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RONALDO ROMULO MACHADO DE ALMEIDA A UNIVERSALIZACAO DO REINO DE DEUS Dissertacio de mestrado apresentada ao Departamento de Antropologia Social do Instituto de Filosofia ¢ Ciéncias Humanas da Universidade Estadual de Campinas, sob orientacio da Prof.a Dr.a Alba Maria Zaluar. Este exemplar corresponde a redacio final da dissertacio defendida e aprovada pela Comissio Julgadora em 23/06/96. Benet OV phat toua Bhar Prof.a Dr.a Atba Maria Zaluar Profi Dr.a Eliane Moura Siva {UU Prof. Dr. Joseph F. Pierre Sanchis fice Campinas, 06/96 CH-O0091 238-1 FICHA CATALOCRATICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO EFCH - UNICAMP Almeida, Ronaldo Romuio Machado de A Universalizagaéo do ReinodeDeus / Ronaido | Romulo Machado de Almeida. -- Campinas, SP :[s.n.], 1996, Orientador: Alba Marla Zaluar. i Dissertado (mestrade) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciéneias Humanas. 4. Pentecostalismo. 2. Possessio dlabélica. 3. Re- ligito, 4.* Igreja Universal do Reino de Deus. 1. Zaluar, Alba. Hl. Universidade Estadual de Campinas. Instituto { tie Filosofia 6 Ciéncias Humanas. lil. Titulo. i RESUMO Diante do acentuado crescimento das igrejas evangélicas em diversos paises do mundo, e em particular no Brasil, a presente dissertacdo de mestrado pretende compreender como esta ocorrendo a expanséo da Igreja Universal do Reino de Deus. No seu provesso de expansdo a igreja tem se utilizado de duas estratégias basicas. Em primeiro lugar, a mensagem religiosa esta estruturada sobre o tripé cura-exorcismo~prosperidade finenceira, que procura responder acs apelos cotidianos dos fiéis. B © diabo se apresenta como o ente religiose que permite a articulacéo destes trés aspectos, além de se fazer presente nas religiées com as quais a Igreja Universal entra em intenso conflite, principalmente as afro-brasileiras. Em segundo lugar, @ Igreja Universal tem ocupado espages na sociedade qualitativamente novos como a politica, a midia e o mercado. A articulagdo desses dois niveis revela como a igreja cadencia sua expansdo © propaga sua mensagem religiosa. AGRADECIMENTOS Agradeco ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnolégico, o CNPq, por financiar esta pesquisa, e a Unicamp por ter me proporcionado conhecimento, bolsa de estudo, moradia, cursos de linguas, enfim, toda a infraestrutura sem A qual ndo teria condigées financeiras de realizar a graduacdo e o mestrado. Agradeco minha orientadora, Alba Maria Zaluar, pela generosidade intelectual e por sempre ter se mostrade disposta a ovientacdo. Apesar de dedicar-se atualmente a outros temas, nunca deixou de fazer boas criticas as minhas afirmacées sobre a Igreja Universal. Parte do meu mestrado morei em Campinas. Cito algumas pessoas que foram importantes pra mim nesta cidade. Pela alegre convivéncia e pelas muitas festas que fizemos e vamos fazer, gostaria de lembrar dos amigos com quem morei: Muzamba, Jilio, Fred, Marcelo, Marcelinho, vaguinho, além do Eugénio e do Joca. Ainda em Campinas tenho muita saudade do grupo formado pelo Jodo, Tché, Juliana e Dani. A outra fase do mestrado foj desenvolvida em S4o Paulo, quando ingressei no Programa de Formag&o de Quadros do Cebrap. Antes como bolsista © agora como pesquisador, devo a esta instituicéo boa parte da minha formagSo profissional. agradeco ao professor José Arthur Giannotti a sugestao de estudar a figura do diabo na Igreja Universal. © grupo de bolsistas do Cebrap rendeu-me alguns bons amiges como © Fernando ¢ outros dois com quem tive uma importante interlocugao intelectual, o Omar e a Angela. Devo a eles muitas idéias e sugestoes que se encontram no texto. Falando em sugestées, registro aqui a contribuicdo dos professores da minha banca de qualificacéo formada por Carlos Rodrigues Brandio e a historiadora Eliane Moura, além dos professores Flavio Pierucci e Maria Iicia Montes que me arguiram na defesa do paper destinado & conclusée do Programa de Formagéo de Quadros do Cebrap. Agradeco as amigas Débora e Celeste que gentilmente revisaram este texto. Sou grato aos cunhados Camilo e Iuciana pele apoic e interesse pele meu trabaiho, além de terem me aturado nos finais de semana que pessava em Campinas para namorar a Artionka. ©s quase quatro anos de convivéncia com a Artionka foram fundamentais para a conclusdo deste trabalho. Pego desculpas por obrigé-la, ainda mais hoje que somos casados, a assistir a todos os programas religiosos na televisdo ¢ pelos meus delirios sobre a vida religiosa alheia. Dedico a vocé esta dissertagao. Gostaria também de dedicar este trabalho 4 Dona Maria, Seu Moura, Robson, Renato, Jussara e Rafael, minha familia. Muito do que aqui escrevi deve-se a uma histéria vivida juntos. iNDICE Introducao. . CondigSes da pesquisa. eee 18 I - A Disseminac&o das Igrejas Pentecostais no Brasil Il - A Igreja Universal e Seus Deménics.... © diabo na igreia..... III - © Trdnsito das Entidades Inverséo e continuidade ritual....- 172 85 Os saldos da guerra.. Concluso... Bibliografia.... INTRODUGAO “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho @ toda criatura. Aquele gue crer e for batizado ser4 salvo; o que nao crer sera condenado.” Bsse preceito, encontrado no epiloge do Evangelho de Marcos, foi um dos Gltimos mandamentos instituidos por Cristo antes de sua Ascensdo aos céus. Nele, assim como em muitos outros trechos do Novo Testamento, é possivel encontrar o caréter missionério ¢ universal da fé orista: a mensagem de salvagdo é estendida a todos os homens, e é dever do cristdo propagé-la. Entretante, durante séculos de cristianismo, a missao evangelizadora adquiriu formas e sentidos diferentes, variando 4 medida que se constituiam novas instituigées religiosas. Assim, apesar do carater universal do sacrificio de Cristo, © processo de institucionalizacao da Verdade dos Evangelhos nas mais variadas igrejas implicou a diferenciacdo e a conseqiiente disputa entre as diversas interpretacées biblicas, dado que cada uma afirmava a posse da melhor compreensdéo de sentido da Revelacdo. A Reforma Protestante, por exemplo, sob o signo da contestacdo, pregou, entre outras coisas, © rompimento com diversos dogmas do catolicismo. Como conseqiiéncia, o protesto dos reformadores colocou catélicos e protestantes em pélos distintos do cristianismo - isto sem falar, evidentemente, das diferencas no interior dessas duas grandes matrizes cristas; diferencas que, surgidas gragas as circunstancias historicas ou as discordancias teolégicas, foram resolvidas ou pela toleraneia catélica on pela fragmentacdo protestante. © pentecostalismo, por sua vez, nascido do seio protestante no comeg¢o deste sécule, veio incrementar ainda mais o espectro das igrejas cristas. Longe da tolerancia catélica, ¢ mais sectérios que o protestantismo histories, os pentecostais fizeram da dissidéncia veligiosa um dos processos recorrentes para a solugdo das divergéncias internas entre as vérias interpretagdes biblicas e/ou da ascenséo de novas liderancas carismAticas. Manuel de Melo ¢ Davi Miranda, fundadores de “oO Brasil Paza Cristo” e “Deus £ Amor”, respectivamente, séo alguns dos principais pregadores a imprimirem um estilo todo pessoal a suas igrejas. Apesar de estilos diferentes, a influéncia sobre os fidis e a capacidade de centralizagdo do poder eclesiastico em nada deve ao que encontramos na relagéo do bispo Macedo com a igreja Universal. As cisées de forma alguma significaram uma perda numérica do pentecostalismo; ao contrario, quase sempre resultaram num aumento do apetite proselitista. Afinal, como a posse do melhor entendimento da Verdace biblica era uma das causas principais das divisées, ou talvez © efeite delas, cabia aos dissidentes a missdo de converter as outras pessoas a sua reformulada doutrina. Dessa maneira, combinando fragmentagao das igrejas e adesdo de uma masse de incrédulos, o pentecostalismo foi-se expandindo pelo pais* . FE, como se fosse pouco, j4 ha algum tempo o pentecostalismo brasileiro extrapolou as fronteiras nacionais. De um pais consumidor, + Segundo o Censo Institucional Evangélico, realizado pelo ISER, em 1992, s6 na regiio do Grande Rio cexistiam 52 igrejas evangilicas, sendo 37 delas pentecostais. E dentre estas, 20 nasceram depois de 1970. ‘Convém informar que todas as denominagées possuiam no minimo 4 temples, © Brasil tornou-se também um préspero exportador de religides, sendo as afro-brasileiras (Oro, 1993] e © pentecostalismo nossos “bens” religiosos mais consumidos no exterior, principalmente nas Américas, Europa e em varios paises da Africa de colonizagéo portuguesa. 0 transite de igrejas que vinhem dos Estados Unidos para o Brasil comegot a reverter com a autonomia econémica das igrejas brasileiras © sua relativa independéncia teolégica. Em resumo, umas mais outras menos, as igrejas pentecostais, de um modo geral, estao conciliando uma expansdo numérice, institucional e territorial. Diante do leque de opgées, restaram, como alternativas de convivéncia entre as igrejas eristaés, e da convivéncia destas com as religides nao-cristés, do mais abrangente ecumenismo até o mais intolerante proselitismo. A Igreja Universal, como uma igreja crista - por mais que alguns questionem sua cristandade - néo escapou desse gradiente de comportamento religioso-institucional. sua posicio é de belicosa intolerancia e intenso proselitismo. Bm outros termos, ela afirma a supericridade da sua rela¢go com © Deus cristdo e faz da universalizagao de sua mensagem, evidenciada na répida penetracao em diversos paises do mundo, seu objetivo Gltimo. £ fato que este final de século tem sido marcado por uma proliferagéo de diferentes grupos religicsos. A lista é grande e as alternativas sdo as mais variadas, Pentecostalismo, umbanda, candomblé, espiritismo, esoterisme, catelicismo - via Renovagao Carismatica - expandem-se cada vez mais, tornando o Brasil menos catélico, sem, contudo, — deixé-lo = menos_—s religioso. —-B, incontestavelmente, dentre todas elas, o pentecostalismo tem-se mostrado um dos mais eficazes na disputa por espagos e adeptos. = ndo € para menos. Além de conseguir responder em boa medida as ansiedades de parte significativa da populagio, a missdo divina de atrair novos adeptos encontra-se na base da atividade proselitista desses religiosos. & importante ressaltar que ao falar em pentecostalismo née me refire apenas as igrejas pentecostais. Incluo nesse processo de expansdo a pentecostalizagéo do protestantismo histérico, que produziu igrejas como a Batista Nacional, a Metodista Wesleyana, a Presbiteriana Renovada etc, @ a do catolicismo romano, do qual surgiv a Renovacdo Carismatica. E se o pentecostalismo dialogou com outros credos, componde um novo discurso, é perceptivel também a assimilacdo de elementos de outras religiées em uma de suas instituigdes, no caso, a Igreja Universal. © que permitiu, portanto, 4 mensagem pentecostal ser capaz de difundir-se por credos, lugares e segmentos sociais diferentes, com temanha rapidez? Esta, com certeza, € a preocupagéc de fundo sobre a qual estA estruturada a dissertagac. Convém lembrar que a expansao pentecostal ndo se realizou da mesma forma em todas as institui¢ées nas quais se cristalizou, NAo ha propriamente um movimento homogéneo. como uma onda que se quebra om varias diregSes, o pentecostalismo vai- se espraiando diferenciadamente pela sociedade brasileira. A igreja universal é uma das variagées ~ diga-se de passagem, bem-sucedida - deste projeto pentecostal. Neste sentido, constitui ela um caso, néo finico, mas paradigmético para a compreenséo dessa dinamica de crescimento. 0 objetivo desta dissertag&e é o de compreender o formato da expansdo do pentecostalismo cristalizado na Igreja Universal do Reino de Deus. Condigées da pesquisa Devide a outros jinteresses académicos e a uma incdmoda insatisfacao com as conclusées obtidas, a pesquisa de campo foi sendo realizada em periodos alternados durante os Ultimes trés enos, sempre procurando compreender cada novidade apresentada pela Igreja Universal. Alias, se € fascinante ter como objeto de estudo um material t&o mutante e mobilizader da atengéo pUblica, a mesma situagdo gera o temor de que em algum momento a igreja apareceré com mais uma mudanca. 0 mesmo pode ser dito do pentecostalismo como um todo, muito embora as igrejas apresentem velocidade diferenciades nas mudancas. Fago essa afirmagéo baseado na literatura académica, na pesquisa de campo e no fato de estar as voltas com os pentecostais desde 1980 quando, juntamente com minha mie, converti-me a Igreja de Bvangelho Quadrangular - hoje, quase toda minha familia € evangéilica. 14 permaneci como um fiel bastante aplicado até 1986, um ano antes de iniciar o curso de Ciéncias Sociais na Unicamp; mais tarde, tornou-se meu tema de mestrado, de forma que né 16 anos convivo de alguma maneiza com o pentecostalismo e suas transformagSes. A entrada na atividade politica, os encandalos envolvendo alguns pregadores eletrénicos norte-americanos em corrupgao e prostituicao, o uso dos meios de comunicagdc de massa na evangelizag&o, o fenémeno bispo Macedo, a multiplicagdo de igrejas e templos, a diminuicaéo na rigidez dos costumes, a exportagio da fé, a formagio de uma indastria fonogréfica séo alguns acontecimentes que pude acompanhar, antes, come erente, depois, como antropélogo. 10 Certa vez, um amigo militante de esquerda disse-me que era mais facil sair do extinte Partido Comunista Brasileiro do que o Partido sair dele. Com certeza, o mesmo é valido para alguém gue professou com convicedo uma fé religiosa. Por um lado, o fato de ter compartilhado a mesma visio de mundo daqueles que se tornariam meu objeto de pesquisa facilitou a compreensio do que diziam e viviam, gerando em mim extremo respeito por aquela fé, por outro, esta mesma familiaridade ofuscava- me certas dimensées da religiosidade na Igreja Universal, conduzindo- me a formulacdes acima da miopia existente em qualquer trabalho de campo. No entanto, as idas e vindas do campo foram fundamentais para superar estas dificuldades, na medida em que descobria o bom termo para uma relacéo de alteridade. Assim, dada a impossibilidade de simplesmente esquecer meu passado religioso para a realizacdéo de um trabalho académico, busquei utilizar essa experiéncia @ favor da minha anélise. Isto posto, uma das hipéteses desta dissertacdc € a de que nenhuma igreja esteve téo comprometida com as mudengas acima listadas do que a Universal. Portanto, ciente de que a Igreja Universal pode a qualquer momento apresentar uma novidade que contrarie algumas conclusdes, inclusive a de torna-se menos plastica, pretendo compreender o formato da sua missdo evangelizadora. Para tanto, minha primeira preccupagao iniciel foi conhecer o credo da igreja, a pregacdo, o culto, 2 £6 dos fiéis, enfim, a religiosidade na Universal. Durante o periodo da pesquisa fui a shows promovidos pela juventude, passeatas, atos politicos e a qualquer coisa relacionada 4 igreja. Freglientei com bastante intensidade os cultos no templo sede, uy no bairro do Bras, em S&o Paulo. Além desta cidade, estive em templos de Curitiba, Rio de Janeiro, Osasco e Campinas. Bssintindo aos cultos, vé-se a importancia de diabo na estruturagao da pregacao. Por este motivo uma parte da dissertacdo dedicou-se a perseguir as representagdes sobre o diabo com a finalidade de reconstituir internamente @ mensagem da igreja. Neste sentido, a maior parte da pesquisa dev-se pela intensa assisténcia aos cultos, em especial aos dedicades ao exorcismo, Ali, procurei conversar com as pessoas, principalmente as que haviam sido exorcizadas. Nao pude, evidentemente, gravar as conversas nem transerevé-las devido ao constragimento gerado pelo local de culto e pela vigilancia dos obreiros. Como opgao, acostumei-me a cada final de reunido parar em qualquer mesa dos botequins do Bras para escrever o que vi e ouvi. Com poucas excegdes, os obreiros, pastores, bispos néo se colocaram 4 disposicéo para entrevistas, nem por isso fui proibido de assistir aos cultos e conversar com as pessoas. Hoje, vejo como a presenga nos cultos ¢ as reagdes do ptblico foram-me muito mais Gtil do que as entrevistas gravadas com os fiéis e alguns pasteres. Isto porque, assim como acontece nos testemunhos no programa Palavra de Vida, as entrevistas com os fiéis possuiam quase sempre a mesma estrutura de discurso. Uma vida ruim antes ¢ cutra bem melhor com a Igreja Universal. 0 Gnico aspecto a variar era o tipo de desgra¢a que © nove convertido necessitava se livrar. © acompanhamento dos cultos © a imediata opinigo das pessoas sobre os mesmos, por sua vez, permitiram-me uma melhor interpretagdo do que estava sendo vivenciado naguele momento. 12 Além da presenca nos templos, acompanhei a programacdo religiosa na Rede Record, gravando em video os cultos de exorcismo, os debates no 25 Hora, a Oragéo das Seis © as pregagdes no Palavra de Vide. Todo este material foi visto varias vezes até a construgéo etnografica de um cuito, como narrado no capitulo dois. © video permitiu, desta maneira, reconstruir aspectos significativos das pregacées @ dos didloges que via nos templos. Além de servir como um instrumento na formulacao da etnografia, a televisdo acabou me revelando uma outra face da expansdo de Igreja universal. 0 uso dos meios de comunicagao significevam a acdo da igreja em outras esferas sociais que néo a religiose propriamente dita. Nestas incluem-se ainda a politica e os investimentos comercial © financeiro. A pesquisa destes aspectos nao foi téo intensa quanto 4 referente ao diabo. Isto deveu-se & dificuldade em conseguir material sobre temas téo caros a Igreja Universal, principalmente nos tltimos anos, ¢ ao projeto de prosseguir estudando o pentecostalismo como um todo. Como alternativa, procurei reconstitiuir es implicagées destes elementos durante o segundo semestre de 1995, quando a Igreja Yniversal ¢ 0 bispo Macedo tornaram-se temas, de debate nacional. Acompanhei os acontecimentos através de pesquisa na imprensa escrita do Rio de Janeiro e¢ S40 Paulo, além dos préprios noticiérios ¢ programas da Rede Globo e Rede Record. B I - A DISSEMINAGAO DAS IGREJAS PENTECOSTAIS NO BRASIL ‘A mensagem pentecestal chegou ao Brasil no inicio da segunda década deste século. Desde entdo, o pentecostalismo tem apresentade um expressivo crescimento numérico, associado = aS diferentes transformagdes, tanto na sua atividade religiosa propriamente dite guanto na diversificagao de suas instituigdes, resultands em um intenso didlogo com os diversos segmentos da sociedade brasileira. A Congregagdo Crista do Brasil foi a primeira igreja pentecostel a aportar em solo brasileiro. Bm 1910, aqui chegou o imigrante italiano [uigi Francescon, que trouxe o pentecostalismo dos Estados unides, apés ter side um dos fundadores da Igreja Presbiteriana Italiana em Chicago. Ld, Francescon recebeu uma “revelagéo” (um “dom” do Espirito Santo} segundo @ qual deveria, junto com seu irmao, 6. Lombardi, evangelizar o povo italiano pelo mundo. Seguindo a “revelagéo”, dirigiu-se primeixamente & Argentina, em 1909, e em sequida veic ao Brasil, mais precisamente a Santo Anténio da Platina, no estado do Parana, onde realizou suas primeiras conversées. Pouco tempo depois, foi para S40 Paulo e, ac pregar a mensagem pentecostal na Igreja Presbiteriana do Bras, conguistou algumas adesdes, provocando um cisma entre os presbiterianos. Com os novos adeptes, na sua maioria composta por operérios italianos, Francescon fundou a Congregaco Crista do Brasil. Meses depois, j4 em 1911, a Missdo Pentecostal Sueca introduziu, no nerte do pais, no estado do Parad, uma nova denominagéo pentecostal: a igreija Evangélica Assembléia de Deus. Gunnar Vingren e Daniel Berg, 4 dois batistas suecos que haviam imigrado para os Estados Unidos, e também 14 conheceram o movimento pentecostal, receberam uma “profecia” (um outre “dom” do Espirito Santo) que lhes atribuia a missao de levar a mensagem biblica a um lugar chamado Paré. Por néo saber onde ficava tal localidade, Gunnar Vingren contou em seu didrio gue precisou consultar 0S mapas da biblioteca para iniciar sua missao evangelizadora. Assim sendo, com a Assembléia de Deus © a Congregagao Crista do Brasil, teve inicio o pentecostalisme brasileiro. A experiéncia pentecostal recupera uma dimensdo de cristianismo do primeiro século, “esquecida” pelo catolicismo romano e né&o “recuperada” pelo protestantismo histérico. Bm forma de nove “dons espirituais” e, principalmente, através do dom de “falar em linguas”, a terceira pessoa da trindade, o Espirito Santo, se manifestaria naqueles que tém £é © buscam o mesmo éxtase religioso vivenciado pelos discipulos de Cristo loge apés sua Ascensdo, conforme narra o evangelista Lucas, no segunde capitulo do Atos dos Apdéstolos. Segundo historiadores, o inicio do reavivamento pentecostal data de 1906. Na rua Azuza, em Los Angeles, Estados Unidos, apés a pregacao de W. J. Seymour, na qual afirmava a necessidade de recuperagao da experiéncia pentecostal, um menino de oito anos de idade viveu a experiéncia da glossolalia ou “falar em linguas”: evidéncia externa de que uma pessoa foi batizada com o Espirite santo (Mendonca 4 Velasques, 1990:4). & interessante que tanto esse menino como a maicria dos presentes na reunido eram negros. Segundo Rolim (1995), esse fendmeno xeligioso que poderia oferecer ao discurso pentecostal uma dimensao pelitico-racial, tao relevante no contexto da sociedade norte~ americana, no vingou no Brasil. Isto aconteceu possivelmente gracas 4 progressiva separagéo entre pentecostais brancos e negros nos anos subseqiientes. © pentecostalismo entre os brancos acquiriu um conteddo mais espiritualista e emotive, distante de qualquer énfase politica. B foi justamente desses religiosos que descendeu o pentecostalismo brasileiro. Daniel Berg e¢ Gunnar Vingren mantiveram-se sempre distantes dos possiveis questionamentos gerados pela pobreza da regiao norte. Francescon, por sua vez, nado forneceu a seu discurso religioso nenhuma dimensdo politica, apesar de se encontrar em meio as Iutas operérias do comego do século, na cidade de Sdéo Paulo, em particular, no bairro do Bras. Na verdade, ndo havia nenhum interesse em responder as questées sociais entao vigentes, o que explica em parte o pequeno crescimento da Congregagéio Crista do Brasil nas trés primeiras décadas. Em suma, tanto a Asserbléia de Deus quanto a Congregacdo Crista do Brasil marcaram a pregagio com um forte espiritualismo e a necessidade de um “afastamento do mundo”, em especial, da atividade politics. E, como se ndo bastasse, o apoliticismo nao era resultado de uma indiferenca em relacio as “coisas do mundo”, mas apresentou-se como uma concordancia, por vezes conivéncia, com o status quo. Maior expressic dessa postura politica foi a posigao adotada pela quase totalidade dos pentecostais durante o regime militar no Brasil. Valendo-se do ensinamento pauline (Romanos 13:11), que exorta acs f£iéis sobre a necessidade de obediéncia as autoridades instituidas, os pregadores pentecostais néo fizeram nenhum tipe de cposigao ac golpe, nem A ditadura militar. A omiss&o em relac&o ao regime, por vezes o apoio a este, caracterizou a posicéo politica pentecostal. E, como 16 contrapartida, os pentecostais, e mesmo os protestantes histéricos, acabaram recebendo o apoio explicito do regime militar. Se, por um lado, a atividade politica nado constituiu um tema presente nas pregagées dessas igrejas, o combate as outras prdticas religiosas foi sempre um agsunto recerrente. 0 alvo principal nao poderia ser outro senéo o catolicismo romano. 