas que se fazem por escolha e da lisposi¢ao com que se fazem. Mas como muitas vezes 0 acusado reconhece haver pra- ticado uma ago, mas nao esta de acordo com a qualificacéo dela ou com 0 delito que essa qualificacio implica ~ confes- sa, por exemplo: que tomou algo, mas nao o roubou; que fe- riu primeiro, mas nao ultrajou; que teve relacdes com uma mulher, mas no cometeu adultério; que roubou, mas néo cometeu sacrilégio (porque o objeto roubado nao pertencia a um deus); que cultivou terra alheia, mas néo do dominio ptiblico; que conversou com o inimigo, mas néo cometeu traicdo —, por esta razao, seria necessério dar definigoes des- tas coisas, do roubo, do ultraje, do adultério, a fim de que, se quisermos mostrar que o delito existe ou nao existe, possa- mos trazer & luz 0 direito™. Ora, todos estes casos tém a ver com a questio de determinar se a pessoa acusada é injusta, imoral ou nao injusta; pois é na intengo que reside a mali € oto injusto, e termos tais como ultraje e roubo indi a intencdo; porque, se uma pessoa feriu outra, isso nao signi- fica que em todos os casos cometeu um ultraje, mas apenas se a feriu por uma certa razao, como para a desonrar, ou agradar a si mesmo. Nem, se tomou um objeto as escondi- das, cometeu em todos os casos um roubo, mas apenas se 0 tomou para prejudicar alguém, e para dele se apropriar. Pas- sa-se em todos os outros casos 0 mesmo que nestes. ° Hermagoras de Temnos desenvolve posteriormente’a doutrina aqui ‘mplicta na chamada odes de definicio, ou nos estados de caus. 1374 sr 70) Auisrérsues Ora, como dissemos que ha duas espécies de atos justos ¢ injustos (uns fixados pela escrita e outros nao), ocupamo- nos até aqui dos que as leis registram; mas dos que as leis, no registram hé também duas espécies: a dos que, por um lado, representam o mais elevado grau da virtude e do vicio, a que se reservam censuras e elogios, desonras, honras ¢ recompensas; por exemplo, agradecer a quem nos faz bem, pagar o bem com o bem, acudir aos amigos e coisas seme- Ihantes a estas; e a dos que, por outro, correspondem a uma omissio da lei particular e escrita. Pois o equitativo parece ser justo, e é equitativa a justica que ultrapassa a lei escrita. Ora, esta omissao umas vezes acontece contra a vontade dos legisladotes, e outras por sua vontade: contra a vontade dos legisladores, quando o caso thes passa despercebido; e, por sua vontade, quando nao o podem definir a rigor, mas se vem na necessidade de empregar uma férmula geral que, nao sendo universal, é vélida para a maioria dos casos. Tam- bem os casos em que nao ¢ facil dar uma definigao devido & sua indeterminacao; por exemplo, no caso de ferir com um instrumento de ferro, ou determinar o seu tamanho e a sua forma, pois nao chegaria a vida para enumerar todas as pos- sibilidades. Se, pois, ndo & possivel uma definigdo exata, mas a legislacao € necessaria, a lei deve ser expressa em termos gerais; de modo que, se uma pessoa nao tem mais que um anel no dedo quando levanta a mio ou fere outra, segundo a lei escrita é culpada e comete injustica, mas segundo a ver- dade nao a comete, e isso ¢ equidade. Ora, sea equidade é 0 que acabamos de dizer, é facil de ver quais so os atos equitativos e quais nao 0 so, e quais as pessoas que nao so equitativas. Os atos que devem ser per- doados sio préprios da equidade, e é equitativo nao julgar dignos de igual tratamento os erros e os delitos, nem as des- gracas. Ora, as desgracas sio acées inesperadas e feitas sem perversidade, os erros sio agdes nao inesperadas e feitas sem maldade, mas os delitos ndo so inesperados e fazem- -se com maldade; pois o que é provocado pelo desejo faz-se Reronica [71 por maldade. £ igualmente préprio da equidade perdoar as falhas humanas. Também olhar, no para a lei, mas para o legislador; nao