You are on page 1of 18
FERNAND BRAUDEL HISTORIA E CIENCIAS SOCIAIS i Sr qecto 4 c. AG. 5. pucis.P. Contra Academics de Canc Soctes Sona 134; soe Blane 2. A LONGA DURAGAO () eral das_ciéncias do homem: todas elas se cencontram esmagadas petos seus proprios progressos, mesmo que isso seja devido apenas 2 acumulagéo de novos conhecim © & necessidade de um trabalho colectivo, cuja organizagao ligente ainda esté por estabelecer; directa ou indirectame or) ) cy todas se véem afectadas, queiram-no ou nio, pelos progressos das mais dod of ape Cantgr & mope — wierdavy centre elas, ao mesmo tempo que continuam, no do com um humanismo retrégrado e insidioso, hes servir de ponto de referéncia, Todas elas, com maior ou menor lucidez, se preocupam com o lugar a ocupar o Conjunto monstruoso das antigas e recentes investigagdes, cuja wergéncia se vislumbra, ne wee ne AL 6D penn ervey © 7 FICHA TECNICA, do homem iro sforgo suplementar de definisio ou, pelo coutrério, mediante um incremento de mat hhumor. Em todo o caso, preocupam-se hoje mais do que ontem (com 0 risco de teimosamente em problemas {0 velhos como falsos) em definir os seus objectivos, métodos e superiori- ‘Fernand Broudel dades, Encontram-se comprometidas, obstinadas, em_ confi © Copyright by Eaton: Famarion, Pais Iutas ‘a respeito das fronteiras que possam ou no existir entre “Treusae: elas. Cada uma sonha, de facto, manter-se nos seus dominios ou Capa: Seton Grifico da voltar a eles. Alguns'investigadores isolados organiza aproxi- inp, pre mages: Claude Lévi-Strauss impele a antropologia «estraturaly oe para os processos da linguistica, os hori is - fore Sienter © 0 imperial Tende para uma ematicas «qual sob o nome de ciéncia ire et sciences sociales: «la longue du: 4, Oct-dée. "1958, Débors er Combste, Rus Augusto Gil, 3A 100) LISBOA pp. 725-753. ? da comunicacéo, a antropologia, a economia politica ¢ a linguis- tica. Mas quem € que esté preparado para transpor fronteiras © Prestar-se a reagrupamentos, no momento em que a geografia © a historia se encontram a beira do divorcio? Mas nfo sejamos injustos; estas querelas © estas repulsas tem 0 seu interesse, O desejo de se afirmar frente aos outros, dé Forgosarmente lugar a novas curiosidades: negar o préximo, supe conhect-lo previamente. Mais ainda: sem terem explicita vontade disso, as ciéncias socials impSem-se umas as outras: cada uma pretende captar o social na sua «totalidaden; cada uma delas se intromete no terreno das suas virinhas, na crenga de perma- necer no proprio. A economia descobre a sociologia, que 2 rodeia; 1 historia — talvez a menos estruturada das citacias do homem — aceita todas as ligdes que lhe oferece a sua miltipla vizizhanga ¢ esforga-se por as repercutir. Deste forma, apesar das reticéncias, das oposigSes © das tranquilas ignorincias, vai-se esbocando & instalagio de um «mercado comump; 6 uma experiéncia que vale 4 pena ser tentada nos préximos anos, mesmo no caso de a cada cigncia ser posteriormente mais conveniente voltar a aventurar-se, durante um certo tempo, por um caminho mais estritamente fas de momento urge aproximarmo-nos uns dos outros. Nos Estados Unides, social lia, Rossia, los.’ Mas € imprescin Latina e Estados Unidos. Impoe-se vel, devido a esta colocaczo em de téenicas e conhecimentos, que nenhum dos participan- manega, como na véspera, mergulkado no seu proprio ho. cego'e surdo ao que dizem, escrevem ou penkum os Dutros. E igualmeate imprescindivel que a reuniio das ciéncias seja fa, que Mao se menospreze a mais antiga em proveito das S. capazes de promover muito, mas nem sempre de Diise © caso, por exemplo, de o lugar concedido & nestas_tentativas americanas ser praticamente. nulo, i uo, B, além disso, de que gages de fact e tes informadas vinte ou ia para descozhecer, ao mesmo tempo dos historiador aspecto da realidade social de que @ historia € se no habil vencedora, pelo menos bastante 8 boa servidora: a duragdo social, esses tempos miltipios ¢ contra- ditorios da vida dos homens que so nao s6 substancia do passado, ‘mas também 2 matéria da vida social actual, Mais uma raZio para ‘oposigdo, infinitamente repetida, entre o izstante e o tempo leato to