0s atagues eram o resultado de uma postura proselitista praticada por boa parte do protestantismo histérico de misséo e pelo pentecostalismo, que buscavam expandir-se em territério brasileiro. apesar dos primeiros adeptos da Congregagaéo Cristé do Brasil e da Assembléia de Deus terem sidos egresses da Igreja Presbiteriane © da tIgreja Batista, respectivamente, foi no catolicismo popular que os pentecostais realizaram inicialmente com maior afinco seu proselitismo. Pregando a condenagéo dos cultos aos santos ¢ suas imagens, em especial de culto a Maria, o pentecostalismo inseriu-se ne campo religioso brasileiro, em contraposigéo & hegemonia da Igreja Catélica. Entretanto, algumas caracteristicas particulares dessas denominagées pentecostais promoveram diferentes insercées no contexte religioso nacional, apesar de ambas terem recebide do mesmo Deus suas respectivas missées. De um lado, @ Congregagao Crista, por quase trés décadas, restringiu seu ptiblico-alvo acs imigrantes italianos. Fazendo pregacées em italiano, esta igreja manteve-se 4 parte do restante da populagao brasileira, reduzindo em muito o seu raio de alcance. Para termos uma idéia, seu hindrio sé foi traduzide parcialmente para o portugués na terceira edigéo, em 1935, sendo completade somente em 1943 (Rolim, 1995:49). Além disso, a Congregagao Crista nunca fez um proselitismo ostensivo através da utilizacac de rédio, televisao, 7 literatura ou campanhia de evangelizacéo. Isto se explica, em parte, pela heranga calvinista em relagdo a doutrina da predestinacdo. Isto €, se, por um designio divino, alguém foi escolhido como um dos eleites, este naturalmente atenderé ao chamado de deus; logo, néo ha a necessidade de uma atividade evangelizadora ofensive’ . A Assembléia de Deus, diferentemente da Congregagao Crista, partiu de imediato para o proselitismo, arrebanhando novos fiéis, © que fez dela a maior denominacao evangélica do pais. No entanto, seu crescimento inicial ocorreu nas regides norte e nordeste, © sé na década de 30 0 trabalho comecou a atingir expressivamente as regiées sul e sudeste, resultando num novo impulso expansioniste. & necessério ressaltar ainda que, segundo os dados do Censo Institucional svangélico (CIN), realizado pelo ISER, em 1992, na regido metropolitana do Rio de Janeiro, © pentecostalismo ainda contou durante suas primeiras décadas de presenga no Brasil com trés outras denominagées: Adventista da Reforma, fundada no Rio de Janeiro, em 1925; Adventista da Promessa, fundada em Pernambuco, em 1932; e Metodista Ortodoxa, fundeda também no Ric de Janeiro, em 1934. Como uma caracteristica prépria dos pentecostais, estas igrejas foram formadas a partir das dissidéncias nas igrejas Adventista do Sétimo Dia e Metodista, respectivamente. Contudo, as trés denominagées néo tiveram o mesmo impacto da Assembléia de Deus e da Congregagao Cristé durante aquele periodo. Foi interessante notar que a doutrina calvinista da predestinago, predominantemente encontrada emt algumas igrejas protestantes hist6ricas, principalmente na Presbiteriana e Congregacional, esta somente presente numa igreja pentecostal, 2 Congregacao Cristi do Brasil. Isto ¢, as igrejas protestantes histbricas fiiadas ao calvinismo, quando chegam ao Brasil, através das misses norte-americanas, jé abandonaram a doutrina da predestinacdo. O fato de a Congregacdo Crista do Brasit compartilhar de tal crenca deve-se & origem italiana de seu fundador. Como um presbitetiano de uma regio da Iélia, Francescon jamais, abandonou a idéia de que os homens silo predestinados por Deus condenagio ou a salvagdo eterna. Ig somente na década de $0 que surgizam denominagées pentecostais com destaque no plano nacional. Apés um primeiro periodo de adaptacao e enraizamento, os anos 50 marcaram o inicio de uma segunda fase no pentecostalismo, caracterizada pela expansao ¢ diversificagio de suas organizagtes religiosas. Iste ocorreu com a chegada, em 1951, do missionaéric norte-americane Harold Williams, que trouxe para o Brasil a mensagem da Igreja do Evangelho Quadrangular, fundada oficialmente em 1953. Diferentemente da Congregacao Cristé ¢ da Assembléia de Deus, a Igreja do Evangelho Quadrangular j4 existia ha décadas nos Estados Unidos. Foi, portante, a primeira denominagéo pentecostal de origem inteiramente norte-americana a se instalar ne Brasil. Assim como as duas denominacées que inicaram o pentecostalismo brasileire, 2 Igreja do Bvangelho Quadrangular surgiu da “agdo” do Espirito Santo e da dissidéncia de uma igreja protestante histérica. A partir de uma “visdo” (novamente um “dom” do Espirito Santo), nascia em Los Angeles, Califérnia, em 1923, @ International Church of the Four-Square Gospel. De formagdo metodista, Aimeé Semple Macpherson, que havia alguns anos vivenciado 0 batismo pentecostal, teve uma “revelacao” sobre o significade da visdo do profeta Ezequiel, conforme narra o texto biblico (Ezequiel, capitulo 1). Segundo a “visdo”, os quatro rostos (homem, lede, boi e Aguia) vistos pelo profete significavam as quatro dimensdes fundamentais da pregagao crista: cristo salva, batiza com o fspirito Sante, cura e um dia voltara para buscar aqueles que a ele se converteram. Dentre algumas particuleridades desta nova denominacdo, algumas merecem destaque. Antes de tudo, trata-se de uma igreja idealizada e fundada por uma mulher: a canadense Aimeé Semple Macpherson. De certo 19 modo, tal origem torna a Tgreja de fSvangelho Quadrangular uma denominagde particular face a outras igrejas crist4s; afinal, enquanto cada uma delas debate-sc quanto ao pastorado feminine, gerando inclusive cisées, a Igreja do Evangelno Quadrangular nao reprime o surgimento de liderangas carismaticas femininas; ao contraria, estimala tal praética, Mesmo pregando uma doutrina na qual a mulher ocupa, na esfera familiar, uma posigéo de submissio em relagéo ao homem, conforme a leitura da Bpistola aos Efésios, do apostolo Paulo, @ muito comum encontrarmos em templos a submisso do marido, e @ masculina em geral, & lideranca politica e espiritual de suas respectivas pastoras. Para esses religiosos, o carisma do Espirito santo é distribuido indiferenciadamente no ambito da igreja. Apesar de ser extremamente inovadora no que diz respeito ao papel da mulher na igreja, e além de nao compartilhar da rigidez no comportamento e nos costumes, como a Assembléia de Deus e a Congregagao Crista, o Fvangelno Quadranguiar acentuou ainda mais o carater apolitico do movimento pentecostal brasileiro. E quando se angou na atividade politica, durante os anos 80, a igreja demonstrou um perfil conservador, fornecende parlamentares para aquilo que ficou conhecide com a “Bancada Zvangélica’, no periods da Assembl: Nacional Constituinte. outra importante contribuigso dada pelo Evangelho Quedrangular foi transformar uma das quatro dimensées de sua pregagéo, a cura, em atividade principal do seu processo de expansdo. Liderando a “Cruzada Nacional de Evangelizagao”, o Bvangelho Quadrenguler imprimiu, nos primeiros anos de atividade, uma forte prética evangelista, na qual a cura e os milagres eram o atrativo principal. Tudo isso podia ser 20 visto nas grandes tendas gue eram improvisadas como templos. Através delas, foi possivel levar a mensagem pentecostal a inimeras cidades do pais. Além disso, pastores de outras igrejas ja estabelecidas no pais aderiram 4 “Cruzada” (outro nome pela qual a Igreja do Evangelho Quadvangular conhecida), engrossando ainda mais o nimero de pregadores que proclamavam a £é pentecostal. Isso ndo significava que outras igrejas néo pregavam o milagre da cura; entretanto, foi o Evangelno Quadrangular que, num primeiro momente, capitalizou este prética, gerando outras denominagées, que foram tipificadas como igrejas da “Cura Divina” (Mendonga & Velasques, 1990). Trés anos apés a chegada ao Brasil do Evangelho Quadrangular, um de seus pastores, Manuel de Melo, que j4 havia passado pela Assembléia de Deus e participava da “Cruzada Nacional de Evangelizagao”, provecou @ primeira cis&o significative entre os pentecostais brasileiros, ao fundar, em 1956, a igreje 0 Brasil Para Cristc. J& nos anos 60, esta denominagéo deu origem a duas importantes denominagdes: a Deus é Amor, do missionaric Davi Miranda, em 1962, € a Casa da Béngdo, de Doriel de Oliveira, em 1964; isto sem falar na recente dissidéncia da Assembléia de Cristo, em 1989. A Casa da Béngdo, por sua vez, gerou a Igreja Socorrista, em 1973, @ 0 Templo da Béncdo, em 1991. & desnecessério neste momento percorrer tedas es outras genealogias que compéem o espectro das igrejas pentecostais no Brasil. Os exemplos oferecides j& nos fornecem a informagdo sobre um dos aspectos fundamentais de como ocorreu o crescimento do pentecostalismo a pattir dos anos 50: a dissidéncia. Pare ser mais claro, a partir dos anos 50, com a chegada da Igreja do Bvangelho Quadrangular, além de 2 multiplicar ainda mais © ntmero de adeptos, também ocerreu a diversificacao das instituicées pentecostais. & possivel afirmar que es igrejas acima citadas oferecem um perfil do pentecostalismo brasileiro; entretanto, o ntimero de organizagdes pentecostais ultrapassa em muito o que foi listado. Segundo os dados do Censo Institueional Evangélico, das 37 igrejas pentecostais, somente 5 foram fundadas no periodo de 1910 a 1940, 12 hasceram entre 1950 ¢ 1967, © as 20 restantes nasceram nas wltimas duas décadas. Como consegtiéncia do fracionamento em intmeros grupos, e sob a lideranga de certas figuras carisméticas, o pentecostalisme compés um espectro mais amplo e com perfis diferenciados. A fragmentagéo acabou oferecendo um maior grau de liberdade e autonomia as novas dissidéncias, permitingo~lnes a elaboracdo de uma mensagem de salvac3o que visa um p&blico-alvo especifico. Isto €, se, em grande medida, foi nas classes populares que o pentecostalismo encontrou um rico fildo de adeptos, 6 fato também que a classe média vem aderindo paulatinamente a esta fé. A tgreja Nova Vida, fundada no Rio de Janeiro pelo canadense Robert Maclinster, pessui uma dindmica e uma forma de culto que visam atingir as camadas médias da populag&o. Também fruto do processo de sucessivas cisdes, a Igreja Renascer em Cristo tem direcionado sua mensagem prioritariamente aos jovens. Para tanto, utiliza-se da misica como forma de atrair a juventude para o seio da igreja. Através de grandes shows em lugares ptiblicos e video-clips transmitides pela televisdo, a mensagem biblica é embalada ao ritmo do rock'n roll, rap e funk, com @ finalidade de elcancar uma “juventude perdida” nas drogas, na prostituigée, no alcoolismo ou numa falsa 22 religido. A parte a discussdo acerca dos motivos internos das dissidéncias, o fato @ que a diversificagdo das igrejas tem contribuido em muito para o assentamento do pentecostalismo no Brasii, na medida em que consegue atingir cada vez mais os diferentes grupos que convivem numa realidade complexa como a das grandes cidades brasileiras. Além da multiplicagéo das organizagées pentecostais, o que chamon a atencéo foi a rapida expanséo numérica. Para termos uma idéia, em 1960, a Assembiéia de Deus j4 ultrapassava em nimero de fiéis a Igreja Presbiteriana - na época, a maior igreja protestante histérica do pais - e tornou-se a segunda maior denominacdo crista no Brasil, ficando atraés somente da Igreja Catélica Romana. © crescimente pentecostal foi sempre tao acentuado que na década de 60 atingiu um indice trés vezes maior do que o obtide pelo protestantismo histérico, que também se encontrava em ascenséo (Rolim, 1985). Isto poste, duas observagdes sdo necessérias a respeito do que foi dito até aqui. Em primeiro lugar, boa parte das dissidéncias teve sua origem no choque entre grupos e stas respectivas liderangas no seio das igrejas, o que gerou a formagéo de cutras organizagées, sem, ne entanto, em muitos dos casos, gerar significativas diferencas doutrinérias. Bm sequndo lugar, é importante ressaitar que, de fato, o crescimento numérico dos pentecostais deve-se ao trabalho de evangelizagao, sendo a diversificac&o das igrejas mais um resultado do crescimento do que propriamente a causa deste. Diante desse quadro de expanséo ¢ de diversificagaéo do mercado religioso, ume série de estudes foram produzides. Qual a razdco de sucesso dos pentecostais entre nés? Esta era a pergunta-chave de 2B diversos cientistas sociais frente aquele fendmeno religioso. Foi praticamente nos anos 60 que o pentecostalismo tornou-se um tema freqilente nos estudos sociolégices e antrepolégicos a respeito da religiosidade popular brasileira, juntendo-se, desta maneira, as andlises de outros segmentos como o catolicismo, a umbanda, o candomblé, © espiritismo e o protestantismo histérico (o bergo eclesial do pentecostalismo). Satisfatérios ou nao, alguns desses trabalhos retrataram um pentecostalismo ainda timido em suas jinvestidas na sociedade brasileira, Este movimento era visto simplesmente como una alternativa religiosa para as pessoas que estavam submetidas 4 série de mudancas econémicas e sociais vividas pelo pais a partir da década de 50. Para ser mais especifico, algumas teses consideravam o crescente processo de urbanizagdo como © gerador de certas “anomias” na esfera social, e, em contrapartida, a adeséo ao pentecostalismo surgiria como a possibilidade de “superagdo” desta situagdo. Uma das teses basicas era a de que o acentuado processo de industrializagdo, principalmente na regido sudeste, @ demanda de bens e servigos © a ampliacdo do comércio provocaram a evaséo do campo e a conseqilente concentragao demografica nas principais cidades brasileiras. A crescente presenca de migrantes no meio urbano, que vinham em busca de um melhor padréo de vida, chacou~se com um forte processo de urbanizagao gerador de transformagdes fundamentais nas suas vidas. A consequéncia deste impacto prevocou nos migrantes um questionamento, ou melhor, um desordenamento de seus valores e de sua concepg&o de mundo. varios cientistas sociais, valendo-se desse raciocinio, entenderam que muito do crescimento pentecostal resultou da converséo 24 dessas pessoas que, uma vez submetidas A din&mica urbana, nao encontraram referenciais para o seu modo de vida. Por sua vez, contrariamente A diluicdo des valores presentes nas grandes cidades, ¢ pentecostalismo ofereceu a populacio uma estrutura sobre a qual era possivel reproduzir uma visdo de mundo (xe)ordenadora de suas vidas, tal qual possuiam antes de iniciarem a migragéo. Convém ressaltar que o pentecostalismo descrito nesses trabalhos tinha a caracteristica de ser um “ajustador” das “anomias” encontradas nos centros urbanos. A adesdo ao pentecostalismo, portanto, era pensada a partir de uma nocdo de patologia presente na sociedade. Nesse sentido, essas andélises partiram de uma concepcgao de ordem, e, mediante o “desajuste” resultante do processo de urbanizacdo, o Pentecostalismo responderia funcionaimente a esta caréncia social. A tese acima descrita teve uma forte presenca em diversos trabalhos produzidos basicamente no final dos anos 60 e durante a década de 70, nos quais procurava~se descobrir a razdo de espanteso crescimento pentecostal. Para tanto, localizaram nos processes de mudanga social provocade pela migragdo para as grandes cidades a explicagdo para tal fenémeno, Expressdo m4xima dessa perspectiva é a afirmacaéo de Waldo César (1974), que vé o pentecostalismo como um fenémeno essencialmente urbano. Nesta concepcdo, 0 pentecostalismo seria uma resposta satisfatéria ao processo de desordem comportamental vigente nas grandes cidades. Souza (1969), por sua vez, compreenden que o pentecostalismo ofereceria ao migrante uma melhor adaptacdo a légica de uma sociedade urbana - 0 conceito de anomia social tem importancia fundamental na tese desta autora. E, pensando mais em termos estruturais, Willems (1967) compreendeu que a répida mudance 25 nos sistemas de valores vigentes no meio urbano deixaria o migrante sem referenciais, 0 que facilitaria a aceitacao de um ordenamento de valores oferecido por uma concepgéo religiosa do mundo, no caso, o pentecostalismo. Na realidade, para esse tipo de anélise, este segmento religioso ofereceria uma acomodagdo acs individuos que se encontravam angustiados frente & desordem comportamental do meio urbano. Desta forma, a ordem seria restabelecida de uma maneire conservadora, como sugere D’Bpinay (1970), ao pensar 9 caso chileno; pois, para este autor, o pentecostalismo poderia substituir as relagdes pessoais existentes nas éreas rurais: o pastor substituiria o poder representado pela figura do fazendeiro, por exemplo. A perspectiva dos trabalhos acima citados procurou investigar o fenémeno pentecostal a partir da sua resposta existencial frente as caréncias presentes no meio urbano. Entretanto, estudos postericres, numa perspectiva propriamente antropolégica, privilegiaram o didlogo que este movimento estabeleceu com outros grupos religiosos. P. Fry e G. Howe (1975), a partir de um estudo comparativo entre a umbanda e o pentecostalismo, perceberam duas visées de mundo diferenciadas presentes no mesmo segmento da populacéo, motivadas pela afligdo. R. Novaes (1985), na investigacao de uma congregacio da Assembléia de Deus no agreste pernambucano, procurou reconstruir um espago de pluralisme religioso, no qual esses pentecostais interagiam com os catélicos e umbandistas. A autora se preocupou, especificamente, om mapear as relagées no processo de producée resultantes da interacdo social de individuos que professavam ou ndo oc mesmo credo religioso. £ interessante observar ainda neste estudo que a autora, valendo-se do conceito de identidade relacional, analisou um grupo da drea rural que 26 conseguit conjugar sua £@ pentecostal com o engajamento politico, o que era uma grande novidade, na época. Ainda nesta perspectiva, que privilegia a interacao de miltiplos credos, encontram-se os trabalhos de C. R. Brand&o, No livro “os Deuses do Povo’, este autor, tendo como universo a cidade de Itapira, reconstréi as diversas leituras que cada grupo religioso faz do outro e desta forma consegue elaborar uma identidade religiosa. Ja no Livro “o Festim dos Bruxos” (1987), a propésito do falecimento de Tancredo Neves, Branddo xeconstr6i as diversas representagdes religiosas, inclusive a dos pentecostais, acerca da morte. © que se destaca, portanto, nestas andlises 6 uma perspectiva que privilegia a interacso de representagdes do mundo e a conseatiente elaboracdo de identidades relacionais de cada segmento religiose estudado. & importante notar a mudanga de enfoque que se processa nos estudos sobre o pentecostalismo j4 no final dos anos 70. Novaes, por exemplo, preocupou-se em demonstrar que o caréter domesticador da mensagem pentecostal, que integra passivamente os seus fiéis @ ordem social, néo € algo prépric deste movimento religioso - prova disto esté em que a experiéncia politica vivida pelos crentes no interior de Pernambuco encontra-se hoje difundida em certos setores mais progressistas do pentecostalismo. Para chegar a tal conclusao, a autora afizmou que a anélise no pode basear-se t&o somente no niicieo doutrinario dagueles pentecostais, mas nas relagdes sociais estabelecidas no processo de produgde. De outra maneira, Fry e Howe também contestam a idéia de que o pentecostalismo ¢ mesmo a umbanda promovam a integragéo dos migrantes as grandes cidades. A fung3o integradora, que uniformiza as religides populares, foi negada 7 por esses autores; pois, apesar de se manifestarem em contextos semelhantes, o pentecostalismo e 2 umbanda revelaram estratégias de comportamento gue resultaram em agdes diferenciadas (Fernandes, 1977). Os evangélicos constituem o segmento religioso menos estudado pela academia quando comparado ao catolicismo © as religiées afro~ prasileiras. Apesar da crescente expansdo e das polémicas geradas, s&o pouces ainda os estudos académicos a seu respeito. Isto ocorreu, muito provavelmente, devido a sua inexpressiva dimensdo nos anos iniciais. Mas, de outro lado, nem mesmo as mais importantes igrejas evangélicas pareciam despertar maiores interesses durante o pericdo que compreende o final dos anos 70 ¢ inicio dos 80. 0 pentecostalismo, em particular, estava um pouco fora de foco dos interesses académicos, sé retornando A cena na segunda metade da década passada. A preocupagao do momento era, muito por conta do inicio da democratizagao do Brasil, a Teologia da Libertacao. Se esses catélicos ocupavam a cena nacional, florescia, a sua sombra, uma nova fase do pentecostalismo, que alguns autores passaram recentemente @ denominar como “pentecostalisme auténomo”, “terceira onda” ou ainda “neopentecostalismo”®. Apesar dos diferentes nomes, todas as tipologias acentuam o fate de que o pentecostalismo demonstrou uma participaggo mais ativa em diversos setores da sociedade brasileira, notadamente nos meios de comunicagaéo e na esfera 3 Freston, ao analisar 0 desempenho dos evangélicos durante a Assembléia Nacional Constituinte, foi o ‘primeiro a formular uma periodizagdo do pentecastalismo no Brasil. Segundo o autor, o crescimento ‘pentecostal foi caracterizado em trés “ondas”: de 1910 a 1950 (periodo de enraizamento do pentecostalismo), de 1950 a 1980 (carcterizado pela fragmentagio das igrejas) e de 1980 até 0 momento (caracterizado pela forte presenca na esfera politica, meios de comunicacdo € conilito religioso. Bittencourt (1991), por sua vez, lassificou 0 atual momento como “pentecostalismo auténomo”, devido a origem nacional das igrejas ¢ a conseqiicnte antonomia financeira e doutrindria do pentecostalismo norte-americano, Por fim, Oro (1993), ‘a0 analisar a expanso pentecostal para o Cone Sul ¢ Mariano (1995), ao falar sobre a mudanga no perfil dos pentecostais, classificam 0 novo periodo de neopentecostalismo. 28 politica (principalmente a partir das eleicdes de 1986). Percebeu-se, portanto, um redimensionamento das atividades _ pentecostais, evidenciado na ocupacéo de espagos que extrapolan o ambito propriamente religioso, demonstrendo uma intengao declarada de participagéo na sociedade de uma maneira mais ample e até deciséria. Na década de 80, o movimento pentecostal apresentou uma pratica evangelista ainda mais ousada e ofensiva do que anteriormente. Tornou~ se cada vez mais familiar a figura do “crente” pregando com um megafone em praca publica, e os templos espalhados pelo centre, © principalmente pela periferia, j& compéem a imagem de nossas cidades. © Censo Institucional Evangélico, por sua vez, veio demonstrar estatisticamente aguilo de que havia algum tempo 34 se tinha idéia: 0 crescimento desenfreado das igrejas evangélicas. 86 no Grande Ric sao 3.47? lugares de culto*. Em uma outra pesquisa, realizada pelo ISER no Diario Oficial do Estade do Rio de Janeiro, em 10 trimestres entre 1990 © 1992, contabilizaram-se 991 novas organizacées religiosas, numa medida de 8 registros por semana. “As igrejas evengélicas totalizam 63% das organizagées criadas no triénio, numa média de 5 por semana, ou o equivalente a uma nova igreja por dia til. A atividade medidnica (somando-se kardecista, umbanda e candomblé) também & notavel. Perfazem média de 2 novos centros por semana” (Pernandes,1993:3). A novidade deste pericdo, contudo, n&o se resume somente a presenga fisica cada vez maior desses pentecostais. Note-se que este + "Temos registro de 118 instituigdes evangélicas de comunicagao social. Entre elas ha 45 editoras, 38 livrarias, 12 estagdes de radio, 1 estagdo de TV, 9 jomnais (sem contar periddicos intemos, de distribuigdo restrita as suas denominagdes), além de video locadoras, gravadoras de discos etc (...) Em 1992, registramos 295 programas evangélicos semanais nas ridios da regio metropolitana (..) O clero dispde de 41 instituigdes de formagdo teologica, entre Semindrios ¢ Institutos Biblicos (escolas de nivel médio, equivalentes aos cursos de profissionalizagio). O trabalho do clero é suplementado por $4 organizagies missiondrias (..) Obras sociais (creches, offanatos, asilos, hospitais cic) sfo 89" (Fernandes, 1993:3). 29 movimento smpliou qualitativamente os espagos de atuagao na sociedade a fim de viabilizar seus objetivos religiosos. Refiro-me, aqui, basicamente, & entrada macica dos pentecostais na esfera politica ¢ nos meios de comunicacgféo. A partir das eleicSes de 1982 e, principalmente, de 1986, os candidatos a algum mandato politico nao somente disputavam os votes dos evangélicos como também estes candidatos eram evangélicos, tornando-se, portante, para bea parcela da populacéo, uma alternative politica, Ao todo, os pentecostais consequiram eleger dezoito candidatos, em 1996, o que contrastou, em muito, com os dois eleitos em 1982; além destes, os protestantes histéricos elegeram dezesseis deputados*. A parte alguns ideologicamente identificados com a esquerda © o centro-esquerda — dentre eles, a fiel da Assembléia de Deus, Benedita da Silva - esses deputados (protestentes histéricos e pentecostais) formaram o bloco politico-religioso conhecido como a “Bancada Evangélica”, que conguistou, entre outras coisas, varias concessées de r&dio e televisdo para o povo evangélico. Tudo isso gragas ao apoio politico dado ao governo Sarney, mais precisamente na votacde que lhe garantiu © mandato de cinco anos®. Em razdo dos objetivos deste trabalho, ndéo cabe aqui discutir especificamente os diferentes desempenhos desses deputados. Contudo, nota-se uma ofensiva evangélica que extrapolou o ambito propriamente religioso, resultando em um movimento do piilpito em diregdo ao palanque; este novo espaco deveria ser instrumentalizado para a realizagéo da obra de Deus. Assim, a participagdo na Assembléia * Pierucci, Flavio. “Representantes de Deus em Brasi Sociais Hoje, 1989 ° Freston, Paul. Protestantes e Politica no Brasil: Da Constituinte ao Impeachement, tese de doutorado, Unicamp, 1993. A Bancada Evangélica na Constituinte”, Ciéncias 30 Nacional Constituinte ndéo foi um fato isolado; na realidade, tratava- se tdo-somente do inicio de um redirecionamento que apontou para uma disseminacio crescente do pentecostalismo na politica brasileira. As disputas eleitorais posteriores contirmaram este tendéncia. Os anos 80 marcaram também a utilizagao ostensiva dos meios de comunicagao na atividade de evangelizacao, seja pelo rédio, seja pela televisdc. Na verdade, o radio 34 era utilizado desde a década de 50 (Souza, 1969). Entretanto, além do recente aumento do numero de emissoras, buscou~se também uma mudanca de linguagem, ou uma diversificacio desta, com a finalidade de atingir um piblico maior. Através de uma linguagem adequada as freqiiéncias moduladas, o pentecostalismo construiu uma programacao dirigida para a juventude. Além do radio, a televisdo tornou-se um veiculo de propagacao do Evangelho. Gracas a influéncia des pregadores norte-americanos, que invadiram a televiséo brasileira nos anos 80, diversos pastores € igrejas alugaram alguns horérios nas emissoras Bandeirantes, Manchete © SBT, com o firme propésite de evangelizar o telespectador. Dessa maneira, aos nomes do pregadores eletrénicos norte-americanos, come Rex Humbard e Jimmy Swaggart, juntaram-se Carlos Apolinério, Silas Malafaia e outros tantos pastores brasileiros, principalmente os da Assembléia de Deus. Além deste novo tipo de insercdéo, algumas igrejas partiram para um confronts mais explicito e acirrado com outros segmentos religiosos ndo-evangélicos, na busca de novos fi¢is - caso especifico da Igreja Universal. Soares (1990:95), ao analisar a “guerra santa”, afirma que a novidade deste momento @ exatamente a posig&o de confronto que 1 algunas igrejas, especiainente a Igreja Universal, assumiram frente as religiées afro-brasileiras. Essa nova situagéo, de um certo modo, deixou os trabalhos anteriormente citados em um certo descompasse com o momento atual. Prova disto é a recente motivagdéo por noves estudos sobre o pentecostalismo brasileiro, apés algum tempo de um relative Gesinteresse pelo tema. Neste sentido, a presente pesquisa insere-se no debate como mais uma contribuicdo para o entendimente do cenario religioso brasileiro atual. Para tanto, parte do pressuposto que uma mudanca de configuragao no quadro religicse efetuou-se, e tem colocado novas questées para o estudo das religiées populares, no qual as igrejas pentecostais, em particular a Igreja Universal, tém papel fundamental. 