para a palavra, mas para a intengao do legis- lador; ndo para a ag3o em si, mas para a intengao; néo para ‘a parte, mas para 0 todo; ndo para o que uma pessoa agora é, mas para o que ela sempre foi ou o tem geralmente sido. ‘Também lembrar-nos mais do bem do que do mal que nos foi feito, e dos beneficios recebidos mais do que dos conce- didos. Também suportar a injustica sofrida. Também dese- jar que a questo se resolva mais pela palavra do que pela agao. E ainda querer mais o recurso a uma arbitragem do que 20 julgamento dos tribunais; pois o arbitro olha para a equidade, mas o juiz apenas para a lei; e por esta razdo se inventou o arbitro, para que prevaleca a equidade. Fica deste modo definido o que se refere & equidade, 14, Critérios sobre a gravidade dos delitos Um delito é maior na medida em que procede de uma injustiga maior. E por isso os menores podem ser muito gra- ves, como por exemplo o de que Calistrato acusou Melano- po, que defraudou por dolo os construtores do templo em trés semidbolos sagrados"®. Mas no caso da justiga € 0 con- trério™. Estes delitos graves estdo em poténcia nos delitos menores; pois quem roubou trés semidbolos sagrados tam- bém seré capaz de cometer qualquer injustica. Umas vezes é assim que ¢ julgada a gravidade de um delito, outras o € pela extensao do dano. Um delito é maior quando para ele 1do ha castigo equivalente, antes todo o castigo the é infe- rior; quando para ele nao hé remédio, por ser dificil se nao impossivel de reparar; e, quando a vitima no pode recla- ° Praticamente nada se sabe deste episddio; apenas que Calistrato e Melanopo eram embaixadores de Tebas ¢ rivais politicos por volta de 370 AC. (CE Xenofonte, Helenica, 63.2-5; Plutarco, Vita Demost, 13). ©” Os atos de justia mais insignificantes nao sto os maiores. ‘72| Anistoretes mar justiga, por o delito ser irremedidvel; pois a jus castigo e remédio. Também se o que sofreu 0 dano ea injus- tiga se castigou severamente a si mesmo; pois é justo que 0 que cometeu o dano sofra um castigo ainda maior; por exemplo, Séfocles", ao falar a favor de Euctémon™ depois de este haver posto termo & vida por ter sido ultrajado, de- clarou que ndo fixaria uma pena inferior & que a vitima ti- nha fixado contra si mesma. Um delito é também maior quando foi um s6 a cometé-lo, ou foi o primeiro, ou se co- meteu com a ajuda de poucos; quando se cometeu muitas vvezes a mesma falta; quando por causa dele se procuraram e inventaram meios de prevencdo e castigo. Em Argos, por ‘exemplo, é castigado aquele por cuja causa se estabeleceu uma nova lei, e aqueles por cuja causa se construiu uma priséo. O delito mais brutal é também o mais grave. Igual- mente o mais premeditado. E 0 que inspira nos ouvintes mais temor que compaixao. Os recursos retéricos sao neste caso ‘8 seguintes: que 0 acusado ignorou ou transgrediu muitas normas de justiga, como, por exemplo, juramentos, pro- messas, provas de fidelidade, votos matrimoniais; pois é um actimulo de muitas injusticas. Os delitos sio ainda maiores quando cometidos no preciso lugar em que se castigam os delinquentes, como fazem as falsas testemunhas; pois onde que uma pessoa ndo cometeria um delito se 0 ousa come- ter no préprio tribunal? Sdo também maiores quando cau- sam a maior vergonha; e quando sio cometidos contra a pessoa de quem se recebeu um beneficio; pois neste caso a injustiga é maior, porque ao benfeitor se faz 0 mal e no 0 bem que Ihe € devido. E também mais grave o delito que viola as leis néo escritas; pois é proprio de uma pessoa me- Ihor ser justa sem que a necessidade a obrigue. Ora, as leis = Sugere Cope (, 263) que este Sofocles & 0 mesmo adiante referido ‘em 3.18,19226, aparentemente um dos trinta tranos,referide por Xenofonte (Hellenica, 2.3.) ‘ Xenofonte refere-se com este nome a um arconte de 408-407 a.C. nas Hellenica, 121. Reronica |73 escritas sio compulsérias, mas as nao escritas nao. Pode, con- tudo, argumentar-se de outra maneira que o delito é mais grave, se viola as leis escritas; pois quem comete a injusti¢a que atrai o temor e envolve o castigo também cometerd a que no tem castigo a temer, E isto o que temos a dizer sobre a maior ou menor gra- vidade do delito. 