devorrer, Quer se tate do pasado quer strate da sctidade, torna-se indispensivel uma consciéncia nitida desta pluralidade do tempo social para uma metodologis comum das ciéncias do ‘homem, (Falarei, pois, longamente da histéria, do tempo da histéria. E menos para os historiadores que para ds nossos vizinhos, espe- cialisias nas outras cifncias do homem: econor exalogos pecgralos todos eles vizinbos, de foes informando durante nossas szinhas] 1. Histéria e duragio (Todo © trabalho histérico decompde o tempo pasado € sxeThe suas realiades eronolgis, segundo prefertacas © AC histocia_tradicix la miragem —e também pela realidade — dos aumentos ¢ quedas ciclicas de precos Desta f a par da narracdo (ou do «recitativos) tradicional, um 7 mula, boa ou mé, é-me hoje familiar para Gesignar 0 con- lwério daquilo que Francois Simiand, um dos. primeiros depois de Paul Lacombe, com 0 nome de hisiéria dos aconte- nossa discussio ra outra, de um pélo para ‘outro do tempo, 8 longa duracio. Isto no quer dizer que ambos os termos sejam de uma segu- ranca absoluta. Assim, por_exemplo, o termo acontecimento..No. agradar-me-ia encerré-lo, aprisioné-Jo, na_curta. i vo, ruidoso, Faz tanto fumo que enche a consciéncia dos contemporincos; mas dura um 0- mento apenas, apenas se vé a sua chama. Os fil6sofos diriam, sem diivida, que afirmar de uma grande parte do seu nto pode, em rigor, carregar-se de uma série de sig- nificagies e de relagées. Testemunha, muito profundos; e pe imentos. de realidades subjacentes, insepardveis ie. a partir de entdo, uns dos outros. Gragas a este ie adiges, Benedetto Croce podia pretender que a se incorporam, ¢ foe qualquer acon de acrescentar a este frag: ‘0 © que ele nao contém numa primeira aproximagio e, por conseguinte, de conhecer o que é ou nao é justo acrescentar-the, E este jogo inteligente ¢ perigoso que as recentes reflexdes de Jean-Paul Sartre propdem () Entéo, expressemo-lo mais claramente do que com a expres ‘emipo breve, & medida dos indivi- das nossas rapidas so «dos acontecimentosy: ‘erénica ou 0 jor- nal oferecem, junto com os grandes acontecimentos chamados Questions de méthodes, Ler Temps Moder representagio teat ‘um tempo breve passado €, pois, constituido, numa primeira apreensio, por esta massa de pequenos factos,aans resplandecentes, outros obseuros € indefinidamente repetidos; precisamente aqueles factos, © uais a microssociologia ou a sociometria consiroem na actualidade eine et este motivo que existe entre nbs, os bi forlé desconfianga em relagio a uma histéria imentos] etiqueta. que se fundir com a de historia politica, no sem uma certa inexact itica nec snifieiosos, quase sem espessura. t corteva as suas «narracies» (?) e longa duragdo que resultavam, no estes dlkimos cem anos, 01 des acontecimentos», trabalhow noe sobre o sse do resgate a pagar pelos prop wesmo periodo na conquista cientifica instrumentos de trabalho © de métodos rigorosos, iador acreditarque na aut toda a verdade. «Basta — a histéria inci- erénica de novo asso a paso a ou dos debates piente», culmina, até que. no seu prurido de exactidio, segui a correspondéncia dos ‘“Europa_em 1500s, «O mundo em 1880», «A Alemanha nae ves forma, et TG) Lous Halpheh: Introduction @ URisore, Pais, PULP. 1986 p. 50. ut parlamentares. Os historiadores do ste. XVIII e de principios do séc. XIX tinbam sido muito mais sensiveis as perspectivas da longa durasao, a qual s6 os grandes espiritos como Michelet, Ranke, Jacob Burckhardt ou Fustel souberam redescobrir mais farde. ‘Se se aceitar que esta duragao do tempo breve supds 0 maior enriquecimento —ao ser o menos comum— da historio- srafia dos il ndersei a eminente fun- sao que ti es, como a cas religides € 4 das civilizagdes desempenham e, gracas & arqueologia que neces- sita de grandes espagos cronoldgicos, fungao de vanguarda dos estudos consagrados a antiguidade clissica." Foram cles que sal- varam 0 nosso oficio, ‘A recente ruptura com as formas detrimiento fica,Em consequencia. produziram-se ‘uni abalo e uma renovagao inepaveis; desam-se, in transformagées metodologicas, desiocamentos de cei esse com a entrada em cena de uma com toda a certeza, nao disse ainda a sua