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sul Vieilioé um dos mais originais ¢con- che alas de ecteadrenlogds fin que vivernos. Lembrando que a cigncia © ST teenologia nasceram do desafio que a na- tureza representava para o homem, cle afi tna que a técnica se mostra hoje como un cigma semelhante, uma ver que se consol dda cada vez mais com nossa nova e parado- al “natureza”. Sua obra nio parte no en- tanto de um elogio ov de uma condenacio a priorideste meio ambiente ténico, procuran- do, 20 contri, abordé-lo como um fend- tmeno complexo dererminante de alteragbes radicais em nossos mais diversos eferencais perceptivos, estéricos, politicos efiloséficos Em O espaco critico Virlio parte da ar- quitetura e das politicas urbanas contempo- rncas para investgar 0s efeitos sobre nossa consciéncia éica de wm mundo que s© org2- niaa cada vez mais em sinionia e dependén- cia com a difusio e produgio de imagens ¢ informagdcs. Ocupado por tlas — de eom- pputador, de video, de cinerna —o espago PS- biico cldssico tende a se tansformar em uma “imagem pablica” asséptica, na qual se rede- fine toda ma realidade coletiva. Neste uni- verso high-tech da imediatez das imagens, a seopolitica cede lugar a cronopolitica em que (0s fundamentos da administragdo da veloci- dade e do tempo —e no mais do espago— 10s so interditados pelos especialistas, que consolidam a impermeabilidade da reenolo- sia a grande massa de legos. Pelasmidos de Vii, as performances do _parato ténico de iltima geracio dialogam ‘om a historia da sca, da geometia, da ar- ‘uitetura, do cinema eda filosofia. Ei seu en tender, quanto mais a sociedade se sofstica teenologicamente, mais ela se toma milita- rizads, passando a vive em constente prepa- +2640 logstca para batalhasimperceptiveis, abstratas ou bem concretas como o demons, trou breve e terivelmente a recente guerra ' . ' : i i | : 4 t colecao TRANS Paul Virilio O ESPACO CRITICO © as Perspectivas do Tempo Real Tradugao Paulo Roberto Pires Miblistess - FCM editoralll34 EDITORA 34 ASSOCIADA A EDITORA NOVA FRONTEIRA Distribuigio pela Edirora Nova Fronteira S.A. R_Bambina, 25 CEP 2215-080 Tel. (021) 286-7822 Rio de Janeiro - RJ Copyright © 1995 34 Literarura SC Lida (edigio brasileira) © Christian Bourgois Ealiteur ‘Quinta Parte: As Perspectivas do Tempo Real © Pavlo Viilio [A FOTOCOMA DE QUALQUR FOLIA DEST: LIYRO & IHEGAL, E CONTIOURA Dat |APROPRIACAO INDEVIDA DOS DIRETTOS INTELECTUAIS EPATRIMONIATS DO AUTOR. Capa, projeto grifico ¢ editoragio eletrdnica Bracher & Malta Produgao Grafica Revisio técnica: Carlos Irinew da Costa Revisio: Wendell Serial 1 Edigio - 1993 34 Literavuea SIC Leda. R. Jardim Botinico, 635 s, 603 CEP 22470-050 Rio de Janeiro - RJ TeVFax (021) 239-5346 CIP - Brasil, Catalogasao-na-fonte Sindicaro Nacional dos Ecdirores de Livros, RJ. io, a 932 vee "Seis Pat Veo ag de el Robe Figs Rader £4.34 1998 Np Casto HANS sanassseo160 soma -Aapest ei 2. rpc eal 2. Ht 1 Pa O FSPACO CRITIC “pas Petspectivas do Tempo Real 7 Primeira Parte A Cidade Superexposta 2 Segunda Parte A Fratura Morfolégica 5s Terceira Parte A Arquitetura improvavel 81 Quarta Parte A Dimensio Perdida 101 Quinta Parte As Perspectivas do Tempo Real PRIMEIRA PARTE A CIDADE SUPEREXPOSTA. No inicio dos anos 60, em plena revolta dos guetos negros, o pre- feito da Filadélfia declarava: “A partir de agora as fronteiras do Esta~ do passam pelo interior das cidades”. Esta frase traduzia uma reali- dade politica para os cidadios americanos discriminados, mas sobre- tudo remetia a um contexto mais amplo, jé que “Muro de Berlim” bravia sido conclaido no dia 13 de agosto de 1961 bem no meio da capital do Reich, Desde entdo esta alirmativa nao deixou de se con- firmar: Belfast, Londonderry, once até bem pouco tempo algumas ruas contavam com uma faixa amarela separando 0 setor catélico do pro- testante, antes que ambas as partes se mudassem para mais longe, deixando um “no man’s land” cercado dividir ainda mais nitidamen- te suas residéncias. Depois veio Beirute, com seus setores Leste e Oes- te, suas fronteiras intestinas, seus tiineis ¢ avenidas minadas... Na ver dade, a fase do responsavel pela grande metrépole americana revela- vva ym fendmeno geral que atingia tanto as capitais quanto as cidades do interior, fondmeno de intvoversao forcada no qual a Cidade, assim como as empresas industriais, sofria os primeiros efeitos de uma eco- nomia multinacional, verdadeira reorganizagdo urbana que logo con- tribuiria para o esvaziamento de certas cidades operarias como Li- verpoo! ou Sheffield, na Gri-Bretanha, Detroit ou Saint Louis, nos Estados Unidos, ¢ Dortmund, na Alemanha. Este fendmeno se di ao ‘mesmo tempo em que outras aglomeragdes desenvolviam, em torno de um aeroporto internacional gigantesco, um METROPOLEX, comple- xo metropolitano semelhante ao de Dallas/Fort Worth. A partir dos anos 70, no inicio da crise econdmica mundial, a construcao destes ae- roportos seria, alias, submetida aos imperativos da defesa contra “pi- ratas do ar”. As construgées nao sio mais executadas segundo as restrigdes xécnicas tradicionais, 0 projeto passa a ser concebido em funcdo dos riscos de “contaminagao terforista” e a organizagao dos espaces € feita (© Espago Critic 7 a partir da distingdo ence zona estéril(pattida) ¢ zona ndo-estéril (che- gada). Todos os circuitos de carga (passageiros, bagagens, fete. © Suas rupruras, assim como os diferentes movimentos de eransito de- vein ser submetidos a um sistema de desvio do trafego (interioriexte- rior}, 4 forma arquitetural do prédio passando a traduzir menos a personalidade do arquiteto do que as precaucdes necessirias & seg: ranga piblica. Ultima porta do Estado, 0 acroporto torna-se, assim ‘como 0 forte, 0 porto ou a estacio de trem no passado, lugar de uma regulagao essencial das trocas e das comunicagSes e, partanto, espa go de uma forte experimentacao de controle e vigikincia méxima rea Tizada por uma “policia do ar e das fronteiras™, cujos feitos contra os terroristas iriam ganhar destague comt a tomada de reféns em Moga discio e a mobilizagio dos guardas de fronteita alemaes do GS.G9 a ilhares de quilémetros de sua jurisdigdo... Desde entdo ndo se trata ‘mais, como no passado, de isolar pelo encarceramento 0 contagioso 610 suspeito, trata-se sobserudo de ntercepté-lo em see trajeto a tempo de auscultat seus trajes e bagagens, dai a sibita proliferagio decameras, radares e detetores nos locais de passagem obrigatoria. Observemos ainda que as prisées francesas que possuem “setores de seguranga maxima” iriam ser equipadas com estes mesmos porticos magnéticos instalados ha alguns anos nos aeroportos, o equipamento da maior li berdade de deslocamento servindo paradoxalmente como modelo para ‘ode encarceramento penitencidrio. Em diversas areas residenciais ame~ ricanas, o policiamento € feito apenas através de um circuito fechado de televisio ligado ao posto (estagao? delegacia?) central da cidade, ‘Nos bancos, supermercados, assim como nas esttadas, onde os ped- gios espelham a antiga porta urbana, 0 rito de passagem nio € mais intermitente, tendo se tornado imanente, Nesta perspectiva sem horizonte na qual a via de acesso a cidade deixa deser uma porta ou um arco do triunfo para transformar-se em uum sistema de audiéncia eletrénica, 05 usuaitios sao menos os habitan- tes, residentes privilegiados, do que os interlocutores em transito per ‘manente. A partir de entdo, a ruptura de continuidade nao se da tanto no espago de um cadastro ou no limite de um setor urbano, mas prin- cipalmente na duragio, “durag4o” esta que as tecnologias avangadas € a reorganizacio industrial ndo cessam de modificar através de uma série de interrupgdes (Fechamento de empresas, desemprego, trabalho auténomo...) ede oculeagGes sucessivas ou simultaneas que organizam ¢ desorganizam o meio urbano 20 ponto de provocar 0 declinioe a de- 8 Paul Virlio y gradagio irreversivel dos locais, como no grande conjunto habitacional préximo a Lyon, ondea “taxa de rotatividade” dos ocupantes torno\ se elevada demnsis (um ano de permanéncia), contribuindo para a ra- na de um habitat que, entretanto, todos julgavam satisfat6rio. De fato, desde o cercado original, a nogio de limite sofreu mu- tagdes que dizem respeito tanto a fachada quanto ao aspecto de con- frontagao. Da paligada a tela, passando pelas maralhas da fortaleza, a superficie-limite nao parou de softer transformagbes, perceptiveis ou ‘nao, das quais a iltima é provavelmente a da interface. E interessante portanto abordar a questao do acesso Cidade de wma nova forma: 2 aglomeragio metropolitan possoi uma fachada? Em que momen- to a cidade wos faz face?’ A expressio popular “aller en ville”, que subs- titui a utilizada no século anterior “aller & la ville”, traduz pelo me- nos uma incerteza em relagio a0 face a face (como se bs niko estivés semos jamais diante da cidade, mas sempre dentro dela}. Se a metré- pole possui ainda uma localizagao, uma posigio geografica, esta néo se confunde mais com a antiga ruptura cidade/campo e tampouco com 2 oposicio centro/periferia. A localizagao e a axialidade do dispositi- vo urbano ja perderam ha muito sua evidéncia. Nao somente o subii- bio operou a dissolugao que conhecemos, mas‘a oposicéo “intramu- ros", “extramuras” dissipou-se com a revolugéo dos transportes ¢ © desenvolvimento dos meios de comunicagao ¢ telecomunicacao, dai esta nebulosa conurbacio de franjas urbanas. Assistimos de fato a um fe- némeno paradoxal em que a opacidade dos materiais de construcao se reduz a nada, £ a emergéncia das estruturas de sustentagao, a “pa- rede-cortina” em que a transparéncia ¢ a leveza de certos materiais (como o vidro e as plastificagbes diversas) substituem as pedras das fachadas no exato momento em que o papel vegetal eo plexiglas subs- situem a opacidade do papel nos projetos. © Por outro lado, com a interface da tela (computador, televisio, te- leconferéncia...) 0 que até entao se encontrava privado de espessura— a superficie de inscrigfo — passa a existir enquanto “distancia”, pro- fundidade de campo de uma representagio nova, de uma visibilidade sem face a face, na qual desaparece ¢ se apaga a antiga confrontacio de ruas ¢ avenidas: 0 que se apaga aqui é a diferenca de posico, com co que isto supe, com o passar do zempo, em termos de fusdoe confu- sito. Privado de limites oBjetivos, « rlemento arquitet6nico passa a estar ‘a deriva, a flutuar em um éter elesdnico desprovido de dimensies es- 0 Expago Critico ° paciais, mas inscrito na temporalidade tia de uma difusio instanta- nea. A partir de entio ninguém pode se considerar separado por obs +4culo fisico ou por grandes “distancias de tempo”; pois com a interfa chada dos monitorese das teas de controle o algures comeca aqui evice- versaEsta sibita eversao clos limites introduc, desta vez no espagoco- mum, 0 que até o momento era da ordem da microscopia: o pleno no existe mais, em seu lugar uma extensio sem limites desvenda-se em uma falsa perspectiva quea emissio luminosa dos aparelhosilumina. A partir dai oespaco consteuido participa de uma topologia eletronica na qual ‘oenquadramento do ponto de vista ea trama da imagem digital reno- ‘vam a nogao de setor urbano. A antiga ocultagao piiblica/privado ¢ & diferenciagio da moradia eda circulagio sucede-se uma superexposigao onde termina a separacao entre 0 “proximo” ¢ 0 “distante", da mes- ‘ma forma que desaparece, na vartedura eletrOnica dos microsc6pios, 1 separagdo entre “micro” e “macro”. ‘A representagao da cidade contemporiinea, portanto, iio é mais determinada pelo cerimonial da abertura das portas, o ritual das pro- cissies, dos desfiles, a sucessio de ruas ¢ das avenidas, a arquitetura urbana deve, a partir de agora, relacionar-se com a abertura de um Stespaco-tempo tecnolégico”. O protocolo de acesso da telematica sucede o do portio. Aos tambores das portas sucedem-se os dos ban- cos de dados, tambores que marcam os ritos de passagem de uma ‘cultura téenica que avanga mascarada, mascarada pela imaterialidade de seus componentes, de suas redes, vias e redes diversas cujas teamas no mais se inscrevem no espago de um tecido construido, mas nas seqiiéncias de uma planificagao imperceptivel do tempo na qual ainter- face homenVmaquina toma o lugar das fachadas dos iméveis, das su- perficies dos loteamentos... Se a abertura das portas da cidade murada estava antes ligada a alternancia entre o dia © a noite, devemos observar que, a pastir do ‘momento em que abrimos ndo somente a janela como também a te- levis, 0 dia modificou-se: ao dia solar da astronomia, ao dia incer- to da luz de velas ¢ a iluminacio elétrica acrescenta-se agora ws fal- so-dia eletrénico, cxjo calendério € composto apenas por “comuta- es” de informagées sem qualquer relagdo com o tempo real. Ao tempo que passa da cronologia ¢ da historia sucede portanto um tem- po que se expe instantaneamente. Na tela de um terminal, a dura- ‘a0 transforma-se em “suporte-superficie” de inscricdo, literalmente 10 Paul Virilio ou ainda cinematicamente: 0 tempo constitui superficie. Gragas 20 material imperceptivel do tubo catédico, as dimensoes do espaco tor- nam-se inseparaveis de sua velocidade de transmissio. Unidade de ugar sem unidade de tempo, a Cidade desapasece entao na hetero- geneidade do regime de temporalidade das tecnologias avangadas? A forma urbana nao € mais expressa por uma demarcacio qualquer, uma linha diviséria entre aqui e além, tornow-se a programagio de um *horério”, Nela, a entrada indica menos um ponto de passagem obrigatoria do que um protocolo audio-visual em que o piiblico € os indices de audiéncia renovam a acolhida do pitblico, a recep¢io mun- dana: Nesta perspectiva em “trompe-Voeil”, na qual 0 povoamento do rempo de transporte e de transmisséo suplanta 0 povoamento do espaco, a habitagao, a inércia tende a renovar a antiga sedentariedade, a persisténcia das areas urbanas” Com os meios de comunicacao ins- tantnea (satélite, TV, eabos de fibra ética, telemitica..) a chegada suplanta a partida: tudo “chega” sem que seja preciso partir. Real mente, se ainda orem a aglomeragio urbana opunha uma popula- fo “intramuros” a uma populagao exterior, atualmente a concentra- io mettopolitana apenas opée seus moradores no tempo: tempo das Tongas duragGes histéricas que se identifica cada vez menos ao “cen- tro da cidade” mas sim a alguns poucos monumentos eo tempo de uma duragdo técnica, sem comparago com qualquer calendério de atividades ou meméria coletiva (3 excegio da meméria dos compo- tadores}, duragio que contribui para a instauracao de um presente ‘permanente cuja intensidade sem fururo destréi os ritmos de wma so- ciedade cada vez mais aviltads. "Monumento?” Nao tanto o pértico aberto, 0 corredor monumental pontuado por construgdes suntuosas, mas a ociosidade, 2 monumental espera de prestagoes de servigo fren ze aos aparethos, mAquinas de comunicagao ou de telecomunicagao ante das quais cada um se ocupa enquanto espera... filas de espera nos pedagios das esteadas, check-lists dos comandantes de bordo, me- sa-de-cabeceira dos consoles da tele-informatica! No fim das contas, a porta € aquilo que transporta veiculos, vetores diversos cujas rup- turas de continuidade compdem menos um espago do que uma espé- Cie de contagem regressiva em que a urgéncia do tempo de trabalho aparece como centro do tempo ¢ o tempo livre das férias, do desem- prego, come tempo de uma periferia, subsirbio do tempo, aplaina- mento das atividades no qual cada um é exilado em uma vida priva- da, em todos os sentidos do termo. © Espago Critico u Se, apesar das promessas dos arquitetos p6s-modernos, a cidade ‘encontra-se privada de portas a partir de agora, € porque ha muito os limites urbanos deram origem a uma infinidade de aberturas, ruptu- ras e fechamentos, certamente menos aparentes que os da Antigiiida de, mas igualmente priticos, constrangedores e segregativos. A ilusio da revolugao industrial dos transports nos enganou quanto ao aspecto ilimitado do progresso. A organizagio industrial do tempo compen- sou insensivelmente o esvaziamento dos teritérios rurais,Se no século XIX a atragio cidadelcampo esvaziou o espago agrario de sua subs- tincia (cultural e social), no final do século XX ¢ a vez do espaco ur- bano perder sua realidade geopolitica em beneficio tinico de sistemas instantineos de deport cessantemente as estruturas sociais: deportagio de pessoas no rema- nejamento da produgdo, deportacao da atencio, do face a face humano, do contato urbano, para a interface homem/maquina. Todos estes fatores participam de fato de um outro tipo de concentraczo, concen tracio “pés-urbana” e transnacional cuja existéncia pode ser consta- tada por diversos acontecimento recentes. ‘Apesar do encarecimento constante da enengia, as classes médias americanas abandonam as aglomeracoes da regiao leste do pais. De- pois da degradacao dos centros das grandes cidades transformados em guetos, trata-se agora da deterioracdo das cidades como centros de regibes. De Washington a Chicago, de Boston a Saint Louis, no Missouri, 8 grandes centros urbanos se despovoam. A beira da faléncia, Nova York perdeu na tiltima década 10% de sua populacio. Quanto a Detroit, cidade viu desaparecer mais de 20% de seu habirantes, Cleveland 23%, Saint Louis 27%... alguns baittos destas cidades jd assemelham-se as Cidades-fantasmas imortalizadas pelo cinema americano. Preniincios de uma iminente desurbanizagio “pés-industrial”, este éxodo deverd atingir cada um dos paises desenvolvidos. Previsi- vel ha cerca de 40 anos, esta desregulamentagao na organizagio do espago origina-se de uma ilusdo (econdmica e politica) sobre a persis~ téncia das dreas construidas na era da organizacao (automével) do tempo, na época do desenvolvimento das técnicas (audiovistais) da ersisténcia retiniana, “Toda superficie € uma interface entre dois meios onde oct ‘uma atividade constante sob forma de troca entre as duas substancias ostas em contato.” 