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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RIO DAS OSTRAS

CAMILA GONÇALVES DA COSTA

FUNDAMENTOS DA CLÍNICA
PROFª.: NATALY MARIZ

RIO DAS OSTRAS


JUNHO DE 2019
O autor e professor Luiz Alfredo Garcia-Roza se refere à psicologia como “um
espaço de dispersão”. Considerando o texto “CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS:
A QUESTÃO DAS CORRENTES DE PENSAMENTO EM PSICOLOGIA” de Luís
Cláudio Figueiredo, as discussões em sala de aula e sua experiência na formulação do
trabalho para esta disciplina, o que você entende como os principais fundamentos da
prática clínica?

R: Por muito tempo a clínica foi entendida como um espaço físico, privado,
fechado e pago. Mesmo que com uma maior sutileza, essa concepção permanece até hoje,
mas com o passar do tempo a ideia de clínica sofre diversas alterações. Ela não diz
respeito tanto ao estabelecimento, ao lugar onde se atende, mas sim àquilo que se passa
dentro desse espaço, onde se estabelece um tipo de relação entre duas ou mais pessoas,
com uma condução teórica e um lugar de ética de trabalho. Não é o consultório de um
analista que vai disparar um processo terapêutico, a clínica se fundamenta no encontro
terapêutico entre duas pessoas.
A ideia de setting terapêutico vem de uma psicanálise inglesa que trazia uma ideia
muito enrijecida a respeito de como trabalhar, mas a clínica não está ligada a uma fixidez.
O setting é um dispositivo, algo que se cria e que opera caminhos, não diz respeito apenas
ao lugar sobre o ponto de vista geográfico, mas principalmente a um lugar de encontro -
é algo que se estabelece no campo de relações entre o terapeuta e seus pacientes - é a
própria situação analítica, composta de processos e variáveis.
A psicologia é, segundo o autor Luiz Alfredo Garcia-Roza, “um espaço de
dispersão”, e diante disso, segundo Figueiredo (1992), os alunos de psicologia podem se
encontrar esperançosos de que “várias disciplinas irão se organizar harmonicamente,
convergindo para uma meta comum, segundo uma concepção compartilhada por todos os
professores do que seja pensar e fazer psicologia” (FIGUEIREDO, 1992, p. 17), mas a
psicologia é pluralidade, e assim como seu objeto de estudo está sempre em constante
mudança.
A psicologia é formada por diversas teorias, e muitas dessas surgem como uma
resposta contrária a uma teoria vigente, mas mesmo com essa pluralidade é necessário
que, independente da linha teórica, o psicólogo seja capaz de sustentar a alteridade e esteja
aberto à experiência. As psicologias não são neutras e imparciais, elas surgem de
determinado contexto histórico e dizem respeito à subjetividade de sujeitos inseridos num
tempo com os aspectos sociais, econômicos e culturais, dentro de um contexto social e
político - cada psicologia parte do seu pressuposto sobre o que é o homem, sendo
atravessada também por uma temporalidade.
De acordo com Figueiredo (1992) dois modos de defesa recorrentes à angústia
que essa pluralidade pode trazer são o dogmatismo e o ecletismo, onde no primeiro há
um fechamento em relação às críticas que as outras teorias tem a oferecer sobre aquela
escolhida, dessa forma não há como refletir sobre essa crítica e resolver o impasse a partir
da elaboração de conceitos inovadores - só é possível promover um movimento de
aplicação da teoria de forma forçosa a cada caso, sem dar muita atenção a qualquer
novidade que a experiência poderia trazer.
O caso do ecletismo serve para ilustrar a importância de haver um rigor técnico
no trabalho do psicólogo, uma vez que nessa situação ocorre o uso indiscriminado de
“todas as crenças, métodos, técnicas e instrumentos disponíveis de acordo com a sua
compreensão do que lhe parece necessário para enfrentar unificadamente os desafios da
prática” (FIGUEIREDO, 1992, p. 18). As teorias servem para embasar nossas
experiências, elas oferecem um método e uma técnica que baseiam a escuta - um amparo
teórico que permite que você construa sua prática. Sem o rigor de uma teoria, o eclético
não pode oferecer mais do que alguém o faria de acordo com o senso comum.
Entretanto, a teoria que serve de base para o fazer clínico não é a única coisa que
fundamenta a clínica: é também necessária a incorporação desse conhecimento teórico às
habilidades do profissional, isso é o que Figueiredo (1992) chama de conhecimento tácito.
Aquilo que diz respeito às maneiras criativas que o profissional tem parar lidar com o
caso a caso, aquilo do trabalho que não está prescrito nos livros, nem pode estar - o que
vale é a apropriação das teorias pelo clínico e o tensionamento destas com seu saber de
ofício (FIGUEIREDO, 2004, p. 127 apud BAIA, 2012, p. 7).
A clínica, além disso tudo, diz respeito a um espaço de cuidado e escuta
especializada:
Para Dutra (2004), o diferencial da escuta clínica está na qualidade da
escuta e acolhida que se oferece a alguém que apresente uma demanda psíquica,
um sofrimento, representando uma certa postura diante do outro, entendendo-
o como sujeito que pensa, sente, fala e constrói sentidos nas relações de
subjetividades. (BAIA, 2012, p. 9)