15, Provas ndlo técnicas na retérica judicial Como continuagao do que acabamos de expor, vamos agora falar sumariamente das provas a que chamamos nao técnicas; pois elas sio especificas da retérica ju provas séo cinco em ntimero: as leis, os testemunhos, os contratos, as confissdes sob tortura e o juramento, Falemos primeiro das leis, mostrando como elas deve ser usadas tanto na exortagao e na dissuasio como na acusa- ao e na defesa. Pois é dbvio que, se a lei escrita é contriria a0s fatos, seré necessério recorrer & lel comum e a argumen- tos de maior equidade e justica. E é evidente que a formula “na melhor consciéncia’ significa nao seguir exclusivamente as leis escritas; e que a equidade é permanentemente valida e nunca muda, como a lei comum (por ser conforme a na- tureza), a0 passo que as leis escritas esto frequentemente mudando; donde as palavras pronunciadas na Antigona de Sofocles; pois esta se defende, dizendo que sepultou o irmao contra a lei de Creonte, mas nao contra a lei nao escrita: Pois esta lei ndo é de hoje nem de ontem, mas & eterne [..] Esta néo devia eu [infringir], por homem algum.. E também necessério dizer que 0 justo é verdadeiro e ‘itil, mas no 0 que o parece ser; de sorte que a lei escrita nao 6 propriamente uma lei, pois ndo cumpre a fungio da Séfocles, Antigona, 456, 458 1375 7A Anisroretes lei; dizer também que o juiz é, por assim dizer, um verifica- dor de moedas, nomeado para distinguir a justica falsa da verdadeira; e que é préprio de um homem mais honesto fa- zer uso da lei nao escrita e a ela se conformar mais do que as leis escritas. E necessario ainda ver se, de algum modo, a lei € contréria a outra jé aprovada ou a si mesma; por exemplo, por vezes uma lei determina que todos os contratos sejam validos, e outra proibe que se estabelecam contratos & mar- gem da lei. Também se a lei é ambigua, a fim de a contornar ever a que sentido se acomoda, se ao justo ou ao convenien- te, e em seguida usar a interpretagio devida. E, se as cit- cunstncias que motivaram a lei jé nao existem mas a lei subsiste, entdo é necessério demonstré-lo e lutar contra a lei por esse meio. Mas, se a lei escrita favorece a nossa causa, convird di- zer que a férmula “na melhor consciéncia” nao serve para 0 juiz pronunciar sentengas & margem da lei, mas apenas para ele nao cometer perjtirio no caso de ignorar o que a lei diz; que ninguém escolhe o bom em absoluto, mas 0 que é bom para si; que nenhuma diferenca existe entre nao haver lei e no fazer uso dela; que, nas outras artes, nio hé vantagem em ser mais hdbil do que 0 médico; pois o erro de um mé- dico é menos prejudicial do que o habito de desobedecer & autoridade; e que procurar ser mais sébio do que as leis € precisamente o que ¢ proibido pelas leis que sio louvadas. Sao estas as distingdes que estabelecemos em relagao as leis. Quanto as testemunhas, elas sao de duas espécies: as testemunhas antigas e as testemunhas recentes; e, destas til- timas, umas participam do perigo, as outras ficam de fora. Chamo testemunhas antigas aos poetas e a todos aque- les homens ilustres cujos juizos so bem conhecidos; por ‘exemplo, os atenienses usaram Homero como testemunha no assunto de Salamina', e, recentemente, os habitantes. ‘A passagem da Iiada 2.557-258 ¢ citada por Sélon, na disputa com cs habitantes de Mégara a favor das reivindicagdes atenienses sobre a ilha de Salamina Reronica [75 de