2 Paul Visto cuja intensidade tecnolégica perturba in- Esta nova definicio cientifica da nogio de superficie demonstra a contaminagéo em vias de se concretizar: a “superficie-limite” torna: seuuma membrana osmotica, um mata-borrao... mas ainda que esta eti- mologia seja mais rigorosa do que as anteriores, nem por isso € menos sintomatica no que diz respeito a uma mutagio na nogao de limitagao. A limitacao do espaco torna-se comutacdo, a separacio radical trans- forma-sc em passagem obrigatoria, transit de uma atividade constant, atividade de trocas incessantes, transferéncia entre dois meios, duas subs- tancias. O que até entao era a fronteira de uma materia, o “terminal” de um material, torna-se agora uma via de acesso dissimulada na en- tidade mais imperceptivel. A partir de agora a aparéncia das super ficies esconde uma transparéncia secteta, uma espessura sem espesst ra, um volume sem volume, uma quantidade imperceptivel Se esta situagéo corresponde & realidade dos fatos no que diz respeito a fisica do infinitamente pequeno, também se aplica ao infi- hitamente grande: se 0 que, visivelmente, nao era nada torna-se “al- guna coisa”, inversantente, a maior distancia nao oculta mais a per- cepcao; a extensiv gcofisica mais vasta se contrai, se concentra. Na interface da tela, tudo jd se encontra Ié, tudo se mostra na imediatez dde uma transmissao instantinea. Quando, por exemplo, Ted Turner decide, em 1980, criar em Atlanta a CABLE NEWS NETWORK, uma cade‘a de televisio destinada a assegurar a transmissio de noticias ao vivo 24 horas por dia, ele transforma 0 apartamento de seus assinantes em uma espécie de “central dos acontecimentos mundiais" = Gracas aos satélites, a janela catédica traz a cada um dos assi- nantes, com a luz de um outro dia, a presenca dos antipodas. Se 0 espaco é aquilo que impede que tudo esteja no mesmo lugar, este con- finamento brusco faz.com que tudo, absolutamente tudo, retorne a este “lugar”, a esta localizagio sem localizagio... 0 esgotamento do rele vo natural e das distancias de tempo achata toda localizagio e posi ‘edo, Assim como 0s acontecimentos retransmitidos ao vivo, os locais tornam-se intercambidveis a vontade. A instantaneidade da ubiqiiidade resulta na atopia de uma inter face tinica. Depois das distancias de espago e de tempo, a disténcia- telocidade abole a nocio de dimensio fisica. A velocidade torna-se subitamente uma grandeza primitiva aquém de toda medida, tanto de tempo como de lugar. Esta desertificagao equivale de fato a um mo- mento de inércia do meio. A antiga aglomeragio desapatece entio na intensa aceleracdo das teldcomunicagdes para gerar um novo tipo de 0 Eepago Critioo B concentragdo: a concentragao de uma “domicilizacio” sem domicilio fem que os limites da propriedade, as cercas ¢ as divisérias sio menos ‘obstiiculos fisicos permanentes do que interrupgdes da cmissio ou de ‘uma zona de sombra eletrOnica que renova aguela do ensolaramento, a sombra derivada dos iméveis... Uma estranha topologia se dissimu- la na evidéncia das imagens televisadas. Aos projetos do arquiteto sucedem-se 05 planos-seqiiéneia de uma montagem invisivel. Onde a organizagao do espaco geogrifico se estruturava a partis da geome- tria de uma demarcagzo (rural ou urbana}, a organizacéo do tempo se di a partir de uma fragmentagio imperceptivel da duragao técnica, conde os cortes eas interrupedes momentineas substituem a ocultagio durdvelya “grade de programas” substituindo a grade das cercas, as- sim como, no passado, 0 guia das estradas de ferro havia substituido as folhinhas (calendétios). A cmera tornou-se nosso melhor inspetor”, declarava John F. Kennedy, pouco antes de ser assassinado em uma rua de Dallas... Efe- tivamente, a camera nos permite hoje assistir, ao vivo ou nao, determi- nados acontecimentos politicos, certos fernémenos oticos, fendmenos de fratura nos quais a Cidade se deixa ver como um todo, fendmenos de difragao, também, em que a imagem da Cidade repercute para além da atmosfera, até os confins do espago, isto tido ne momento em que o endoscépio ¢ o scanner tornam visiveis 05 confins da vida. Esta su- erexposigao atrai a nossa atengao na medida em que define a imagem cde um mundo sem antipodas, sem faces ocultas, onde a opacidade néo énada alem de um “interlidio” passageiro, Observemos no entantoque a ilusio proxémica nao dura muito, I onde a polis naugurou um tea- to politico com a égora eo forum, hoje nada resta além de uma tela ccat6dica onde se agitam as sombras, os espectros de uma comunidade em vias de desaparecimento, onde o cinematismo propaga asiltima apa- réncia de urbanismo, a Glrima imagem de um urbanismo sem urbani- dade em que o tato eo contato cedem lugar a0 impacto televisual: nao somente a “teleconferéncia”, que permite comunicagées a distancia, com ‘o progresso inerente & auséncia de destocamento, mas tambéma “tele negociagéo” que permite, a0 contrario, tomar distancia, discutir sem se encontrar com seus parceiros sociais, onde existiria no entanto uma proximidade fisica imediata, em uma situacio de certa forma semelhante A dos manfacos do telefone, para os quais a situacdo favorece o desvio da linguagem, 0 anonimato de uma agressividade telecomandada... M Paul Virlio 4 Onde comega portanto a cidade sem portas? Provavelmente nos espititos, nesta ansiedade passageira que acomete aqueles que voltam de um longo feriado diante da perspectiva de noticias indesejadas, com o risco de um arrombamento, da violagao de sua propriedade. Ou talver, inversamente, no desejo de fugir, de escapar por um momento de um ambieote técnico opressor para se reencontrar, Se Fecuperar um pout co.Mas ai também, se a evasio no espago € freqientemente possivel, a escapada no tempo nao o é mais. A menos que se considere o licen- ciamento como uma “porta de saida”, forma iltima das férias pagas, a fuga adiante no tempo provém de uma ilusdo “pés-industtial”, cujos aleficios ja podem ser sentidos, Desde j, a teoria do “salério em re- sgime de time-sharing” nos introduz a uma outca dimensio da comuni- dade 20 oferecer a todos uma alternativa em que o emprego do tempo compartithado poderia resultar em uma nova diviséo do uso do espaco, © dominio de uma periferia sem fim em que o homeland ea colonia de povoamento substituiriam a cidade industrial e seu subtitbio sobre este tema, ver o COMMUNITY DEVELOPMENT PROJECT, que favorece o surgimento de projetos de desenvolvimento locais baseados nas forgas das préprias comunidades e destinados a reabsorver as ivwex-crrtssinglesas). ‘Onde comecao limite do além-cidade? Onde se estabelece a porta sem cidade? Provavelmente nas novas tecnologias americanas de des truigao instanténea de imoveis de grandes dimensoes (implosao), am- bbém prentincio de uma politica de demolicao sistematica dos conjun= tos habitacionais considerados “no conformes ao novo modo de vida” dos franceses, como ocorreu em Vénissieux, em La Cournenve ou etn Gagay....Um estudo econdmico realizado recentemente pela “Associacio para o Desenvolvimento da Comunicagao” chegou.s seguintes conclu- -A destruigao de 300 mil residéncias em cinco anos custaria 10 ssde francos por ano, mas permitiria a criago de 100 mil empre- 0s. Mais que isto, no final da operacio demoligdo/reconstrugao,as re ceitasfiscais superariam em 6 10 bilhdes a verba piblica investida”. Aqui se coloca uma tltima questio: a demoligao das grandes ci dades estaria prestes a substituir, em periodos de graves crises, a tra- dicional politica de grandes obras puiblicas.. Se este for 0 caso, no distinguiremos mais a diferenga de natureza entre a recessio (econd- mica, industrial) e a guerra. Arquitetura ou péscarquitetura? Definitivamente o debate em toro ‘da modernidade parece participar de um fendmeno de desrealizaclo que 0 Espago Critico a5 tinge, de uma s6 vee, as disciplinas de expresso, as formas de repre- sentagao ¢ de informagio,/A arual polémica em relagao a0 MEDIAS, que ‘surge aqui e ali em funcio de determinados acontecimentos politicos ‘ede sua comunicagio social, envolve igualmente a expressio arquite- tural, que nao pode ser adequadamente desvineulada do conjunto de sistemas de comunicacao, na medida em que esté sempre sofrendo are percussio direta ou indircta dos diversos “meios de comunicagao” (au tomvel, audiovisual, etc.). N2o esquegamos que, a0 lado das téenicas, de construc, est a construgao das técnicas, oconjunto de mutagbes espaciais e temporais que reorganizam incessantemente, com ocampo do cotidiano, as representacbes estéticas do territ6rio contemporiineo. Oespaco construido no 0 é exchusivamente pelo efeito materiale con- creto das esteuturas construidas, da permanéncia de elementos e mar~ cas arquiteturais ou urbanisticas, mas igualmente pela stibita prolife- ragio,a incessante profusio de efeitos especiais que afetam a consciéncia do tempo ¢ das disténcias, assim como a petcepgio do meio, ’ Esta desregulamentacdo tecnolégica dos diversos meios ¢ tam- bém “topolégica” na medida em que constr6i no mais wim caos sen- sivel e bem visivel, como o fazem os processos cle degradagio e des- teuigGo (acidente, envelhecimento, guerra...) mas, a0 contrério € pa- radoxalmente, produz uma ordem insensivel, invisivel, mas to priti- cca quanto a da construcio civil ou das vias de esgoto. Hoje é até mais provaivel que aquilo que persistimos em denominar UanaNisMo seja com- posta/decomposto por estes sistemas de transferéncia, de trésito e de transmissio, estas redes de transporte e transmigragao cuja configu- ragiio imaterial renova a da organizagio cadastral, a da construsdio de monumentos. Atualmente, se ainda existem “inonumentos”, estes nio so mais da ordem do visivel, apesar das idas e vindas da insensatcz arquitetural, esta “despeoporcdo” inscreve-se menos na ordem das aparéncias sensiveis —a estética da aparicdo de volumes reunidos sob ‘© sol — do que na obscura luminescéncia dos terminais, consoles e outras “mesas-de-cabeceira” da eletronica. Esquecemo-nos rapido demais que, antes de ser um conjunto de récnicas destinadas a perm tir que nos abriguemos das intempéries, a arquitetura € um instrumento de medida, um saber que, ao nos colocar no mesmo plano que 0 am biente natural, é capaz de organizar 0 espago € 0 tempo das socieda- des. Ora, esta faculdade “geodésica” de defini uma wnidade de tem- po # espaco para as atividade entra agora em conflito diteto com as capacidades estruturais dos meios de comunicagdo de massa, 6 Paul Virlio _4 ' Confrontam-se aqui dois procedimentos: um deles bem material, constituido de elementos fisicos, pared, limiares ¢ niveis, todos pre~ cisamente focalizados; 0 outro, imaterial, do qual as representagdes, imagens ¢ mensagens nio possuem qualquer localizagio ou estabili- dade, jé que sio vetores de uma expresso momentanea, instantanea, com tudo aquilo que esta condigao pressupde em termos de manipu- lagio de sentido, de interpretagoes ertOneas. primeiro, arquitetdnico e urbanistico, que organiza ¢ constréi duravelmente o espaco geografico e politico; o outro que organiza © desorganiza indiscriminadamente espago-tempo, 0 continsan das sociedades. Evidentemente nao se trata aqui de wi julgamento mani ueista opondo a fisica & metafisica, mas somente de tentar vishim- bar o status da arquitetura contemporénea, em particular da arqui- tetura urbana, em meio ao desconcertante concerto das tecnologias avangadas. Se o arquiteténico se desenvolveu com 0 avango da cida de, da descoberta e colonizagio de novas terras, desde que esta con- quista foi concluida, a arquitetura nao parou de regredir, acompanhan- do a decadéncia das grandes aglomeracbes. Sem deixar de investi em equipamento técnico interno, a arquitecura introvertew-se aos poucos, transformando-se em uma espécie de galeria de maquinas, a sala de exposicdes das cigncias e das técnicas, téenicas derivadas do maqui- nismo industrial, da revolucéo dos transportes ¢ finalmente da céle- bbre “conguista do espaco”. Por sinal, & bastante revelador constatar que, quando falamos hoje em tecnologias do espaco, nao se trata mais de arquitetura, mas somente da engenharia que pode nos enviar para além da atmosfera. Tudo isso como se 0 arquiteténico fosse apenas uma téenica sub- sididria, ultrapassada por aquelas que permitem 0 deslocamento ace- lerado, as projecées siderais. Existe ai uma interrogagio sobre a natu- reza das performances arquiterurais, sobre a fungao tehirica dos do- minios construidos a relagdo de uma determinada cultura técnica com o solo. O préprio desenvolvimento da cidade como conscrvat6- rio das tecnologias antigas contribuiu para multiplicar a arquitetura, projetando-a em todas as direcoes do espaco, com a concentracio demografica ¢ 0 extremo adensamento vertical do meio urbano, ten- déncia que, observemos, sed a0 inverso da organizagio agriria, Desde envio, as ecnologias avancadas nao deixaram de prolongar este “avan- 0”, esta expansio indiscriminada sobre todos os niveis do arqui- tetOnico, particularmente com o progresso dos meios de transporte. 