Essa escuta implica num contato com a alteridade que é muito intrínseco da clínica. De
acordo com Figueiredo (1992) experimentar é entrar em contato com a alteridade, e tal
contato implica numa forma de ser e exige uma ética - um compromisso social do
psicólogo que ultrapassa o consultório, ou seja:

No que diz respeito à clínica a ética é uma posição de morada, postura


fundamental, modo de escutar e falar ao outro e do outro na sua alteridade,
compreendida como abertura e respeito ao outro. É como algo que não tem a
ver com “moral” e que jamais será um código de prescrições e proibições. É
fato que o autor está se referindo, nesse sentido ético, muito mais a uma
disposição ao convívio acolhedor, o que não significa ser tranquilo,
considerando o inesperado e o irredutível que caracteriza a alteridade. (BAIA,
2012, p. 8)
De acordo com Carreteiro (2014) “qualquer clínica deve poder ser um encontro
com a multiplicidade de influências que atravessam o sujeito: tempo; espaço; aspectos
políticos, sociais, econômicos e tantos outros que estão sempre presentes no implícito das
falas, dos sintomas e dos acontecimentos” (p. 26). Com isso podemos concluir que a
clínica trata daquilo de terapêutico que se dá no encontro intersubjetivo, a partir de uma
base teórica que nos ajuda a manter em vista a promoção de bem-estar àqueles que nos
procuram, juntamente a uma posição ética de estar aberto a alteridade que esse encontro
nos proporciona. Devemos pensar no sujeito histórico que está envolto nas armadilhas de
seu tempo e como ele lida com isso, promovendo e exaltando a autenticidade,
singularidade e a criatividade desse sujeito, com isso devemos estar fazendo uma
constante crítica ao campo teórico no qual nos embasamos assim como ao nosso trabalho
e suas implicações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAIA, Ana Paula Florêncio Pantaleão sob orientação de Angela Fernandes. A


Atuação do Psicólogo Clínico: Ética e Técnica em Discussão. Psicologado. Edição
03/2012. Disponível em < https://psicologado.com.br/atuacao/psicologia-clinica/a-
atuacao-do-psicologo-clinico-etica-e-tecnica-em-discussao >. Acesso em 22 Jun 2019.

CARRETEIRO, Teresa Cristina. Sentidos da Clínica. Clínica & Cultura v. III, n.


I. jan-jun 2014, 24-33.

FIGUEIREDO, Luís Cláudio. Revisitando as psicologias: da epistemologia à ética


das práticas e discursos psicológicos. Convergências e divergências: a questão das
correntes de pensamento em psicologia. Vozes 5ª ed – Petrópolis, RJ. 2009, 15-37.

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