32. II - A IGREJA UNIVERSAL E SEUS DEMONIOS “s as idéias instruidas do senhor me fornecem paz. Principalmente a confirmagio, que me deu, de que o Tal ndo existe; pois é, néo? © Arrenegado, o Céo, o Cramlhdo, o Individuo, © Galhardo, o Pé-de-Pato, o Sujo, © Homam, o Tisnado, 0 Céxo, o Temba, o Azarape, © Coisa-Ruim, o Mafarro, o Pé Preto, o Canho, o Duba-Dub4, o Rapaz, © Tristonho, 0 Ndéo-sei-que-diga, O-que-nunca- se-ri, o Sem-gracejos,.. Pois, ndo existe! E, se néo existe, como 4 que se pode contratar pacto com ele? E a idéia me retorna (Guimaraes Rosa - Grande Sertao: Veredas) A Igreja Universal do Reino de Deus, obedecendo 4 dinamica estrutural da expans3o do pentecostalismo, foi formada a partir da Gissidéncie de outras igrejas. Se tentarmos reconstituir sua genealogia, veremos que ela é frutc de uma complicada ramificagao. seus fundadores - Roberto Augusto ¢ os cunhados Edir Macedo © Romildo Ribeiro Soares - pertenceram, inicialmente, & Igreja Nova vida, cujo fundador, Roberto Maclinster, teve passagem pela Assembléia de Deus. Além diste, #dir Macedo e Romiido Ribeiro Soares, antes da formacao da igreja Universal, j4 haviam fundado o Salao da Fé, também conhecide como Cruzada do Caminho Eterno, em conjunte com Semuel Coutinho, que, por stia vez, pertenceu 4 Igreja Batista. A dinamica das dissidéncias ndo se encerraram com a formagso da Igreja Universal. Edir Macedo, gragas a uma marcante lideranca, ampliou seu poder dentro da instituigdo ¢ sua ascendéncia sobre os Figis a ponto de provocar outros cismas. 0 primeire a se opér ao bispo Macedo foi o cunhado Romildo Ribeiro Soares, afastado da dizegéo da igreja, em 1980. © rompimento com Edir Macedo, no entanto, no deixou 3B scares no ostracismo religioso. Tendo a Igreja Universal como modelo, fundou a Igreja Internacional da Graga de Deus. Roberto Augusto, por sua vez, foi lancado pela Igreja Universal na atividade politica, elegendo-se deputede federel constituinte, em 1986, pelo PTB/RJ. Entretanto, um novo desentendimento com Edir Macedo causou a saida de Roberto Augusto do rebanho da Igreja Universal? Roberto Augusto xetornou a sua igreja de origem, @ Nove Vida. com 0 poder eclesidstico centralizado em suas mdos, Edir Macedo enfrentou ainda a opesicaéo interna de dois outros pastores. Um deles foi carlos Magno, que era lider da Igreja Universal mo pais desde a partida do bispo Macedo para os Estados Unidos, em 1966. A ascensdo de carlos Magno, no entanto, foi interrompida pelo bispo Macedo, em 1950, © que gerou a formagdo de uma nova denominagao: Igreja do Espirito Santo. Apesar de néo conseguir estruturar uma grande igreja, Carlos Magno nao sumiu de cena, gragas a algumas acusagées dirigidas contra Edir Macedo, em 1991, através do Globe Repérter; afirmava que Edir havia recebido dinheiro do narcotréfico colombiano. As acusagées nao tiveram significativos desdobramentos judiciais, na época. Entretanto, nem Carlos Magno, nem a Rede Globo esqueceram este assunte, @ no segundo semestre de 1995, novamente as acusagSes retornaram, acompanhadas de uma fita de video na qual Edir Macedo ensinava aos seus pastores como pedir dizimos e ofertas. Muito por conta desses acontecimentos, uma outra dissidéncia foi formada. 0 bispo Renato Sukett, apés a saida de Carlos Magno, monopolizou a atengdo da igreja devide ao seu grande carisma, principalmente com os jovens. Além de pregador, ele era compositor e cantor evangélico. Gracas a essas caracteristicas, Suhett fol o 34 responsével pela estruturacdo de um outro importante investimento de Igeeja Universal: a gravadora Lines Record. Devido a ascendéncia no cenario nacional, Suhett acabou sendo transferido para Los Angeles, em 1992, distanciando-se deste modo do feco das atengées dos fiéis. Entretanto, com os escéndalos envolvendo a Igreja Universal ne segundo semestre de 1995, Suhett decidiu retornar ao Brasil e fundar uma nova denominag&o pentecostal: a Igreja do Senhor Jesus Cristo. © primeire templo foi inaugurado em janeiro de 1996, num grande cimena do bairro do Bras, a duas quadras da sede nacional da Igreje Universal. A observagdo dos cultos dessa igreja demonstrou uma grande semelhanga © progimidade com a Igreja Universal; no entanto, devide as acusagses que Bdir Macedo recebeu em relagio 4 maneira como religlosamente aborda a prosperidade financeira, Suhett em sev discurso inaugural acentuou que sua igreja n’c pediré ao fiel nenhum tipo de sacriticto financeiro,. somente 0 dizimo, dado tratar-se de um ensinamente biblico (Malaquias 3:10). Nesta ¢iranda institucional, destaco trés aspectos da trajetoria go bispo Roberto Augusto. Em primeiro lugar, embore tenha se desligade da Igreja Universal, ele representon o passo inicial dado pela instituigdo em direcZo a atividade politica: pratica que se ampliow posteriormente. Em segundo, a saida de Roberto Auguste consolidou definitivamente a centralizagéo do poder na Igreja Universal nas maos de Edir Macedo, dado que ndo havia mais necessidade ge compartilnar com outros bispos a imagem de lider-fundador. B muito embora outras liderangas tenham surgido, nenhuma de fate consequiu ebalar consistentemente a unanimidade que Edir Macedo construiu perante os bispos, pastores e fiéis. Por fim, o bispe Roberto Augusto foi pega 35 fundamental na implantagdo da Igreja Universal em Sao Paulo no periodo de 1981 a 1984. S& Paulo, portanto, tornou-se desde entao um dos campos f6rteis para 2 proliferagéo da mensagem da Igreja Universal. foi obedecendo a uma calculada estratégia de expansdo que 4 sede nacional foi transferida do Rio de Janeiro para Sao Paulo, em 1989, apos a igreja ter fincado profundas raizes naquela cidade. Apesar de sua recente histéria, a Igreja Universal j4 possui ume estrutura interna bem definida. Fundamentalmente, @ igreja conta com o trabaiho dos cbreiros, pastores e bispos. Os obreiros (a maior parte composta por jovens entre 15 € 28 anos de ambos os sexes) sAo pessoas com pouco tempo de conversdo que auxiliam na realizacdo dos cultos, principalmente nas oragées pelos fiéis. Ros pastores cabe a direcao dos eultos, através da pregacio, e a administracéo de suas respectivas iqrejas. Entretante, nem todos os obreiros © pastores ficam restritos a estas funcées. Aqueles que eventualmente possuem alguma qualificacao profissional acabam se dedicando a outras 4reas de atuacdo da igreja como a radio, o jornal, a gravadora, a televisdo etc. Por fim na direcdo geral da igreja e das empresas encontra-se 0 conselho dos bispos presidido por Edir Macedo. come dito anteriormente, o templo-sede foi instalado no bairro paulistano do Brés, lccal onde a maior parte da pesquisa foi realizada. Como seré visto, devide a riqueza de elementos apresentados © A uniformidade dos cultos realizados em qualquer templo, este local oferece uma radiografia bastante explicativa do funcionamento da igreja Universal. A partir da observacéo dos cultos ali realizados, procure reconstruir parte de suas principais atividades e, principalmente, compreender 0 sentido do conflite religioso neles 36 estabelecidos. Isto foi possivel gragas 4 forma praticamente homogénea de realizacdo dos cultos em qualquer templo da Igreja Universal. © Brés, tide como um bairro operario e com forte migracéo italiana, hoje, apresenta uma significativa presenga de camelés e migrantes, na sua maioria nordestinos, além de boa parte de suas f4bricas estarem fechadas e substituidas por lojas populares. f principalmente deste pidlico, cuja formagdo expressa em muito as transformagées sociais pelas quais passou o pais, que a Igreja Universal arrebanha novos fiéis naquela regiao. Situado nesse bairro, o ex-cine Roxy, espace que a partir da década de 40 propiciou, pelo lazer, um determinado tipo de sociabilidade, foi transformado em espacgo de culto que abriga uma multiddo de £iéis. La, ja é possivel identificar aigumas inovagées nas estratégias de expansio do pentecostaliamo. A primeira diz respeito ao préprio local de culto. A Igreja Universal optou, na medida do possivel, pela nao construc’c de templos, sendo seu procedimento o de aquisicgéo ou de locagéo de cinemas, teatros, grandes depésites, fbricas fechadas, em suma, qualquer lugar que seja bem espacoso. No vacuo deixado pelos grandes cinemas e teatros - que cada vez mais ocupam pequenas galas de exibicio - ou pela faléncia de certas féoricas, a Igreja Universal vai, paulatinamente, ocupando estes espacos e demarcando o seu lugar nos principais centres urbanos. Adentrando ne templo, lego na entrada, nas laterais de hall que d& acesso ao grande saldo onde sao realizadas as reuniées, duas obreiras recolhem o nome e os pedides de oracdo daqueles que tém problemas ¢ desejam a ajuda espiritual. Quase todos depositem ali um pouco de suas esperangas; afinal, como veremos, problemas e a7 recorréncie & intervenggo divina caracterizam a grande maioria dos presentes. Alguns metros mais adiante, encontram-se uma banca e uma livraria, nas quais sdo vendidos diversos produtos relacionados 4 fé daquele pove. La, por um preco acessivel, so comercializades livros da editora Universal (boa parte deles escrites pelo bispo Macedo}, o jornal semanal Folha Universal ¢ discos gravados pela Lines Record. Dentre estes, destacam-se o disco do reporter da Rede Globo, Cid Moreira, que faz a leitura de alguns salmos, ¢ ainda o disco do cantor Nelson Ned, agora membro da Igreja Universal. A Lines Record inicialmente dedicou-se A gravagao das misicas de seus fiéis. Porém, como uma empresa que compete no mercado fonogréfico, passou a gravar evangélicos de outras filiagdes religiosas a fim de conquistar uma considerével fatia deste mercado. E, por mais espantoso que isto parega eos olhos fundamentalistas dos outros pentecostais, alguns cantores nao-evangélicos assinaram contrato com a Lines Record. A folha Universal, n° 72, apresentou em uma foto o seu “supercast” de cantores. Nela, além daqueles que se dedicem & misica evangélica, apareciam como contratados pela gravadora as cantoras Eliana Pitman, Gretchen, Vanusa ¢ Flor. © meio evangélico demanda certos produtes que ihe sao particulares como discos, livros, videos, jornais, entretenimente etc, em suma, produtos que atendem as necessidades religiosas desse povo. ora, estas fatias do comércio evangélico eram ocupadas na sua maioria por empresérios filiados a alguma denominagdo. A propria instituicao Igreja Universal, ao contrdrio, entra na disputa deste mercado e, ainda gue de forma timida, no mercado néo-religiose como uma empresa 38 com objetivos bem determinados. A centralizacio de recursos e a orientagéo por parte da direc3o nacional tém permitido a igreja agir de uma forma empresarial. Além de todos esses produtes que s4o oferecidos na entrada do templo, sé distribuidos gratuitamente pequenos felhetos com a programagdo semanal, no qual est&o discriminadas as atividades e os diferentes temas abordados em cada culto da semana. Trés desses cultos se destacam. © primeire deles € dedicado ao empresérios. Todas as segundas-feiras é realizada a “corrente da restituigao”, destinada 4 prosperidade financeira daqueles que se encontram em meio aos problemas financeiros. 0 folheto traz a fotografia de um casal e o seguinte depoimento: “Quando cheguei na Igreja Universal, havia perdido tudo. Através das Correntes de Oragio, minha vida foi melhorando. Comprei um apartamento num bairro nobre e um carro do ano, Atualmente sou proprietario da butique Grife Aline, no Shopping Santana.” Em um outro, uma mulher testemunha: “Quando cheguei & Igreja Universal, havia perdido um préspero comércio de roupas e a vida financeira do meu filho estava totalmente destruida. Participando das reuniées meu filho foi empregado em uma empresa quimica e sua renda ultrapassa 400 mil cruzeiros reais. Jesus restituiu a nossa prosperidade. como € possivel perceber, assim como ccorre em qualquer testemunhos dos fiéis, os dois depoimentos falam de uma situagao de crise financeira que sé é superada com @ adesdo A Igreja Universal. Além disso, evidentemente, a igreja oferece algo muite melhor do que 39 simplesmente solucionar os problemas financeiros. B no caso do primeiro, a adesio A Igreja implicou @ ascensao social. Nas terca-feiras, as reunides s40 dedicadas @ cura. B nele a Igreja Universal anuncia os seus maiores prodigics. Nao 4 toa, esta & uma das reuniées mais frequentadas durante a semana: wpesde os sete anos prostituia-me com meninas. Com 12 anos passei a ter relagSes sexuais com varios homens. De repente, passei a sentir muitas dores. Eu estava com AIDS. Confiei que o Senhor Jesus poderia curar-me. Retornei ao médico e fiz novos exames. Os resultados confirmaram que eu fiquei curada." os cultos dedicados ao exorcismo sd reelizados as sextas~ feiras, no dia da “Corrente de Libertacao” do diabo e de sua agao sobre a vida dos fiéis. £ interessante notar que 4 reunido € realizada na sexta-feira, dia associado pelo senso comum aos rituais da Umbanda © Candomblé. Ndo se trata, porém, de pura coincidéncia. A Igreja Universal dedicou propositalmente, segundo declaragée dos préprios pregadores, este dia & “libertagao” dos espiritos malignos que habitam os terreires dessas religides. A primeira descrig&e deste culto ja pode ser feita a partir dos folhetos distribuidos. Cada dia da semana recebe uma pequena ementa do tema que ser4 ebordado na veunido. No caso da “Corrente de Libertagdo”, realizada as sextas-feiras, o folheto traz a seguinte convocagae: wvoeé que tem a vida escravizada por estes sintomas: 1. 3. insénia; 4. medo; nervosismo; 2. dores de cabega constante: 5, desmaios ou ataques; 6. desejo de suicidio; 7. doengas que os médicos nfo descobrem as causas; 8. visdées de vultes ou audicso de vozes; 9. vicios; 10. depressic. Entdo passe pelo Vale do Sal. 40 Na ocasido estaremos distribuindo gratuitamente o éleo de Israel.” Abaixo do convite encontram-se a foto de uma moga e, ac lado, o seu testemunho: ‘Desde a infancia, em companhia da minha avd, frequentava o Candomblé, Umbanda e mesa branca. Com quatorze anos j4 era viciada em maconha, cocaina e crack. Na adolescéncia passei a prostituir-me para comprar drogas e roupas. Tentei o suicidio por diversas vezes. Conheci o Senhor Jesus e tive a vida transformada.” Antes de uma discussdc mais detalhade a respeito do que esta envolvido no convite, destaco, por enguante, @ associagéo das religiées meditinicas (Candomblé, Umbanda e Mesa Branca; isto sem falar das intimeras outras religides citadas em outros momentos) a um passado pecaminoso e de infortunios superado somente com o momento da adesdo 4 Igreja Universal. A associagao que poderia ser particular 4 experiéncia daguela moca é uma constante em intmeres testemunhos recolhides. Mas nem sé os cultos de sexta~feira séo dedicados & “libertagio” © ao confronto com as religiées meditnicas. Por sezem extremamente centralizadas, todas as atividades da Jgreja Universal, seja nos templos espalhados por todo pais, seja nas programagées do rédio e da televisdo, obedecem a uma mesma linha temAtica, Neste sentido foi criado o programa “Ponto de Fé”, apresentado nas manhds de sexta- feira, na radio Sdo Paulo, pelo pastor Marcelo. A estrutura do programa segue a légica dos radialistas que léem as cartes de ouvintes portadores de diversos problemas © necessitedos de aconselnamento. Contudo, © contetide das cartas é@ bem particular: o programa visa & oracdo pelos ouvintes e a cxplicacdo de como sao realizados os 4 diversos feiticos do Candomblé, da macumba, da Umbanda, do vodu etc, de que eles confessam terem sido vitimas. 0 pastor Marcelo com certeza é uma pessoa bem habilitada para falar deste assunto. Ble, como uma parte significativa dos fiéis da Igreja Universal, 6 egresso dessas religides. No caso do pastor Marcelo, a mudanga ocorreu com maior radicalismo. Antes de se tornar pastor, ele desempenhava a fungdo de pai-de-santo no Candomblé; sendo seu antigo nome-de-fé: Marcelo de Ogum. Casos como este, de conversdo de pais-de-santo, tém sido uma constante na Igreja Universal. Os livros, a Folha Universal, os programas no radio e na televisdéo como também intmeros testemunhos piblicos nos temples alardeiam reiteradamente as incontaveis conversées de umbandistas, macumbeiros, kardecistas, candomblezeiros Aquela igreja. Quanto mais “pecaminoso” e comprometido for o passado dos novos fiéis com estas religiées, maior € © destaque de suas histérias de vida. Prova disto é a propria abertura do programa “Ponto de Fé”. Apés soarem alguns tambores simulando um batuque de terreiro de Umbanda, uma voz grave anuncia: “Marcelo de Ogum! Ex-pai-de-santo! Ex-babalorixé! Responde a sua carta.” Além desse programa, existe outro com o mesmo enfoque transmitido pela TV Record nas madrugadas de sexta-feira para sdbado. Trata-se de um culto de “libertacdo” transmitido ao vive. Novamente a aberture do programa j4 faz referéncia as religides citadas acima. com efeitos especiais, a abertura mostra imagens retorcidas de pessoas em transe em algum terreiro e outras no préprio templo da igreja. A possessdo é retratada de duas maneiras. Quando a imagem est& no terreiro, as pessoas esto incorporadas por uma entidade. Ao lado de a um despacho © em transe, elas usam certos trajes e dancam conforme 4s exigencies daquele ritual. Todavia, quando sae filmadas no templo, as pessoas esta possuidas por deménios, e, de joelhos, tém o seu transe controlado pela “imposig&e de maos” de pastor. AS cenas sé intercaladas, progressivamente, fazendo com que o telespectedor associe a entidade ac deménio, dando a entender que as posseasées sio da mesma natureza. AS cenas se sucedem até que um pastor exerciza, no templo, © deménio que ocupava o corpo da pessoa - deménio que, segundo a abertura do programa, seria a mesma entidade imeorporada no terreiro. Por fim, realizado o exorcismo, aparece o simbolo da igreja com a frase: “Pare de Sofrer”. Logo em sequida, tem inicio o culto de “libertagéo”, com transmissao ao vivo de outros exorcismos. A parte os ataques as zeligiées afro-brasileiras, convém ressaltar, por enquante, que a Igreja Universal tem se utilizado om muito do radio e da televisdo e dedicado boa parte dos seus esforgos para a formagéo de uma vede de comunicagécs para @ propagecdo da sua mensagem. Todo um aparato técnico € utilizedo para acompanhar os milagres € exorcismos que se sucedem nos temples. Lege na entrada do grande saldo de reuniges do temple do Brés, alguns pastores, transformados em repérteres, entrevistam aqueles que receberam algum milagre ou foram libertados da agao do diabo. Além disse, como verenos adiante, até mesmo no momento em que um exorcismo esté acontecends, pastor realiza wma entrevista com a pessoa endemoninhada, ou melhor, com 0 deménio incorporado para posterior exibigdo no programa “Palavra de Vida" da TV Record. 43 Assim, as referéncias ao diabo e, principalmente, as religides afro-brasileiras j4 se fazem presentes antes mesmo do inicio da reunigo. Ainda no mesmo hali de entrada, um pouco mais a frente da banca onde sdo vendidos os discos e os livres, outras obreiras passam um pouco de “éleo ungido” nog pés, nas méos © na cabega daqueles que iréo participar do culto. A explicagdo desta prética fora dada pelo pastor Marcelo durante o seu programa “Ponto de Fé”: 0 éleo servird para a protecéo espiritual contra a agdo do diabo. Segundo suas palavres, trata-se de um “fechemento de corpo”. Esta expresso - “fechar o corpo” - tao corrente nos terreiros de Umbanda e Candomblé, @ até mesmo no vocabulério popular, é constantemente citada nas varias reunides e por diversos pastores; dentre cles, o pastor Marcelo, que sabe muito bem seu significado e os procedimentos tomados para © “fechamento de corpo” tanto na Igreja Universal quanto nas religides afro-brasileiras. uma vez “ungidos” os pés, as mos e a cabeca, o fiel entra no saléo de reuniges, quase sempre lotado, para participar do culto. Obedecendo ac padrao dos grandes cinemas da década de quarenta, 0 ex- cine Roxy possui um imenso saldéo com capacidade de lotagao girando em torneo de mil pessoas. Como boa parte das igrejas evangélicas, herdeiras da tradigao protestante que nega a intermediagéo dos santos entre o homem e Deus, @ que rompe com o uso de qualquer tipo de imagem © objetos sagrados, no se encontra neste lugar nenhuma imagem, nenhum objeto de adoragaéo, nenhum ornamento. Na frente, encontram-se apenas um pilpite com algumas cadeiras e um piano eletrénico que faz 0 acompanhamento dos canticos. Somente acima do pilpito, na parede anteriormente ocupada pela tela de cinema, 44 vé-se uma cruz ¢ a seguinte inscrigéo: “Jesus Cristo € 0 Senhor”. E, para completar o quadro, junto ao pulpito é depositada, no inicio de cada reunido, uma variedade de objetos pessoais (roupas, fotos, agua, comida etc) que deverdo receber @ “ungado com éleo” © a oragéo dos pastores- A quase auséncia de objetos nos templos, que poderiam desempenhar algum papel litirgico, demonstra que o culto, como veremos, est4 baseado tao somente ne oralidade. Alias, no limite, qualquer objeto é prescindivel para a realizagado da reuniao; inclusive © prépric templo é dispensével, Isto é, 0 lugar do culto n&o possui em si um cardter sagrado como um terreiro de Candombié, com o “axé plantado”, ou um templo catélico, com a presenga do “Santissimo” no altar. Por isso, tanto faz se o culto € realizado no cinema, no teatro, num depésite, na rua, na frente das cameras de televisdo ou num estadio de futebol. Alias, por vérias vezes, a Igreja Universal realizou os seus megacultos no estédio do Maracana, considerado o “templo” do futebol brasileiro e que foi transformado em palco para a pregag’o do bispo Edir Macedo... e sempre com a “casa cheia”. A sacralizagéo do lugar de culto, portanto, sé ccorre mediante reunido dos fiéis. Vazio, o templo nada significa. 0 que importa é a reunido em torne de um grande espetaculo preduzido pelo pastor que dirige ¢ centraliza todas as etapas do ritual (os canticos, a preqagéo, © exorcisme e o pedido de ofertas); pelos obreires que transitam pelos corredores do saléo, auxiliando nos exorcismos e na assisténcia ao piblicor e, por fim, pelos fiéis que, com suas angistias, ansiedades, doengas, miséria e outros demais sofrimentos, compdem o ritual. sem faier, evidentemente, em Deus, no Espirite 45 Santo, no diabo e suas mais variadas representagdes; em suma, em todos os seres sobrenaturais a partir dos quais sera possivel compreender o sentido da reuniao daquelas pessoas. Como paréntese, e para finalizar a descrigdo do espaco de reuniao, acrescento mais um elemento presente no templo do Bras que, apesar de conjuntural, revela uma das principais investidas da Igreja Universal. Devido As eleicdes de 1994, na parede lateral do salao podia-se encontrar uma grande faixa com os nomes dos seus candidatos oficiais aos mandatos de deputados estadual e federal pelo estado de Sao Paulo. Sem a sigla do partido, apenas com o simbolo da igreja e com o versicule biblico “Feliz a nagdo cujo Deus @ o Senhor”, a faixe trazia os nomes De Velasco pare deputado federal e Edna Macedo, izma do bispo Macedo, para deputada estadual. Jé num outro templo visitado na cidade de Osasco, outra faixa trazia os nomes Dr. Wagner para deputado federal e Pr. Marcio Aratjo para deputade estadual. 