0 Espago Cx 7 Atualmente, as tecnologias de ponta nascidas da conquista militar do ‘espago projeram na Grbita dos planetas as residéncias ¢, quem sabe, no futuro, a propria Cidade. Com os satélites habitados, os Gnibus es- paciais ¢ as estacdes orbitais, locais privilegiados para as pesquisas tecnolégicas avangadas e a indistria de gravidade zero, a arquitetura levanta véo, 0 que nao deixa de ter conseqiéncias para 0 futuro das sociedades, Sociedades pés-industriais cujas referéncias culturais ten dem a desaparecer uma apés as outras com o declinio das artes ¢ a lenta regressdo das tecnologias basicas. | «~ Estaria a arquitetura urbana prestes a se transformar em uma tecnologia tao ultrapassada quanto a da agricultura extensivat (dai os danos da conurbacao). Seria 0 arquiteténico nada mais do que uma forma degradada de exploracao do solo com conseqiiéncias andlogas as da exploragao excessiva das matérias primasi ‘A decadéncia de diversas metrpoles nao seria 0 indicio do deci nio industrial e do desemprego forcado?, o simbolo do impasse do muterialismo cientifico... Aqui, 0 recurso & Histéria, tal como proposto pelos adepros da “pés-modernidade”, é um simples subrerfiigio que ‘permite evitar a questo do Tempo, do regime de temporalidade “trans hist6rica” nascido dos ecossistemas técnicos.'Se € possivel falar de crise hoje em dia, esta é, antes de mais nada, a crise das referéncias (éticas, estéticas), a incapacidade de avaliar os acontecimentos em um meio em que as aparéncias estdo contra nds. O desequilibrio crescente en~ tre a informagdo direta e a informagio indireta, fruto do desenvolvi- mento de diversos meios de comunicacao, tende a privilegiar indiscri- minadamente toda informacao mediatizada em detrimento da infor- magao dos sentidos, fazendo com que o efeito de real pareca suplan- tar a realidade imediata."A crise das grandes narrativas da qual nos fala Lyotard denuncia aqui o efeito das novas tecnologias, que enfa- tizam mais 0s “meios” do que os “fins”.» AAs grandes narrativas de causalidade tebrica sucederam-se assim ‘as pequenas narrativas de oportunidade pratica e, finalmente, as narrativas de autonomia. A questo que se coloca, portanto, nao é mais ada “crise da modernidade” como declinio progressive dos ideais comuns, protofundacao do sentido da Histéria, em beneficio de nar- rativas mais ou menos restritas ligadas ao desenvolvimento auténo- mo dos individuos, mas antes a questio da rarrativa em si, ou scja, de um discurso ou modo de representacao oficial, herdeiro da Renas- 8 Paul Virilio cenga ¢ até o momento ligado a capacidade universalmente reconhe- cida de dizer, descrever ¢ inscrever 0 real, Desta forma, a erise da no~ do de “narrativa” se mostra como a outra face da crise da nogio de “dimensao” como narrativa geometral, discurso de mensuragio de um real visivelmente oferecido a todos, A crise das grandes narrativas que dew lugar ats micronarratinas revela-se finalmente como a crise da narrativa do “grande”, bem como do “pequeno”, advento de uma desinformagio em que a desmesura ¢ 2 incomensurabilidade estariam para a “pés-modernidade” assim como 2 resolugio filosdfica dos problemas ea resolucao da imagem (pictorial, arquitetural...)estiveram para o nascimento das “luzes” A crise da nogio de dimensao surge portanto como a crise do in- teiro, ou seja, de um espago substancial, homogénco, herdado da geo- ‘metria grega arcaica, em beneficio de um espago acidental, heterogé- ‘neo, em que as partes, as fragdes, novamente tornam-se essenciais, ato mizacdo, desintegragao das figuras, dos referenciais visiveis que favo- recem todas as transmigragoes, todas as transfiguracées, mas sempre a custo da topografia urbana, assim como as paisagens e 0 solo paga- ram o prego da mecanizacao dos empreendimentos agricolas. Esta stibita fratura das formas inteiras, esta destruigao das propriedades do Ainico pela industrializagio, entretanto, nao é tdo perceptivel no espa- 90 da cidade, apesar da desestruturacio dos subirbios, quanto no tem. o, na percepcio seqitencial das aparéncias urhanas. De fato, hd mui- fo a transparéncia tomou o lugar das aparéncias; desde o inicio do século XX a profundidade de campo das perspectivas elissicas foi renovada pela profundidade de tempo das técnicas avangadas. O de- senvolvimento da industria cinematografica ¢ da aeronautica seguiu de perto a abertura dos grandes bulevares. Ao desfile haussmaniano sucedeu-se 0 desfile acelerado de imagens dos irmaos Lumiére, a espla- nada dos Invalides sucedeu-se a invalidacdo do plano urbano,4 tela bruscamente tornou-se o local, a encruzilhada de todos os meios de _- comunicagio de massa. “ Da estética da aparigie de uma imagem estavel, presente por sua propria estitica,& estética do desaparecimento de uma imagem insté- vel, presente por sua fuga (cinemtica ou cinematogrsfica), assistimos a uma transmutacdo das representagdes."A emergéncia de formas € volumes destinados a persistir na duragio de seu suporte material, <— sucederam-se imagens cuja inica duragio éa da persisténciaretiniana...* Finalmente, bem mais do que a Las Vegas de Venturi, Hollywood © Fipago Critico w ‘merecia uma tese de urbanismo, jé que se tomo, depois das cidades- teatro da Antigiidade e da Renascenga italiana, a primeita cisecsr®a, a cidade do cinema-vivo onde fundiram-se, até 0 delitio, 0 cendrio a realidade, os planos de cadastro ¢ os planos-seqiiéncia, os vivos ¢ os mortos-vivos. Agud, mais do que em qualquer owtra parte, as tecro~ logias avancadas convergiram para moldar wn espaco-tempo sintéti- co. Babilénia da destealizagio filmica, Hollywood foi construida bairro por bairro, avenida por avenida, sob o crepisculo das aparéncias, 0 sucesso de procedimentas ilusionistas, o impulso de produgdes espe- taculares como as de D.W. Griffith, em um prentincio da urbaniza- ‘cdo megalmana da Disneylindia, Disneyworld e rYCOT-CENTER. Hoje, quando Francis Ford Coppola realiza “O Fundo do Cora- io” (One From the Heart) inerustando seus atores, através de um processo eletrOnico, nos planos de uma Las Vegas em tamanho natu- ral reconstruida no estiidios da Zoetrope Company, em Hollywood, simplesmente porque ndo queria que suas filmagens se adaptassem it cidade real, mas sim que esta se adaptasse ds suas filmagens, cle ultea- passa em muito Venturi, ao demonstrar menos a ambigiidade arqui- tctural contemporinea do que a caracteristica “espectral” da cidade ede seus habitantes. A “arquitetura de papel” dos utopistas do anos 60, acrescenta- se hoje esta arquitetura video-eletrdnica dos efeitos especiais de um Harryhausen ou de uma Trumbull, isto se dando no exato momento em que o computador dotado de tela passa a fazer parte dos escritd- rios de arquitetura... “O video nao é eu vejo, mas ev v0", explicava ‘Nam June Paik. Com esta tecnologia, 0 “sobrevio” nao € mais o da altitude te6rica, ou seja, da escala dos planos, romou-se antes um “s0- bbrevdo” de uma interface dtico-eletrénica funcionando em tempo zeal, com tudo o que isto supde em termos de redefinigao da imagem. Se a aviagiio — que, observemos, surgi no mesmo ano que o cinema — determinou uma revisio do ponto de vista, uma mutagio radical da percepgio do mundo, as técnicas infogrificas, por sua vez, irdo im- plicar um reajuste do real ede suas representagdes. E, aliés, o que pode ser verificado com 0 TACTICAL MAPMING SYSTEM, Videodisco realizado pela agéncia para projetos de pesquisas avangadas do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Com esta tecnologia € possivel observar continuamente a cidade de Aspen acelerando ou reduzindo a veloci- dade de projegao das 54 mil imagens, modificando os sentidos € as. stages do ano como se troca de canal na televiséo, transformando a 20 Paul Virilio I ipieraianemmasieenctcncansiesssonc cidade em uma espécie de tine! balistico em que se confundem as nogdes de olho e arma De fato, se ontem 0 arquiteténico podia ser comparado a geolo- ia, a tectonica dos relevos naturais, com as pirdmides, as sinuosida- desneogoticas, de agora em diante pode apenas ser comparado as ténicas de ponta, cujas proezas vertiginosas aos exilam do horizonte terrestre, Neogeologia, “sonumenr valzy” de uma era pseudo-litica’ hoje a metrOpole é apenas uma paisagem fantasmética, 0 fossil de socieda des passadas em que as técnicas encontravam-se ainda estreitamente associadas a transformacao visivel dos materiais ¢ das quais as cién- cias nos desviaram progressivamente. ’ © Expago Crtico a SEGUNDA PARTE: AFRATURA MORFOLOGICA “Em politica, diferentemente da fisica, percepgdes sao fatos”, esereveu Lionel S. Johns, diretor-adjunso do Office of Technology Assessment do Senado.dos Estados Unidos... Quem negaria hoje que a POLS, que emprestou sua etimologia & palavra POLITICA, pertenga a0 dominio dos faros da percepgio? Se, de agora em diante, pode-se vis- jumbrar tao facilmente 0 desaparecimento das cidades na estratégia nuclear anticidade ou na reorganizacio pés-industrial € porque hi quatro décadas a imagem da cidade esfumagou-se ¢ dissipou-se a ponto de, hoje, ndo ser nada mais do que uma lembranga, uma rememoragao da unidade de vizinhanga, unidade esta que ver sofrendo continua mente 08 efeitos da mutagio dos meios de comunicagio de massa, enquanto nao desaparece no éxodo pés-industrial, no exslio de un ddesemprego estrurural causado pela roborizacio, o reino soberano das maquinas de transferéncia. Atualmente, a aboligio das distancias de tempo operada pelos diversos meios de comunicagao e telecomunicagio resuitou em uma confusdo cujos efeitos (diretos ¢ inditetos) sio sofridos pela imagem da cidade, efeitos de torcio e distorcao iconolégicas cujes referencias mais fundamentais desaparecem uma apés as outras: referéncias sim- bolicas e hist6ricas, com o dectinio da centralidade, da axialidade uz- bana referéncias arquitetdnicas, com a perda de significado dos equi- pamentos industriais, dos monumentos, mas, sobretudo, referéncias geomeétricas, com a desvalorizagao do antigo recorte, da antiga tepar- tigdo das dimensdes fisieas. A supremacia recuperada pela distincia-velocidade (act 8 SEGUNDO, NANO-SEGUNDO, etc.) sobre o espago (km) e 0 tempo (kre/h) restaura esta “grandeza primitiva”, vetor privilegiado da organizagio pré-geométrica do espago, ¢ contribui assim para dissolver a estrutu- ragao tradicional das aparéncias, a percepcao comum do espago sen- sivel, estruturacao esta fundada desde a Antigiiidade sobre os méritos 2 Paul Visio i ¢ t mnemotécnicos da geometria de Euclides, geometria das superficies regradas, regradas ou antes “reguladas” pelo sistema de dimensdes, pela decupagem de um cosMos em que a medida das superficies do- minava, tanto em termos de extensdo geografica ¢ do cadastro (urba- no e rural) quanto na reparti¢ao arquitetonica dos elementos cons- tuidos. Hoje, é esta visio de mundo dominada pela ortodosxia orto- -gonal que se perde em uma apercepcao na qual a nogio de dimensio fisica petde progressivamente seu sentido, seu valor analitico enquanto decupagem, desmontagem da cealidade perceptiva, em beneficio de outras fontes de avaliagao eletronica do espaco e do tempo que nada témt em comum com as do pasado. A partir de agora assistimos (a0 vivo ou no) a uma co-1RoDU- ccho da realidade sensivel na qual as percepgdes ditetas e mediatizadas se confundem para construir uma representagao instantanea do espa 0, do meio ambiente, Termina a separacio entre a realidade das dis- tincias (de tempo, de espago} e a distanciagio das diversas represen tagies (videogrificas, infogrficas). A observagao direta dos fendme- nos visiveis € substituida por uma releobservago na qual o observa- dor nao tem mais contato imediato com a realidade observada. Se este sibito distanciamento oferece a possibilidade de abranger as mais vastas extensGes jamais percebidas (geograficas ou planetitias), 20 mesmo tempo revela-se arriscado, jd que @ auséncia da percepgao ime- diata da realidade conereta engendra um desequilibrio perigoso entre ‘o sensivel co inteligivel, que s6 pode provocar ertos de interpretagio tanto mais fatais quanto mais os meios de teledetecco e telecomuni- cagao forem performativos, ou melhor: videoperformativos. Diante desta desregulamentagao das aparéncias, a orientagao do ponto de vista é menos a da angulacao das superficies e das superti- cies da geometria ndo-euclidiana do que a da incidéncia {topol6gica e iconol6gica), da auséncia de um intervalo de tempo nas transmissdes retransmiss6es das imagens televisadas. Aqui a grandeza primitiva do vetor velocidade reassume sua funcdo na redefinigdo do espago sensivel: a profundidade de tempo (da teleologia ético-eletrOnica) su- planta a antiga profimdidade de campo da topologia © ponto de fuga, centro onipresente do antigo olhar em perspec- tiva, dé lugar instantaneidade televisada de uma observagao prospec- tiva, de um olhar que transpassa as aparéncias das maiores distancias, dos mais vastos espacos. Nesta experiéncia final de espago que subverte a ordem de visibilidade surgida no Quattrocento, assstimos (ao vivo 0 Espago Critica 2B ‘ow nao) a uma espécie de teleconquista das aparéncias que prolonga 0 feito da funeta de observacio de Galilen. Qualquer que seja 0 vetor da conquista espacial (navio, submarino, veteulo areo, foguete ou saté= lie de observacao...}, a maquina de observagio€ menos 0 veiculo, oapa- relho de deslocamento fisico dos observadores do quea imagem, uma imagem televisionada, Com efeito, esta itima tende a tornar-se 0 nice vetor, em detrimento da engenharia dos transportes. Quaisquer que sejam suas performances motoras, os novos vei aulos sito hoje ultrapassados pela “videoperformance” da transmissi0 das imagens, a representacao instantinea de dados (camera ultra-ré- pida capaz de apreender um milhio de imagens por segundo, equipa- mento de teledetecgio, camera de alta definigdo decimétrica dos saté- lites espides, termografia infravermelha, imagem de radar, tc.) Diante desta siibita facilidade de passar sem transicZo ou espera da percepgio do infinitamente pequeno para a percepcao do infinita- ‘mente grande, da imediata proximidade do visivel para a visibilidade do que esté para além do campo visual, a antiga distingao entre as dimensdes desaparece: a decupagem dimensional da geometria arcai- ca, que afirmava que 0 ponto corta a linha, que alinha corcaa super- ficie e que esta tiltima, por sua ver, recorta os volumes, perde uma parte de sua eficacia pratica. A transparéncia torna-se evidente, wna evidéncia que reorgani- a.a aparéncia ea medida do mundo sensivel e, portanto, muito em breve, sua figura, sua forma-imagem., A tiltima “decupagem” no é tanto o resultado das dimensées fisicas, mas antes o da selegao das velocidades, velocidade de percep- a0 e representagio (redurida, acelerada) que decupam a profundidade de tempo, a tnica dimensio temporal, De fato, a transparéncia (tele- visada} substitui a aparéncia do olhar direto, a aparéncia sensivel dos objetos sofre a transmutacdo da teleobservagio ¢ da telecomunicagao dos dados da imagem, de uma imagem globatizante, que visa suplan- tar definitivamente as percepcdes imediatas, com os riscos de pertur- bagao iconolgica que isto implica. A homogeneidade sinéptica resul- tante da geometria do ponto de vista, assim como 0 aspecto niulti- temporal dos dados registrados, abole a abordagem descritiva que freqiientemente prevaleceu no dominio cientifico, dando lugar 3 uma apercepgio quantitativa que participa do cardter essencialmente tedu- tor da andlise estatistica. E ainda significative observar a importancia readquirida pelo Ponto na imagem eletrénica, como se a dimensio O ey Paul Visiio sevens Atnuiaiailicigeai ag tides ss eS ata Uail ; reassumisse subitamente sua importincia digital, em detrimento da linha, da superficie e do volume, dimensées analégicas ulirapassadas. Se a cartografia fotogritica aérea do IGN divide, por exemplo, o territ6rio francés em uma sucesso de 1.100 retangulos, cada qual subdividido em 40 retingulos, a teledeteegio por satelite refere-se a ‘uma unidade de medida, 0 XFL, pequeno elemento de imagem que cor responde, de certa forma, a0 gro forogritico: “Desta forma, cada ima- gem captada por um dos sistemas de teledetecga0 do satélite LANDsAt, cobrindo uma superficie de 185 x 185 km, écomposta por 7.581.000 rxits, representando cada um meio hectare. A cada um destes mxets sio atribuidos quatro valores no sistema de varredura MULTIESPECTRAL {MSS}, o que resulta em 30,324,000 valores. Trés passagens sucessi vas do satélite fomecem assim mais de 90 milhaes de valores. Como cada vixts, pode ser examinado em termos