Ténedos usaram o testemunho de Periandro de Corinto contra os sigeus'”. Também Cleofonte"” se serviu contra Cricias dos versos elegfacos de Sélon, para dizer que a sua familia de hd muito era notéria pela sua licenciosidade; por- que, de outro modo, Sélon nunca teria escrito: Dia, te peso, ao ruivo Cricias que dé ouvidos ao seu pai* Estes sio, pois, os testemunhos sobre eventos passados; ‘mas para os eventos futuros servem também os intérpretes de ordculos, como fez Temistocles, ao referir 0 muro de ma- deira para significar que era necessério travar uma batalha naval"®, Os provérbios, como se disse, so também teste- munhos; por exemplo, se alguém aconselha a ndo se tomar um velho por amigo, serve-Ihe como testemunho o provér- bio: “Nunca fagas bem a um velho” E, se aconselha a matar 05 filhos, depois de ter morto os pais, pode dizer: Insensato é aquele que, depois de ter morto 0 pai, deixa com vida os filhos."* Testemunhas recentes sdo todas aquelas pessoas ilus- tres que emitiram algum juizo; pois os seus juizos sio titeis Nada mais se conhece deste fato, a nao ser 0 relatado no texto, nem, ‘mesmo da existéncia de disputas entre os povas de TénedoseeSigeu. Referéncia a0 conhecido demagogo que interveio nos assuntos de Atenas nos iltimos anos da Guerra do Peloponeso, Cricias era um dos trinta tiranos, parente de Plato. ‘Sélon, fe. 18 Diehl-Beutler-Adrados Esta é uma referéncia as palavras do oriculo conservadas por He- ‘6doto (7.141-147): “Zeus previdente adverte Tritogenia (Atenas) que $6.0 ‘muro de madeira é inexpugnavel” Quando as forcas de Xerxes se dirigiam para Atenas, 05 cldadios consultaram o oriculo de Delfos, que Ihes disse Pera confiarem nos seus “muros de madeira’ e Temistocles interpretou esta palavra como referéncia& sua renovada armada. Evacuaram entdo a cidade e derrotaram os persas na batalha de Salamina. + Atribuide por Clemente de Alexandcia (Strommata,7.2.19) a Estasi- no de Chipre, autor do poema épico Cypria, ft 25 Allen. 16 76 ansroreuss . para os que disputam sobre as mesmas coisas. Por exem- plo, Eubulo utilizou nos tribunais contra Cares o que Pla- tao havia dito contra Arquibio, que “confissdes de vicio se tornavam comuns na cidade""”. Sao também as testemu- nhas que participam do risco de serem processadas, se dao a impresséo de estarem mentindo. Tais testemunhas ser- ‘ver apenas para determinar se um fato ocorreu ou néo, se € ou nao é esse 0 caso; mas nao sao testemunhas sobre a qualidade do ato, como, por exemplo, se é justo ou injusto, se é conveniente ou inconveniente. Sobre estas matérias, sto mais dignas de crédito as testemunhas que estéo fora da causa, e as mais dignas de todas sao 0s antigos, pois nao sao corruptiveis. Para quem nao tem testemunhas, os argu- mentos de persuasao invocados relativamente aos testemu- nihos podem ser os seguintes: que se deve julgar com base em probabilidades, isto &, que ina melhor consciéncia’ 08 argumentos de probabilidade nao se podem deixar cor romper por dinheiro; e que os argumentos de probabilidade nao podem ser surpreendidos em falso testemunho. Para quem tem testemunhas diante de um adversério que néo as tem, os seus argumentos serdo: que as probabilidades nao valem perante o tribunal; e que nao haveria necessidade de testemunhas, se bastasse especular na base de argumentos de probabilidade. Uns testemunhos referem-se 20 proprio, ‘outros pessoa do adversério; uns aos fatos, outros ao ca- rater moral das duas partes; de sorte que é evidente que em nenhuma circunstancia deve faltar um testemunho util; pois, se no é possivel produzir sobre os fatos um argumen- to favoravel & nossa causa ou desfavoravel a do adversirio, ao menos possivel produzi-lo sobre o carter, para provar a nossa honestidade ou a maldade do adversario. Quanto aos demais argumentos sobre