0 que poderia parecer uma divisdo interna nada mais era do que uma estratégia eleitoral para a eleigdo de um ntmero maior de representantes. Segundo Freston (1993), a Igreja Universal distribui equitativamente entre os seus cendidates os votos que cada templo é capaz de gerar. A mesma estratégia também foi utilizada no Rio de Janeiro’. No entanto, embora possamos observar num grande templo como o do Bras essa estrutura cada vez mais crescente, o que torna a Igreja Universal ascendente no cenério religioso brasileiro é a atividade cotidiana encontrada no interior de seus cultos. Sao neles que os mais *. Os resultados das eleicdes deram vitoria a todos os candidatos da igreja Universal que concorreram no pleito de 1994: quatro candidatos por Sao Paulo, trés deputados federais ¢ trés estaduais pelo Rio de Janeiro, eum federal ¢ um estadual pela Bahia, 46 diferentes tipos de pessoas vo buscar respostas para suas aflicoes e onde a mensagem de libertacdo é transmitida de forma mais elaborada e mais acabada. Bm outres termes, as caracteristicas expansivas e as atividades empresariais © politicas s8o sinais de extrema sensibilidade na apropriacde de certos meios que possibilitam viabilizar a disseminagao cada vez maior de sua mensagem. No entanto, é a singularidade da sua prética religiosa presente nas diversas reuniées didrias que garante a macica adesio de novos fiéis, Nao se pode esquecer que o capital acumulado duzante anos, e que serviu para a formagio de um significativo patriménio, s6 foi possivel na medida em que o mimero de conversés aumentava. Como também sé foi possivel eleger seus membros a cargos do poder Legislativo a medida que o ntmero de £iéis-cleitores crescia® . Assim sendo, € no espacgo interno dos templos, através da “mensagem de libertagdo” que responde com eficdcia as ansiedades expressas por parte da populacéo, que se observa melhor © processe de converséo. # no contato direto com a populagao que a mensagem é incorporada e, desta forma, pode legitimar um engajamento politico que beneficie o seu crescimento. f, basicamente, no espago do templo, através de exorcismo e do vilipéndio de outras religides, que uma “querza sante” € travada. E é no pericdo de um culto que a Igreja Universal prega a mensagem da prosperidade econémica e da cura do corpo. *_ Em dezenove anos de existéncia, a !greja Universal ja é a quarta maior igreja evangélica do Grande Rio, segundo dados do Censo Institucional Evangélico, realizado pelo ISER. Se ao considcrarmos que os pprotestantes histéricos comegaram a chegar de forma macica a partir da segunda metade do século passado 0s pentecostais nas primeiras décadas deste século, a posigo ocupada pela Igreja Universal é no ménimo ‘surpreendente. 47 Diante deste quadro, a pesquisa recain sobre os cultes realizados cotidianamente, com a finalidade de entender como ocorre a adesao @ Igreja Universal e como é formulada a sua insercao no campo religioso brasileiro. Especificamente na dina@mica dos cultes de libertacéo percebe-se que a Igreja Universal, embora demonstre uma capacidade muito grande de modernizar seus instrumentos de evangelizacdo e sua relacéo com a sociedade, apresenta uma acentuada enfase, mesmo para uma igreja pentecostal, no sobrenatural e nos maleficios da vida resultantes da vivéncia equivocada em outros tipos de religiosidade, em particular, nas afro-brasileiras. © diabo na igreja Apés todos ocuparem os mais de mil lugares do templo-sede, tem inicio a reunido. © plblico todo em pé, sob a diregdo de um misico ac piano, inicia os primeiros canticos. Algumas musicas prefundamente tristes, executadas num ritmo bastante lento, levam varios fiéis a colocarem as m4os no peito enquanto cantam. uma certa aura de tristeza contamina o ambiente. As letras dos canticos ja denunciam o estado de espirito Sesejado, sendo a consternagdo a caracteristica principal dos momentos iniciai: “86 Jesus nos espera ansioso e de bragos abertos. Sé Jesus guiaré aos caminhos mais certos. Basta apenas vocé aceitar as nosses pt verdades sagradas. Que estdo todas escritas na Biblia e estao confirmadas. 86 Jesus. 86 Jesus. Sé Jesus podera lhe dar a mio. S86 Jesus. $86 Jesus. S86 Jesus lhe daré a salvagio."” Um Jovem pastor assume a palavra, pedindo para que todos coloquem as mos sobre o coragéo e fechem os olhos. 0 piano, ao fund, 4B continua tocando a misica acima; contudo, ninguém canta a letra. Todos estdo voltados para dentro de si e alguns comecam a chorar. Um estado de silenciosa aflicéo toma conta do lugar. 9 unico contraste com o ambiente criado é a constante movimentacaéo de um grande nimero de obreires que ientamente andam pelos corredores do templo prestende atenc&o ao piblico. A espreita, esperam a primeira “manifestacao” do diabo. E iste ndo demora muito a acontecer: uma mulher “manifesta” um deménio e rapidamente um obreiro corre em sua direcdo e ali mesmo realiza o primeiro exorcismo da noite. Ninguém, porém, parece preocupar-se com essa movimentacéo; todos foram contagiados pelo clima. A ateng&o esta voltada somente para as palavras do pastor que, de jcelhos ¢ com voz suave, inicia uma oragao. “Em nome do Senhor e Salvador Jesus Cristo. Entramos na tua santa presenga... Senhor, eu sei que a tua vontade é que este povo xeceba vida e a prova disto é que o Senhor os trouxe aqui... Eu sei que a tua obra jé est& sendo feita na vida desta pessoa que est4 aqui, em casa, no hospital, no presidio... S40 pessoas, meu Deus, que ja bateram em muitas portas. Sao pessoas que ja confiaram em muitos deuses. J4 fizeram muitas obrigagées. Que 34 receberam muitas promessas. S40 pessoas que desejam que as perguntas do seu coragdo sejam respondidas... “rem gente aqui, meu Deus, que quer saber o porqué. o porqué de tanto sofrimente. © porqué de tanta infelicidade. © porqué de tanto fracasso, de tanta derrota. © porqué que a sua vida financeira é amarrada. O porqué dela se frustrar na sua vida sentimental. B sé quem pode responder € © Senhor... Entéo responda, Senhor. Temos chamado esta reuniic de dia da Libertagiio. Ent&éo que haja Libertag&o...” A partir deste momento, o pastor comeca orar mais alto e num tom mais incisive: 49 Se existe alguém aqui que foi vitima de uma obra de macumbaria, de feitigaria, de magia, de inveja ou qualquer outra obra maligna. Que est4 obra seja desfeita. Que para isso o Senhor se manifestou. Manifestou para desfazer as obras do diabo. Que a obra do diabo seja desfeita, meu Pai. E que este povo saia daqui glorificando © nome do Senhor Jesus. Neste instante, todo o piblico j4 exaltado comegca a orar mais alto, como 6 caracteristice de uma igreja pentecostal. Varias pessoas, gritando, batem os pés no chao, suplicando a ajuda divine. ... Meu Pai que est4 nos céus. Dé um basta no sofrimento dessas pessoas. Porque esta pessoa j4 ndo aceita mais isso. Existe uma revolta no coragdo dela. Existe uma revolta contra esta situagao. Porque nés néo aceitamos a derrota. Nao aceitamos o fracasso. Nao aceitamos o paliativo. Nao aceitamos somente o alivio. Nés queremos a cura. Queremos a Libertagio... E o que nés te pedimos Senhor, porque cremos na tua providéncia.” Lentamente a oragdo vai terminando, enquanto muitos figis jé se encontram em prantos. 0 piano, que fez um suave fundo musical durante a oragéo, d& os primeiros acordes do cantico “Segura nas méos de Deus”. Com as m§os levantadas e balangando ao ritmo lento da misica, todos pedem o socorro divino. Come diz o cantico, as “maos de Deus os sustentaraéo”. Ao término da cangéo, com a certeza de que receberao a ajuda, todos os fiéis, num grande entusiasmo, fervorosamente aplaudem a Jesus. Num certo sentido, o momente iniciel encerra o propésito principal da reuniéo. De forma condensada, a primeira oragdo explicita os problemas, a infelicidade, o sofrimento, o fracasso, em suma, as motivagées que levaram aquelas pessoas Aquele lugar. © drama de cada un dos presentes j4 estd problematizade. A exteriorizagao da esperanga de vitéria sobre os males da vida - que pode chegar a se tornar 50 publica em caso de possessao do fiel ~ langa no culto os sofrimentos que sé encontrardo solucdc ao seu término. 0 desenrolar do culto, portanto, com todas as atribuicédes e inversées de sentido, tentaré resolver esta questdéc; afinal, as palavras do pastor afirmam possibilidade de vitéria sobre tais tormentos. Dito de outra maneira, a problematizacdo do sofrimento, a busca da sua origem e a oferta de “libertagdo” do mesmo constituem o eixo central a partir do qual o sentido do culto pode ser entendido e um conflite religioso explicitado. Conflito que, por sinal, trouxe profundas implicagées para a religiosidade pentecostal e uma nova configurag&o no campo religioso brasileire. © momento posterior A oracdo ainda fala do sofrimento e da possibilidade de vitéria; mas, agora, esta fase do culto é realizada através de canticos alegres. Um novo estado de espirite é produzido. Todes em pé, ora batendo palmas ora balangando os braces e fazendo gestos, cantam varias misicas que falam do sofrimente e da oferta de ajuda dada por Jesus: “ga chega de sofrer De viver assim téo triste J& chega de chorar Felicidade existe.” Encerrado os cAnticos, tem inicio o sermao. © pericdo dedicado ao sermio € 0 tinico em que had um certa aguietacéo do piblico e dos obreiros que param de circular pelos corredores. A leitura da Biblia, como toda pregagdo, é feita de forma clara e bastante pausada. Apés a leitura dos primeiros versos do livro de Génasis, 0 pastor comeca o seu rapido serm4o. 51 “Quando Deus cricu os céus e a Terra, ele criou perfeito. Tudo que Deus criou era bom, era perfeito. Agora, por que o escritor falou que a Terra era sem forma e vazia? Porque depois da criagao houve uma rebelido nos céus. Houve a rebelido dos anjos {...) Quando um anjo de luz e um tergo dos anjos se rebelou contra Deus. Porque este anjo, chamado Lucifer, quis ser igual a Deus. Entéo foi expulso do Reino de Deus e se tornou o diabo, o Satanés. E desde que o diabo foi enviado a Terra, ela ficou sem forma e vazia. E assim 6 a vida do ser humano sem Deus. Assim é a vida da pessoa sem a presenga de Deus, que est4 distante de Deus.” Com esta Gltima frase o pastor encerra a sua referéncia a Biblia, mas ndo a pregagade. Deste momento em diante, comeca a falar sobre a vida das pessoas, seus pecados, a ago do diabo etc. Este é apenas um exemplo dos inlimeros sermées assistidos em que se demonstra @ pouca preocupagdo com uma exegese mais profunda sobre o texto sagrado; 0 estudo da Biblia parece nao constituir um elemento tao central para a vida religiosa. 0 conhecimento da mesma por parte dos fiéis muito limitado e as pregagSes néo contribuem para aprimoré-lo. & interessante que o pastor, muitas vezes, nd4o chega a citar a referéncia do texto biblico para que os fiéis possam acompanhar a leitura. Na verdade, a grande maicria nao leva consigo a Biblia 4 igreja. Entre os inimeros objetes pessoais levados ao culto para receberem a ora¢c, raramente se encontra uma Biblia. Isto destoa om muito dos outros evangélicos, que tém no porte e no conhecimento do texto sagrado uma das suas principais caracteristices. Nao estou afirmando de forma alguma o desinteresse com relacao a Biblia para esses religiosos. Afirmo, contudo, que o estudo e o conhecimento deste livro nao assumem uma centralidade que pode ser 32 observada em outras igrejas evangélicas. Na sua totalidade, pelo menos em todas as diferentes igrejas ja observadas, a reflexdo sobre a Biblia constitui o centro dos cultos. EF é para o sermao gue convergem todas as etapas iniciais da reunido. Toda orac&o © os canticos s4o preparativos para o recebimento da “mensagem de Deus” tzansmitida pelas palavras do pregador. Na Igreja Universal, ao contraério, nem a Biblia nem o serméo constituem a parte central do culte de “libertagdo”. Por mais que os pastores afirmem a impoztancia do texto sagrado, o fato é que, em todos os cultos presenciados, o tempo destinado ao serméo foi sempre muito curto® . © que procure demonstrar é que o serm4o - que compreende nico sé a reflexdo do pastor, mas também o incentive A leitura e ao estudo da Biblia - ndo ocupa o ponto culminante da reunigo. A centralidade do culto de “libertagdo” localiza-se num momento posterior, quando o exorcismo 6 realizado. & como se houvesse um deslocamento da pregag3o, ou melhor, da doutrinagaéo pare o exorcismo. Por sinal, os pastores afirmam com veeméncia que a Igreja Universal nao tem uma doutrina religiosa; e foi com este pressuposte que o préprio bispe Macedo escreveu o livro Libertacaéo da Teclegia, em que condena qualquer tipo de reflexao intelectualizada da Biblia que tende a formar um corpo doutrindrie. Todavia, o bispo Macedo e seus pastores desconhecem que uma crenga pode muito bem formar um corpo doutrinario ¢ ser socializada mesmo n&o se valendo de um certo tipo de educacdo religiosa. Diante disso, o foco de andlise recaiu, principalmente, sobre a parte referente ao exorcismo, momento culminante do culto. 0 sermio, * Presenci pregagao. ‘uma pregagZo que durou apenas tris minutos. Por virias vazes, 0 culto de terga-feira nao teve 33 assim como a oragdo inicial, pela prépria rapidez com que é realizado, tem o intuito de reconstruir o sentido do sefrimento daquelas pessoas © convencé-las da necessidade de “libertacio”. rorém, © confronto travado entre Deus e as diferentes manifestagées do diabo na vida de cada um ¢ a “libertacio” sé scorreréo no exorcismo. § nele que o sofrimento explicitado no inicic da reunido encontraré sentido; é nele que 2 “vitéria” sobre o mesmo etetivar-se-d; em suma, & para ele que todas as partes iniciais do culto convergem. Neste sentido, o exorcista impde-se ao pregador. Continua o pregador-exorcista: “Quando uma pessoa ndo tem a presenga de Deus, ela é infeliz. Ela € sem forma ¢ vazia. A pessoa que nao tem a presenga de Deus é vazia. Ela esta sempre procurando preencher este vazio nos vicios, na prostituigée, nos prazeres deste mundo. ou pertencendo a uma religiso, ou fazendo boas obras, ou fazendo caridade [referéncia ao Kardecismo]. Ela procura preencher este vazio, mas este vazio é a falta de Deus (...) E aonde existe a falta de Deus existe a presenga do diabo. E porque existe a atuagao do diabo. A atuagSe ¢ manifestagdo do diabo na vide daquela pessoa. E quando @ pessoa nao tem a presenga de Deus ela expressa o cardter do diabo {. diabo. Ela vive na prostituigao, ela vive no adultério, vive na ) A pessoa que é endemoninhada expressa o carater do ergia, vive nos vicios. Ela € idélatra [referéncia ao eatolicisme] (...) Mas porque a pessoa age assim? & porque existe um espirite dentro dela, um deménio no corpo dela.” Para a Igreja Universal ndo existe meio termo: o mundo esta dividide entre pessoas “Libertas” e “ndo-libertas’, sendo que nestas ha a constante atuacao do diabo. & ele o causador de todos os males. Uma pessoa sofredora de alguma doenga, por exemplo, esta possivelmente sendo atingida por algo de outra ordem, diferente daquela tratada pela medicina ou qualquer conhecimento humano, a saber, o diabo (agente 54 gerador das desgragas humanas). Contudo, até aqui, nada de novo; afinal, ndo é privilégio da Igreja Universal atribuir ao diabo origem dos males gue atingem a humanidade. © importante é a énfase desta igreja na ag&o continua do diabe sobre a vida dos “nao- libertos”, concretizada nos diversos problemas que uma determinada pessoa tem, assim como as diferentes formas religiosas que ele assume. Acdo que pode se efetivar como possessée de ceménios; ¢ isto quase sempre ocorre. com a finalidade de ciagnosticar a possessao, a Igreja Universal elencou alguns sintomas mais freqlentes que denunciam algum tipo de possesséo demoniaca, sdéo eles: insénia, medo, nervosismo, constantes dores de cabega, desmaios constantes, visio de vultos, audicdo de vozes estranhas, vontade de suicidio, vicios, perturbagées, dores nao diagnosticadas pela medicina, depressao™ . Entretanto, se, por um lado, a Igreja Universal enumera alguns sinais da possessio de deménios, por outro, identifica a origem de tais deménios em outras prdéticas religicsas, em particular nas afro~ brasileiras. Isto pods ser observado nos livros do bispo Macedo nos quais os sintomas séo diseutidos. 0 titule de um de seus livros especifica melhor a forma que o diabe pode assumir: Orixds, Caboclos e Guias: Deuses ou Deménios?. As entidades da Umbanda e Candomblé sao espiritos demoniacos e a Igreja Universal encontrou nelas a personificag’o do diabo © sua agdo maléfica sobre os homens. 2° Estes sintomas foram retirados do "Estatuto Regimento intemo" da Igreja Universal, de 1994. No livro Orixds, Caboclos e Guias: Deuses ou Demdnios?, de 1990, 0 bispo Macedo clencou somente os seis primeiros, E os convites que até recentemente eram distribuidos nos templos ainda traziam a depresso como sintoma da possessio. Como ficara mais claro posteriormente, percebe-se que a igreja esti: procurando formular uma cosmologia em torno do exorcismo que envolve, além do sintomas da possessdo, deménios com atribuigdes especificas, 53 De modo algum as referéncias as religiées afro-brasileiras na literatura dessa igreja limitam-se a esse Livro. A primeira publicagao da Igreja Universal foi a revista Plenitude, criada pouce tempo depois da sua fundagdo e, desde o seu primeire numero, o ataque & Umbanda e 30 Candomblé imperaram como matérias principais. A folha Universal, que substituiu posteriormente a revista, traz todas as semanas diversas reportagens a respeito dos males causados por estas religides. £ é possivel observar melhor sua postura beligerante quando 9 pregador-exorcista comega a explicar os propésites destas religides: ‘Ainda ontem, nés oramos por uma moga que manifestou um espirito de Pombagira. Nés perguntamos [para o espirito] como ele estava desgragando aquela vida. Ele disse: ‘fu fiz ela perder a virgindade. Eu fago ela sair com um monte de homens’. Vocé vé como isto é uma coisa maligna? Foi o diabo que disse ter feito ela perder a virgindade (...) © diabo quando est4 no corpo de uma pessoa, ele faz a pessoa pecar contra Deus. Ele coloca na cabecga da pessoa que ela tem que viver do jeite que ela quer, fazende com que ela seja independente (...) © préprio diabo disse que foi ele que fez a moga perder a virgindade. Dai eu perguntei quem estava com aquela moga. Eu perguntei como era o procedimento dela. Uma amiga da moga disse: ‘Ela [a endemoninhada] é muito sem-vergonha. Ela arruma um monte de homens. Ela arruma um monte de namorado’. Mas, na verdade, a moga ndo é sem-vergonha. Ela é sem-vergonha porque tem uma Pombagira dentro dela. No momento que ela receber a ‘libertagéo’, ela vai deixar de ser sem-vergonha (...) E por isso que realizamos esta reuniao, que € a mais importante da igreja no sentido espiritual. © diabo nessas reunides tem sido vencido. Vocé pode ter certeza diste.” com essas Ultimas afirmagées, o pastor termina sua pregacdo e o culto atinge uma nova etapa - momento no qual a “guerra santa” é ritualmente travada. 0 confronto com - e a “vitéria” sobre - as 36 religiées afro-brasileiras é perceptivel de mancira bem clara quando 0 exorcisme acontece. 0 pastor pede para todos ficarem em pé e darem as maos entre si. Novamente os obreiros comecam @ caminhar pelos corredores, preparando-se para o momento de maior efervescéncia do culto. Em pé ¢ com os olhos fechados, todos cantam uma misica que fala da “libertacao”. apés a misica terminar, 0 pastor pede para todos ficarem quietos. Um longo siléncio perpassa centenas de pessoas © 56 é interrompido por um fundo musical que agora no é emitide pelo piano, nas de um esttdic de gravacdo existente no proprio templo. Apés alguns segundos, o pastor comega outra ora¢do num tom imperativo: “ge existe algum espirito alojado em alguém... em algum corpo... em alguma vida... ele vai ‘manifestar’(...) Vocé que se chama Exu Tranca-Rua, © Exu da Miséria. Vocé diz que é um espirito de luz. Vocé esta acabando com esta pessoa. Manifesta! Sai deste corpo!" Desta vez a oragdéo ndo é direcionada a Deus, e sim aos espiritos que sdo convocados a se “manifestazem”. Um crescimento cadenciado da convocagao das entidades vai acs poucos provocando a entrada no transe de intmeras pessoas. Enquanto todos est&o de olhos fechados, © pastor em alta voz ordena: “Manifesta Satanas! Dé o seu grito Pombagira!” As entidades, por sua vez, ndo demoram a responder. Do meio do piblico ecoam gritos agudos indicando que alguns foram possuidos. 0 momento € de profunda tensac, pois, conforme a oragio vai se realizando, diversos deménios vdo se manifestando em meio aquela multida’o. Algumas pessoas chegam a bater os pés no chdo - pés que foram “ungidos com 6le0” na entrada do templo e devem, segundo as palavras do pastor, naquele instante pisar a cabeca do diabo - e, de forma tensa, repetem varias vezes em voz alta: “Sai de mim deménio.” 37 Hd uma grande expectativa em relagéo & “manifestacdo” dos deménios, no entanto, dosada com um certo temor. Temor porque ha o receio de que o diabo se manifeste no seu préprio corpo. Contudo, aquelas pessoag estdéo ali porque desejam a libertagao do diabo e seus males, mesme gue iste custe a incorporacde de uma entidade, ou melhor, de um deménio. Quando isto acontece, os obreiros rapidamente entram em acéo, e, colocande as maos sobre as cabecas dos endemoninhados, contyolam o transe. Se o transe ocorresse em algum outro momento do culto, os obreiros fariam o exorcismo no lugar onde a pessoa estava sentada. Entretante, naguele instante 0 objetivo € o de humilhar o diabo e conhecer @ sua identidade. Sendo assim, os obreiros controlam © transe dos endemoninhados e os levam para diante do piilpito. Ainda continuands a oragao, o pastor elenca um grande mimero de possibilidades de “trabalhos” feitos contra os fiéis e algumas formas de atuacéo dos deménios: “Voeé, espirito que foi pago no cemitério, que ganhou sangue de galinha. Larga este corpo. voc& que ganhou ‘trabalho’ na cachoeira, na pedreiza, na praia, na encruzilhada. Vocé que foi mandado por aquele pai-de-santo, aquela mi&e-de-santo. voce que ta na crianga. Voc@ ganhou doce, est4 na crianga. © Eré que bala, ganhou mel. Sai dai! Deménio maldito, comega a \manifestar’ (...) © espirite que ganhou uma roupa, uma saia picada, uma vela vermelha. Vai saindo dai(...) © deménio que esta colocando o medo. © deménio que vem causando a dor de cabega constante. © espirito da morte que coleca o desejo de suicidio. 0 deménio da opresséo, da angistia, da tristeza. Essa pessoa vive sofrendo, vive cheia de solid’o. 0 deménio que causa a insénia (...) & com vocé que eu estou falando.” © pastor, junte com toda a comunidade, em oragao, invoca a presenca dos espirites malignos. A oragdo vai crescendo e alguns 58 pastores vio se revezando ac microfone durante varios minutes. Suas palavras véo sendo ditas de forma cada vez mais intensa, em voz alta e bastante provocativa, até que, do meio do piblico, os gritos se intensificam; outras pessoas simplesmente caem, e varios perdem a consciéncia. As entidades se “manifestaram”. Bm qualquer outra igreja pentecostal, naquelas que adotam o exorcismo, © procedimento seria simplesmente o de expulsar ¢ demnios aliés, nelas, a possessio néo 6 tdo constante como na igreja Universal, néo existindo, diga-se de passagem, propriamente uma convocagio dos espiritos. A possessdo acontece de forma inesperada e, o que € de suma importancia, nao séo as entidades da Umbanda e Candomblé que se “manifestam”. NSo existe uma forma téo especifica para 4 possesséo como na Igreja Universal; e o tratamento empregado quando isto acontece é muito discreto. Nesta, contudo, uma parte do culte é destinada especificamente a este fenémeno religioso. A prépria movimentagdo dos obreiros pelos corredores demonstra que a possessao é algo esperado, e mais, é ritualmente estimulada. A forma utilizada para a cenvecagéo das entidedes varia de acordo com o pastor que dirige a teunido. Certa vez um pastor, realizando o culto de terga-feira, utilizou~se de um grande manto vermelho para provocar o transe. O manto tinha em torno de um metro de largura © o comprimento ere suficiente para cobrir toda a platéia do ex-cine Roxy. © pastor pediu para os obreiros segurarem as extremidades do manto e fez uma oragao por ele, “consagrando-o”. Apés a oracdo, os obreiros passaram o manto por sobre as cabegas do fiéis. © culto de terga-feira, que é dedicado & cura, € 0 que consegue levar mais pessoas 4 igreja. Todos os lugares daquele grande saldo 39 ficam ocupados; as pessoas se espremem nas paredes laterais, procurando participar de forma efetiva do culto. Pois bem, foi sobre esta grande multidao que o “mante consagrado” passou. 