de suas relagdes com seus ito vizinhos imediatos, a andlise de uma dnica extensio limitada a 185 X 185 km pode assim proporcionar 0 exame de diversas cente- nas de milhdes de informagoes.”" ‘Uma vez que uma tal profusto de dados s6 pode ser analisada pela informatica, a separacao entre o sensivel o inteligivel aumenta cada vex mais. O mesmo se dé com a definigo das imagens da televi- slo clissica (tela catédica de 625 linhas), que cada uma delas recine cerca de 400 mil pontos ou “elementos discretos” (1.000.000 pata 819 linhas). Com os efeitos especiais e as trucagens da eletronica digital, cada um destes elementos possui um dado particular, o que autoriza, dentro do que se conhece como meméria de trama, deformagdes con- ténuas ou descontinuas, deslocamentos parciais ou totais da imagem assim obtida. As cltimas pesquisas sobre as telas planas, telas desti- nadas a uma grande disseminacio devido as caracteristicas comple- mentares de suas possibilidades, a um s6 tempo de maximnizarao (telao) ¢ de miniaturizagao (TV de bolso), gitam em torno dos problemas de ‘qualidade da imagem, qualidades de exibigao dtico-eletrdnica que te- sulram da natureza ¢ do tipo de varredura: varredura mecinica da imagem nas origens da televisto (1930), varredura eletrénica da tela ccatédica classica, autovarredura eletro-6tica das telas a plasma (19601 70} ¢, por fim, hi pouco tempo, telas fluorescentes nas quais perde- mos a varreduta eletronica, jé que so necessirios tantos elétrons quan- to forem os pontos na imagem... ‘Além do mais, 6 no minimo revelador que se encontre, tanto na teledeteceio por satélite qGanto na constituicdo das imagens da tele- © Bspago Critico 25 os visdo, esta mesma varredura eletrOnica (varredura da paisagem ou das imagens, tanto faz), como se a fusdo/confusdo do infinitamente gran- «decom o infinitamente pequeno tivesse origem no declinio das dimen- sbes fisicas, declinio das representagdes analdgicas do espaco, em be- neficio dnico das figuras de representacao digital ou, se preferirmos, da exibigao digital, como s¢ a fusiolconfusio indicada anteriormente viesse da excessiva profusio de dados da representacio instantanea... E aqui que terminam e desaparecem a profundidade de espago, 2 profundidade de campo das superficies expostas & observacao (di- reta) em beneficio da profindidade de tempo da gravacio (indirero} dos dados numéricos: xsi. correspondendo a0 ponto luminoso da imagem sintética do planejamento computadorizado ou rxet repre- sentando meio-hectare de territério na varredura multiespectral do sa~ télite-espido, a mesma indiferenca em relago ao campo, a extensao real ou simulada das superficies representadas; superficie do desenho computadorizado ou superficies teledetectadas, o que importa final- mente €a costura das imagens digitalizadas a instantaneidade de sua retransmissio ponto por ponto... A linha, a superficie ¢ 0 volume aqui sdo apenas efeitos da projetividade do ponto e da instantaneidade da transmis, Aqui, a memoria € menos a de uma trama do que a de um trajeto. A projetividade (videogratica ou infografica) renova a pro- jes igrafica, fotogréfica, cinematogratica} em um cowrinuumtem que ‘o movimento uniforme ¢ a-dimensional (o ponto O dimensio} desem penha 0 papel da reta no espago geométrico do postulado de Eucli- es, A homogratia de pontos alinhados no espago (bi ou tridimensional) sucede-se entio a projetividade de pontos alinhados no espago-tem- po (quadridimensional) de um desfile de imagens instanténeo em que a persisténcia retiniana sucede o suporte material: “ o que chama mos de tempo de sensibilizagdo de uma linha. Este tempo de sensi- bilizagao € igual a um (N)ésimo do tempo de composigao da imagem formada por (N) linhas, mas este é ditado pela fisiologia do sistema ocular. 0 otho integra todas as sensagdes huminosas que incider so- bre ele emt menos de vinte milissegundos, aproximadamente, e funde as imagens que se sucedem mais rapidamente, ou scja, auma fregiiéncia de pelo menos 50 por segundo — dispomos portanto somente de 20 zilissegundos divididos por (N) para compor cada linha, © que algu- mas vezes é insuficiente —, sendo a imagem composta ponto por pont, linha por linha; caso o tempo de composicao ultrapasse os 20 milis: segundos, as primeiras linhas se apagam antes que as dltimas possam 26 Paul Virilio set inscritas... Este inconveniente pode no entanto ser eliminado se a tela possuir uma meméria tal que uma linha inscrita continue visivel por mais tempo do que a duragdo da composigao”.” Desta forma, 2 velocidade torna-se 0 tinico vetor da representa «40 eletr6nica, ndo somente no interior do microprocessador, mas ain- da na inscrigao terminal: a imagem digital. ‘A crise da nocio de dimensio, portanto, surge claramente como a crise do inteito, a crise de um espago substancial (continuo ¢ homo- génco) herdeiro da geometria arcaica, em beneficio da relatividade de tum espago acidental (descontinuo e heterogéneo) em que as partes, as fragies (pontos ¢ fragmentos diversos} tomam-se novamente essenciais, assim como o instante, fragio ou mesmo fratura do tempo, o que ndo deixard, lembremos mais uma vez, de colocar em questo a imagem do mundo, a da Cidade, da aparéncia dos objetos em um meio em que a inércia tornow-se manifesta, jf que: “A duragio é feita de instantes sem duragao (perceptivel) como a reta € feita de pontos sem dimen- sio {sensivel)" + Assim, compreende-se melhor a importincia redescoberta da trans- paréncia. Sea tansparéncia estd prestesa substituir aaparéncia é porque a estética do desaparecimento acelerado sucedeu a estética da emergéncia. progressiva das formas, das figuras em seu suporte material, sua super- ficie de inscrigao (gravura, desenho, pintura, escultura, mas também a fotogravua impressa, sem omitirevidentemente a arquitetura monolitica ouconstruida). A estética da aparigio de uma imagem estavel (analogica) presente por sua estitica, pela persisténcia de seu suporte fisico (pedra, madeira, terracota, tela, papéis diversos), sucede-se a estética do desa~ parecimento de uma imagen: instavel (digital) presente por sua fuga € cuja persisténcia é somente retiniana, a do “tempo de sensibilizagso” qucescapa a nossa conscincia imediata, desde quando o limite dos 20 milissegundos for ultrapassado, como onfem, coma inovagao do cinema ultra-répido (até um milhao de imagens por segundo) quando o “tem- po de composicao” das 24 imagens por segundo for atingido. 1 “A exatidao é a relagao do valor medido com 0 de sua incerte- 2a, Pode-seigualmente caracterizar a exatidio por seu inverso, que &* a incerteza relativa”.S Ao contrario da estética (esTuEsis: nao medida}, 0 Espago Critico 7 a metrologia, ou “ciéncia da medida”, nos leva a observat a histéria dos referentes, dos critérios sucessivos que, 20 longo da evolugio cien- tifica, permitiram a avaliasdo cada vex mais precisa das distancias, das extens6es, assim como das duracdes; extensio e distancia de um es- aco de tempo, de um conTanvum que nao deixou de sofrer as meta- morfoses dos motores, as deformagies metamérficas sucessivas das maquinas de deslocamento e de comunicagio, méquinas estas que, assim como os diversos instrumentos de medida, contribufram para a constante redefinicio do espago pereebido, do espago vivido e, por- tanto, indiretamente, para a determinacio cada vez mais rigorosa da imagem do mundo sensivel (geografia, geometria, geomorfologia dos dominios construidos, etc), instrumentos de wma icerteza relativa ¢ no, como se pretendia, de wma inexatiddo certa, instrumentos para lelos e to necessérios quanto os utiizados pelas “ciéncias exatas”, que, assim como aqueles, contribuem paca a interpretacio cultural tanto da extensio quanto da duragio em um ambiente natural em perpétua reconstrucdo, reconstrugao cientifica e estética ligada 3 inteligibilidade dos fatores, mas, igualmente, & maior ou menor sensibilidade dos veto- ses, vetores de destocamento, de comunicagaa e de telecomunicagio, que ao mesmo tempo em que deslocam as pessoas, deslocam também 05 objetos, a imagem ¢ as representagdes do mundo sensivel. ‘Observemos agora as etapas historicas desta cigncia da medida desde meados do século XVIN, mais precisamente entre 1735 € 1751, iagem feita ao Equador para medir um grau do meridiano tertestre"® realizada por La Condamine e seus companheiros, peregri- nnagao épica destinada a descobrir nao mais as terras a colonizar, mas, desta vez, a forma-imagem do mundo com a maior exatido possivel até 0 inicio oficial da MerRotoGia, em 1789, quando a Assembléia Constituinte decide definir uma widade nacional de extensio, com a medigéo do arco de meridiano Dunquerque/Barcelona, realizada por MM, Delambre ¢ Méchain entre 1792 e 1799, a invengio revolucio- niria do metro-padrao, décima milionésima parte do quarto do meri- iano terrestre, destinado a suplantar as unidades de medida do Anti- g0 Regime, unidades que referiam-se a0 corpo fistol6gico e, freqiien temente, até mesmo ao corpo do rei. Nas duas experiéncias de geodésia, observam-se as mesmas difi- culdades: dificuldades de penetracio no meio em relag3o A primeira, dificuldade de transmissio de dados na segunda; em 1735, por oca- sifio das operagdes de medigao dos triéngulos do Meridiano de Qui- 28 Paul Viriio to, devido a um ambiente particularmente hostil, em um pais despro- vido de caminhos e estradas (2 excegio da construida pelos incas), j que somente em 1739 seria construida a primeira via de comunicagao entre Manta e Quito, onde ainda se viajava transportado por animais, atravessanclo precérias pontes de corda, expostos as feras, as amea~ «gas dos autéctones. Em 1792, por outro lado, durante a medigao do tridngulo de Dun- ‘querque Barcelona, devido ao clima revolucionario ¢ 3 dificuldade de transmitir as informagies através dos campos da época... Observe- se entretanto que, 20 contritio de La Condamine e Bouger, Delambre Méchain colocaram a base de sua primeica triangulagio sobre a es- trada retilinea que wnia Melun a Lieusaint, Observe-se ainda que, nos dois cas0s, as cidades serviram como marcos, como pontos de referéncia para o dimensionamento: Manta € Quito na América Latina, Dunquerque e Barcelona na Europa. Deve-se reconhecer portanto que, ao lado dos verdadeiros instr mentos de medida cientificos (a percha, a toesa, a luneta do agrimen- sor, 0 péndulo ¢ o setor...),” 0s veiculos contemporaneos tiveram sua importincia: vefculos dinamicos,o cavalo, a mula, a piroga, 0 barcou. vefculos estéticos,a pista, o caminho,a estrada cetilinea, a ponte...Um ‘outro aspecto que merece ainda nossa atenga0 € a necessidade de aplai- namento dos terrenos a serem medidas ( a utiiza¢io de terragos in- digenas na planicie de Yaruqui, mais acidentada do que a de Tarqui, assim como a importancia da estrada utilizada como ponto de partida ser retilinea, como na experiéncia de Delambre e Méchain. Tudo isto ilustra, caso ainda seja necessdrio, a complementari- dade, obrigat6ria porém sempre ocultada, entre o instrumento de me- dida cientifico e o meio técnico. Esta maquina de destocamento das pessoas ¢ de transmissio dos dados, das mensagens, este complexo veicular formado essencialmente por um veiculo estatico permitindo a penetracao, 0 deslocamento mais ou menos facil (estrada, ponte, ttinel, etc.) e por um veiculo dinamico possibilitando a viagem mais ‘ow menos distante {barco, montarias diversas... sem os quais nao se- ria possivel realizar qualquer “tomada de imagens”, qualquet medi- da direta, na escala da ambicao geodésica destes agrimensores plane- trios. Em seguida, veio a necessidade de conservagao deste “metro- padrao” ¢ a cuidadosa fabricagao da famosa régua de platina deposi- tada nos Arquivos Naciohajs em 1799, padrdo primeiro que antecipa aquele confeccionado em platina de iridio depositado no Pavilhao de © Espago Ceitico 29 Breteuil em 1875, no qual a distancia entre as extremidades polidas, planas e paralelas representava n4o somente 1/40 milionésimos. do rmeridiano terrestre, mas representava ainda, nao o esquegamos, unma espécic de modelo reduzido da precisio mais extrema da estrada pa- drio Melun-Lieusaint. Efetivamente, se 0 hist6rico da medida ¢ 0 dimensionamento das ‘quantidades fisicas realmente desempenham um papel fundamental na evolugao dos conhecimentos das teorias cientificas é necessario ainda observar a crescente desmaterializacio dos referentes: corpos fisicos, medidas geodésicas, padrdes primérios utilizando metais preciosos ¢, em seguida, com o aparecimento do interferémetro (Fizcau), 0 desen- vvolvimento da espectroscopia (Rowland), 0s materiais serio preteridos como escala em favor da luz, das interferéncias luminosas, a partir da experiéncia fundamental de Michelson e Morley sobre a constincia da velocidade da luz, 0 que mais tarde permitira a escolha de uma exten- siio de onda de radiagio atOmica para definira unidade de comprimento... Este deslocamento da observacio ocular direta para o dominio 6tico ¢,finalmente, paraa percepeao indireta dosnovos instrumentos de medi- da, esta deriva irrefletida dos “padres primarios” aos padraes de trans- feréncia, esta transferéncia, enfim, da matéria mensurada eagrimensada para a luz mensuradora inauguram efetivamente uma mutagio na av: liago cientifica do tempo ¢ do espago que anuncia hoje a crise, se nfo co abandono, da decupagem das dimensdes fisicas e portanto a neces- sidade premente de um reajuste na forma-imagem do mundo sensivel. Observemos, por exemplo, que, retficasao das superfcies (aplai- namento do terreno a ser medido, via retilinea, materiais puros e du- ros dos padres com suas superficies planas, polidas, paralelas...) de 1799, sucedeu-se, em 1879, na experiéncia de Michelson, a utilizacao de um vacuo experimental, a criagdo de um ico primério no inte- rior de um tubo de ago de cerca de 2 km de extensio por 0,60 m de diametro.... Nao se trata mais, aqui, de desobstruir a profundidade perspectiva, organizando o caminho, abrindo vias de acesso, trata-se agora de submeter ao vécuo um tubo retilineo para facilitar a passa~ gem de um raio de luz. Nao se trata mais de aplainar o caminho, as superficies, mas sim de criar 0 vicuo nos volumes, suprimindo nao mais os acidentes de terreno, a vegetacao luxuriante, mas, desta vez, prd- pria atmosfera, o indicio de ar... Sabemos 0 que aconteceu depois, as conseqiiéncias do xanar depois dda Segunda Guerra Mundial, a utilizacao das altas freqiiéncias radio- 30 Paul Visto | 1 i ' | penne elétricas em diferentes procedimentos de medigio, até o advento do laser Estabilizado. Em 1960, por ocasiao da realizacéo em Paris da XI con feréncia geral sobre pesos e medidas, assim foi definida a unidade de comprimento: “O metro 0 comprimenta igual a 1.650,763,73 exten- 60s de onda no vacuo da radiacao correspondente & transi¢ao entre os niveis 2 p10. dS do étomo de xkvFroN 86”. Sete anos mais tarde, a Xill conferéncia geral adotou uma definigao andloga para a unidade de tempo: “O segundo é a duragao de 9.192.631.770 periods da ra- diagao correspondendo a transigao entre os dois niveis hyperfins do to- ‘mo de ctsio 133 em seu estado fundamental”. Estas definigdes totalmente abstratas tendo se materializando na pratica através de novos padrées, os conhecidos “padrdes de transfe- rénicia”:a limpada de Krypton para o metro, o relogio atémico de césio para o segundo. A unidade de tempo, o segundo, continuando a ser, de onge, a mais precisa das unidades basicas do sistema internacional de medidas; com o recente desenvolvimento do laser estabilizado (devido 8s pesquisas militares mais avangadas) esta preciso da unidade de com- primento revela-seno entanto insuticiente, de ondea proposta feita depois da tiltima avaliagao da velocidade da luz realizada em 1972, de alterar a definigao do metro. Se esta proposta fosse adotada, o metto seria apenas: “a extensdo percorrida pela luz no vacuo