a testemunha — se é amiga, inimi- ° Neda sbemos as circunstancls que envolveram o ulgamento de Cares ‘Esta era uma expressdo-tipo que vinculava os jurados atenienses 20 uso da maior diserigdo na formulagdo dos seus vereditos. Reronien |77 ga ou indiferente, se é de boa, m4 ou mediana reputacéo, € quaisquer outras diferengas do género , devem formar-se a partir dos mesmos lugares de que derivamos os entimemas, No que diz respeito aos contratos, o uso dos argumentos visa aumentar ou anular a sua importancia, provar que sio dignos ov indignos de crédito: se nos sio favordveis, que sio dignos de crédito e vilidos; se sio favordveis ao advers4- rio, entao o contrério. Ora, para provar que eles sio ou nad sao dignos de crédito, os métodos em nada se distinguem dos que se referem as testemunhas; pois € do que os seus signatérios ou depositarios forem que depende a confianga que os contratos inspiram, Quando a existéncia do contrato € reconhecida e este nos é favorivel, entio importa amplificar a sua importén- cia; pois 0 contrato é uma lei particular e parcial; e ndo sio 08 contratos que conferem autoridade as leis, mas so as is que tornam legais os contratos. Em geral, a prépria lei € uma espécie de contrato, de sorte que quem desobedece um contrato ou o anula, anula as leis. Além disso, a maior parte das transagdes, e todas as que so voluntarias, fazem- -se mediante contratos; de sorte que, se estes se tornam in- validos, anula-se toda a relagio miitua entre os homens. Os demais argumentos que igualmente se ajustam ao assunto sto faceis de ver. Mas, se os contratos nos sao desfavordveis e favoraveis a0 nosso adversério, em primeiro lugar, sio adequados os argumentos que nos permitirio combater uma lei que nos é contraria; pois é absurdo pensarmos que nao devemos obe- decer as leis, quando elas estao malfeitas e os legisladores se enganaram, mas que é necessario obedecer aos contra- tos. Depois, podemos argumentar que o juiz é o arbitro da justiga; pelo que nao é a letra do contrato que ele deve con- siderar, mas a solucdo mais justa. Que nao é possivel per- verter a justica por fraude ou coacao (porque ela é natural), mas que 0s contratos se podem igualmente fazer por quem pode estar sendo enganado ¢ coagido. Além disso, importa também verificar se 0s contratos sio contrérios a alguma 1376 78 Aussroveies ’ das leis escritas ou das leis universais e, dentre as escritas, se As nacionais ou as estrangeiras; depois, se eles se opdem a outros contratos posteriores ou anteriores, porque, ou 0s posteriores sio validos e os anteriores ndo, ou os anteriores sio retos e 0s posteriores fraudulentos, da maneira que for mais titi Importa ainda olhar para o interesse, se ele é de algum modo contrério ao dos juizes, e todos os argumentos do género; pois estes s4o igualmente faceis de descobrit. ‘As confissdes sob tortura” so testemunhos de nature- za peculiar, e parecem merecer confianea, porque nelas est presente uma certa necessidade™. Nao é certamente difi dizer sobre estas confissdes os argumentos possiveis: se elas nos forem favordveis, poderemos valorizé-las, dizendo que 13771 s30 08 tinicos testemunhos veridicos; se nos forem contré- rias e favorecerem o adversério, poderemos entio refuté-las, dizendo a verdade sobre todo género de torturas; pois os ‘que sio forcados nao dizem menosa mentira que a verdade, ora resistindo com obstinacao para nao dizerem a verda- de, ora dizendo facilmente a mentira para que a tortura aca- be mais depressa. E necessério poder invocar exemplos do passado que os juizes conhegam. £ também necessario dizer que as confissdes sob tortu- ra nio sio verdadeiras: pois muitos ha que sio pouco sensi- veis e de pele dura como pedra, capazes de nas suas almas resistir nobremente & coagio, mas 0s covardes e timoratos apenas se