0 pastor j4 havia dito anteriormente que todos deveriam tocar no pano quando este passasse por sobre suas cabecas, e aqueles que tivessem algun deménio dentro de si, acabariam por “manifesta—lo”. De fato, foi o que aconteceu. Conforme tocavam o pano, varias pessoas ficavam em posicao retorcida e caiam sobre os bancos; alguns tremiam o corpo inteiro, enguanto outros entravam em uma profunda crise de choro, Era simplesmente impressionante o niimero de pessoas que mudavem o seu estado fisico, emocional e mental; ¢, com a possesséo, muitos perdiam a consciéncia™ . Diferentemente de outras igrejas que encerram o exorcism imediatamente apés 2 possesséo de um deménio por algum fiel, na Igreja Universal este é apenas o comeco. Semicurvados, com as duas m4os para tras e com os dedos retorcidos, os varios endemoninhados sao conduzides para cima do ptilpite pelos obreiros que, com as duas mos em torno de suas cabecas, controlam o transe. Naquele momento, segundo © pastor, 0 deménio est4 “amarrado”. Isto 6, se o diabo “amarra” as diversas 4reas da vida dos fiéis causando-lhes doengas, miséria, solidio, desejo de suicidio etc, na Tgreja Universal o diabo “amarrade”, neutralizade, para posteriormente ser extixpade do corpo do fiel juntamente com todos os males causados. Quande um grande nimero de endemoninhados ocupa de joelhos quase todo o espago do ptlpito, tem inicio um grande exorcisme. Contudo, "' _ Apés varias reunides em que este pano foi utilizado, os obreiros cortaram-no em pedagos ¢ distribuiram, pposteriormente, entre os figis para colocarem em alguma parte de suas casas com a finalidade de protegé-la contra algum feitigo. 60 antes disto acontecer, o pastor conversa por um longo tempo com o deménio, perguntando sobre os prejuizos causados no endemoninhado © come ele veio parar naquele corpo. Na maioria da vezes o endemoninhado movimenta-se muito a fim de evitar a entrevista. 0 pastor, ent&o, ordene ao deménio que pare de contorcer o corpo da pessoa. Na realidade, a entrevista ndo é com o endemoninhado © sim com o espirito que ccupa o seu corpo. Da mesma maneira como acontece nos terreiros - onde ha perda de consciéncia ou um estado de semiconsciéncia e é a entidade que fala - no templo, o endemoninhade perde a consciéncia, dando voz ao deménic. © pastor seleciona uma mulher e, segurande sua cabega, pergunta ac deménio: “Qual é o teu nome?”. Com as duas maos na cintura e simulando uma prostituta, a mulher - cu o deménio, ou a entidade - responde que ¢ a Maria Pedilha. Num outro culto, um adolescente que rebolava no plilpite, sacudinde os ombros, afirmou ser a Porbagira. Ja em outro, © endemoninhado com © corpo curvado e de joelhos negou-se a falar, Numa espécie de programe de auditério, o pastor pergunta ao Publico assistente se o deménio vai falar ou nao. Todos em coro respondem que sim. Ele torna a fazer @ mesma pergunta de maneira mais incisiva, invocando @ nome de Jesus, até que o deminio identifica-se como 0 Exu Tranca-Rua. As vezes, © pastor nfo se contente com @ resposta e pergunta hovamente ao deménio se cle é o espiritoe mais forte entre os intmeros que estdo ccupando aguele corpo. “Quem é o mais forte? Quem é o chefe?”, pergunta o pastor. Na realidade, ele quer saber &@ qual entidade a cabeca do endemoninhado foi oferecida nos rituais de Umbanda ou de Candomblé. él A mulher que incorporou a Maria Padilha, por exemplo, tinha a principio incorporado o Exu do Lodo. Em seguida, o pastor ordenou que © chefe se “manifestasse”. A mulher que estava de joelhos e com as mos para trés - representacdo fisica do Exu - levantou-se e, com as maos na cintura, comegou a riz, afirmando ser Maria Padilha. No caso do adolescente que inicialmente tinha incorporade a Pombagira, ao final do exorcismo mudou para transe de Eré, comegando a agir como uma erianga. A parte a mudanga de transe, todo esse momento de nomeacdo dos deménios, com certeza, é um dos mais importantes do culto; ndo sé para © entendimente da sua dinamica interna, mas também de toda a religiosidade que a Igreja Universal inaugurou no campo religioso brasileiro. Isto porque a pergunta, constante em qualquer exorcismo, tem sempre como respostas as entidades das religiées afro-brasileiras, em particular da Umbanda. A indagag&e “Quel € 0 teu nome” sucede-se uma miriade de entidades afro-brasileiras: xu Caveira, Bxu Capa- Prete, Exu Tranca-Rua, Maria Padilha, Maria Mulambo, Exu da Morte, Exu do Lodo, Pombagira, Exu 7 Encruzilhadas, Exu Meia-noite, Cigana, Caboclo, Pombegira Meta-Meta, uré etc. © que ocorre neste instante é gue o diabo revela sua verdadeira origem. Toda a pregacéo realizada anteriormente comeca a ganhar sentido e forge no momento em que o diabo “manifesta-se” e se autodenomina. Para ser mais preciso, o diabo adquive uma identidade, tn nome; e néo € Licifer, nem Satands. © deménio que causa o sofrimento so as mesmas entidades que habitam os terreiros de Umbanda. Neste sentido, ndéo se trata somente da “manifestagdo” do diabo, mas, acima de tude, da associacéo deste com as divindades que 62 séo cultuadas por uma parcela significativa da populacgdo brasileira. Desta maneira, o fiel tem diante de si a revelacdo ndo s6 da causa dos seus infortunios, como também da sua origem, localizada em outras praticas religiosas com as quais a Igreja Universel entra em disputa. Conforme afirma 9 livre do bispo Macedo Orixds, Cabocios e Guias: Deuses ou Deménios as religites afro-brasileiras so como mascaras acobertadoras de uma realidade maligna da qual o homem necessita sex libertado. Uma vez feita esta associacdo, o pastor passa a segunda pergunta sobre os males causades a pessoa: “O que vocé tem feito na vida dela?” As respostas variam de acordo com o problema de cada um, mas quase sempre giram em terno de questées financeiras, sexuais, familiares, de satide ou vicios. A entidade Maria Fadilha, por exemplo, afirmou prevocar na endemoninhada o édio pelos ‘filhos. © pastor, imediatamente, voita-se para o piblico e aproveita para falar como o diabo é capaz de entrar no seio familiar, gerando o édio e a discérdia entre os seus membros, Jé o Exu Tranca-Rua diz atuar na vida financeiza, nde ¢deixande @ endemoninhado encontrar um emprego. Novamente o pastor volta-se para o ptiblico e condena aqueles que tém a vida financeira “trancada”, pois néo déo o dizimo, mas gastam o seu dinheiro em oferendas a santos ou Eazendo “ebés”. A Pombagira, por sua vez, diz fazer com que o adolescente goste de homem. © pastor agora volta-se para uma das cémeras de televis3o que esta filmando o culto ¢ condena o homossexualismo, afirmando n@o se tratar nem de uma doenca nem de uma opgdo sexual, mas téo somente de um espirito que causa a atragao por uma pessoa do mesmo sexo; no caso, a Pombagira. 6 Se, por um lado, é possivel afirmar que © pastor constantemente faz a pergunta “O que vocé tem feito na vida dela?”, por outro, é@ necessério ressaltar que as respostas sao as mais variadas possiveis. Pode parecer elementar a observagdo, dade gue, sobre um elemento constante do rito de exorcismo e mediante as mais diferentes pessoas exorcizadas, seria natural a diversidade des problemas e dos dilemas ali explicitados. No entanto, @ pergunta abre espaco para tornar ptblicos os sofrimentos e dilemas individuais’ . A incorporada pela Maria Padilha falou sobre o édio aos fiihos; a adolescente citada anteriormente na pregagéo confessou publicamente @ perda da virgindade; o adolescente admitiu sua atrag’o por homens; e assim, sucessivamente, os inimeros exorcismos vao inconscientemente dando vazao publica as angistias, aos desesperos frente a uma doenga, aos segredos mais intimos, A dor de cada um dos intmeros exorcizados. Em outras palavras, se na Igreja Catélica © segredo da confissdo é um dos principios fundamentais, ou se @ consulta a um pai-de-santo ocorre de maneira reservada, na Igreja Universal o desespero mais intimo encontra solug3o no momento de maior publicizagao ©, acima de tudo, maior inconsciéncia do fiel. & importante observar que tudo isto € realizado de forma publica e diante da televisdo. Apesar de tenso, ndo se trata de um ritual secreto. Ao contrério, as cameras percorrem varias reuniées semanais recolhendo cenas de exorcismos ¢ depoimentos de pessoas que foram abengoadas na igreja para posterior exibicao nos programas matinais. Enquanto isto acontece, 6 comum também outro pastor percorrer o funde 12 Este momento € os testemumhos so 0s dinicos em que os fiis falam ao microfone na igreja. Ou seja, as ‘pessoas do piblico somente falam, sé participam ativamente do culto quando esto incorporados ou para testemunharem a sua libertagao. 64 @ as laterais do saldo, observando o que de prodigioso acontece na reuniao. Munido de um microfone e um aparelho eletrénico, ele entra ac vivo na programacao da radio Sao Paulo ¢ narra de forma espetacular os milagres ali realizados. Nao cabe aqui, porém, a discusséo acerca dessa estranhe confissdo, Entretanto, se nfo nos é possivel ainda o entendimento da dimensao daquilo que est& sendo confessado, é possivel afirmar que naquele momento o sofrimento encontra um sentido, a origem do mal, qual seje, a agéo de um deménio na sua vida. B, mais ainda, a Igzeje Universal, além de responder o porqué do sofrimento, ainda oferece a possivilidade de vitéria sobre tais tormentos. Uma vez feita a dupla associagao - o sofrimento € causado pelo diebo que, por sua vez, “manifesta-se” em forma de entidades afro- brasileiras -, 0 pastor faz a pergunta derradeira: “Como vocé entrou na vida dela?”, Basicamente, s40 duas as possibilidades: a pessoa teve algum tipo de contato com as religides afro~brasileiras ou alguém ihe fez um feitigo. No primeire caso o deménio entrou na pessoa porque ela freqientou, mesmo gue de forma descomprometida, algum terreiro. Muitas dos que estdo ali presentes recorreram as religiées afro-brasileiras a fim de obter solugdes pare os problemas da sua vida. Existe um ntmero enorme de pessoas que buscam nelas milagres concretos. No € & toa, portante, que a Igreja Universal, dentre os inimeros ataques lancados contra outras religiées, encontrou na Umbanda o seu inimigo privilegiado. Tanto uma quanto outra tém ofertas de ajuda imediata que se aproximam, atingindo um péblice-alvo muito semelhante. 65 se as motivagédes que levaram A procura tanto da Umbanda quanto da Igreja Universal possuem um nivel de similitude, nao é possivel afixmar o mesmo sobre as respectivas solucdes dos problemas. Fara 4 Igreja Universal, um umbandiste, apesar de crer que est4 fazendo uma oferenda ou um “trabalho” para alguma entidade, e que esta o ajudaré a desfazer, no plano sobrenatural, elgum problema concrete, na verdade, estd compactuando inconscientemente com diabo. Em outras palavras, a tentative de manipulagéo das forgas sobrenaturais, através de fejticos, sobre o mundo material operada pelas religiées afro- brasileiras gera, paradoxalmente, mais problemas na medida em que o diabo teré a possibilidade de agir destrutivamente na vida financeira, na satide, na familia daqueles que se abriram para este tipo religiosidade. Para a igreja Universal, o feitico volta-se necessariamente contra o feiticeire. Em contrapartida, o rompimento do feitico sé é possivel mediante a “libertagao”. © segundo case abre espago para as pessoas que nunca estiveram em unm terreiro, mas acreditam que a causa dos seus problemas seja algum feitico realizado por um inimigo. © programa “Ponto de Fé” é exemplar para o entendimento desta dindmica, pois todas a cartas lidas falam sobre os feiticos que atingiram os ouvintes. Em uma carta, uma senhora escreveu que encontrou na frente de sua casa um pombo sem cabeca junto com velas pretas e vermelhas. © Pastor Marcelo explicou que © “trabalho” serve para “amarrar” a vida da mulher, e disse ainda que o pombo significa Oxalé, as velas pretas e vermelhas significam Preto-Velho e Pombagira, respectivamente. outra escreveu que, certa vez, encontrou moedas na frente de casa; alguns dias depois, o seu pai morret. Segundo o ex-pai-de-santo 66 a morte foi causada por aquele “trabalho” com moedas. Outro ouvinte que confessou ser muite ciumente encontrou um ramo de flores vermelhas amarrado com uma fita preta. Algum tempo depois, © seu namoro acabou. Na explicacdo, © pastor afirmov tratar-se de um “trabalho” para a Pombagira. Apés a leitura das cartas e o aconselhamento, o pastor reafirmou a necessidade da “libertagdo” oferecida pela iIgreja universal. A possibilidade de ser atingido por algum feitigo também ficou bastante evidente no periede que antecedeu as comemoragées do dia de S40 Cosme e $40 Damiao. Segundo o calendario litirgico tanto da Igreja Catélica quanto das religides afro-brasileiros, esta festa € comemorada em torno do dia 27 de setembro. A Igreja Universal estava atenta a data e o pastor do templo do Brés pediu que todos os fiéis trouxessem os seus filhos @ igreja naquele dia. La, foram distribuidos balas ¢ doces “consagrades” para que, acima de tudo, as criangas nao comessem o que era oferecido por outros religioses, a fim de evitar a contaminacSo do deménio. Sdo Cosme e So Damido, assim como os Erés, segundo sua interpretacdo, s&0 0s deménios causadores dos males nas criangas. Para os casos de feitigos causados por inimigos, o pastor costuma fazer uma oragéo especifica. Quando os endemoninhados so levados para cima do pilpitc, antes de comecar as entrevistas, o pastor faz ainda uma segunda oracdo. Ele pede para todos aqueles que tém problemas e acreditam que a sua origem € obra de feiticarie colocerem as duas mos sobre a cabega. Pede também para as pessoas pensarem nos problemas ¢ nos possiveis inimigos que tenham realizado o feitico. Se por acaso o feitigo tivesse se efetivado, as pessoas 67 acabariam “manifestando” alguma entidade. Além disso, especificamente no dia 27 de setembro, preocupado com es criangas pequenes, o pastor ordenou aos espirites nelas alojados que “se manifestassem” nos pais para posteriormente serem exorcizadas. Feito isto, comegou uma oracde: “Se existe alguém aqui que é vitima de um trabalho de macumbaria, de feitigaria, de magia negra, de bruxaria, de vodu, Se foi feito algum trabalho com o nome, com uma pega de roupa, com um fio de cabelo. Se alguém aqui comeu alguma coisa trabalhada. Se alguém aqui recebeu uma roupa trabalhada, um perfume trabalhado, um presente trabalhado a fim de arruinar a sua vida. Este espirito vai manifestar agora.” © interessante 6 que muitas pessoas acabaram, durante a oragio, vmanifestando” alguma entidade - mesmo que néo tenhem tide contato nenhum com as religiées afre-brasileiras -, inclusive aquelas que intercediam pelos filhos. Todos foram levades para cima do piipito e, posteriormente, exorcizados. Todo o conflito religiosc, portante, € estruturado com @ finalidade de provar qual religido é capaz de responder com eficacia as ansiedades dos fiéis. Os diversos depoimentos, principalmente agueles apresentades nos programas “Palavra de Vida”, falam da busca de solugdes dos problemas nas religiées afro-brasileiras, sem, contudo, encontrar a resposta definitiva. Isto ocorre até o encontro com Jesus na Igreja Universal. Na verdade, por muitas vezes os “novos convertides” falam de um encontro com a prépria Igreja Universal. sem citar em nenhum momento o nome de Cristo, ela se coloca como instituice intermediadora entre o homem e Deus, o que é significativamente diferente do denominacionalismo norte~americano do qual descenden a maioria dos evangélicos brasileiros. E além disso, 68 demonstra ritualmente sua suporioridade, especialmente quando se refere as afro-brasileiras. Basicamente, a entrevista com os deménios tem essas trés perguntas-chaves* que revelam a origem, os males causados e a maneire pela qual o deménio entrou no corpo do endemoninhade. Convém ressaltar, ainda, que toda a conversa € realizada publicamente e com forte de zombaria das outras religides. E muite comum o pastor, durante a entrevista, mandar o deménio colecar 0 corpo do endemoninhade de joelhos e aos seus pés. Se a entidade resistir, 0 pastor, numa interacao com o publico, pede que todos estendam as maos para frente e, invocando o nome de Jesus, repete varias vezes a ordem até que o endemoninhado caia de joelho. Posteriormente, ordena que ele + pois, se o endemoninhado “bate a “pata a cabega” no chéo trés veze: cabeca” para uma entidade no espago do terreiro, na Igreja Universal a entidade deveré “bater a cabeca” para Jesus. A entrevista transcorre como um grande deboche das entidades. Prova disso 6 a humilhagdo a que o diabo - diga-se, as entidades afro- brasileiras - € submetido. Segundo o pastor, tudo isso é feito para humilhar o diabo e todas as religides que com ele compactuam, e nao a pessoa exorcizada. Ora rindo ora sendo irénico, 0 pastor pretende mostrar que o seu Deus é superior as divindades efro-brasileiras, e gue nenhuma delas possui poder suficiente para atingi-lo. Alguns pastores, zombande, chegam a dar as costas para o endemoninhado, dizendo que se o deménio tiver alguma forga teré que agredi-lo. Como isto n&o acontece, ele afirma que nenhum “trabalho”, nenhuna feiticaria, nenhuma maldicao 6 capaz de afetar aquele que foi '3_ © pastor ainda pode fazer outras indagagSes, mas quase sempre visam © aprofundamento das trés perguntas-chaves. 6 “libertade”. Embora transcorre de forma muito tensa, o exorcismo tem também como caracteristica principal o esc4rnio das entidades. Por fim, apds todo esse espetaculo religiose, o exorcismo tem o seu término. Se a resposta 4 pergunta “Qual € o teu nome?” é um dos momentos mais cruciais do exorcismo, pois € nele que o diabo se identifica, a oracéo final, por sua vez, 6 0 ponto culminante de todo o culto, Nela efetiva-se rituaimente a vitéria sobre o sofrimento. Isto ocorre quando as categorias daquelas religiées sdo reduzidas as categorias da igreja Universal. Assim como no titulo do livre do bispo Macedo as entidades sdo satanizadas, durante a ora¢ao de exorcismo, ha a clara consciéncia dos fiéis de que ndo existem mais espiritos de uma outra religido diante deles, mas tao somente o préprio diabo, “o inimigo de suas vidas”. As mdscaras por trés das quais o diabo se escondia caem por completo no momento da oragdo. Apés serem enquadrades na polaridade crista que opde Deus ao diabo, os mais diferentes nomes das entidades se reduzem ao tnico nome de Satands. “f hora da guerra!”, conclama o pastor os fiéis a fim de juntos expulserem c diabo. No pilpite, cada cbreiro, com as méos em torno da cabega de um endemoninhado, se responsabiliza per um exorcismo. De forma violenta, os possuides resistem a “oracéo forte”, jogando freneticamente os seus corpos para frente e para tr&s. Observou-se também que, paralelamente ao que esté acontecendo no piipite, o pblico contribui com o exorcismo ac estender suas maos para frente, @ em coro todos gritam inumeras vezes: “Queima! Queima! Queima!...” Segundo o pastor, 6 0 fogo de Deus que esta queimando o diabo, e coma oracdo acabaré queimando no inferno. Note-se que as entidades nao sao enviadas para o terreire, lugar de onde foram transmitidas, mas para o 70 inferno; pois jd ndo se tratam mais de entidades da Umbanda ou do Candomblé, mas tao somente de deménios. Conforme as oragées dos obreiros chegam a0 final, as pessoas vio saindo do estado de transe. Algumas resistem mais um pouco, mas logo s%o completamente exorcizadas; ¢, antes mesmo que a expulséo de deménios se complete, o pastor j4 inicia uma nova série de cAnticos. 0 periodo de tens’o que perpassou todo © exorcismo 6, ent&o, superado por um entusiasme contagiante. © piblico em pé, dancando e gesticulando com os punhos cerrados, mais do que em qualquer outro momento do culto, canta a alegria de terem vencido o diabo. os endemoninhados, agora “libertos”, voltam para seus lugares cantando ¢ batendo palmas. Todos afirmam sentir um grande alivic, pois acreditam que os infortinios da vida, junto com seus deménios correspondentes, foram extirpados. E como se tratava de ume guerra, as misicas finais sé0 alegres e triunfantes; algumas tém, inclusive, ritmos de marcha. “Inimigo”, “marchar”, “Jesus @ 0 nosso general”, “poder” e, acima de tudo, a “vitérla": sao as expressées belicosas encontradas nos canticos finais, que confirmam a certeza do éxito na batalha espiritual. Tudo isso contrasta com os momentos iniciais da reunigo, nos quais a aflic¢ao, dosada com uma esperanga de solugSo dos problemas, imperava como o sentimento coletivo. Ao final, apés a variacdo de diferentes estados de espirito, a esperanca de vitéria sobre os problemas do cotidiano encontra no culto sua concretizagao. Com esta certeza, o pastor ainda pede para todos, apés terem retornado aos seus lugares, se cumprimentarem confessando uns aos outros o amor de Jesus. Por fim, antes da oragdo de despedida, o pastor anuncia a préxima a reuniao e pede também que da préxima vez os fiéis tragam algum aflito, um doente ou miseravel para repetirem juntos ritualmente a vitéria sobre o diabo e o sofrimento. III - © TRANSITO DAS ENTIDADES "0 estado da guerra ndo ¢ prejudicial aos fenémenos de fusdo cultural, ele tanto aproxima quanto opée, porque, para ganhar uma guerra, 6 preciso aproveitar as ligdes da experiéncia e tomar do vencedor suas armas mais engenhosas (...) A auséncia de trocas culturais parece estar seu méximo no tempo de paz e néo de guerra...” (Bastide, 1971:388) Invexsio e continuidade ritual Jé nos anos 40, Roger Bestide (1973) preocupou-se em dar um estatuto social A possessdo do candomblé em contraposicao & idéia de que este fenémeno seria um momento de histeria. Para tanto, mapeou os diversos est4gios e procedimentos de um ritual de possessdo. Para que o fenémeno ocorra, é necessdrio obedecer a uma seqiiéncia de atos ritualizades que levaré uma determinada pessoa ao transe, No entanto, nem todos podem ser incorporades por uma entidade; isto sé @ possivel Aqueles que foram iniciados nos mistérios da religiao. Tode o processo de iniciagdo requer um determinado tempo ce educacdo religiosa que possibilita a uma pessoa tornar-se um “cavalo” dos santos. Na verdade, existe um ensinamento sagrado que, através de uma série de rituais, torna alguém apto ao exercicio da fungéo especifica de “receber o santo”. Quando alguém “faz a cabega” para um santo, € necessario obedecer a varios procedimentos que garantam sua iniciagdo, entre os quais, a raspagem da cabega, que tem por finalidade criar uma “aberture” para o santo ser incorporado. Bastide cita, inclusive, o caso em que algumas pessoas fazem um corte ne coure cabeludo a fim de RB ajudar a incorporagéo. & importante ressaltar, porém, que o individuo “faz a cabeca” para um santo determinado, o que implica a obediéncia aos procedimentos rituais especificos referentes aquela entidade. Existe, portanto, uma série de cédigos que a coletividade conhece e sio necess4rios para a iniciagdo. Mesmo a maneira como o santo escolheu a pessoa e¢ os procedimentos para a "feitura da cabeca”, por mais que pertencam aos mistérios da f€, so socialmente compartilhados. A importancia do peso do social para compreensdo des fendmenos religiosos fica mais clara quando passamos ao momento da possessdo. Assim como hé um roteiro sagrado para “fazer a cabeca”, no recebimento da divindade, h4 uma segliéncia légica e necesséria da qual toda --} em primeiro lugar ¢ preparagdo para a comunidade participa. festa; 9 ‘cavalo’ deve estar ‘limpo’, isto é, deve ter obedecido as diversas prescrigées ¢ tabus de seu Deus, abstendo-se de relagdes sexuais; seu corpo € o templo em que poderé descer o orixd. Em segundo lugar, o apelo aos deuses. Ao martelar surdo dos tambores, atravessados pelo tilintar agudo do agogé, os fiéis cantam os canticos des orixés, trés canticos para cada um deles, numa ordem determinada, enquanto os membros da confraria , homens e mulheres (...) dancam os passos apropriades a cada um dos diversos canticos. No decorrer destes cantos e destas dancas, na noite musical da Bahia ou do Recife, um ser bruscamente se agita, as espaéduas sacudides de tremores convulsivos, o corpo fremente, as vezes caindo por terra. © Deus montou no seu ‘cavalo! (Bastide, 1973:299). Bastide ainda continua sua bela narracéo introduzindo outros atores @ suas respectivas fundes no transcorrer do ritual da “descida 4 do santo”. Por fim, é narrado o momento em que o santo abandona o “cavalo” e vai embora. Naquele instante, também hé o batucar dos tambores e a realizacéo de alguns canticos de forma inversa aquela que inicialmente chamou os deuses. A isto, Bastide denominou “iei da inverséo magica”, em virtude de mandar os deuses embora ¢ marear a saida do ritual. © ritual de possessdo, como qualquer ritual, tem as suas etspas socialmente decodificadas. Existe uma ordem temporal que deve ser obedecida para que © transe ocorra. Os santos sé se incorporam quando 40 executados uma batida e canticos especificos; sua presenga necessita ser invocada. E ndo é qualquer santo que “desce”; pois existe uma relacdo precisa entre eles, a batida ¢ os cAnticos na produgdo da possesso. Além disso, © préprio “cavalo” somente recebe o santo para o qual a sua cabega foi destinada. Nao existe nada de aleatério, despropositado ou histérico na possessio. Uma vez incorporado, o “cavalo” fara exatamente os mesmos movimentos, a mesma danga representando o mito de origem do santo correspondente. Em suma, 4 um controle social na possessze. Se, como procurou demonstrar Bastide, a possessdo no Candombié 6 um fenémeno, entre outras coisas, social, a possessdo ocorrida na igreja Universal também o &. Hd um claro estimulo dado pele coletividade no espago do templo que é por ela controledo. Entretanto, existem algumas distingées importantes que necessitam ser feitas pare gue n&o haja confusao entre os dois fenémenos. EB as diferencas contribuem para demarcar exatamente a especificidade da maneira como a Igreja Universal lida com as religiées afro-brasileiras. 