em 1/299.792.458 segundos”? Partindo da medi¢io da terra e da andlise cada vez mais precisa da matétia (do padrio confeccionado em metal precioso aos étomos, moléculas...) chegamos hoje & supremacia da luz, & medigio sempre mais exigente de sua velocidade de propagacao, para tentar projetar a forma-imagem de um meio natural em que as extensies de espagoe as distancias de tempo sio fundidas/confandidas em uma representa- ao puramence digital, uma imagem sintética que ndo € mais da or- dem da observacao direta ¢ tampouco da visualizacao ética inventa- da por Galileu, estando vinculada a receptores eletromagnéticos ou, ainda, a analisadores de espectro e de “freqiiéncias-metro” em que a propria aquisicao de dados é realizada por computadores. ‘Como avaliar uma ciéncia pretensamente experimental que ele- g¢ 0 vazio mais radical, a maior velocidade, uma mediatizagio sem- pre crescente de seus meios de investigagio e comunicagao?... Como podemos ter deixado de acreditar em nossos proprios olhos para crer tio facilmente nos vetores da representagao eletrOnica e, sobretudo, no vetor-velocidade da luz?'Nao estariamos nés diante de um obscuran- tismo da relatividade, de uf culto solar reencontrado? © Espago Critico 31 Nao se trata mais, aqui, da influéncia perturbadora de um meio de comunicagio qualquer, mas antes dos “instrumentos de medida” cm si, padrio de transferéncia, mquina-transferéncia, sem qualquer relagio de proporcionalidade com nossas faculdades de apreciagao ¢ percepeio do real: aqui o instrumento técnico é a prova cientifica, a informatica digital dé o ntimero exato e 0 computador munido de tela, a imagem, mas uma imagem dtico-eletrdnica sintética da qual a tnica “dimensio” a do veror de execusao, a da emissio da luz da veloci- dade, a de um “dia falso” sem qualquer relacio com o dia da obser- vagdo experimental ocular ou ética. “Quanto mais os telescopios forem aperfeigoados, mais estrelas surgirao”, escrevia Flaubert. Arualmente, se o instrumento € a pro- va irrefuravel, um instrumento tecnologicamente mais sofisticado sig- nifica 0 avango das cincias!... De fato, se as ciéncias estiveram na ‘origem do desenvolvimento das técnicas, parece que assistimos hoje a uma reversio desta tendéncia, com o avango das tecnologias de pon- ta provocando o desenvolvimento das ciéncias, ou ainda de uma “nova ciéneia”, dividida, atomizada, em que 0 pensamento cientifico é cada ver:mais condicionado pelas estatisticas, pelos delirios ocultos de uma automagio aplicada a investigaco e & producao cientifica, isto tudo bem antes que a robética tenha alcancado 0 dominio da produgio industrial ¢ pos-industrial. Diante desta evicgao caracterizada da observagio direta, diante deste “diagnéstico antomatico”, esta mediatizagao cada vez mais for- te dos conhecimentos cientificos, esta eliminacao da consciéncia ime- diata e finalmente das figuras do pesquisador ¢ do trabalhador, pade- rfamos nos perguntar se esta “pés-ciéncia” ndo seria uma forma insi- diosa da guerra, uma guetra pura (intelectual econceitual) menos afei- ta destruigdo do que desrealizagao do mundo, uma “desrealizagao” em quea logistca cientifico-industrial suplanta a estratégia politico-mititar comoesta iltima, hd muitos séculos, suplantou a tética de caga ao homem. O espaco-tempo da representacao dtico-eletrénica do mundo nio é mais, portanto, aquele das dimensées fisicas da geomettia, a profun- didade nao é mais a do horizonte visual nem a do ponto de fuga da perspectiva, mas apenas a da grandeza primitiva da velocidade, a gran- deza deste novo vazio (vazio do veloz) que substitui a partir de agora toda extensio, toda profundidade de campo (geométrica, geofisica..) e que instala 0 astro solar, o raio luminoso, como referente supremo, padrao da terra, para além dos meridianos, da toesa, do metro; para 32 Paul Visio erence além da matéria, dos étomos jé que, como sabemos, foi o raio de vin tee um centimetros da molécula de hidrogénio que foi levado para 0 ‘espago sideral pela sonda rionNzek para dimensionar nosso sistema solar, O centro do universo no é mais, portanto, nem a terra do “geo- centrismo” nem o homem do “antropocentrismo”, mas antes 0 po toluminoso de wn “heliocentrismo”, ow antes de wr WinitNOCENTRISMO ‘quea relatividade restrita contribuiu para instalar ¢ ent relacao ao qual as experiéncias da relatividade geral indicam a ambicito desmedida, esta forma, o “ponto fuminoso” sucedeu, nas novas represen- tages da forma-imagem clo mundo, a0 “ponto de fuga” dos perspec- tivistas, ou melhor, 0 ponto luminose tornou-se o ponte de faga da velocidade da luz, o ndo-lugar de sua aceleragio, aceleragao (forénica, eletrénica...) que hoje contribui para dimensionar os espagos infini- tos assim como, na geometria grega arcaica, o porto sem dimensao serviu ao dimensionamento do mundo finito, & numeragao aritmética ‘ematemstica, a formulacio geométrica e geogrsfica da forma-imagem do “glabo planetatio”. u Um outro indicio deste retorno a zero do péndulo do pensamen- to cientifico esté no atual debate sobre a génese do universo, a grande imaioria dos astrofisicos adotando o modelo standard (o BIG-BANG) or oposigdo aos que sustentam 0 modelo estacionério de um univer- 0 is6tropo, homogéneo, possuindo uma histéria idéntica em cada ponte. Enquanto que, para os partidaios do modelo standard de um "universo em expansio, 0 interesse cientfico concentra-se essencialmen- te no ponto de partida, a criagao do mundo, a origem do espago, do tempo, da matéria. ‘Observemos entretanto que nestas duas concepgdes cosmolégicas a questao da profundidade fisica do espaco duplicada pela questo dda profunciidade hist6rica do tempo. Como o esereveu Bury Schatzman: “Se levarmos em conta que a observagio € feita através da luz e que esta se propaga a uma velocidade finita, conclui-se que os objetos sio observados em um passado tanto mais remoto quanto mais cles este- jam afastados”.!? Mais & frente, falando sobre a teoria do nascimen- to do universo, ele prossegue: “O fato de trabalhar com distncias e intervalos de tempo tao grdndes, no limite das possibilidades de ex- 0 Espago Critica 33 perimentacao, permite imaginar uma nova fisica, modificando as cons- ‘antes fandamentais, recusando sua propria caracteristca de constantes ppaca transformé-las em grandezas dependentes do tempo”. Ou ainda, em nosso entender, grandecas dependendo nicamente da velocidade, da grandeva primitiva da constante da velocidade da luz, constante esta «que permiiria, nem mais nem menos, reformar todas as constantes fur damentais da fisica. [Nao seria este um novo tipo de Iumsirsismo? um culto solar tar- dio dissimulado sob « maior pretensao cientifica possivel, ou seja, a de conheccr a origent das origens (origens da luz, da matéria, do es- aco e do tempo...) ¢ isto ainda que, como observam certos fisicos: *Se retornarmos demais no passado, a nogao de origem termina por perder todo seu sentido”.!! Ponto de partida ou ponto de suspensao?... Mas voltemos com Schatzman 3 teoria da expansio do universo, teoria que é também a de sua contracio infinita: “Esta teoria se baseia no fato fisico de que, um univers homogéneo e is6tropo, no qual todas as partes se atra- ‘em segundo a Lei de Newton, encontra-se necessariamente em expan- so ou contragio. Finito ou infinito, o universo e cada frasio dele esto condenados a lutar contra a atracao pelo movimento”. Observamos nesta visio dromol6gica!® do universo a importincia exclusiva da cos- mologia newtoniana, o papel central desempenhado pela constante de pravitagao e, ao mesmo tempo, pela constante da velocidade da luz, as duas constantes esseniciais — ao lado da constante de Max Planck — na fisica atual. “A existéncia da gravitagao”, confirma Schatzman, “faz. com que dificilmente se escape da expansio. Para cada valor da densidade do wniverso existe uma velocidade minima de expansio, caso se qucira evitar que ele entre em colapso, velocidade para a qual a ener- gia cinética do movimento compensa exatamente a energia potencial resaltando da gravitagdo.” Estranhamente portanto, a cosmologia newfoniana tem como consequéncia a necessidade de um universo explosivo no qual, a partir de um estado inicial denso, estado de con- tragio ¢ confinamenta inercial praticamente ilimitado, o espago-tem- po teria explodido em uma luz ofuscante que precedeu qualquer fra~ ‘sao de matéria-prima; toda esta argumentaco explicitando a “catds- trofe gravitacional” como tinica forga mottiz do cosmos... Nao deveriamos nos espantar hoje com esta sublimacao da explo- so? Como sea criagao do mundo, modo de produgao de toda “subs- téncia”, de toda matéria,tivesse sua origem no “acidente”, forma de 34 Pou! Viilio - gestruigo de uma deflagragao cujo modelo foi aalta press4o da cimara de combustio dos canhdes; como se a fisica, a astrofisica, encontras- ‘gem seus furdamentos re6ricos comuns na maquina de guerra; uma ma- ‘quina de guerra pura, concebida a partir do progresso de conhecimen- tos experimentais claborados, ao sair do arsenal, mais precisamente 0 arsenal de Veneza do qual Galileu foi o héspede privilegiado.'* Mode- {o catastrofista, no qual a pélvora, o tubo de arttharia, a bala ea ba- Iistica dos primeicos “mestres-atiradores” do século XVI assumiram ‘0 papel de arquétipo, de “canone das ciéncias exatas”™, inicialmente nna percepsio cinemética do movimento parabélico dos planetas e et seguida na apreensio de sua motricidade, na consciéncia energética da forga que age entre eles, a da gravitagio... Além disso, seria inatil en~ tar negar as relagdes existentes entre o progtesso da balistica (te6rica © pritica) ¢ 0 das ciéncias astron6micas: de Galileu e Descartes ea sua geometria analitica, cujas célebres coordenadas carcesianas seriam es- senciais para a anilise do ponto, pata a organizacao dos movimentos edo espaco, para a meméria de trama, passando por P. Mersenne'’, seu correspondente direto, a quem 0 oficial-filésofo francés pergunta- vvaem 1634:".. se uma bala pudesse escapara gravidade”, levando este ‘lkimoa apontar um canhao verticalmente, na expectativa de que o pro- jéti jamais voltasse a cair (experiéncia anloga porém exatamente inversa 8 de Galileu). Até Léonard Euler, autor de um método de tiro em eur ua ainda utilizado pelos atiradores, sem esquecer do general Poncelet, inventor em 1812 da geometria projet de Heimoltz e suas experiéncias no arsenal de Munique... £ igualmente revelador observar que, depois de terem se referido freqiientemente, desde a Antigitidade, ao movimento dos projéteis de primeira geragao (flecha, bala...) 0s filésofos € os cien- tistas irdo, em seguida, referir-se abundantemente aos veiculos de se- sgunda geracdo (trem, avido, obus, foguete...), com Einstein, Louis de Broglie, Heisenberg entre outros, antes que Bergson, Walter Benjamin, Deleuze ou Barthes se referissem aos diversos vetores de representacio técnica (fotografia, cinematografia, hologratia), ¢ isto até os mais te- centes vencedores do Prémio Nobel de Fisica, Stephen Weinberg e llya Prigogine, reencontrando hoje a caverna platénica, a caixa magica das origens pré-racionais da ciéncia. Se atualmente € obrigatério constatar 0 aspecto mgico ¢ sim- bolico da esfera, do citculo, do centro e de sua periferia, desde as al- tas épacas da cosmogoni“atg que Einstein explicasse a gravitagdo como efeito de uma curvatura espago-temporal do universo (1916), ao que © Espago Crtico 35 parece, muito freqiientemente é omitida a influéncia do cilindro e da forma tubular na hist6ria dos conhecimentos modemos, desde a hi- drdulica, a inovagio da luneta ¢ do estetoscpio (primeira media au- diovisual), a invengao do motor monocilindrico de Huyghens (1673), que referia-se explicitamente ao canhdo como o “primeiro motor de combustio interna da hist6ria” (primeiro media automdvel], passan- do pelo “tubo a vacuo”, jd mencionado, da experiéncia fundamental de Michelson, até 0 canhio de elétrons, o tubo catédico, 0 laset ¢ a atual utilizagio da cavidade ética do raio de luz coerente, ou ainda a invengio do cabo de fibra ética que permite aos centros de telecomu- nicacéo passarem da comutagao “anal6gica” & comutagao temporal. Sem querer desenvolver aqui um hist6rico das formas tubulares, ‘© que mereceria uma tese, observemos no entanto sua importiincia nos recentes desdobramentos das ciéncias e das tecnologias, assim como na topologia, onde encontramos o matemitico Euler 3s voltas com a elucidagao de um problema, desta vez de poliorcética’”, 0 das sete pon- tes da cidade de Konigsberg, problema de estratégia dos fluxos da cir- culagao urbana que mais tarde resultaria na teoria das redes, que hoje beneficia, além da economia, os diferentes sistemas de comunicagaoe telecomunicagao. De fato, se as ciéncias nascentes foram ciéncias da terra, da ma téria e dos corpos fisicos, eiémcias da substancia (geol6gica, fisiol6gi- a, etc.) ese a8 técnicas primeiras sofreram suas influéncias e reper- cusses, as ciéncias resultantes (contemporineas e pos-modernas) se nos apresentam como cifncias do acidente energético, acidente de trans- feréncia (eletrénica, luminol6gica, etc.) relacionado com os fluidos € radiagdes diversas. Da matéria & luz, os conhecimentos cientificos fo~ gem assim, progressivamente, das referéncias aos “sdlidos”, mas tam- bém, o que ¢ ainda mais inquietante, das referéncias s6lidas, a ponto de softer cada ver mais o impacto das “tecnologias avangadas”, a ponto de, partir de agora, lhes dever total ou parcialmente suas provas ma- teriais. Existe ai, para a nova fisica, um importante risco recnol6gico ainda no percebido: o risco de um delirio de interpretagao resuleante cde um excesso de mediatizagao das experiéncias, em que a relagéo com © sujeito ou com 0 objeto da experimentagao seria definitivamente per- dido em nome do beneficio duvidoso de formas-imagens de carreira cientifica cada vez. mais curta, uma espécie de cinematismo da repre- sentagao cientifica, desvinculado de qualquer restrigio, de qualquer context, humano, ético, em breve cientifico: tipo de arte pela arte da a Paul Viriio Jo re6rica, “cigncia pela eiéncia” de uma representagio do fecente enumeragao das particulas clementares ‘A menos que se aceite uma reversio de significasio filoséfica 20 ‘considerat, a partir de agora, “o acidente” como absoluto e necessé- fio € a “substincia”, toda substancia, como relativa e contingente, tomando a “catastrofe” ndo mais como uma deformagio (substancial) mas como uma formacdo (acidental) despercebida — cf. René Thom eo movimento e sua aceleracio (pasitiva ou negativa) menos como deslocamento do que como assertamenio, um “assentamento” sem lugar preciso, sem localizagao (geométrica, geografica) a exemplo das particulas da mecénica quantica, devemos nos resolver a perder 0 fio de nossos raciocinios,de nossas certezas, em termos de representacdo. Devemnos perder também nossas ilusGes morfologicas relacionadas com as dimensées fisicas, a excegiio, observemo-lo mais uma vez, do pon- 10, do PONCTUM, esta abstragao figurativa, definitivamente mais resis- tente do que o étomo e, se necessario, em qualquer Epoca, mais resis- tente as diferentes concepgdes de mundo. “Abordamos aqui a terceira constante da fisica moderna, a cons- tante de Max Planck, que, em 1900, afirmava que a energia irradiante jpossui, assim como a matéria, uma estrutura descontinua e 6 pode existir sob a forma de gro (ou quawra de valor HY, onde Hé uma constante universal de valor 6,624 x 10-27 CGS e v,a freqiiéncia da irradiacio) FUNCTUM, QUANTUM; com o principio da incerteza de Heisenberg e a cé- lebre constante de Planck, ndo somente a diferenca entre matéria ¢ luz se apaga, mas as préprias nogbes de espaco e tempo sfo invalidadas... ‘A crise das dimensdes fisicas do mundo sensfvel na era das tele- comunicagies eletrdnicas é acrescida da crise do continuo inteligivel ‘Uma vez que os gris de