mantém fortes antes de verem os instrumentos da sua tortura; de sorte que nada de crivel ha nas confissdes sob tortura. Sobe os juramentos, podem-se fazer quatro distingoes; pois, ou se permite o juramento ao adversario e se aceita presté-lo, ou ndo se faz uma coisa nem outra, ou se faz uma "A tortura de eecravos para testemunhar era ume préticacorrente na Grécia, dependente apenas do consentimento dos seus senhores. "CE Quintin Racionero, in Arstteles, Retica, Madrid, Gredos, 1990, p- 298, n 361, No mundo antigo, a tortura é em determinados casos, necestiria para a confissi. Reronica coisa e nao a outra; e, neste caso, ou se permite o juramento sem aceitar presté-lo, ou se aceita presté-lo sem o permitir. ‘A par destas, uma outra distin¢ao pode ainda ser feita: se 0 juramento jé foi prestado, quer pelo proprio, quer pelo seu adversario, Pois bem, ndo se permite o juramento ao adversério porque é ficil cometer perjirio, porque ele, depois de jurar, se recusa a pagar a divida, e porque se entende que, se ele nao jurou, os juizes condené-lo-do; também porque o risco de deixar a deciso com os juizes é preferivel, por neles se ter confianga e no no adversério. ‘Uma pessoa recusa-se a jurar alegando que o juramento se faz por dinheiro; que, se fosse desonesta, juraria sem di- ficuldade, porque mais vale ser desonesto por alguma coisa do que por nada; que, jurando, teria vantagem, e, nao juran- do, no; e que, por conseguinte, a sua recusa poderia ter por causa a virtude, mas nao o receio de perjtirio. Aplica-se aqui 0 dito de Xenéfanes! de que 0 desafio de um impio contra um homem piedoso carece de igualdade; €como se um homem forte desafiasse um fraco a dar golpes ou a recebé-los. ‘Se a pessoa aceita jurar, é porque tem confianga em si mesma, mas nao no adversirio. E, dando a volta ao dito de Xenéfanes, deverd entao dizer-se que assim ha igualdade, se © impio aceita o juramento e o homem piedoso jura; e que € grave nao querer jurar em matérias em que se considera justo que os juizes apenas decidam depois de haver jurado. Mas, se permite o juramento, diré que é piedoso que- rer deixar o assunto com os deuses, que 0 adversério nao deve recorrer a outros ju(zes, porque a ele se concede tomar a decisio. Também que seria absurdo ele ndo querer jurar "9 Xenéfanes de Célofon, filbsofoe poeta que viveu por volta de 500 AC. fe A 14 Diels) 17% 80| Anisroretes ‘em assuntos sobre 05 quais acha justo que outros prestem juramento, (Ora, se est claro como convém falar em cada um des- tes casos em particular, também est claro como convém falar quando se combinam dois a dois. Por exemplo, se uma pessoa quer prestar juramento mas ndo permiti-lo, se o per- mite mas ndo o quer prestar, se © quer prestar e permitir, ou se ndo quer uma coisa nem outra. Pois estas sio forco- samente as combinagdes que se podem formar a partir dos casos referidos, de sorte que os argumentos terdo igualmen- te de ser combinaces dos jé mencionados. Se antes se fez um juramento contrério ao que agora é prestado, é necessirio dizer que ndo ha perjtirio; pois 0 co- meter injustica é voluntério e o perjirio é cometer injustica, mas 0 que se faz por violéncia ou engano é involuntério. Devemos, pois, aqui concluir que o perjirio se faz com a mente e nao com os lébios. Mas, se o juramento feito pelo adversirio for contraditério, devera dizer-se que tudo des- tri quem nao é¢ fiel a0 que jurou; pois é por isto também que os jufzes aplicam as leis sob juramento. Poderd tam- bém dizer-se: “acham que devereis julgar permanecendo figis aos vossos juramentos, mas eles nao permanecem figis aos seus” E muitas outras coisas se poderdo dizer na ampli- ficagao do assunto. Isto é 0 que se nos oferece dizer sobre as provas no técnicas. Livro II

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