15 Nao € possivel dizer, por exemplo, que naquela exista um ritual tao decodificado (uma segiiéncia mecessdria de etapas) quanto no candomb1 nem mesmo o espaco do templo possui a forga sagrada ce um terreiro que tem um “axé plantado”. Contudo, é possivel encontrar no exorcismo um fenémeno religioso que, do ponto ce vista da Igreja Universal, dé continuidade 4 possessdo das entidades —e, concomitantemente, inverte seu sentido original. Apés serem entoades alguns cantices e um batugue, os santos ou entidades retornam aos seus respectivos lugares, sendo que o possuido volta ao seu estado normal de consciéncia. Isto ocorre ao final do ritual no entendimento da Umbanda e do Candomblé; contudo, para a Igreje Universal, nao é desta maneiza que acontece. © momento em que as pessoas recuperam a consciéncia n&’o significa que as entidades (ov deménios) foram embora. Pele contraério, elas permanecem no corpo da pessoa produzinde na sua vida uma série de desgragas. Alias, nao sé as pessoas que receberam santo permanecem com os espirites malignos nos seus copes, mas também todos aqueles que ali estiveram e participaram do ritual. A possessaéo de deménios, portanto, nao é privilégio apenas dos pais © [ilhos-de-sante, Todos aqueles que foram aos terreiros, seja qual for o papel desempenhado no ritual, est&e sujeitos a possesséo do diabo. Na realidade, tanto compactuar com a crenga quanto participar ativamente do ritual, desde a incorporacdo até a simples ingestdo de uma comida sacrificade aos santos, capacitam qualquer um a abrigar um deménio. Para a Igreja Universal, o diabo nunca saiu do corpo que um dia comungou com ele. Nao é por acaso que o pastor, e mesmo qualquer igreja pentecostal que aceita o exorcismo, utilizam de forma corrente 16 © verbo “manifestar”, “Manifestag&o” - e nao incorporacdo - porque os espizitos ja esto alojados no individuo. Logo, eles nao sao invocados do seu pantedo (segundo as religiées afro-brasileiras) nem do inferno (numa possivel interpretagéo crista), mas sao intimados a se “manifestarem” do interior de individuo. Para tanto, € necesséric o estimulo do culto através de uma oragdo frenética ou da “imposigdo de mios” dos pastores para a pessoa entrar em transe; somente assim, o exorcismo pode acontecer. Todo esse processo de cenhecimento daqueles que estao participande do culte. os figis créem de antemio que aquela experiéncia sobrenatural vivida no terreiro propercionou tanto a possessdo de deménios quanto o seu sofrimento. Admitem também que, para romper com essa situacéo, para desfazer o feitico, faz-se necessaria a libertagao. 4, portanto, uma predisposigéo dos que estdo ali presentes ao exorcismo, mesmo que isto leve a pessoa a um estado de transe e exposigao piiblica. valendo-me ainda de Bastide, se hé uma “invers&o magica” nos rituais do Candomblé - onde a execugdéo des canticos © do batuque para a chamada das entidades @ invertida quando se deseja a sua ida é possivel formular um paralelismo invertido na estrutura do ritual quando confrontamos essas religiées com a Igreja Universal. Se para aquelas as entidades sAo invocadas a descerem nos seus “cavalos”, na Igreja Universal elas sao intimadas a se “manifestarem”. Se nelas a possess € o ponto culminante, de extrema sacralizagéo do ritual - afinat, antes de tudo, a possess’o das entidades nas religides afro- brasileiras ocorre como uma festa -, nesta, a possessdo é o pélo negativo extremo da manifestacdo do sagrado por tratar-se da ixcupcao 7 do mal. £, ainda, se para aquelas as entidades retornam ac seu panteao, para a Igreja Universal os deménios sao extirpados dos corpos € enviados ao inferno. Até mesmo em relagéo & “raspagem da cabega” € possivel perceber uma outra inversdo. No comege da reunido de “libertacdo”, o pastor pede para todas as pessoas colocarem suas mos sobre a cabeca ¢, em voz alta, oram com a finalidade de expulsarem todo o mal existente. No final da oragéo, todes gritam em coro: “Todo o mal! Em nome de Jesus... Em nome de Jesus... Em nome de Jesus... Sai! Sai! Saif”. A cada “Sail”, as pessoas tiram as maos da cabega, apontando-as para fora do templo, com se estivessem enxotando os espiritos. Se a incorporagao de entidades ocorre através da cabega, € também por ela que os deménios s40 expulsos. Ou ainda, como vimes, se o endemoninhado “bate a cabeca” para o santo no terreiro; no templo, a entidade “bate a cabega” para Jesus. © culto de libertagao, portante, pode ser lide como uma inversao simbélica dos rituais encontrados nos terreiros. Logo, se, por um lade, a relacéo entre os universos religiosos esta fundada sobre uma situago inicial de oposigao e de confronto, por outre, a Igreja Universal nao deiza de reconhecer a veracidade do que ocorre na Umbanda e¢ no Candomblé. assim, © xeconhecimento garante que a possessao efetivada num terreiro se reproduza também no templo; contudo, ali, a “manifestacdo” das entidades tem a funcdo de revelar as estratégias do diabo para a escravizagao espiritual, fisica e material do homem. © problema, portantc, esté nas promessas e no sentido equivocade atribuido pelos fiéis dessas religiées. A condenagéo ndc est ne fato de serem uma espécie de charlatanismo, mas ® na sua incapacidade de dar solugées verdadeiras aos problemas da vida. Ao contraério do que pensam os que nelas créem, as entidades geram mais tormentos. Lego, 9 que acontece nos terreiros é qualitativamente verdadeire na medida em que se trata de um fenémeno religioso dotado de eficdcia. Quando uma mulher escreveu ao programa “Ponto de Fé”, afirmando que o seu pai tinha morride devide s um “trabalho” de macumba, o pastor Marcelo, em momento elgum, questionou a eficdcia do feitico; pele contrério, confirmou tal possibilidade. Sua respesta nao buscou dessacralizar o “trabalho”, mas sim oferecer um mecanismo religioso para neutralizé-lo, qual seja, a libertagao. E s6 4 Igreja Universal tem esta solugdo, pois, como disse o pregador-exorcista, “Macumba ndo desfaz macumbe. Deménio néo expulsa deménio”; s6 a libertagao € capaz de tal feito. Dona Neuse, entrevistada logo apés ter manifestado um Exu em um culto de s4bado, contou-me que tinha chegado aquele estado por ter dado uma “brecha” ao diabo. Disse ainda que desde o dia anterior estava se sentindo fisicamente mal devido a uma comida que tinha ingerido na terge-feira. Quando perguntada porque aquela refeigao de quatro dias atrds fez-lhe mal, respondeu-me simpiesmente que ela tinha sido preparada por uma mae-de-sante, cozinheira do local onde trabalhava; logo, estava enfeitigada. Assim, sé poderia ter sido aquela comida “trabalhada”, e nao outra, a causadora do mal-estar que a levou & hospitalizagdo por dois dias, como também a possesséo no culto de sabado. A mesma légica perpassou o cuidado com as criangas que os pastores tiveram no dia de Sdo Cosme e S40 Damiao, ao alertarem aos 1” pais sobre os possiveis problemas causados pela ingestéo de alimentos “trabalhados”. Inversamente, a solucdo deveria ser a “consagracdo” dos doces para posterior distribuicdo entre as criangas da igreja. & importante observar, portante, que, ao reconhecer 9 feitico ¢ ao proporcionar a neutralizagaéo do mesmo, a libertagdo ecabou assumindo estruturalmente o papel de um contra-feitico. Nes trés casos, 4 inverséo de significados assenta-se sobre um circuito de feitigos e contra-feiticos que é compartilhado pela igreja. Assentada nesse circuito, a Igreja Universal acabou por introduziy na sua religiosidade uma caracteristica fundamental para o funcionamento da magia como j4 foi formulada desde Frazer: a possibilidade de imanéncia do sagrado na matéria [1880 (1986)]. Na descrigéo do templo xrealizada no capitulo anterior, procured demonstrar que a Igreja Universal no possui objetos (entre eles, até © local do culto) que contenham em si algo de sagrado. Isto poderia levar, na sua interpretacdo, os fiéis & idolatria ou a alguma espécie de culto desses ebjetos ~ como @ adorago das imagens dos santos catélicos que 6 reiteradamente condenada por ela e por toda tradig&o protestante e pentecostal. Yodavia, a imanéncia de uma for¢a sagrada 6 reintroduzida pela Igreja Universal nos objetos visando néo a idelatria, mas sua transformagdc em veiculos de uma determinada “péngdo”. A variedade de coisas depositadas no piilpito no infcio de cada culto esta ali para ser “consagrada” ou “abencoada”. Uma pessoa que, porventura, comer alguns dos alimentos ou beber a Agua “consagrada” pelo pastor sera contaminada pela forca sagrada nela contida, podendo ser inclusive curada. 80 A idéia de contaminagao ou contagio do sagrado esta presente também nos programas de cinco minutos apresentados ao meio-dia ¢ as 18:00 h na TY Record. Mais uma vez demonstrando sua capacidade de assimilar formas tradicionais de outres manifestagdes religiosas, este programa tem como fundo musical a cangdo catélica “Ave Maria”, de Gounod. & comum nas pequenas cidades ou ma periferia dos grandes centros urbanos, os altos falantes das paréquias catélicas ou certas r4dios AM emitirem a misica “Ave Maria”, sempre 2s 18:00 h, anunciando © momento de oragéo, a “Hora do Angelus”. Hoje, @ Igreje Universal também se utiliza da misica na convocagéo des fiéis para juntos pedirem 0 socorre divino. Apés a orag&éo, © pastor toma um copo d/ gua como também o telespectador que deixou um copo junto @ televisdo para ser “consagrado”. Desta forma, via satélite e pela conteminagdo, as béngos so transmitidas a todo pais. Além da gua e das roupas, a Igreja Universai ainda utiliza o sal abengoado para proteger a vida econémica do fiel. No momento em que as pessoas endemoninhadas sdo ievadas para cima do ptilpito, o pastor aproveita para falar dos problemas financeiros causados pele diabo. Naquele instante, ele saca um punhado de sal, levanta-o aos céus © pede a Deus que o abengde. Novamente volta-se para o puiblico ¢ pede aos fiéis colocarem um pouco daquele sal nas suas carteiras, com a finalidade de evitar a acdo do diabo sobre a vida financeira. ora, para ter certeza de que tal procedimento é materialmente eficaz, € necess4ria uma comprovagéo. Para tanto, o pastor adverte que, no momento em que 9 sal abengoado for aspergide sobre as cabegas dos endemoninhados, eles reagirgo violentamente. & foi o que aconteceu: como se tivessem sido tecados por alguma coisa bastante forte, os 81 endemoninhados se retorcem e comecam a gritar ao serem atingidos peio sal. Em seguida, o pastor diz que o sal tera’ 0 mesmo efeite quendo colocado na carteira, isto @, neutralizar a acdo do diabe. Portanto, as béngdos transmitidas para os objetos nao tém apenas um sentido simb6lico; de fato, a igreja cré no poder neles introduzido. A idéia de imanéncia do sagrado no é téo estranhea ao pentecostalismo. A prépria “descida do Espirite Santo” que caracteriza © fenémeno pentecostal pressupde a imenéneia do sagrado no corpo de um individuo, transformado em um receptéculo do divino. Mas a Igreja Universal vai mais além, pois se o pentecostalismo reintroduziu a imanéncia somente nos corpos dos fiéis, ela estende este fenémeno aos objetos. Tal prética de manipulagdo sagrada dos objetos, préprio das religides mégicas como as afro-brasileiras, € adotada pela Igreja Universal que pode agora utilizar-se, tal qual a Umbanda, de qualquer coisa para a transmissdo de suas béngdos ou contra-feitigos. Convém destacar ainda que, se no plano das representacées é a associagdo com o diabo que permite a emergéncia das entidades, como dito anteriormente, no plano propriamente estrutural, é a experiéncia pessoal com o Espirito Sante que possibilita a possess’e do diabo. Isto é, na medida em que o pentecostalismo introduziu a possibilidade de imanéncia do divino através do Espirito Santo, estruturalmente abriu~se um espago também para a imanéncia de diabo (ou das entidades) no corpo do fiel. “Quem nao tem Deus, tem o diabo”, afirmou um pregador. Assim, além da associagao com o diabo, a “manifestac3o” das entidades tem como equivalente estrutural e possibilidade de existéncie a prépria “descida do Espirito Santo”, patriménio maior da 6 pentecostal. Isto € tac verdadeire que o fendmeno da possessdo e do 82 exorcism ¢ praticamente encontrado sé nas igrejas pentecostais, e nao nas protestantes histéricas. Se a idéie de contaminacdo ou contagio do sagrado perpassa a religiosidade da Igreja Universal como também de sua adversdria privilegiada, a Umbanda, um segundo elemento na concepgéo magica também foi, num certo nivel, assimilado: a auséncia de responsabilidade do sujeito sobre sua acdo- A formlagdo protestante levon ac limite, pelo menos na esfera religiosa, a nogdo de um sujeito auténomo sobre o qual n&o haveria a interferéncia do sobrenatural nas suas atividades cotidianas. A idéia de um Deus supramundano, transcendente - logo, néo imanente ~ formulada pelo protestantismo histérico exigiu do individuo, a partir de certos principios, uma postura moral frente ac mundo. & é desta situagao, 4 qual todo homem esté submetido, que decorrem tanto a idéia de culpa pessoal pelo atos cometidos como também o seu antidote: a necessidade da “conversdo”. A Igreja Universai, por sua vez, demonstra uma relativa anbigtidade em relagdo a nogéo de responsabilidade pessoal. Apesar de afirmar em alguns momentos a cendicdo pecaminosa do homem, seu entendimento da figura do diabo, no que diz respeito & sua atuagao na vida das pessoas, tende a retirar do sujeito a responsabilidade sobre as ages pecaminosas. A Pombagira manifestada numa adolescente afirmou induzi-le @ atividade sexual. No momento da entrevista, a entidade Maria Padilha disse provocar na endemoninhada o dédio pelos seus filhos. Em outra possessio, a entidade confessou levar um rapaz ao vicio das drogas. Em resumo, em todas as possessdes séo os deménios que afirmam levar o endemoninhado ao erro. © disbo @ tao importante 83, que, nun certo nivel, se sobrepée & nog&o de culpa; de tal forma que a gravidade dos erros cometidos numa confissdo publica é diretamente proporcional a falta de consciéncia do endemoninhado, ou A falta de responsabilidade do sujeito sobre sua acdo. Além disso, pela observagéo dos cultos, percebi que, diferentemente das outras igrejas evangélicas, a Igreja Universal poucas vezes fez mengéo A necessidade de “conversdo”. Foram raros os apelos* durante os cultos, o gue @ muite comum nas igrejas evangélicas. Ao contrario, o convite mais freqiiente era o da necessidade de “libertacdo”; inclusive, os préprios fiéis gostam de afirmar que a Igreja Universal “trabalha com libertacdo”. a diferenca de énfase néo é t&o clara e consciente para os préprios fiéis; na verdade, hé uma ligeira confusao entre as duas categorias religiosas que ‘evelam aspectos importantes da pratica da igreja. Quando os pastores foram perguntados qual o propésito principal da Igreja Universal, a resposta quase sempre 6 © de livrar o homem do pecado leva-lo a Deus; e 56 posteriormente fala-se em “libertagdo” do diabo. No entanto, nas entrevistas realizadas com os fiéis havia uma relativa confusao entre “conversdo” e “libertagdo” ou mesmo uma anterloridade légica desta no que diz respeite ao process de ades&o de um individuo igreja. Bm outras palavras, o que 6 enfatizado na evangelizacdo nao wo é © afastamento de Deus por causa do pecado ¢, poz conseguinte, a necessidade de “converséo”, mas 4 aproximagao do diabo - preferenciaimente gerada pela fregiiéncia aos terreiros - o que requer a “Libertagao”. +5, Momento apés a pregagio no qual o pastor convida a todos a se arrependerem de seus pecados © confessarem a f¢ cm Cristo. a4 f& claro que para a Igreja Universal o diabo sé age se o homem estiver em pecado. 0 que quero demonstrar, no entanto, ¢ que a sutii diferenga de enfoque revela, em certa medida, uma prética religiosa singular. Pois s “conversdo” implica diretamente a idéia de pecado, de culpa pessoal ¢ a necessidade do arrependimento consciente, enquante que a “libertago” valoriza a figura do diabo e sua possessdo inconsciente. Dona Neusa, por exemplo, disse que “deu uma brecha” para © diabo - ter comido, inconscientemente, algo enfeiticado - e ndo que tenha cometido alqum pecado. Assim como este, diversos depoimentes deslocam para o diabo a responsabilidade pelas agdes pecaminosas de cada um; como se o sobrenatural conspirasse contra os homens, levando~ os inconscientemente ao pecado e ac sofrimento. Neste sentido, a nogdo de culpa, mediante a situagdo de possessdo, fica diluida para um fiel da Igreja Universal. Por fim, um terceiro elemento tipicamente magico incorporado pela Igreja Universal, que é diretamente decorrente da auséncia de responsabilidade pessoal e que se distancia de um dos valores da modernidade diz xespeito A perda da consciéncia propiciada pelo transe. A idéia do auto-centramento do individuo cede lugar & nogao de pessoa na medida em que, ac manifestar uma determinada entidade, ele assume ritualmente as atribuicdes (voz, posture fisica, outro nome etc) do ser que se apodera do seu corpo e consciéncia. 0 sofrimento e a possivel culpa séo resolvides, desta maneira, exatamente no momento de m4xima inconsciéncia do individuo. 0 que ocorre diferentemente da experiéncia com o Espirito Santo na qual o individuo jamais perde sua consciéncia. 85 Diante de tudo isso, podemos concluir que o transitar das entidedes para um outro universo religioso é regulade por um processo de inversdes sucessivas até o momento da sua completa identificacao com @ diabo ¢ seus demnios. Mas isto sé foi possivel na medida em que a Igreja Universal acabou estabelecendo, pelo diabo ¢ pela adogdo de alguns dos mecanismos magicos de funcionamento da fé inimiga, uma continuidade entre o ritual de incorporacdo das entidades e o ritual de exorcismo. InversSo e continuidade que se caracterizam pela: aceitacao do que ocorreu no terreiro como verdadeire, rejeigao do sentido daquela praética religiosa, atribuigdo de um sentido correto e, por fim, a eliminacéo da possessao. Os saldos da guerra © cenério religioso brasileiro é muito dinémico e rico em alternativas. 0 culto anteriormente descrito expressa de certa maneira parte deste dinamica ao sintetizar e cristalizer, num ritual, um didloge baseado no conflito entre um desdebramento do pentecostalismo © as religides afro-brasileiras; tudo isto operado no contexto plural das crengas existentes no pais. A Igreja Catélica, por sua vez, em razéo de suas profundas raizes histéricas nos diversos segmentos da scciedade brasileira, sempre desempenhou um papol fundamental na constituicéo do mercado religioso. Apéds séculos de monopélio, sua religiosidade - ora opondo- se ora sendo tolerante — balizou seriamente a entrada das mais diferentes formas de credo. Por outro lade, tanto o contexto sécio- econémico do pais quanto o micleo doutrinario de cada nova crenga acabaram por produzir diferentes formas de insergdéo. As religides 86 africanas e as igrejas evangélicas, que j4 estado ha décadas sobre um mesmo solo oferecendo de maneiras diversas suas respectivas crencas, sdo dois grandes exemplos de formas de interac&o com © contexto catélico™ . Pela situagéo de desigualdade e¢ subordinegio 4 qual estevam submetidos os praticantes das afro-religides, o sincretismo surgiu como un importante recurso para a sobrevivéncia ce suas crencas frente & hegemonia catélica. © mecanismo sincrético procurou encontrar nos santos catélices aqueles que pudessem ser equivalentes aos orixas - uma acomodagdo entre es divindades - © gue proporcionaria aos africanos ¢ afro-descendentes a legitimidade necess4ria para a pratica do seu culto (Bastide, 1989). Em outra perspectiva, os evangélicos, vindos inicialmente da Europa e depois dos Estados Unidos, ndo se utilizaram do sincretismo na sua inserg&o no cenério religicso nacional, nem tampouco procuraram estabelecer uma estreita relacéo com as religides aqui existentes. Por sinal, a oposicéo a outros tipos de religiosidade, principalmente a hegemonia catélice, ¢ um dos legados deixado pela Reforma Protestante. + uma das principais contribuigdes da Reforma foi o rompimento com a ordem medieval expressa no seu “tradicionalismo”. Em linhas gerais, © “tradicionalismo” era a cosmovisio catélica que servia como o substrato da ordem cultural da Idade Média. A centralidade do catolicismo evidenciava-se também na sua fungéc mediadora entre o homem e Deus, assim como na deten¢o exclusiva da interpretacao do texto sagrado. Além disso, © catolicismo era a legitima instituicdo *S. Nao pretendo. aqui, discutir as diferengas imternas de cada um dos scgmentos que produziram configuragées religiosas especificas, nem tampouco reconstruir historicamente tal interagdo. O que ¢ importante reter so as duas formulas adotadas de relagdo com 0 contexto religioso estabelecido. 87 distribuidora dos sacramentos e de todos os bens de salvacdo da religiosidade erist&. Sacramentos que serviam, segundo Weber, como meios mégicos de se relacionar com o seu Deus**. A Reforma minou, portanto, © poder de Igreja de Roma ao romper com a ordem tradicional da Idade Média, fornecendo elementos para a construgéo da sociedade moderna. Para Troeltsch, “La cultura moderna, si consideramos su conexién m&s inmediata, ha surgide de la gran época de la cultura eclesidstica que reposaba en la creencia en una revelacién divina absoluta y directa y en le organizacién de esta revelacién en el institute de salvacién y de educacién que era la Iglesia” (1983:14}. A cultura eclesidstica, que tanto Troeltsch quanto Weber denominaran como “tradicionalismo”, comegou a desmoronar quando utero afirmou que a salvagSo é obtida tao somente pela graca de Deus. Graca oferecida a todos - e “de graga”, isto é, sem indulgéncias -, © que exige do homem a simples atitude de arrependimento, o que ihe propiciaria a sua “justificagio pela £6”, Néo cabia a Igreja Catélica © monepélio de tal dddiva. Desta maneira, a graga em conjunte com 4a possibilidade de leitura do texto sagrado proporcionaram eo homem uma relagdo direta com e deus cristao. E com o calvinismo, através da doutrina da predestinacao, a recusa dos sacramentos e€ do uso de meios magicos catélicos que estabelecem a relagdo entre o homem e Deus alcangou a critica maxima. Na concepgao weberiana, © processo de desencantamento - que, entre outras coisas, implicou uma maior separacao entre magia e religiao - teve no ascetismo intramundano ative do protestantismo um dos seus maiores impulsionadores. A principio, o calvinista ja sabe que nenhum 'S_ © que expressa melhor a iddia de magia ¢ de contégio do sagrado no catolicismo € 0 fenémeno da transubstanciagao da héstia na Eucaristia (Thomas 1991-41). 38 sacerdote podera absolvé-lo, nenhum sacramento (batismo, extrema unco, eucaristia etc) ¢ eficaz, logo, nenhuma igreja. Além do mais, nem mesmo Deus, pois a sua vontade @ eterna e imutavel; assim, somente aqueles que um dia foram predestinados serdo salvos. “Isto - a completa eliminagao da salvacdo através da Tgreja ¢ dos Sacramentos (que no Luteranismo no foi de modo aigum desenvolvido até suas conclusdes finais) - era o que constituia a diferenca absolutamente decisiva entre o calvinismo e o catolicismo” (Weber,1987:72). A prova da predestinac&o esté exatamente demonstrada na agao do homem sobre o mundo, para que este glorifique Deus. Para tanto, o homem deve ter ume conduta de vida racional a fim de obter um melhor aproveitamento de suas potencialidades, pois os resultados de sua acéo no mundo testemunham sua condigdo de eleite ou de nao eleito. Todo esse processo de racionalizagéo da vida cotidiana, expressa numa conduta metédica, foi acompanhado pela dessacralizagao da prépria pratica religiosa. 