matéria ou de luz, indiferentemente, nao s30 ais localizaveis no quadro do espago-tempo, assistimos a uma inver- so radical, como explica Louis de Broglie: “Nao sio oespaco eotempo nogGes estatisticas, que podem nos permitir descrever as propriedades das entidades elementares, dos gelos; &, a0 contrério, a partir de mé- dias estatisticas realizadas a partir das manifestagdes das entidades ele: ‘mentares que uma teoria suficientemente habil deveria poder isolar este ‘quadro de nossas percepgdes macroscépicas que formam 0 espagoe 0 tempo” . Continuando esta descrigo, Louis de Broglie indica ainda: “Po- de-se considerar o quadro Continuo constiruido por nosso espaco-tempo como sendo engendrado, de certa forma, pela incerteza de Heisenberg, © Espago Critica a7 4 continuidade macroscépica resultando entdo de uma estatisticaefe- tuada sobre elementos descontinuos afetados pela incerteza” 18 Desta forma, 0 espago e o tempo nao seriam nada além de reali- dades estatisticas macroscépicas e 0 grio, o QuaNTuM, “esta entidade fisica indivisivel, este elemento descontinuo que nas profundezas do infinitamente pequeno parece constituir a realidade sltim. Para marcar bem aqui a performance cientfica da “relagao de in cerreza”, dle Broglie nao hesita nem mesmo em ulteapassar os limites da pesquisa te6rica para declarar: “A verdadeira fisica quantica seria sein divida uma fisica que, remunciando as idéias de posigdes, de ins- tantes, de objetos ¢ deruco o que constitu nossa intuigdo habitual, par- tiria de nogdes ¢ hipoteses puramente-quiinticas¢,se elevando em seguida ‘0s fenémenos estatisticos cm escala macroscépica, nos mostraria como, da realidade quantica da escala atdmica, pode emergir, através do jogo das midias, o quadro de espaco-tempo valido na escala humana”, O abato que a nova ciéncia provocou no quadro espago-tempo- ral utilizado pela fisica classica operon ainda, o que é mais facilmente compreensivel, uma crise do determinismo. Na antiga fisica matema- tica, 0 quadro “espago-tempo” era tido como algo dado a priori; nes- te quadro vinham se posicionar as entidades fisicas e sua evolugao era considerada como rigotosamente determinada, a partir de um estado inicial que se supunha conhecido (através das equacdes diferenciais ou das derivadas parciais). Tal era o ponto de vista da fisica pré-quantica: cle realizava, em um sentido amplo, a descrigéo através de figuras ¢ movimentos desejada por Descartes. © ponto de vista da fisica quaintica é completamente diferente. As selagbes de incerteza nos impedem de conhecer, ao mesmo tempo, a figu: 12.0 movimento: no caso de uma particula elementar, ou bem medi- ‘mos sua velocidade ignoramos sua posigao ou podemos conhecer com exatidio sua posicdo, mas ignoramos sua velocidade... E exatamente isto que foi confirmado em 1982 por Alain Aspect, fisico do Instituto de Otica de Orsay, em uma experiéncia de valor histético assegurado,”? 1m Esta longa incursio pela fisica pode parecer inutilmente érdua, ‘mas nio realizé-la seria menosprezar o efeito de modelizagdo, o efei- to de real dos modelos tedricos sobre a geomettia pratica, 0 espago.e 38 Paul Vietio is diferentes representagGes espaciais, arquitetonicas ou ur- . ee ‘que. crise das dimensées fisicas, enquan- ace das medidas, faz par coma crise do determinismo? e afeta hoje ee giunto das representasées do mundo. a ‘A partir do momento em que conhecemos a importincia das f- 1as,do movimento eda extensio na organizagio e ordenagio do es aaco, podemos facilmente adivinhar o efeito de sua relativizagao (es- pesca), ou mesmo de sua sibita desrealizagio causada pelas teeno- Jogias da representagao auxiliada por computador. Se,a parts de agora, a representagio te6rica na escala microscopica (as partculas ardmicas) é resultado da mecdnica quantica, ou seja, do QUANTUM de acao, de ener- gia, este grio de matéria ou de luz (neutton,elétron, f6ton...)e da incer~ teza de sua velocidade ou de sua posic3o, cm um meio fundamentalmente jincerto, a representagao pratica na escala macroscépica (humana) torna- sco efeito de uma espécie de mecénica Punrica (alfa-numérica) que, se por um lado parece sacrificar as coordenadas cartesianas classicas As capacidades da meméria de tama, por outro repousa também, ede for- sa essencial, sobre as videoperformances de um wNcTUM de ago, OFX (ox ponto luminoso da ética eletrOnica), a forma-imagem sintética re- sultando nao somente das propriedades codificadas no programa, mas também e sobretudo do vetor-velocidade de realizagao, vetor-velocidade de particulas elementares (elétrons) que nos lembra,. como se fosse ne- cessdrio, que “telemética” nao resulta somente da associagio da infor- mitica com a transmissio instantnea a distancia, mas antes do efeiro de instantaneidade de emissao local de uma figura, de um movimento ‘ou de uma extensio aparente na interface de uma tela; figura analégica ‘ou digital que, por sua ver, resulta da auséncia de campo, de profun- didade de campo, j que esta “profundidade” é apenas a das videoper- formances emporaisdo rset. antinomia clissica das nogdes de campo {continuo} ede gro, de ponto (descontinuo) sendo reencontrada na pré- pria ambigiiidade da nogdo de interface, ou seja,na atual mutagao da antiga “limitago” em “comutagio” — comutagao que deixa de ser ana- Tégica (valor fisico continuo, extensio, angulos...) para se tornar digi- tal (ntimeros, numeragao descontinua...) ou antes temporal; percebe- ‘mos melhor agora a importincia tebrica epritica da nogao de interface, esta nova “superficie” que anula a separagio classica de posigao, de ins- tante ou de objeo, assim como a tradicional divsdo do espago em di- ‘menséesfisicas, em benefieo de uma configuragao instantanea, ou quase, ‘em que 0 observador e 0 observado sio bruscamente acoplados, con- 33 0 Espago Critics fundidos e igados por uma linguagem codificada”, de onde a ambi- gliidade da interpretagiio das formas-imagens representadas, ambigii: dade que, observemos, também encontra-se nas midias audio-visuais, particularmente na televisio ao vivo e na incerteza da situagiio dasima- gens relevisacas, assim como na geometria de sua reteansmissao, eisto apesar do uso da teoria das redes... ‘A ambigiiidade de interpretagdo a que nos referimos aqui néo é absolutamente da ordem da inteligibilidade dos “fatores” (dados me- morizados, figuras digitalizadas..., mas antes, como escrevemos an- teriormente, da ordem da maior ou menor sensibilidade dos “vetores”, vetores de representacio que, na interface elewénica, afetam a ordem das sensagies, mas, sobretudo, a capacidade de se ter ou ndo sensa- ‘es; dai a crescente neutralizaca0, na televisio, por exemplo, dos apre- sentadotes-jornalistas ¢ dos telespectadores diante desta “Iuz-matéria- prima” da informagdo mediatizada. O indeterminismo afeta, portan: to, nfo somente o dominio da fisica das particulas e da filosofia da aco, mas atinge também, apesar das aparéncias, 0 campo das esta~ tisticas e da informatica? desequilibrio entre a informacio direta de nossos sentidos ea informagao mediatizada das tecnologias avangadas é hoje tao grande que terminamos por transferie nossos julgamentos de valor, nossa medida das coisas, do objeto para sua figura, da forma para sua ima- gem, assim como dos episédios de nossa hist6ria para sua tendénci estatistica, de onde o grande risco tecnolégico de um delisio general zado de interpretacao, A partir do momento em que escrevemos, por exemplo, que a transparéncia (instantinea) substitui as aparéncias (su- cessivas) dos objetos, das figuras, isto nao quer dizer que tenhamos reencontrado um espaco de tempo, um Continuum morfol6gico: reen- contramos na interface uma forma-imagem onde o que faz. “super cie” € menos 0 espaco do que 0 tempo, jé que a profundidade é so- mente a da grandeza primitiva da velocidade (0 vazio do veloz), a profundidade oriunda deste vetor de transmissao instantanea de da- dos que afeta no s6 a consciéncia dos usuarios, como também as fi- sguras, os movimentos, a extensio representada. Para demonstrar melhor a importancia reencontrada nesta nogao de transparéncia,ligada & de interface, o advento deste “para além” das aparéncias sensiveis, retomemos, com Benoit Mandelbrot, a nogio de dimensdo: “O que é exatamente uma dimensio fisica? Aiesté uma nogao intuitiva que parece remontar a um estado arcaico da geometria gre- 40 Paul Vislio deve que esta ligada as telagbes entre figura e objetos, o primeiro rermo endo ser reservado para idealizagbes matemiticase o segundo para ee dados do real. Nesta perspectiva, objetos tais como uma peguena bola, {om véa ouuim fio extremamente finos, deveriam ser representados pot ras tridimensionais, assim como uma grande bola. Mas, nia reali dade, todo fisico sabe que deve-se proceder diferentementee que é bem toais sil imaginar que um véu, um fio ou uma bola, quando suficien- jemente fits, estio respectivamente mais proxinios das dimensdes 2, 1.60”. (Observe-se aqui a utilidade pratica da narrativa do grande edo pequeno, nasrativasligadas as caracteristicas antropomérficas do obser- vador.) “Em outros termos”, prossegne Mandelbrot, “a dimensio fi- sica possui inevitavelmente uma base pragmitica, e portanto subjeti- vya, ela é ligada a won determinado grau de resolucdo, Para provar isto, demonstremos que um objeto complexo, no caso um novelo de 10cm de didmetro feito com um fio de 1 mm de didmetro, possui, de forma relativamente latent, diversas dimensdes fisicas distintas. No grau de resolucio de 10 metros, o novelo aparece como wm ponto, € portanto ‘como uma figura adimensional; no grau de resolugio de 10 centime- tros, € uma bola, e portanto uma figura tridimensional, No grau de re- solucio de 10 milimettos vé-se um conjunto de fios, logo uma figura unidimensional; no grau de resolugo de 0,1 mm, cada fio transforma- se em uma espécie de coluna ¢ 0 todo passa a ser uma figura tridimen- sional; no grau de resolugao de 0,01 mm cada coluna se define em fi bras filiformes e 0 todo volta a ser uma figura unidimensional e assim sucessivamente, com o valor da dimensao variando incessantemente. Em determinado nivel deanalise,o novelo€ representado por um nvimeso finito de &tomos pontuais ¢ 0 todo toma-se novamente adimensional,""> Se esta interpretagao evidencia, por um lado, a observagio ana- logica ¢, por outro, a resolugao digital das figuras representadas, ela serve ainda para ilustrar a transparéncia e os meios técnicos desta transpa- réncia, acrescida das aparéncias do objeto representado: aproximacio em diregio bola de 10 m para 10 cme, em seguida, a utilizagio de lupas com lentes adicionais, de microscépios cada vex mais performantes ou videoperformantes. Ora, este deslocamento nao ¢ neutro, como todo movimento, implica uma velocidade especifica para cada deslocamento (humano, ocular, 6tico ou ético-eletrénico no caso do microscépio ele- trénico), esta velocidade influi sobre a representacao em questao ¢ en- agendra uma decupagem qge,se nio chega a ser “dimensional” no sen- tido arcaico do termo, vai certamente influir sobre o resultado da ob- 0 Espaco Critica 4 = Setvacio cientfica, de onde a célebre variacao do valor dimensional, Variagao cinemitica que nao existiria se levassemos emcontao “ver. Yelocidade” de projegao ede observagao, encadeando em um longo pla. nno-seqiiéncia as escalas de visio eos dversos grausde resolugdo da ima. gem, alcangando entao uma transparéncia sem precedenites. E exata. mente isto, a grandexa da velocidade, uma grandeza inigualavel, uma “profunclidade de tempo” qucescapa as limitagdes comuns devidas tanto 4 resisténcia dos materiais quanto a localizagao mais ou menos distante dos objetos observados. A decupagem das dimensbes, poreanto,selamn clas inteiras (de 0 a3) ou fraciondrias (como prefere Mandelbrot), nao sedeve somente ao objeto observado, em conseqiiéncia dos grave de re. solugdo das figuras e das imagens, mas é também efcito das diferentes seatigncias de tomadas ¢da maior ou menor velocidade de execucio de gua “montagem”, montagem cinematica,cinematografica ou vdeogrs- fica da qual finalmente nos tornamos conscientes através do progres. Se constante dos meios de comnicagao da dimensdo (teleseépio, mi crosc6pio,relemetria..., meios éticos ou ético-eletrBnicos que nacsdo fundamentalmente diferentes dos meios de telecomunicagoes (eleva 0 telemtica), ow ainda dos meios de transporte fisico de pessoas, jd ue é mais uma vex esta grandeca primitiva do veiculo rapido (TCV, Concorde...) que faz de Paris um subsirbio de Valencia, ede Nova York a grande periferia da Ile de France... Se, segundo a teoria da relatividade, a velocidade dilata 0 tempo Ho momento em que contrai o espago, resutando assim na negacio dia noo de dimensio fsia, deve-se retomar a questao: “O que por. fanto uma dimenséo?” Em seu ensaio, Mandelbrot repete que a dimen. Sto se define por seu grau de resolugio e que o resultado numérico. Bende das relagdes entre o objeto eo observador, ou sei, da natureza da separagio entre o abservado e a abservante; as dimnsdes seca ‘io sendo nada mais do que mensagens fragmentarias que a geometria arcaica nao deixa de interpretar ou, antes, de interpretat equivocada- mente, de onde a ilusio de otica das dimensGes inteiras, iusto esta originada na insuficiéncia dos meios de observacio antigos... Esta Proposigdo parece exata, porém incompleta, jf que a verdadeiva “di ‘mens3o” (DIMENSuS: MEDIDA) tem a ver no somente com o grau de re. solugio da forma-imagem considerada (geométrica, matematica.), ‘mas ainda com a celeridade desta, com o valor da mediagao dimen, sional nao deixando de se transformar (de saltat dromoscopicamente) de acordo com o progresso da velocidade de configuracio, os metor ia Paul Vicilio Jo lagrimensura,huneta,telemetria.) sen omunicogao da dimensio (agrimensura, eta) iy simultncumonte os mcos de exterminacao da dime 0 spas yk, eexatamenteito.0 que itemos Verificar com Richardso Tee ice da catenedo aproximada da costa da Bretanha, operagio. 