ultima pal Mas, sobretudo, produziu-se uma elteracao do tempo his- torico tradicional, Um ano podiam parecer medidas correctas a um historiador politico de ontem, a sava de uma soma de gressio demogrifica, as variagbes de taxa de lucro, o estuido (mais sonhado do que realizado) da pro. dusio ou. ua andlise rigoross da cireulagio exigem medidas sito mais amplas. ge uma nova espécie de narracio hist6rica — pode dizer-se » da conjuntura, do ciclo ¢ até do «interciclo» — que }osse escolha uma'dezena de anos, um quarso de século instancia, © meio século. do cicio cléssico de Kon- exemplo, se mido se tém em conta breves e super acidetes, ha um movimento geral de subida de pregos na Europa de 1771 a 1817; em cot 8 precos baixam de de subida e de retro- para 2 Europa e quase laro, um valor abso- ‘escimento econémico nacional — Frangois Perroux () ofe- gua Théorie générale du progrés économique, Cadernos do 7. recer-nos-ia outros limites, talvez mais vilidos. Mas pouco impor- tam estas discussdes em curso! O historiador dispie com toda a certeza de um tempo novo, elevado a altura de uma explicacao, em que a hist6ria se pode inscrever, recortando-se, segundo pontos de refer ditos, segundo curvas e a sua propria respiracao. Foi assim que Ernest Labrousse e os seus discipulos puseram i, desde 0 seu manifesto do Congresso Histérico de izaca © signo da quan- irmando que esta nagdo de conjunturas (e até de estruturas se nada nos garante, de antemio, que esta conjuntura tenha de ter a mesma mndes personagens —conjuntura econémica e conjuntura ‘— ndo nos devem fazer perder de vista ‘marcha sers dificil de determinar ¢ talvez por falta de medidas precisas. As ciéncias, as tuigdes politicas, as ferramentas met empregar uma palavra tio cémoda ordem quando tiver completado a sua orquestra Este recitativo deveria ter condurido, logicamente, pela sua propria superacdo, & longa duragio, Mas, por uma série de razbes esta superacao nem sempre se lum retorno’ a0 tempo breve, tal conciliar a hist6ria aciclica» e a continuar a avancar pare o desconhecido. Em term trata-se de consolidar posigies adquiridas. O pri de Ernest Labrousse, em 1933, a exigéncia de retorno a um tempo menos embaragoso, reco- mhecendo na propria depressio de 1774 a 1791 ume das mais vvigorosas fontes da Revolucdo francesa, uma das suas rampas de Jangamento. Mesmo assim, estudavaum relativamente ampla. Na exposigio que fou a0 congresso, internacional de Paris, em 1948, Comment naissent les revolux tions?, esforcava-se, desta vez, por de curta duracio (novo estilo) a um pat muito velho), o das jornades revoluciondria (©, BimesteLabrousse: Esquise du mouvement des prix et des reve nus en Fronce au XVHI™ sitele, 2 tomas, Paris, Dalor, 1933, 13 ‘mergulhados até a0 pescoco, no tempo breve. Claro esti, a ope- ragio € licita, ¢ util, mas 20 sintomatica! O historiador presta-se de'bom grado a ser director de cena. Como haveria de renunciar a9 drama do tempo breve, aos melhores fios de um oficio muito velho? Para além dos ciclos ¢ dos interciclos, est @ que 0s econo- sistas chemam, ainda que nem sempre 0 est uma primeira chave. A segunda, muito mais util, € @ palavra estrutura, Boa ou md, € ela que domina os problemas da longa duragdo. Os obser. vadores do social entendem por esirutura uma organizagao, uma coeréncia, relagées suficientemente fixas entre realidades e mas- sas socials. Para nés, historiadores, uma estrutura é, indubita- velmente, um agrupamento, uma aiguitectura; mais ainda, uma realidade que o tempo demora imenso a despastar e a transportar Cerias estruturas sio dotadas de uma vida to longa que se con. a0 mesmo tempo, apoios es (envolventes, no sentido 0) dos quais homem e as suas experiéncias nao se folem emarepar. Pensese na dfiuldade em remper certos mar- cos geogrificos, certas realidades ‘dade e até reacgdes 3 eire, desde ha séculos, fas vegctagoes, das populagdes animais, das cultures, rio lentamente construfdo de que no se pode separar nem correr o risco de voltar a por tudo em causa. Considere se © lugar ocupado pela transumancia na vida de montana, per mianéncia em certos itima, arreigados em ‘pontos. privilegiados das i sone fy, Neitse