0 protestantismo aboliu ao extremo qualquer tipo de ritual ou epifania”, em suma, qualquer forma magica na sua religiosidade. “Aquele grande processo histérico-religioso da eliminagéo da magia do mundo, que comecara com os velhes profetas hebreus € conjuntemente com o pensamente cientifico helenistico, repudicu todos os meios m4gicos de salvagéo como supersticdo e pecado, chega aqui a sua concius&o légica” (Weber, 1987:72). No limite, o calvinismo, com sua critica ao catolicisme, aboliu qualquer possibilidade de manifestagSo do sagrado no mundo. Neda no mundo pode conté-lo. Nem a héstia, nem imagens, nem os sacramentos, ¢ nem o templo contém uma forga sobrenatural imanente. Basta ver que Na concepodio de M. Eliade (1986), seria a possibilidade de irrupgao do sagrado numa ordem profana (ou cotidiana), através de objetos, lugares sagrados, rituais etc. 89 qualquer templo protestante estA despido de uma cultura material religiosa™ . Na verdade, a experiéncia religiosa é algo que ocorre no interior do individuo, exigindo dele uma pestura moral perante o mundo, uma conduta responsdvel perante a vida. Apés varios séculos de protestantismo, era de se esperar profundes alteragSes nas igrejas descendentes deste movimento. Neste sentido, o surgimento do pentecostalismo significou uma importante inflexéo na histéria dos evangélicos, na medida em que 2 “incorporacdo”do Espirito Sante, quase sempre provocada num momento de efervescéncia coletiva, evidencia-se no fenémeno da glossolalia ¢ na posse dos dons espirituais como o de curar pessoas, ter visées, fazer profecias etc. © surgimento do pentecostalismo implicon, portanto, uma releitura das bases teolégicas protestantes a luz de uma doutrina produzida em torno do Espirito Santo. Através desta doutrina, o sagrado, representado na terceira pessoa da Trindade, pdde novamente irromper na ordem cotidiana ao se “incorporar” no individue, como uma epifania, gerando nele alguns fenémenos de ordem sobrenatural. Entretante, dentro do espectro das religides que compdem o cenério nacional, foram as afro-brasileiras, por sua especificidade, que se prestaram mais a anAlise de temas como o da possessic ¢ do transe. os pentecostais brasileiros foram abordados mais especificamente sob certos temas que procuravam responder a questées tais como a da urbanizagdo, da identidade religiosa ou, mais xecentemente, da sua relag&o com @ esfera politica. Sendo assim, aquilo que existe de mais especifico na religiosidade pentecostal nao © E mesmo na Santa Ceia protestante 0 pao ¢ o vinho apenas simbolizam 0 corpo ¢ 0 sangue de Cristo, sem ‘nenhum poder imanente, 90 foi ainda devidamente enfrentado pela literatura académica brasileira, qual seja: o éxtase religioso proporcionado pela “descida do Espirito santo”. Apesar dessa novidade - a experiéncia com o Espirito Santo -, 0 pentecostalismo, assim como o protestantismo histérics, continuou mantendo a critica ferrenha ac catolicisme, condenando principalmente a adoragSo as imagens dos santos catélicos. Deste modo, por possuirem um estatuto social diferente dos praticantes das afro-religides que se utilizavam do sincretismo, como também pelo fato de possuirem uma doutrina que afirma a detencao de uma verdade tmica e definitiva, os evangélicos como um todo sempre se opuseram, em alguma medida, as es néo herdeiras da Reforma Protestante. Através de um relative relig isclamento étnico gerado pelo protestantismo de imigragée ov impulsionades por uma prética proselitista de protestantisme de missao e do pentecostalismo, os evangéiicos sempre guardaram um grande distanciamento em relagéo as religiées aqui existentes. A tinica possibilidade de relacéo entre os diferentes credos era, no maximo, 0 ecumenismo; jamais o sincretismo. Com esta posture e através de uma pregacéo que exigia a adesdo exclusive dos fiéis as suas igrejas, os evangélicos acentuaram ne Brasil a idéia do pluralismo religioso. Pluralisme que, apesar de pressupér a existéncia de uma mensagem de salvacéo cristé universal, nao compartilha da f€ numa nica igreja institucionalizada. A negagdo de uma hierarquia _religiosa institucionalizada foi, portantc, um dos principais aspectos - talvez © maior - que levou ao Cisma Protestante. Negagae que foi acentuada ainda mais pelo protestantismo e, posteriormente, pelo pentecostalismo norte-americanos, dos quais descendem a maior parte dos evangélicos 9) brasileiros. Em contrapartida, sé 6 possivel a f€ numa “igxeja invisivel” formada por aqueles que foram, pelo arrependimento, Njustificados pela £6”, como afirmou Lutero, ou “predestinados por Deus”, como queria Calvino. Logo, a verdade pertencente acs evangélicos, apesar de wnice e eterna, n&o pode ser imposta, e sim oferecida aos incrédulos através do convencimento. Disto resulta a necessidade de uma prética proselitista: a evangelizacae. A Igreja Universal ndo fugiu & regra. Seu process de expansio é pautado por um forte proselitismc exclusivista que resultou no confronto aberte com outras religides e a negagdo de suas respectivas mensagens. Apesar de afirmar que esta oferecendo a populacdo ndo uma religiao, mas a proprie verdade da Biblia, a Igreja Universal néo deixa de exigir dos seus fiéis a adesdo exclusiva as suas crengas. “Nao é possivel servir a dois senhores”, disse um pastor, referindo-se a uma passagem biblica. Logo, aquele que se converter a esta igreja dever& permanecer tao somente nela. Séo imimeras as maneiras de desqualificacdo da f€ inimiga, © a Igreja Universal se utiliza deste artificio para demarcar aguerridamente seu espago entre as religides populares brasileiras. com esta postura beligerante que ela conquista sua clientela e, simultaneamente, obtém a vitéria ritual sobre a concorréncia. Poderiamos concluir, entaéo, que, de certa forma, a Igreja Universal apenas acentuou de maneira mais aguerrida uma caracteristica ja propria da pregacdo proselitista dos evangélicos bresileiros. No entanto, ninguém sai ileso de uma guerra. Neste processo conflituoso, a Igreja Universal acabou apresentando um afastamento progressive de alguns principios da Reforma Protestante e, em certa 92 medida, do pentecostalismo. Por detr4s da figura do diabo percebe-se a migragéo de mecanismos - imanéncia do sagrado, auséncia de xesponsabilidade pessoai e perda da consciéncia - de funcionamento da religiosidade combetids, colocando a igreje em uma dimensdo que 2 aproxima das afro-brasileiras e a distancia do segmento do qual é fruto. Desta forma, se o conflite estabelecido dé-se por um processo Ge sucessivas atribuigées de significados inversanente simétricos ao sentido original atribuide pelas religides combatidas, a Igreja Universal acabou situande-se, ainda que parcialmente, numa mesma légica com es religides afro-brasileiras. Como dois lados de uma mesma moeda, ela nega os significados conscientes de outras religises, contudo, simultanea, inconsciente e paradoxalmente, incorpora certos mecanismos de um pratica magica encontrada notadamente na umbanda ¢ no candomblé. Em outras palavras, © exorcismo antericrmente descrito, no qual © diabo assumiu uma identidade especifica ¢ contextualizada, possibilitou o trénsito de entidades afro-brasileiras em direcdo ac seio de um determinado universo evangélico, ao irromperem ritualmente em forma de desgragas nos diversos cultos de libertagdo. Isto é, nao 86 0S ex-praticantes das religiées afro-brasileiras comparecem aos cultos da Igreja Universal, mas também as suas antigas divindades, ainda que transformadas, fazem-se presentes no momento da possessSo. Assim sendo, antes mesmo de uma profunda reflexdo sobre o éxtase religioso pentecostal, ja € possivel observar a migracéo do fenémeno do transe vivenciado nas afro-brasileiras para uma de suas igrejas. E a migragée néo é uma simples criacdo dos pastores e bispos, mas algo gue paulatinamente vem tomando uma forma mais elaborada, resultante 93 das atividades de toda coletividade ey principalmente, das experiéncias religiosas pregressas dos fiéis que foram ressignificadas no espaco do templo. Logo, se originalmente os dois umiversos religicosos foram formados em contextos e« em bases diferentes, o que os coloca em estado de separagéo inicial, € possivel pressupor que, da efetivacado deste transite, decorram significativas transformagées no funcionamento de um ramo do pentecostaiismo representado pela Igreja Universal; de tal maneira que se estabeleca uma continuidade pela qual as entidades possam transitar ¢ esses universos possam, pelo transe, se comunicar. Poder-se-ia argiir, contrariamente a essas observacées, por exemplo, que o transe vivido no exorcisme nde pertence propriamente a Igreja Universal, dado que os fiéis tiveram passagem pelas religiées afro-brasileiras. Assim, a igreja apenas abriria um espaco no ritual para as pessoas que estivessem aderindo A sua fé. Todavia, apesar das semelhangas entre os preparativos e finalizagéo do “recebimento do santo” e do exorcismo, como também das manifestacdes das entidades e dos deménios nas religiées afro-brasileiras e na Igreja Universal, respectivamente, existem certas diferengas que demonstram a diversidade da natureza dos transes, ao contrdério do que esta afirma. A Pombagira costuma manifestar-se sempre rindo, rebolando e com as m4os na cintura. Os Exug est4o sempre de joelhos, cabeca baixa, com as m&os para tras, come se estivessem amarradas, e falam com voz grave. Se isto se aproxima ao que é vivido no terreiro, as demais atitudes dos endemoninhados séo completamente diferentes. Em terreiro algum uma entidade € humilhada, ajoelhando-se aos pés do pastor ou “bate a cabega” para Jesus. No templo, as entidades 94 sempre se submetem ao controle dos obreiros e pastores. Sob seu comando, elas obedecem a qualquer ordem e respondem a todas as perguntas. No templo, a Pombagire nunca mente e sempre revela os seus verdadeiros propésitos, por sinal, sempre de acordo com as palavras do pastor. Em suma, o exorcisme ccorre numa profunda interag&éo do plblico, © pastor e os endemoninhedos diferente em muitos aspectos do que pode ser presenciado num terreiro. Identificar, portanto, as entidades com os deménios sé € possivel de um ponto de vista religioss. © que pode parecer uma observacéo ébvia, na realidade é a constatagao daquilo de mais original que essa igreja apresente ao meio evangélico. Se, segundo Bastide, o transe é, antes de tudo, um fenémeno social, como tal, suas etapas s&0 socialmente decodificadas. Assim, 0 transe como foi descrite sé pode ocorrer naquele espaco e sob estimulos especificos daquele culto; © que jamais aconteceria da mesma forma em um terreiro., © transe vivido no templo, portanto, j4 nao pertence mais As religides afro-brasileiras, e sim a Igreja Universal. Nela, ele adquiriu vida prépria, autenomia; desta maneire, pode ser socializado entre seus fiéis, a ponto deles serem possuides mesmo nao tendo frequentado nenhum terreiro durante sua vida. & o caso de dona Neusa gue confessou estar na Igreja Universal hé seis anos e nunca ter entrado num terreiro. A ingestao de uma comida enfeiticada, a crenga na eficacia do feitico e a socializagaéo de uma forma de manifestagao e extizpacdo do mal causado acabaram levando-a ao transe. As diferencas nele observadas sdo o resultado de uma sintese entre, de um lado, a forma de incorporagéo de algumas entidades e, de outro, um processo gradual de elaboragdo coletiva do exorcismo na prépria Igreja 95 Universal. Portanto, mais que o transitar das entidades, © que de fato transitos ¢ adquiriu uma nova férmula fei o préprio transe. Pois somente quando a Igreja Universal admitiu o transe, recriando-o de forma especifica, cravando-o no centro do seu ritual mais elaborade, ¢ que as entidades puderam irromper no seu universe religioso. E, mais ainda, se o transe narrado j4 pertence Igreja Universal, es entidades, conseqientemente, 58 fazem parte do seu universo. Ao adquirirem autonomia neste espago, as entidades receberam atribuicées especificas e todas relacionadas @ males concretos da vida. Segundo os pregadores: a Pombagiza, por representar uma prostitute e por levar as pessoas ao homossexualismo, € a causadora da AIDS; 0 Preto-Velho, por andar cutvado, causa as dores na coluna; o Exu Tranca-Rua gera a miséria; os Erés atingem fisicamente as eriancas; o Exu da Morte, por sua vez, motiva o suicidio. Ao invés do diagnéstico de uma doenca ot de qualquer desgraca, a igreja vem formulando paulatinamente uma anatomia da possessAc, conferindo as entidades atribuicdes em grande medida diferentes das registradas no espago de um terreiro. Isto sem falar nos dez sintomas da possessao, nas formas de “manifestagao” dos deménios © na sua submisséo aos pastores. 0 que demonstra uma (re)simbolizacao das entidades afro— prasileiras, ou melhor, uma incorporagdc das mesmas. Portanto, ao acreditar que esta combatende uma £é inimiga, a Igreja Universal, na realidade, cricu uma coemologia de seres malignos, povoando seu inferno com as entidades. logo, por um sincretismo as avessas, a igreja Universal acabou produzindo sua Pombagira, sea Exu Tranca-Rua, sue Maria Padilha. As avessas porque a sintese elaborada buscou no pélo negative da religiosidade crista ~ o 96 diabo - 0 elemento equivalente as entidades. E foi gracgas a essa sintese invertida que a Igreja Universal pode ainda manter um discurso proselitista e a exigéncia de exclusividade, caracteristicas tipicamente evangélices. A guerre santa travade conseque, desta forma, conjugar um sincretismo invertido com a idéia de pluralismo religioso. E, como conseqliéncia, a Igreja Universal combate aquile que, em parte, ajudou a criar. Paradoxalmente, a Igreja Universal ficou mais parecida com sua inimiga. Mesmo sendo pentecostal, ela acabou se situando a um meio caminho entre os evangélicos e as religides afro-brasileiras. se as entidades foram satanizadas, seus deménios se travestiram com uma roupagem afro-brasileira. Se os males encontram suas respectivas solugdes na mensagem de libertacéo, a origem dos mesmos é localizada no seu pantedo infernal de perfil afro-brasileiro. Alidés, mais que um sincretismo as avessas, a Igreja Universal no seu processo de constituigdo elaborou, pela guerra, uma antropofagia da £é inimiga. As diversas crengas do cenério religiose brasileire - ¢ em um grau muito maior as afro-brasileiras - nao so apenas referéncias a partir das quais, pelo contraste, seja possivel pensar a identidade da Igreja Universal. Na realidade, elas conformam, juntamente com os infortunios vividos pela sociedade brasileira, o alimento constitutive do seu discurso religioso. Bm resumo, muito mais do que pela oposic&o ou pelo contraste, 4 Igreja Universal rege 0 seu processo de expansdo por uma antropofagia religiosa, na qual as mais diversas crencas podem ser negadas em seu contetido religioso original e, ao mesmo tempo, parcialmente assimiladas nas suas formas de apresentagdo e& funcionamento. 7 Se, como demonstrado até aqui, @ guerra santa acabou produzindo, contraditeriamente, uma estreita aproximacdo em relacao as religiées afro-brasileiras, o resultado sé poderia ser um estranho paradoxo. Como ja foi dito, um volume muito grande de simbolos e de mecanismos de funcionamento destas religides est4 sendo gradativamente incorporade como também uma guantidade de seus ex-fiéis tém aderido 4 Igreja Universal. © Limite dos objetivos dessa concepgae religiosa seria, portanto, a eliminacdo, através do proselitismo, das religises afro-brasileiras. Poderiames concluir, entdo, que a pregacéo da Igreja Universal busca o desaparecimento das préprias religiées das quais se nutrem tanto sua mensagem de solucdo do sofrimento quanto os rituais de exorcismo presentes em quase todos os cultos. Sendo assim, devido a esta estreita relacdo, um possivel fim das religiées afro-brasileiras, visade nos objetivos espirituais da igreja, de maneira contraditéria implicaria logicamente o esvaziamento da sua mensagem de libertacéo, na medida em que o diabo e o sofrimento perderiam seu referente concreto: as entidades. No limite, o pleno sucesso do proselitisma da Tgreja Universal em relacdéo as efro-brasileiras, j4 alcangado ritualmente, levaria ao seu fim. Mas o fato é que clas ndo estado perdendo adeptos a ponto de causar uma retragdo no seu crescimento. Pelo contrério, como as igrejas pentecostais, elas tém se expandido cada vez mais. A expanséo numérica é um fenémeno observado nos dois segmentos. Diante desta constatagao, poderiamos, ent&o, concluir que © crescimente da Igreja Universal necessita, apesar de descjar seu termo, também do crescimento das religiées afro-brasileiras: e € 0 que esta acontecendo no Brasil. Convém ressaltar também que, quase num processo sincrénico, peralelo 4 expansdéo da Igreja Universal nos paises do Cone Sul, difundem-se também o candomblé ¢ a umbanda (Oro,1993}). Como se fosse um espelhamente, a Igreja Universal elaborou uma inusitada relec&o que, aiém de acmitir a veracidade do fendmeno religioso produzido nas crencas inimigas, necessita da sua existéncia para o seu préprio crescimente e validagdo de sua mensagem. Essa intima interacdo com o universo religioso afro-brasileiro acabou provocando, de certa forma, um maior “abrasileiramento” de um segmento do pentecostalismo (movimento de origem norte-americana). Além disso, 4 interag3o indicou uma relativa dependéncia de Igreja Universal em relacdo as religides afro-brasileiras na constituicdo do seu universo religiosc. Se tudo isto é vélido para o caso brasileiro, & fato também que a Igreja Universal, mais do que qualquer outra igreja pentecostal, tem extrapolado recentemente as fronteiras nacionais, instalando-se em paises da América do Norte e Europa, territérios onde ndo se constata a forte presenca das religioes afro~ brasileiras. Assim, procurando abstreir um pouco mais essa dindmica expansiva, é possivel concluir que, mais do que as religiées afro~ brasileiras, os pares invers&o/continuidade © negag3c/assimilacao sao, de fato, os mecanismos fundamentais pelos quais se processaram uma antropofagia religiosa e a constituicao do discurso religioso da Igreja Universal. Gragas a esses binémios, a igreja péde manter o proselitismo com os possiveis fiéis ¢, a0 mesmo tempo, ser sincrética com suas antigas crengas. 99 Se, por um lado, esses pares refletem parte do tipo de relacao que a Igreja Universal mantém com outras religiosidades, por outro, o que permite ativa-los, no nivel propriamente das representacées religiosas, 6 0 diabo. Isto é, ele é 0 ente sobrenatural pelo qual as entidades puderam irromper num universo religioso tae distinto do seu. & nele que os diversos infortinios da vida cotidiana encontraram sentido. A partir dele qualquer diterenga pode ser articuleda, pois, devido 4 polaridade fundamental do cristianismo, na qual a posigao estrutural negativa é ocupada pelo diabo, qualquer religiosidade pode ser enquadrada como uma fé inimiga, para ser negada e, na medida da necessidade, ser assimilada. Gragas ao diabo e & dinaémica onde nade lhe escapa, a Igreja Universal aumenta sua possibilidade de crescimento. Contrariamente ao que afirma, a igreja deve boa parte de sua expansdo e constituigao a este ser. Logo, mais do que candomblé e umbanda, o que a Igreja Universal necessita de fato @ dialogar com uma tradi¢&o sécio- religiosa na qual seja possivel encontrar os sofrimentes e os espiritos que possam se equivaler 4 figura do diabo. De tal maneira que a pergunta “gual 6 o teu nome?” @ as demais da entrevista com os deménios possam encontrar nos novos contextos suas respectivas respostas. 100) wnés, da Igreja Universal do Reino de Deus, vemos a prisao do Bispo Edir Macedo como um cumprimento 4 Palavra de Deus, que nos alerta para as perseguigées que se seguiriam aqueles que servissem perte de Jesus. Mas este fato no nos abala de maneira alguma porque somos dirigidos pelo Espirito santo de Deus e realizamos a Sua vontade aqui na Terra, que é auxiliar os aflitos @ os necessitados.” “© Bispo Macedo é um homem que se levanta contra © mal social e, principalmente, contra o mal espiritual, e isso repercute nas pessoas. (...)" Essa citagio corresponde apenas 20 inicio do editorial da Folha Universal, mimero 10, publicado em maic de 1992, logo apés a prisdo de seu lider e fundador, o bispo Macedo, na cidade de Sao Paulo. As acusagées eram de chariatanisme, curandeirismo, estelionato e vilipéndio de outras religiées. Apesar da grande repercussao gerada em todo o pais, ¢ 0 constrangimento dos £iéis, a prisdo ndo durou muito tempo. apés doze dias, um pedide de habeas corpus e com o apoio de alguns politicos ligades a igreje, 0 bispo foi liberade. A prisdo de bispo Macedo foi um des pontos culminantes de uma série de escdndalos, histérias polémicas e conflitos que tem acompanhado a Igreja Universal ao longo de sua insergéo no cenario religioso brasileiro. As polémicas ccorreram, em maior medida, a partir da segunda metade da década de 80, quando a igreja comegou a ter maior visibilidade nacional devido as questdes colocadas por giversos segmentes sociais em relagiéov ao tipo de instituigde que estava sendo gestada. tol Os etaques e as reagdes & expansdo vieram de diversos lados, variando de acordo com o interlocutor. A Igreja Catélica questionou a cristandade das "seitas pentecostais” que estéo em expansdo, centrando fogo principalmente nas atividades da Igreja Universal. A perda cada vez maior da hegemonia religiosa, principalmente para os pentecostais, tem levado o catolicismo a profundas reavaliagdes e a apoiar movimentos internos como a Renovacdo Carismatica. As religides afro~ brasileiras, por sua vez, sem partir para o confront, reagiram acs ataques da Igreja Universal, denunciando o vilipéndio ao qual estavam sendo submetidas. Isto deve-se ao fate de que o crescimento da igreja ‘tem sido pautado por um conflituoso didlogo com o campo religiosa brasileiro. Inclusive, diversos conflitos entre a igreja e alguns terreiros de umbanda localizades no Rio de Janeire acabaram gerando varios protestos, entre os quais, o do Instituto de Articulagao das Religiées Afro-Brasileiras (CEDI,1991:47). E para completar o quadro dos religiosos, as novidedes apresentadas pela Igreja Universal geraram também uma relativa polémica entre alguns setores evangélicos, que passaram 4 se perguntar em que medida a igreja estava identificada com este meic. No entanto, nenhum dos ataques demonstrou ser capaz de intimidar o firme propésite de crescimente da igreja. Ac contrario, hoje sua presenca € percebida em tede territério nacional. A parte os escAndalos e tensées relacionados acima, a crescente visibilidade da Igreja Universal foi conquistada pela realizagdo de grandes concentracées em templos e Jugares piblicos, uma demonstracao de intenso crescimente numérico; pela penetragao em diversos paises do mundo, o que denuncia a expansdo gecgrafica; e pela extrapclacéo do Ambite estritamente religiose, evidenciado na crescente presenca na 102 esfera politica e nos meios de comunicagéo. Ou seja, mais do que polémicas, 2 Igreja Universal tem adquiride um numero significativos de seguidores e difundico uma determinada pregacao pentecostal que provecou alteragées no campo de relagdes das religiées populares brasileiras. ‘Tal expansdo despertou no segundo semestre de 1995, mais do que em gualquer outro momento de sua histéria, o interesse e a desconfianga da midia brasileira. Isto é, muito embora a expansao nao tenha sido comprometida, toda a situagéo envolvendo a Igreja Universal @ outras relativas ao meio evangélico construiram uma imagem ptiblica negativa desses religiosos. B se a Igreja Universal tem causado um grande incdmodo em outras religides, foi nos meios de comunicagao que © confronto se mostrou mais explicito. A primeira acusacéo significativa sofrida pela igreja foi realizade por um “Globo Repérter”, em 1991, que colocava em questéo a negociagés em torno da compra da Rede Record. 0 conflite com os meios de comunicagéo incipiente naquela época veio tona no segundo semestre de 1995. Tendo @ Rede Globo come veiculo privilegiado de divulgagde ¢ a Igxeja Universal do Reino de Deus como alvo central das criticas, o pais assistiu a uma disputa que desencadeou, em certo momento, uma tenséo entre dois importantes segmentos religiosos, o catolicismo e o pentecostalismo. Num crescendo, © debate conquistou maior audiéncia em trés episédios. Primeire, provocado por uma ficcdo: a mini-série “Decadéncia”. Segundo, como conflito religioso, iniciado no episédio que foi chamado de “chute na santa”. Por fim, como denincia, tealizada pelo ex-pastor da Igreja Universal, Carlos Magno, através de uma fits de video. Tais acontecimentos levaram a igreja ac 103 geu maior momento de constrangimento diante da sociedade brasileira, como também a investigacio do Poder Piblico. Nao foi a toa que essa igreja, em tdo pouco tempo, transformou- se em exemplo do gue tanto a imprensa quanto as publicagées catélicas Genominaram genericamente de “seitas evangélicas”, ou, mais restritamente, “seitas pentecostais”. De fato, tal asseciagdo nao é gratuita. A Igreja Universal criow um estilo particular que, no conjunto de suas agées, a colocou em destaque. A Assembléia de Deus pode ser a maior denominag&éo evangélica do Brasil, mas a Igreja Universal construiu uma estrutura de arrebanhamento de fiéis que faz dela a denominaga’o mais ascendente no pais. Utilizando-se dos meios de comunicacéo, grandes concentragées populares, e — convidando insistentemente os incrédulos a participarem dos seus cultes, uma quantidade expressiva de pessoas passou pelos seus temples. Na verdade, como parte da clienteia solicita os services religiosos somente nas situag3es de aflicao, muitos nao permanecem; entretanto, outros tantos comprometem-se com a instituicac, tornando-se, muitos deles, obreiros, pastores e bispos, ou ainda funcionérios de algum dos seus empreendimentos financeires, dado que a igroja procura empregar aqueles que o apéstolo Paulo chamou de “os domésticos da £é” (Galatas 6: 9). Do ponto de vista mais doutrinério, a Igreja Universal também demarca algumas diferencas. Em primeiro lugar, a cura. Tanto os pentecostais quanto a versio catélica do pentecostalismo, a Renovacdo Carismatica, prometen a cura do corpo. Mas a Igreja Universal, em pregagéo ostensiva, promete desde a cura da dor de cabega, da depressS0, do desmaio, do nervosismo; em suma, dos inforttinios que 104 atingem o cotidiano de qualquer pessoa, até a cura da doenca mais estigmatizada deste fim de século, a AIDS. De forma magica, através do contato com “éleos santos”, “sal abengoade”, “roupas ungidas”, a cura & prometida a todos que tém £&. Portanto, é no minimo insuficiente o argumento de que as pessoas procuram a igreja simplesmente por nao terem 4 sua disposigdo servicos de saide oferecidos pele Estado. A Igreja Universal promete mais do que o Estado e a medicina podem proporcionar. A cura milagrosa da AIDS, a cura do cancer sem sofrimento, e a cura de outros males sao respostas oferecidas aflig’o do fiel frente A dor e A morte. Tudo isso é alardeado de forma espetacuiar nos jornais, templos, rédio e televisao. Com tamanha divulgacdo, essas promessas fazem dos cultos destinados 4 cura um dos mais freqientados. Bm segundo lugar, assim como a Igreja Universal, quase tedos os pentecostais praticem de alguma maneira o exorcismo. Mas nela, o exorcismo tornou-se peca central da dinamica dos cultos, na medida em gue os males da vida encontram sua origem em Satanas e seus deménios. © desemprego, a miséria, a crise familiar - novamente, os problemas que afligem © cotidiano das pessoas, principalmente das camadas mais desfavorecidas da populagao - sdo quase sempre de origem maligna. Além disso, segundo sua interpretacdo, 0 diabo 6 o ser cultuado por outras religiosidades, mais especificamente pelas afro-brasileiras. 