4 Mkasobververos, da reaizada no século XVI por La Cndamine locos : fir o arco do meridiano ter iheiros agrimensores, a0 med ae desta ch a eifeagio do caminbo ob slau do sr a ives de a io, desde o inicio, reeitadass 2, a0 invés de sere deseiadas, so, desde o inicio, ree st ebsta fossereta, 0 problema estaria resolvido”, explica Man- detbro, "mas, una vez. quceta costa selvagem Gextremamente sno: u sm caminhe 20 longo dela evitando eloleras eae as im a distancia percorridas =, a ana onto a datncn mixina do how ota hs ver menor. Em um determinado momento, por wa questo de cratidi, serd necessério substtur nosso homer pot um camondon 10, em segaida por uma mosca e assim sucessivamente Quanto mas os fica da costs Soneaiton oom eatied aslo ser inevkaremene B dittaca a percorer, binds ain a iin ta rnd Feet eccopasmmaions incre ponent dena oma outa”, coni Male," cnet apretsmensinofensia deextensio peogrifica se revela como no roralmente objetivo 6g o obsereadr nerve inevitavelmet em sun fio" ediré portant deca, no someue dso pastor ssmedidas masainda dsocro ect m sua representa ia eed groméeca ou cartogrifin deport residade moron do terrtério para uma configuragio geodésica que possui apenas v relativo e momentineo. i ve mentonar& de cees forme, defear defer em ea a chverador, ee ger, xe voeurarinensor que produ ame did no instante em gue provera eu proprio deslocamento, Mas ee soviet proditoe de rand de eatnsio aproximada, ods et sclera eliza de un meio de dsocameno (de taspot Os detansmiso, torque € amido noes das varias da exteaioaproximada da coma da Beta que amb ext ds mola a expresso aparerement inofensva “Sea cosa Fos ety o problema entra resid, 0 ape temporal de rda med deta oma, epee qe as ecolginn avangadas roam cad ‘ez mais evidente com o progeesso dos tansportes, das 4B © Espago Critica da telemetria. As figuras do homem, do camundongo ou da mosca que medem o litoral bretao nao so nada mais do que os aspectos {antropomérticos e zoomérficos) de uma velocidade de deslocamen- to especifica, Imaginemos por um momento um yetor de deslocamen- to mais répido para acelerar cada um destes sujeitos ¢ mais uma ver tudo estar metamorfoscado: de un lado a extensio tende ao infini- 10, este € 0 aspecto morfologico do problema, de outro e simultanea- ‘mente, a extensio aproximada tende a zero devido i aceleragao da medigao, isto se dando independentemente da natareza do agrimen- sor, ja que esta “natureza” é inseparavel de sua velocidade de deslo- camento, a célebre reta, resolucio do problema da medicao da exten- so da costa da Bretanha ¢ resolugdo de sua forma-imagem se reins- crevendo (na escala do agrimensor em questao) nesta “profundidade de tempo”, nesta duragio ou extensio de tempo da qual a velocidade tomou-se 0 vetor privilegiado. Existem portanto dois tipos de acidentes, de sinuosidades que re- cortam o litoral medido: oacidente de terreno em conseaiiéncia do re levo {macroscépico, mictoscépico) ¢ 0 acidente de transferéncia (trans porte fisico, transiissao eletrdnica) devido as mudangas de velocida- de do agrimensor, esta “cabega de leitura” do conTINUUMem questio. Uma ontra questo se faz necesséria aqui: sea reta é 0 caminho mais curto entre dois pontos, deve-se considerar o postulado de Eu- clides como uma sublimagao da velocidade?... De fato, desde o inicio do século temos assistido ao desaparecimento progressive da distan- Gia-espaco (metro, quilémetro) e, ha pouco tempo, também estamos assistindo ao desaparecimento pretensamente progressista da distant cia-tempo, com 0 avango das tecnologias de ponta (telemétrica, te- lemética € supersdnica), A medida da extensio do movimento é a partir de agora, quase que exclusivamente a medida de um vetor téc- nico, meio de comunicagao ou de telecomunicagio que dessincroniza ‘0 tempo do espago do trajeto, da mesma forma como o gedmetra do passado defasou sua realidade geomorfoldgica tentando dimension’ la, submetendo os terrenos, a terra como um todo, 20s sistemas de des- Jocamento de uma representagio geométrica ¢ geodésica. E preciso reconhecer que hoje em dia os sistemas ¢ instrumentos de medida so menos cronométricos do que cinemométricos; nao é mais o tempo de passagem que serve como padrio para o espago percorrido, mas sim a velocidade, a distincia-velocidade, que tomnou-se a medida, a dimen- sdo privilegiada tanto do espago quanto do tempo. a4 Paul Vielio Nos transportes supersénicos, por exemplo, o velocimetro no mais registra 0s quildmetros percorridos, medindo apenas a intensi- dade de acelecagao, este machimerro que & apenas 2 relagio entre a velocidade de um mével ¢ a velocidade do som na atmosfera onde o primeiro se desloca. Mas esta “unidade de medida”~1do € uma verda- deira unidade de velocidade, pois a propria velocidade do som é pro- porcional a raiz quadrada da temperatura absoluta. A sitima unida- de de medida, o tltimo padrdo de transferéncia € portanto, como vi- ‘mos anteriormente, a velocidade absoluta, ou seja, a velocidade da luz Culto solar tardio, 0 britho do so! tornou-se o padrao da relati- vidade, o padrio de transferéncia de toda realidade, ‘A luz da velocidade ilumina 0 mundo, a matéria, no momento em que Ihes dé uma representacdo, mas uma representacio na qual a violéncia de sua fusio, a poténcia de sua emissio, substituiram a tra jetoria do sol da aurora ao ocaso. De fato, 0 dia e a noite deixaram de organizar a vida, a cidade, a partir do momento em que o espago € 0 tempo perderam sua importancia pritica para dar lugar a uma maior transparéncia, a uma maior profundidade, profundidade cinemomé trica em que a luz subitamente adquire o status de “matéria-prima” Neste dia-falso, nao ha mais diferenga sensivel entre 0 espago oculto das representagdes microscépicas e © espaco visivel das percepcoes macroscépicas; trata-se af da propria fratura morfoldgica, origem desta confusdo cuidadosamente sustentada entre o espago ¢ sua forma-ima: gem, entre o tempo ¢ sua desrealizagao técnica, Um mesmo desvela~ mento sin6ptico se da aqui: as grandes distancias nao ocultam as apa roncias do mundo distante mais do que a opacidade dos materiais ‘oculta o estado intimo da matéria. Bsta “teansparéncia”, que nao deve ser confundida com uma dimensdo fisica qualquer, esta nao-separa~ bilidade a um s6 tempo quantica (o infinitamente pequeno) ¢ dtica, 6tico-eletrdnica (o infinitamente grande), deveria nos remeter de Eucli des, cujo postalado implicava uma velocidade propicia, a Galileu, para destacarmos que sua huneta, sua luneta astronémica prefigurou as mais altas velocidades de aproximagao possiveis, de onde a ambigitidade de imterpretagao mencionada anteriormente, o conflito entre a teolo- sia catdlica e a teleologia cientifica em relacio as formas-imagens da Stica entio nascente, conflito este do qual o sabio foi vitima. Finalmente, 0 conflito de interpretagies entre o astrénomo ¢ a Igreja sobre a forma e 0 movimento do planeta dissimulou wm aspec- 10 essencial em que transpdrecia, pela primeira ver talvez, para alé 0 Espago Critica 45 — ae ddas aparéncias imediatas, a grandeza primitiva da velocidade da luz, ‘0 cardter motor das lentes adicionais do “telesc6pio” primeiro vetor rapido da histéria, surgido bem antes das maquinas de propulsio, ‘maquinas que muito mais tarde proporcionaram a verificagao, em tamanho natural, da proximidade aproximada ou antes teleobser- vada25 No século XVIl 0s tedlogos seriam levados a colocar uma ques- ‘0 extremamente pertinente: “Uma missa assistida através de uma lu neta tem valor? Deve-se considerar que o fiel que teleobserva desta for- ‘ma a liturgia dominical tenha assistido realmente a0s oficios religio- 8082”... A resposta era negativas a assisténcia & missa televisada no ainda hoje, reservada aos idosos, aos doentes ¢ aos deficientes? Di- versos problemas socioculturais e geopoliticos se dissimulam sob este ‘ipo de interpretagio, problemas que nao se deve tentar resolver apres- sadamente na medida em que dizem respeito, em primeiro lugar, 3 pro- sximidade urbana, 4 unidade de vizinhanga fisica dos bairtos da Cida- de, primeira proximidade massiva da historia do povoamento do es- aco e da organizacio dos terit6rios, que hoje entra em conflito aberto ‘com a das telecomunicagées. Nos confins da teleologia e da topologia (das redes, dos fluxos) cexisteatualmente de forma latent, virtual, uma tele-topologia das formas- ‘imagem queé apenas a expresso superfciale momentanea detuma toryao, de.uma distoreao do vetor-velocidade (de transporte ou de transmissio). O fim da delimitagao das superficies, dos volumes, assim como de toda extensio fisica em beneficio da comutagao instantinea da interface parece fazer par ao principio da incerteza e & afirmagio, hoje em dia renovada, da ndo-separabilidade das particulas clementares nos acontecimentos da mecénica quantica. Com esta espécie de apercepcao tele-topologica, se 0 PuNcTtm reencontra sua importincia primeira e se a luz tomna-se subitamente matéria-prima, a transparéncia em sitor- nna-se uma substincia, um material novo que nao é mais exatamente © espago/tempo e que deve ser analisado, inventariads, até atingicum sgrau de pureza insuspeito, “grau de pureza” que corresponde ao gran de resolugao da forma-imagem considerada (infinitamente grande ou equena}, de onde a utilidade, a necessidade te6rica e pratica do ana- lisador vetorial, este vetor velocidade de representacdo que se tornou a tiltima “dimens4o” de nossa percepcao. Tudo isto foi verificado quimicamente com o surgimento recen- te de materiais novos que possuem propriedades andlogas, como 0 plexiglas, as cesinas transparentes dos materiais plasticos, etc., assim ad Paul Vieilio como com a inovacio, desta ver. eletrOnica, das diversas telas de vi- deo, terminais ou monitores, tubo catédico ou tela matricial, tela de plasma, até a bolografia obtida através das performances do raio de Stuzcoerente” do laser... Esta tendéncia, constante desde 0 AUFKLARUNG, confirmou-se ainda com os recentes desenvolvimentos dos meios de jnvestigago microscdpica e a pesquisa das cavidades siltimas dos ma- terials densos, através das videoperformances do novo microscépio eletrénico de varredura que, 20 contrario do microscépio eletrénico de transmissio (MET), reproduz a terceira dimensio aparente do infi- nitamente pequeno, assim como possibilita “planos-seqiiéncia” sob: ferentes angulos de tomada de imagens. Reencontramos aqui um aspecto da crise das dimensoes inteiras, com a nogio de densidade global da matéria, questio que, pode-se dizer, prolonga a da extensio aproximada citada anteriormente: “Sabe- se”, escreve Mandelbrot, “que a densidade média da matéria decres- ce continuamente quando se leva em conta volumes cada vez. maio- res, € as observagdes ndo nos do nenhum motivo de supor que esta tendéncia no prossiga em relagio a distancias muito maiores e den- sidades bem menores.” Nesta visio teletopoldgica, o universo “inteiro” se comportaria, portanto, como o novelo de ld: “Em uma zona mediana”, prossegue Mandelbrot, “sua dimensao seria inferior a 3: em escalas muito gran- des, ela seria inferior ou igual a 3. Em todo caso, em relagao is esca- las muito pequenas do ponto de vista da astronomia, onde encontra- mos sélidos com bordas delimitadas, a dimensao voltaria a ser igual a Le depois a 3.” A fratura morfoldgica, portanto, no poupa a extensio € a es pessura da matéria, nem tampouco as supostas dimensdes inteiras. Mas € preciso que se repita ainda uma vez que, dado que as massas mais ‘ou menos denssas ¢ os comtprimentos maiores ou menores so fungdes da velocidade (Einstein), esta aparente ruptura do conriNuuws tem a ‘Yer menos com o espago mensurado, analisado, do que com 0 efeito da celeridade, esta celeridade que a partir de entdo mostra ser menos uma “aceleragao” do que uma “iluminag40”, menos uma velocidade do que uma luz subliminar, luz da velocidade (da luz) que ilumina 0 mundo no momento em que da a este uma representacio. Uma vez que o visivel é apenas o efeito de superficie (interface) da instantaneidade da emtissao luminosa e que, além disso, 0 que pas- sa cada vez mais répido no nivel ocular & pereebido cada vez, menos 0 Espage Critica "7 nitidamente, devemos reconhecer que 0 que pode ser visto no campo petceptivo 0 é gracas & intermediagao de fendmenos de accleragao & de desaceleragio inteiramente identificdveis com as intensidades de iluminagao, Se a velocidade & a luz, toda a luz, entdo a aparéncia é 0 que Se move, ¢ as aparéncias sio transparéncias momentiineas e en- ganosas, dimensées do espaco que nao passam de aparicdes fugitivas, assim como as figuras, os objetos percebidas na instante do olhar, este olkar que é,a unt s6 tempo, 0 lugar eo olho. As fontes de velocidade igerador, motor, semicondutor, micro- processador...) si portanto fontes de luz ¢ de imagens, de “formas- imagem” do mundo quando se trata das dimensdes deste itimo. Pro- vocando a aparicao e o desenvolvimento das grandes velocidades, a revolucdo cientifica e industrial contribuiu para desenvolyer também lum grande niimeto de formulas € de clichés relacionados & nova re- presentacao das diferentes grandezas fisicas. A revolugao dos trans- portes e das transmissoes provocou desta forma a industrializagao da ‘empresa artesanal das aparéncias (geometrais, pictuas, arquiteturais. Fabrica de velocidade e portanto de luz e de imagens, esta tomou-se subitamente projecio cinemética da realidade, fabricagao do mundo, deum mundo de imagens artificiais, montagem de segiéncias em que a Stica da ilusio motora renova a ilusao de ética Através da constante renovacao das relagDes entre a aparéncia € ‘0 que se move (de Copérnico a Newton, passando por Galilew e Des- cartes), a geometria ocidental operou a regulagem das diversas forcas de penetracio \motricidade energética) e das diversas formas de repre- sentacio (a ética cinematica}. Através da atualizacio das aparéncias, revelando a matéria como perspectiva, ou seja, como dimenséo obje- tiva, a empresa geométrica acelerou sua dissipagdo, sua fragmentagao infinita, no proprio ritmo da extetminagao das distincias e das dimen- 4 velocidade permitindo, enfim, romper sem dificuldade a dis- tancia entre a fisica e a metafisica. Vv A profundidade de tempo sucedendo assim as profundidades de campo do espago sensivel,a comutacio da interface suplantando a deli- mitacdo das superficies, @ transparéncia renovando as aparéncias: nao estariamos no direito de nos perguntar se o que insistimos em chamar 8 Paul Viritio de EspacO nfo seria tio-somente a iu, uma luz subliminar, para-Sptica, ‘em relagao A qual o brilho do sol seria apenas uma fase, um reflexo, ¢ isto em uma duragio cujo padrao seria menos o tempo que passa da historia e da cronologia do que o tempo que se expde instantaneamentes ‘0 tempo deste instante sem duragio, um “tempo de exposigio” (de superexposigao ou suibexposi¢ao) Cuja existéncia ceria sido prefigurada pelas técnicas fotogréficas e cinematograficas, tempo de ulm CONTIN privado de dimensdes fisicas, em que 0 quantum da agao (energética) ‘© 0 FUNCTUM de observaciio (cinemética}teriam se tornado subitamente as dltimas referéncias de uma realidade morfoldgica desaparecida, transferida para o etemno presente de uma relatividade cuja espessura ¢ profundidade topolégica e teleotégica seriam as deste riltimo instri- mento de medida, esta velocidade da luz que possai uma direcao que é, a um s6 tempo, sua grandeza e sua dimensio e que se propaga com a mesma velocidade em todos os azimutes... “O tempo é o ciclo da luz”, escrevia ha meio século o tedlogo, protestante Dietrich Bonhoeffer. Parafraseando Leibniz e substituin- do, como se tornou legitimo, a palavra “matéria” por “luz”, na po- deriamos acrescentar hoje: “O espago ndo é nada sem a luz”, esta ‘matéria-luz que representa para a apercepcio energética do cosmos contemporanco o que o éter ainda ontem representava para 0s fisicos € outros metafisicos... Diante desta concepgao hiperrealista do universo, esta sibita descegulamentagio das aparéncias fisicas em que a localizagio e a identificacao perderam progressivamente seu significado, assim como as distingdes de “fundo”, de “forma”, de posicao e de disposicéo no cespaco-tempo, seria conveniente que nos perguntassemos sobre 0 status filos6fico da relatividade. “Toda imagem tem um destino de crescimen- 10”, explicava Bachelard em sua poética do espaco; foi exatamente 0 que acontecen as antigas superficies de inscrigdo (grafica, forografica «© cinematogréfica) com 0 advento da interface. Este conceito recente, esta concepgao das “superficies-suporte” que concede um volume ao ‘que no o possui visivelmente ¢ que, inversa ¢ simultancamente, pri- va de volume o que se estende ao longe, tende agora a substituir di- versos termos que antes designavam as propriedades fisicas do espa- 0 {delimitagio, dimensdo, etc.) e amanha, quem sabe, chegue mes- mo a substituir 0 proprio espago-tempo.. A partir do momertto.em que, por exemplo, afirma-se que 0 es- ago é nada mais do que uma nogao estatistica, a parti do momento © Espago Critico 9 em que nos afastamos das pervepgdes sensiveis, em beneficio de aper- cepedes tecnolégicas no limite da inteligibilidade, como o fizecam os adeptos da mecanica quantica ou os astrofisicos em relagao a génese do universo, coniribui-se para transformar o espellio ems um corredor, ‘um lugar de passagem obrigatdria do narcisismo cientifico, para além de toda reflexio, de onde a invencao destas “matemsticas transcen- dentes” (que conta com a participagio de Lewis Carrol), desta logéstica ‘matemdtica em que as representages do continuo ¢ do descontinuo se comunicam.?