René Clémens: Proégoménes dune ge economigue, Paris, Damat Montehresten, Cycle et'szuetures, Revue eeonomigae, 1952; ne I 4 doura implantagdo das cidades, na persisténcia das rotas ¢ dos traficos, na surpreendente fixide do marco geografico das civic mesmas compa- es € dos mesmos lugares comuns. Numa’ linha de pensamento loga, estudo de Luci re, Rabelais et le probleme de ‘ou AViéme Siecle» (*), pretende precisar a uten I do pensamento francés, na época de Rabel ‘Onjunto de concepsdes que, muito antes de Rabelais, ¢ 1 depois dele, presidiu as artes de viver, de pensar ¢ de crer e tou de antemio, com dureza, a avenit ivres. O 'tema tratado por Al igacies da Escola his- a ideia de Cruzada ¢ considerada, no Ocidente, lo XIV — isto é, depois da «verdadeiran cruzada—, como a desvanece-se entéo perante um universo profundamente ge ~~ @) Einst Robert Curtis: Europatsche Literatur und lateiniches Mit teloley, Rema, A. Francke AG Verlag, 1948. iw trizado que, por sua vez, seria derrubado, muito mais tarde, com a revolugao einsteiniana (%). Por um paradoxo apenas aparente, a dificuldade reside em descobrir a longa duragio num terreno onde a investigacio histérica acaba de obter éxitos inegaveis: 0 econémico. Ciclos, interciclos e crises estruturais encobrem aqui as regularidades ¢ $ ou, como também foi dito, de civi- Mas € melhor raciocinar sobre um exemplo, rapidamente analisado. Consideremos, muito perto de nés, no marco da Eu- ropa, um sistema econdmico que se inscreve em algumas linhas fe Tegras gerais bastante claras: mantém-se em vigor aproximada- meate desde 0 século XIV até ao século XVII — digamos, para maior seguranga, que até a década de 1750. Durante séculos, a actividade econémica de populacées demograficamente débeis como o mostram os grandes refluxos de 1350-1450 e, sem divida, de 1630-1730 (). Durante séculos, a circulagdo assiste ao triunfo da agua e da navegagio, dado que qualquer trajecto continental constitui um obstaculo, ‘uma inferioridade. Os grandes centros europeus, salvo excepgdes que confirmam a regra (feiras de Cham- pagne, jf em decadéncia no inicio do periodo, ou feiras de Leipzig tuami-se a0 longo de franjas litorais. Outras te desempenhado pelos metais preciosos, ouro, prata e mesmo cobre, cujos choques incessantes $0 ser30 Defini assim — ou melhor, evoquei por minha vez depois Em Espanha, refluxo demografico € sensivel desde finais do séeulo XVI 16 is. para a Europa Oci- ‘apa de longa duracdo. Estes abalo do século XVIII e & revolugao industrial, da qual ainda nao saimos. Caracterizaram-se por uma série de tragos comuns que permaneceram imutaveis, enquanto em redor, entre outras conti- nuidades, mithares de rupturas ede abalos énovavam a face do Entre os diferentes tempos da historia, a longa durago apre- sentou-se, pois, como um personagem embaragoso, complexo, Ire- Gqueatemente inédito, Adtitrla ay pode presenta umn simples ogo a GOSUAEME emetincse” de had fe da curiosidade, Tao-pouco se trata de uma escotha, de que a fistéria seja 2 Unlea beneliciads, Para o hislorador, scela quivale @ presar-se a una modanga de esl, de etiude, uma torte de ensment, a na nova concen do soil Eau exigente da historia, sair-se com outros olhos, carregados com outras inguietagdes, com ou- res de fragme tempo se compreendem 2 partir desia profundidade, desta ser idade; tudo gra “ge Charles Victor Langlois de Charles Signo: fos a Mare Bloch; mas, « partir de Mare Bloch. «oda no det xou de guar. Pars tum, a hetria-€a soma de fogas 95 ves: ume coleccag de ficos @ de pontos de e de amanha. Sa tiria — 0 erro historicizante. Nao sera facil, ja se sabe, convencer disso todos os historiadores, e¢ menos ainda as citncias sociais, empenhadas em nos acantonar na histéria, tal como acontecia ‘no passado. jecessério muito tempo € muito esforgo, para ‘que todas estas transformagSes e novidades sejam admitidas sob © velho nome de historia. E, no entanto, nasceu ¢ continua a interrogarse e a transformar-se uma nova «ciéncia historica. Em Franga, anunciase desde 1900 com a Revue de Synthése His- torique e com os Annales a partir de 1929. O historiador preten- ‘tncias do homem. Este facto

You might also like