0 desemprego, por exemplo, nao € o resultado de uma estrutura social injusta, como afirmaria a Teologia da Libertagao, e sim, da possessao de alguma entidade, no caso os Exus Trance-Rua e Sete-Encruzilhadas ~ assim prega o bispo Macedo, autor de livro “Libertac&o da Teologie”. Assim, dado que a Igreja Universal estrutura seu discurso na oferta de 105 solugées dos problemas e faz do combate a outras religides um de seus grandes propdésitos, o diabo torna-se, taivez mais que Deus, o elemento fundamental para compreendé-la. Por fim, protestantes, pentecostais e até mesmo catélicos tém a doag&o do dizimo como um ensinamento biblico (Malaquias 3:10-12), muito embora exista uma variagdo no compromisse dos seus respectivos fiéis na obediéncia deste mandamento. Ja na Igreja Universal, e nas denominacées neopentecostais, o dizimo 6 o limite minime de doagao exigide por Deus para a prosperidade financeira. através dos votos e ofertas especiais, 4 guantia oferecida pelos fiéis acaba em varios casos extrapelando em muito os 10% (Mariano, 1995). Mas o diferencial principal néo esta sé na percentagem da renda doada, © sim no discurso religiose que sustenta tal pratica. 0 dizima no é visto como sinal de gratid&éo pelo que foi proporcionado por Deus, como pregam algumas igrejas, mas é um investimento na obra divina do qual o fiel espera o retorno de bons rendimentos. Diga-se de passagem, se os pastores fazem do dizimo uma relacdo mercantilizada com o seu deus, é importante ressaitar que os fiéis - pastores ¢ obreiros em potencial - sao clientes dos termos dessa relacg&éo e procuram a igreja, entre outres coisas, com o propésito de prosperar na vida. Longe do trabalho “yocacionado”, como ensinou Lutero, e distante da doutrina em que a riqueza era sinal da condigdéo de predestinado, como pregou Calvino (Weber, 1987), a Tgreja Universal proclama uma relacdo com Deus baseada na certeza de um bom investimento. Em resumo, sobre o tripé cura, exorcismo e prosperidade financeira (Bittencourt, 1991), e tendo o diabo como 4 origem de todos os males, a Igreja Universal demarcou o seu espago no cendrio da 106 religiosidade popular brasileira. Sem maiores elaboragées teolégicas, a Igreja Universal, mais do que qualquer denominacdo evangélica, elaborou uma mensagem para atender as demandas mundanas imediatas. com certeza, dentre os trés elementos acima citades, @ relagao com o dinheiro suscitou maior desconfianca e, até mesmo, indignacao naqueles que n&o partilnam desse credo. © romance “Decadéncia”, escrito por Dias Gomes, traduziu esse incémode, ao construir uma imagem da Igreja Universal, em parte j4 presente nos meios de comunicagdo. Adaptada para uma mini-série da Rede Globo, “Decadéncia” contou a histéria do ex-menino de rua, Mariel que, quando adulto, converteu-se a uma igreja pentecostal, dando inicio a vida religiose. Foi necessério somente algum tempo para Mariel ascender a condigaéo de pastor para, logo em sequica, liderar a igreja, tornando-se, desta maneira, Dom Mariel. Prometendo, além da vida eterna, © conforte nesta vida através da cura e da prosperidade financeira, Mariel foi aos poucos distanciando-se de um pentecostalismo mais classico que pregava com insisténcia o “distenciamento do mundo”. Oferecia aos excluides do pais a promessa de riqueze ¢ o usufrute dos bens materiais, com prazer @ sem muita culpa. Tudo iste proporcionado pela entrega dos dizimos ¢ ofertas 4 sua igreja “Divina Chama” - por sinal, um bom nome para uma igreja pentecostal. E para completar a situacéo, Mariel utilizou-se das ofertas arrecadadas para expendir desonestamente o patrim6nio da igxeja eo préprio, enviando dinheiro para fora do pais ou adquirindo estagdes de radio e um canal de televisao. A ascensAo de Dom Mariel ocorreu durante 0 periodo do pés-regime militar até o impeachment de Fernando Collor. Segundo a histéria, a conjuntura politica e econémica da “década perdida” propiciaram a 107 emergéncia de banqueiros e parlamentares corruptos, decadéncia de uma elite tradicional do Rio de Janeire e do catolismo, especuladores financeiros e lobbistas profissionais, além dos comerciantes da fé, no caso, os pastores evangélicos. Instabilidade politica, corrupcdo generalizada nos negécios publicos e usurpac’o da boa fé popular: com esses elementos Dias Gomes compés o universo de “Decadéncia”. Ha décadas este autor, confessadamente comunista, tematiza a religiosidade brasileira, em especial a afro-brasileira e o catolicismo popular. As caracteristicas da ascenséo de Dom Mariel ¢ as novidades apresentadas por sua igreja remeteram de imediato o telespectador a trajetéria do bispe Edir Macedo, lider e fundador da Igreja Universal do Reino de Deus. = ninguém mais do que a prépria igreja reconheceu que o personagem criado, de alguma forma, foi inspirado na imagem do bispo presente na midia. Em contrapartida, a Igreja Universal partiu para o ataque a Rede Globo utilizando a Rede Record, em especial o programa de debates “25* Hora”. Apesar dos intensos protestos, a mini-série despertou também a discusséo sobre a extrapolagSo do Ambito propriamente religioso por parte da Igzeja Universal. Além de apresentar o tripé cura, exorcismo e prosperidade financeira como caracteristicas internas, sua relacdo com a sociedade nico se guiou pelo “distanciamento do mundo”; ao contraério, a relac&o resultou, com bastante sucesso, na ocupagdo de espagos qualitativemente novos. A politica é um exemplo claro. Se o desempenho da “Bancada Evangélica” revelou em muitos dos seus membros um perfil fisiolégico, fato que acentuou a imagem negative desses religioses, a entrada na 108 esfera politica significou uma importante inflexdo entre os evangélicos expressa na mudanga do lema “Crente ndo participa de politica” para “Irmdo vota em irmao”. B ninguém mais gue a igreja Universal adotou @ nova postura e se beneficicu tanto do poder politico conquistade. Acompanhando o fluxo dos pentecostais em direcdo & esfera politica, a Igreja Universal elegeu seu primeire deputado federal em 1986. Muito provavelmente devide ao questiondvel desempenho da “Bancada Evangélica”, a eleigdo seguinte nao obteve o mesmo sucesso de 1986 - em 1990, elegeram 23 deputados. Entretanto, se, no conjunto, © nmtmero de deputados evangélicos caiu, na Igreja Universal ele cresceu. De um deputadc, em 1986, passou para trés, em 1990, © atualmente a igreja conta com seis. Desse grupo, destaque-se o deputado federal Laprovita Viera - que aparece na fita de video do pastor Carlos Magno, na qual é indagado por um bispo sobre a possivel origem ilicita de um de seus bens. Bmbora a pergunta tenha sido feite em tom de brincadeira, o deputado Laprovita Vieira - dando continuidade & obscura relagdo, ha muito existente no Brasil, entre o poder publico e os meios de comunicagaée - foi pega chave na negociacdo desse importante passo dado pela Igreja Universal no seu processo de expansdo, a compra da Rede Record. Néo € propriamente uma novidade a presenga evangélica nos meios de comunicagao. Ja ha algum tempo os evangélicos fizeram da televisae um veiculo fundamental no projeto de evangelizag&o de massa - proposta que comegou a ser concretizada, de forma significativa, por setores do catolicismo somente ha pouco tempo, através do canal a cabo Rede Vida. A compra da Rede Record € parte desse projeto missionario. Entretanto, 199 a aquisicgo significou algo mais do que todo esforco evangélico anterior, pois da condigéo de noticia, a igreja Universal passou 4 de produtora de noticia. Por mais impressionante gue seja 9 volume de dinheiro envolvide na transacéo da Rede Record (segundo a imprensa, os valores variaram em torno de 40 milhdes de délares), o mais interessante é o fato de uma igreja pentecostal ter em maos a posse de um canal de televisdo, © poder, conseqiientemente, definir as linhas gerais de sua programagao. A condi¢do de locatarios de alguns horérics restringia uma possivel autodefesa dos evangélicos em relagdo aos escndalos nos quais estavam envolvides, principalmente os da “Bancada Evangélica”. Agora, com a concessdo do Estado, @ Igreja Universal pode participar dessa arena plislica, de dimenséo nacional, formada pela midia eletrénica. Muito embora a audiéncia da Rede Record seja ainda baixa, a Igreja Universal pode a qualquer momento e quantas vezes desejar responder aos ateques da Rede Globo com maior visibilidade. A concesséo de participar dessa arena politica de forma auténoma = possibilitada aos partides politicos somente nos heraérios elcitorais gratuites - colecou a Igreja Universal em um patamar distinto do restante dos evangélicos, ao poder realimentar, pela Rede Record, sua participagao nas esferas do poder. Isto 6, apesar de possuir uma quantidade menor de membros em face de outras denominacdes evangélicas, a Igreja Universal tem condigdes de eleger proporcionalmente um mimero maior de vereadores ¢ deputados gracas 4 visibilidade alcancada através de um canal televisdo. Poderiamos dizer que a experiéncia de um canal evangélico néo é exatamente nova, afinal, em 1983, © pastor batista Nilson Fanini obteve do entdo presidente Jodo Figueizedo a concessao do canal 13, da 10 extinta TV Rio (Assmann, 1986), Entretanto, como televisio é um empreendimento bastante caro, Fanini nao conseguiu manter o canal, 0 qual foi posteriormente vendido a Rede Record. Nas m&os da Igreja universal, a TV Rio foi tratada antes de tudo como um negécio que precisa se auto-sustentar e dar lucro. Ao invés de ocupar os horarios nobres com uma programagao religiosa, a Rede Record vendeu A Igreja Universal os horérios das 23:30h até as 8:00h do dia seguinte, mantendo uma programacdo comercial no restante do tempo. Através do ~25* Hora”, do “Palavra de Vide’, do “Despertar da Fé”, © outros mecanismos que esto sob investigacdo policial, a Igreja Universal conseguiu capitelizar seu canal de televisdo. Assim, mesmo que seja verdadeira a denincia do pastor Carlos Magno, segundo a qual o bispe Macedo teria recebido um milhae de déjares do narcotrafico colombiano, foram os 39 milhdes de délares restantes recolhidos nos temples que possibilitaram a compra e a manutengao do empreendimento. Ademais, demonstrando um agudo senso empresarial, @ Igreja Universal nao restringiu seus negécios a televisao. Além da Record, a igreja possui, entre outras coisas, o Banco de Crédito Metropolitano, 30 emissoras de r4dio no Brasil, duas graficas, a gravadora Lines Record, uma editora, uma produtere de video, uma fabrica de méveis, dois jornais e outros tantos iméveis espaihados por 47 paises de todos os continentes™ . se a ética protestante orientava a conduta econémica do puritano calvinista, cabendo a instituicéo religiosa somente o ensinamento da doutrina da predestinacée, com a Igreja Universal, temos a propria instituigao relacionando-se com o mercado, impuisionada pela missdo evangelizadora. Desta maneira, a igreja "9 Jornal do Brasil, 25.12.95 att construiu, em apenas dezcito anos de existéncia, uma verdadeire holding multinacional, cujo produto bésico que dinamiza toda a estrutura é a £6. Logo, mais do que o usufrute do dinheire da igreja nas praias de Angra dos Reis por parte do lideres, conforme o video apresentado pelo pastor Carlos Magno, 9 que impressiona € a eficiente estratégia de expansdo cujos negécios convergem para um Unico fim: o arrebanhamento de fiéis. Uma construtora de templos, nos quais sao recolhidas as ofertas, que sao depositadas no banco, para finaneiamento da editora, radio e tetevisdo, que, por sua vez, tém a4 fungao de evangelizar novas pessoas, que necessitam de mais templos Em suma, uma crescente retroalimentacéo entre a politica, a midia e o empreendimento comercial, cujo principio-moter 6 @ adesdo de novas pessoas. Mais do que qualquer outra denominagao evangélica, a Igreja Universal conseguiu articular-se em trés espagos distintos de forma rapida e eficiente. Além dessa estrutura contribuir na produgao de adeptos, também significou uma ccupagao maior de outras esferas sociais, o que proporcionou, em muito, a visibilidade da igreja. E gracas ao intense proselitismo, formou-se um transito de pessoas que sacm da sua instituicdo religiosa para a Igreja Universal. Tais caracteristicas expansivas criaram uma tensdo com a Igreja Catélica, latente até o episédio do “chute na santa’; afinal, € do seu rebanho que a Igreja Universal busca boa parte do seus adeptos. Dessa forma, essa igreja pentecostal acabou se contrapondo explicitamente a principal instituigaéo no Brasil no que se refere A tradig&c e aos simbolos religiosos da maioria da populacdo. Bm consegiiéncia, se a Teologia da Liberta¢do ocupou, mais acentuadamente na década de 80, © centro das 2 atengdes por questionar - mais do que ¢ capitalismo - © centralismo teolégico e institucional do Vaticano, a expanséo das denominadas “seitas pentecostais” sao, h4 algum tempo, o foco das preocupagdes da hiererquia catélice. Leonardo Boff, nos anos 80, e Edir Macedo, nos anos 90; cada um a seu tempo € 4 seu modo, mobilizaram a atengéo da Tgreja. Acreditando no temor catélico da expanséo evangélica, a Igreja Universal acusou a TIgreja de Roma de perseguicéo religiosa, concretizada numa suposta cumplicidade com a Rede Globo na exibicSo de “Decadéncia”. Haveria, portanto, um conluio formado pela concorrente nas telecomunicagées e pela concorrente religiosa, cuja intengao seria a de promover uma nova inquisicao com a finalidade de freiar o crescimento da Igreja Universal. A mini-série foi exibida durante trés semanas, tempo em que a Igreja Universal, através da Rede Record, do jornal Folha Universal, das radios e dos pastores, conclamava os fiéis a nao se intimidarem frente a Rede Globo e a verdadeira promotora deste episédio, a Igreje Catélica. Sem dar a outra face, a Igreja Universal potencializou o conflite, R reacdo do catolicismo, entretanto, s6 se concretizou quando o Jornal Nacional mostrou o respons4vel pela Igreja Universal em Sao Paulo, o bispo Sérgio Von Helder, “chutando” uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, no programa “O Despertar da Fé", justamente em 12 de outubro, dia da Padroeira do Brasil. As imagens, que foram repetidas vezes exibidas na Rede Globo, geraram indignag&o, atos de desagravo e, até mesmo, violéncia de alguns fiéis catélicos. Com certeza, dentre todes os trés episédios, o “chute na santa” foi o mais tense e sua interpretag3o a mais capciosa. Por um lado, o 3 episédic gerou a idéia de que se insteurava no pais uma “guerra santa” estrito senso. A denincia posterior do pastor Carlos Magno demonstrou que a Rede Globo, muito mais do que a Igreja Catélica, ocupave um dos polos principais do conflito. Tanto os noticiaries da TV Globo quanto os do jornal © Globo mostraram maicr empenho em acusar a Igreja Universal do que qualquer reacdo catélica. Por outro, serie equivocade afirmar que se tratava téo somente de uma guerra comercial entre duas emissores de televisdo. As acusacées da Rede Globo procuraram atingir a Iqreja Universal como um todo, ¢ nfo sé a Rede Record. Assim sendo, isolando os personagens principais desta profusdo de acontecimentos e interpretagdes, de um lado, tinhamos uma das maiores emissozas de televiséo do planeta. De outro, © grupo religioso que mais cresce no Brasil, e que também é proprietario de uma emissora de televisdo. 5, como se ndo bastasse, este grupo acusou a maior instituigao religiose do Brasi? de cumplicidade com a emissora rival. Assim, nem guerra comercial nem “guerra santa”, mas ambas simultaneamente, ora um conflito religioso cujo palco foi a midia ora uma disputa interna a midia traduzida em linguagem religiosa, A dificuldade de elaborar naicres distingSes deve-se ao fato de que expansdo religiosa e empreendimento financeiro sAo coisas pouco distintas na tgreja Universal. A compreensao do episédio também foi capciosa porque nao houve nenhuma novidade na atitude de Von Helder. A Rede Globo trouxe a cena uma prética comum na Igreja Universal, a de escérnio em face as outras religiées. Alias, uma das acusagSes que levarem o bispo Macedo 4 prisdo, em 1992, foi a de vilipéndio religioso, tende sido sua 14 principal vitima as religiées afro-brasileiras, muito mais do que o catolicismo. ho invés de mostrar o bispo Von Helder “chutando” a imagem de Aparecida, a Rede Globo poderia exibir o mesmo bispo, ao som da “ave Marie”, orando na Rede Record, aa “Hora do Angelus”. Cu ainda mostra lo, nas madrugadss de sexta-feira, escarnecendo e exorcizando as entidades afro-brasileiras nos cultos de libertagdo. Ali, as entidades so satanizadas e, em contrapartida, o inferno descrito pela Igreja Universal edquire um perfil afro-brasileire. A Rede Globo, no entanto, selecionou o “chute” na imagem da santa. Afinal, por mais que as religiées afro-brasileiras e as igrejas pentecostais estejam em ascendéncia numérica; por mais que a igreja Catélica esteja perdendo fiéis, restando algum crescimento pare a Renovacdo Carismatica: e, enfim, por mais que parte significative dos catélicos brasileiros transitem simultaneamente entre terreiros de macumba, centros espizitas e templos catélicos, ora pagando promessa a Aparecida ora oferecendo despachos a Pombagira, existe uma grande diferenga entre essas duas divindades em relagéo a legitimidade de seus respectivos credos no Brasil. © que comprometeu a Igreja Universal foi a explicitacéo da intolerancia contra a maior instituigdo religicse do pais, @ Igreja Catélica. Neste sentido, o pedide péblico de desculpa de bispo Macedo caracterizou muito mais um recuo do que um arrependimento. Muito embora tenha se desculpado, o projeta de expensdo da Igreja Universal sofreu um forte abalo com os acontecimentos daquele semestre. Seus bispos e @ instituigao como um todo encontram-se atualmente sob investigagéo policial. Mais do que em qualquer outro us momento, @ imagem publica de igreja ficou comprometida. Toda esta situagdo, entretanto, néo afetou a fé da maioria dos fiéis. so contrario do que alguns jornais neticiaram, os templos continuaram cheios apés a deniincia do pastor Carles Magno” . Nac € a primeira vez que a Igreja Universal encontra-se numa situacéo complicada. Edir Macedo foi preso em 1992, além de ter sido intimado a depor na CPI do narcotraéfico. Nas duas situa¢des livrou-se gracas, principalmente, & intervencdo dos politicos ligados 4 igreja. Caso iste se repita, muito provavelmente os bispos e a igreja buscardo uma “boa medida” nas suas acSes que Ihe garanta crescer por mais tempo. Caso aconteca algum tipo de condenacde judicial da lideranga da igreja, alguns fiéis migrargo para outras denominagSes onde poderdo congregar-se. Afinal, o pentecostalismo tem um espectro muito amplo de denominagées, sempre aberto a novos fiéis. De outro lado, uma quantidade significativa de pessoas ainda permaneceré fiel. Primeiro, porque a Igreja Universal construiu uma estrutura burocratizada que prescinde de certos lideres. Alias, no pentecostalismo, liderancas sao produzidas com bastante freqiéncia. B segunde, porque os bispos, mesmo condenades, assumir3e a condigdo de perseguides, assim como fez Edir Macedo, em 1992%. Por sinal, persequicdéo € completamente compativel com 0 discurso religioso pentecostal, pois foi nesta situacdo que se encontravam os apéstolos e discipulos quando houve a “descida do Espirito Santo”, no Dia de Pentecostes (Atos dos Apéstolos, 2). BE, por fim, obedecendo a velha férmila, recorrentes nos momentos de divergéncias, haveré dissidéncias de lideres e fiéis que formardo ® © Globo, 27.12.95. * Folha Universal, n.10, maio de 1992. 116 novas igrejas*. Tal solugao, estrutural ao préprio processo de expanséo, garantirdé maior longevidade e disseminacéo da fé pentecostal. £ curiose que ambas, tanto a Igreja Catélica Apostélica Romana guante a Igreja Universal do Reino de Deus, tragam nos respectivos nomes © termo “universal”. No sentido doutrindric mais amplo, diria que ambas concordam com o alcance universal do sacrificio de cristo, assim como a necessidade de propagagéo da mensagem crista através da atividade missionéria, conforme ensina o Bvangelho de Marcos, citade no inicio desta dissertagao. De um ponto de vista sociclégico, a Igreja Universal difere da secular Igreja Catélica que é, segundo Troeltsch, uma religi&o incorporada a ordem social, contemporizada com o Estado € as condigdes econémicas, Ume catolicidade ligada histérica © sociologicamente a tradi¢gio de um povo, de tal maneira que o individue 34 nasce catélico, n&o sendo necesséria sua convers4o (Troeltsch, 1987). A Igreja Universal, por seu turno, apresenta caracteristicas particulares na sua universalizacao. Nascida ¢ desenvolvida nas periferias do Rio de Janeiro, primeiro, e, depois, nas de Sao Pauio, a igreja criou uma relacdo com as oponentes, umbanda e candomblé, de intensa troca de simbolos e inversdo de seus contetidos originais; e, apesar do episédio “chute na santa”, adotou o mesmo procedimento com o catolicismo popular. Desta maneira, todo esse caldo difuso das xeligiées populares brasileiras contribuiu, em grande medida, para a ® Muito por conta dos acontecimentos do ultimo semestre, uma dissidéncia jé foi formada. Assim como fez Romildo Soares, ao fundar a Igreja Internacional da Graga de Deus, em 1980, ¢ o pastor Carlos Magno, a0 fimdar a Igreja do Espirito Santo, em 1991, 0 bispo Renato Suhett inaugurou no ultimo més de janeiro o primeiro templo da Igreja do Nosso Senhor Jesus Cristo, lovalizado num grande cinema do Bris, hé duas ‘quadras da sede nacional da Igreja Universal. 7 formagéo do repertério simbélico da Igreja Universal. A universalizagdo, aqui, ocorreu gragas a uma certa plasticidade da igreja que essimila elementos de outras religides, compondo um novo discurso. Universalizagfio nfo no sentido dado pele hierarquia catélica - uma igreja da ordem cultural -, mas uma mensagom pentecostal de libertagao que conseque se plasmar em certos contextos com uma maior facilidade do que outras idéias e religides. A debilidade dos vincules com uma tradicéo religiosa e a simplicidade do discurso garantiram-lhe uma maior aderéncia a diferentes contextos religiosos. Universalizagéo, também, no sentido de acomodagéo a realidade social brasileira; tarefa resultante do cardter adaptativo associado 4 mobilizacéo de esforgos para um fim determinado. Enquento o catolicismo debatia-se teologicamente sobre como realizar uma missa na televiséo” , a Igreja Universal, valendo-se cada vez mais da linguagem televisiva, penetrou nas casas, transmitindo, via satélite, suas mensagens, curas ¢ béncdos. Negando o apoliticismo pentecostal vigente até o inicio da década de 80, ela acompanhou a redemocratizagao do pais buscando representatividade nas esferas ce poder. ou ainda, sustentando exorcismos e milagres sobre uma estruture comercial eficiente, a Igreja Universal dilui nogées como arcaico e moderno. E, mais ainda, wniversalizagéo enquanto propagagao de uma mensagem que responde aos apelos imediatos de milhdes de pessoas. Mais do que a doengs, ela responde ac medo de alguma incuravel e estigmatizada doenca. Alem de nos livrar dos constantes problemas financeiros, promete tornaz-nos ricos. Universal, em suma, como ample interlocugao com a sociedade que visa uma maior ocupac’o do espaco Estudos da CNBB. Liturgia de Rédio e Televisdo, n.33, 1994; Missa de Televisdo, n.70, 1994; Comunicagao e igreja no Brasil, n. 72, 1994, us pliblico e, se possivel, A conversSo dos interlocutores ao Reino de Deus; e, uma vez convertidos, exige exclusividade no compromisso, gera intolerancia com o que lhe é diferente, © desenvolve a ambicdo de um dia tornar-se maioria. uy BIBLIOGRAFIA ALVES, Rubem. 1971. “A volta do Sagrado: Os Caminhos da Sociologia da Religiaéo no Brasil” in Religiao ¢ Sociedade. Rio de Janeiro, n° 3. 1979. “A Empresa da Cura Divina: Um Fenémeno Religioso?” in VALLE, Edénio & Queiréz, José J. (org.) A Cultura do Povo. Sdo Paulo, Cortez & Moraes/EDUC. 1980. Protestantismo e Repressdo. S40 Paulo, Atica. ASSMANN, Hugo. 1986. 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