* A “superfluidez” e a “supracondutividade” que se observa em determinados materiais densos submetidos a temperaturas extrema- mente baixas € que sao efeitos quanticos macroscdpicos prefigaram admiravelmente esta “nio-separabilidade” teletopoldgica, a genera~ lizagdo Futura da nosdo de interface, este crescimento provavel de uma “forma-imagem” oriunda das tecnologias avangadas (videogrifica, infografica, hologeafica.... Finalmente, a interface surge como uma repercussdo pritica da nogao tebrica e relativista de coninvuns. Sem esta tiltima nocio, a primeira provavelmente jamais veria o dia, mas este “dia”, observemos, se aproxitna muito do dia dos metafisicos, nada tem de comum com o dia de nossas atividades cotidianas, a “luz” de que st trata aqui nao é mais a da astronomia, a do astro solar, mas apenas a luz da teoria?”, de uma teoria energética surgida no inicio do século (1905) ao mesmo tempo em que o cinemardgrafo dos irmios Lumiére € a aviagio, estes grandes vetores de transformagao (audio- visual, aucomével) das aparéncias sensiveis. esta forma, com Einstein, mas sobretudo com a revolugdo dos transportes e das transmissdes, se impde a idéia, a ideografia de um espago em quatro dimensdes, um espaco em que 0 movimento retili- neo ¢ uniforme desempenha o papel da linha reta no espaco euclidiano em trés dimensGes. A velocidade do postulado de Euclides nao é mais sublimada, hé um amélgama do espaco ¢ do tempo, esta fusio/confu- so de duas variaveis até entio inconcilidveis abre 0 caminho para outras probabilidades ao introduzir novas varidveis. f entdo que os hipervolumes e hiperespacos generalizario as nogées, desta ver cos- ‘umeiras, de contetido (volume) e superficie (extensio), as quais con- duzirdo mais tarde & generalizagio da interface. Se, desde 1919, trés anos portanto depois da teoria da relativida- de geral, Haussdorf introduzia a noo de dimensdo generalizada, sus- Finalmente, constatamos aqui que as dimensGes *fraciondrias” s40 as herdeiras desta dimensio perdida, deste FuNCTUM informatico, este PXEL que permite a projecao instantdnea dos dados, a representagiio de uma forma-imagem digitalizada (sintética), mas também, como vimos anteriormente no exemplo da aeronave supers6nica, a apresentagao, em ‘tamanho natural, de uma forma-objeto, de uma célula aeronave interati- vva, da qual sio desejadas performances iguais 4s do movimento brow- niiano ou, para ser mais preciso, as de um vo browniano. A partir do momentd em que nos lembramos da importancia do estudo das marbuléncias em Richardson e Mandelbrot edo papel da and- © Espago Critica 7 [ lise dos movimentos brownianos para o desenvolvimento dos “fractals”, tngo podemos evtar decomparar a busca de uma manobrabilidade aero- nautica mais ampla atcavés do controle de incessantes turbuléncias em Jfiregao e altitude com esta pesquisa sobre os acidentes, os fractas, na ‘variagao continua das dimensdes inteiras. De fato, o estudo das varia: {ges da extensto aproximada do litoral feito por Richardson ¢o esta- jo da vatiasio continua das dimensbes por Mandelbrotséo insepardveis deama nova apercepcio do espago, apercepgao relativsta que equivale “anndo mais sublimar a equivaléncia das extensGes edas velocidades, tanto tha representacio das fignras quanto na configurasio dos objetossaper- ‘epodo que terminaré por considerar as dimensdes aio somente come entrépicas, no sentido da termodinsimica, mas também como informa- tieas, no sentido que Claude Shannon da a este termo em sua teoria da informagdo, Todos estes fatores cendem a explicitar, além da crise das ddimensdes “imeiras”,a perda das nocoes habituais de superficie, de linir tagio eseparagto, para dar higara nogdes como interface, comutagao, iprermiténciae interrapedo, o que sem cvida deverd repercutis na con- ‘epcio e também na construgio, nas teenicas de edificagdo. Ao mate- ializat figuras impossiveis de se ver de outra forma, a infografia exter- nina as trés dimensdes, assim como a holografia extermina 0 relevo € aelevisdo a0 vivo o fazcom a profundidade de campo do espaco real. Finalmente, o terminal Grico-cletronico representa pata Mandel- bot o que o telescdpia dtico representava para Galileu ea cinemacros: copia para Jean Painlevé, cada uma destas tecnologias operando em seu proprio tempo um deslocamento das aparéncias, ransferencia que teidencia nao somente entidades, substancias ou clementos distintos, thas a transparéncia absoluta, esta transitividade em que o padréo primario das dimensdes inteiras pode apenas ser abandonacio, esaue- Eido, para dar lugat a0 padrio de transferéncia das dimensOes fra- Shonda, fratura através da qual as dimensbes geométricas s20, para os projetistas, apenas “efeitos de superficie” momentineos, assim como ts profundidades do espago geogrfico 0 sio para os viajantes de urn arismo supersonico que se esforca nfo somente para apagar a exten Edo da costa da Bretanha mas em apagar o Atlantico, jé que em wm periodo de aproximadamente trinta anos o tempo de sua travessia Favin-se de 24 horas, com escalas, para trés horas ¢ meia.~ De fato, o enquadramento do ponto de vista dos projeristas na tela do computador niio tem mais nada em comum com 0 dos espec- tadores e telespectadores, tiem tampouco com 0 dos quadros de refe- 88 Paul Viitio téacia da representagio grifica eforogra ’ ca e forogréfica, na me ue con- tem todos es, udosem uma mesma inert, em una ein eo mmutagio de visio" que impossibilta qualquer distingao nocmativa mataio de wo" gue imp qualquer distingio normativa Como explicava ainda recentemente 0 lh centemente o pintor Kandinsky; “As leis de harmonia, hoje interiores, serio extetiores no futuro” Deepa atualmente a epresenagi seen para lem dove par ale las aparéncias perceptivas e dos quadtros conceituas tradicionas, a onto deni se poder mais fze uma dino vide de diferensa denatrea nro cons como se a8 enolase ss anos, atoms.) tresem deanrade a oere- Gio direra, 0 senso comumy como se as ténicaseinematogriticas © videogrficas tivessem sido nada mais do que signos precursores, os sintomas de uma desrealizagdo das aparéncias sensiveis com a inven- «io artesanal da fusdo (dissolving view), do feed-back, da cimera lenta © da acelerada, do zoom ¢, finalmente, da transmissio ao vivo e d ‘etransmissdo.. Teenologias que ant i 2 a anteciparam uma questio resun Goa ites pabeocan ah Tocca ere a 0 sinico grande problema do cinema i nema me parece ser, cada v mais, cada filme, ondee por que comeyar um plano e onde porque Em sua, a vida preenchea tela a , che a rela como uma tomncitaench soa Rte essen gu 5 ooca ao soment par os cinssas para diversos responsiveis, diversos profssionais eem particular para urbarisis os argues, Aspeto do indeerinsmo cient fico contomporineoeuja ie das menses am um stoma crise da decbag eo da montage (ised repesetacioe no da consrugio) ise gue di espe ano a macesopa guano a niroscopi, tanto a0 scarmer quanto a esta nova cimera de positrons, clea que permite registra atvidade ds den cerebras. 2 onto de preter tn enim imagen nin dori ea iMaco da qual o neurobiologista Jean-Pierre Changeaux nos assegur a concretude ao declarar: evieeee ___“Amateralidade das imagens mentas nao pode er colocada em divida"consibuino asim para eta disingio ente “obo” “figura”, ponto de intiular um dos capitulos de seu lveo: 08 obje fos ments come seas mages vita da fornia a8 ages televisuais no tvesemsidtnada mais do que a sindzome de uma tans paréncia pr6xima, transparéncia que afetaria desta vez consciéncia O Bspago Crtico ago “© mt ‘Com os objetos mentais, o materialismo cientfico cai em sua propria armadilha ¢ ¢ forgado a reconhecer a densidade aquilo que visivelmente nao a possui: as figuras do imagindrio, as virrualidades da conscifncia. LA onde os microsedpios, os telesc6pios ¢ outros meios de observagdo aperfeigoados permitem ver o que nao eta realmente ‘visto, as tecnologias de investigago avangada parccem se preparar para dar um corpo, uma corporeidade a algo que néo a possui. Depois da descoberta das propriedades ampliadoras das lentes Gticas, 0 uso da luncta astronémica por Galileu, depois da invengio da cronofotografia por E.]. Marey, a exploracdo macrocinematogratfica do ndo-visivel por Painlevé, trata-se da emergéncia do acorporal; a figura torna-se um objeto auténomo e a imago transforma-se em uma imagem objetiva, a ponto de determinados psicélogos continuarem a falar sobre esta usando as nocées de espaco, de dimensdes: “As imagens mentais”, explica Stephen M. Kosslyn, “surgem ‘em uma espécie de espaco tridimensional. Isto no quer dizer de fox- rma alguma que as imagens surjam em um espaco tridimensional real, mas somente que surgem em um meio que possui determinadas pro- priedades funcionais comuns aquele tipo de espace. E 0 caso, por exemplo, de uma mattiz tridimensional na memoria de um computa- dor: trata-se realmente de um espago tridimensional, nao fisico, mas funcional”.'° ‘Qu antes, em nosso entender, matricial, jé que o termo “funcio- ral” se presta muito mais 4 confusio, de onde a probabilidade de um novo deliio de interpretacao entre “figura” “objeto” conflito ana- égico que podemos encontrar ao longo de toda a historia dos conhe- ccimentos cientificos. Alids, a analogia prossegue ainda com as meté- foras de agrimensura, modelo de referéncia da medigao ¢ da tomada de imagens, mas, igualmente, modelo de destocamento do objeto em ‘sua representacio. Depois da medi¢ao geodésica do arco do meridian realizada por La Condamine e seus companheiros, depois da medi¢i0 realizada por Delambre e Méchain, primérdios da metrologia e, mais recentemente ainda, com a medigao da extensio da costa da Bretanha por Richardson e Mandelbrot, é Stephen M. Kosslyn, professor de psicologia em Harvard, que prope uma experiéneia: medir wma itha desenhada mentalmente a fim de testar a equivaléncia entre as distan- cias cartograficas e o tempo de percurso mental. 90 Peul Visio Para este fim, Kosslyn pede que seus alunos desenhem o mapa de uma iha com a praia, a cabana, as drvores, as rochas, etc. dispostas «em pontos precisos. Fm seguida,retira omapa e pede que cada um realize “imaginariamente” uma exploragio em dircgao & praia, & cabana, as frvores... Segundo ele, um fato significativo é que a duracio da agri ‘mensura imagindria varia de forma linear com as distancias reais dos pontos marcados pelo sujeito no mapa, como se a cartografia mental contivesse a mesmo informagao sobre as distncias do que o mapa real... De fato, se as imagens mentais despertaram o interesse dos psi- célogos no século XIX, a invencdo da fotografia nao é estranha ao ccontexto; € se, hé alguns anos, assistimos a uma retomada deste inte resse cientifico, em detrimento dos behavioristas, os progressos da infografia e da holografia também esto relacionados com isso. As- sim como os “clichés” resultantes do tempo de exposicao das placas fotograficas representaram uma primeira forma de explicagao, as ima- gens virtuais do computador grdfico parecem confirmar nao somente a existéncia de tal representagio, mas ainda a presenga objetiva das imagens mentais, a ponto de fazé-las perder (principalmente em neuro- biologia) seu status de imagens virtuais para acedé-las a condicao de objeto mental, o que J.P. Changeaux reafirma ao escrever no fim de tum capitulo consagrado ao tema: “Nao ¢ ut6pico vislumbrar que um dia @ imagem de um objeto mental apareca em uma tela”. Contrariamente & interpretagio de um Rudolf Arnheim'”, nesta nova abordagem do pensamento visual, originada essencialmente dos progressos da foto-cinematografia, as nogées de tempo e de velocida- de de exposicio parecem ser relegadas a segundo plano em beneficio quase que exclusivo dos sistemas de coordenadas tradicionais, ainda ue, como vimos, 0 estudo das propriedades das imagens mentais s6 possa se realizar através de deslocamentos, rotagdes e translagdes que exigem o exame das distncias de tempo, a consideragio da velocida- de de execugo de movimentos imaginarios a tal ponto que, retoman- do os termos de Shepard ¢ Metzler, J.P. Changeux descreve a deter- minacao das formas como uma espécie de rotagio mental no espaco tridimensional que se efetua a uma velocidade de aproximadamente 60 graus bor segundo, as imagens mentais se comportando, no fim das contas, como se possuissem a um s6 tempo uma sigides fisica e uma velocidade de rotago mensurveis, Esta insisténcia na reytilizagio dos dispositivos dimensionais e matriciais utilizados para balizar 0 espaco fisico geofisico para a © Espago Critieo 91 abordagem do espaco mental parece um absurdo, um absurdo analé gico que faz a economia do adquirido, ou seja, das caracteristicas tem- porais de tais representagdes. Retomar a velha bagagem da resolugio da imagem geométrica no exame destas imagens da auséncia da ima- gem € se privar voluntariamente de fatores de interpretacdo essenciais para a compreensio do modo de formagio do espaco mental, tal como 2 fotografia, a cinematografia, mas sobretudo a holografia nos indi- caram, Dai a pergunta: Err qual luz aparecem as imagens mentais? Trata-se de que dia? De fato, 0 problema da forma-imagem nao é tanto o da sua for- ago geometral®, mas antes dos modos de aparigao ¢ desapareci- mento que dizem respeito & luz, 3 substancia de uma “luz” solar, qui nica, clétrica ou de outro tipo, “substincia” que a fisica contempo- ranea nos ensinou a considerar como material e que as técnicas da foto- sensibilidade (6tica, energética...) nos acostumaram a utilizar, tanto com as chapas fotograficas do passado, 0s filmes, as células foro-sen- siveis, a radiografia, etc. quanto, bem recentemente, com a invengao desta ideografia que permite ver a atividade figurativa das areas cere- brais, esta camera de positrons capaz de detectar os fotons (ou quantum de luz) geagas a uma grande quantidade de células foto-sensiveis es- palhadas pelo cranio do sujeito consciente. Fazer a economia destas conquistas no momento preciso em que se prepara, em laboratério, a superagao da cletrOnica do “transistor” pela forénica do “transfésico” (transistor Sto), a realizagio proxima de um verdadeiro computador stico utilizando as variagoes de inten sidade de feixes huminosos em vez da cortente elétrica (a exemplo das redes de fibras éticas) e capaz de processar bilhdes de operagdes por segundo, é se privar das bases de raciocinio necessdrias ao exame das propriedades figurativas do imagindrio, mas também a redefinigo filosética e cientifica das nogées de espago, tempo € dimensoes. ‘A partir do momento em que observamos hoje a sucesso de formas-imagem que se oferece & nossa percepcao (direta, indireva, diferida...), constatamos que nos encontramos, uma vez mais, diante de um sistema fechado, sistema de representacao do qual nao se pode estimar a configuragio exata, Desde as imagens mentais (imago, loci...) passando pelas ima- gens ocular, binocular e dtica, imagens grificas, fotograficas, cinema- togréficas e videograficas, passando pelas da holografia eda infografia, até esta Giltima ideografia (imagem mental reencontrada no espelho das 2 Paul Vieilio ‘tecnologias avangadas) que culmina a reversio efetuada pela radios- copia ¢ pela endoscopia a0 nos deixar ver, ndo somente nossos érgios internos, mas também nossos préprios pensamentos, nos encontramos na presenga de um verdadeiro caleidoscépio, depésito de imagens, de figuras, cuja coeréncia jamais € questionada, persuadidos que estamos desde 0 Quattrovento da unidade do real ¢ de sua representagio. Na verdade, em breve seremos obrigados a realizar uma dilacerante revi- siio de nossos conceitos figurativos. Uma tal “reconstrugio” nao deve aliés ser responsabilidade tinica dos fisicos, dos flésofos, mas também dos arquitetos, urbanistas e outros gedmetras, ja que aquilo que se produz hoje na interface homem/mdquina, a superexposicdo de telas, se produz também no face a face homenvambiente, a exposicéo da visio imediata. Se, na fisica do infinitamente “pequeno”, a aparéncia das superficies esconde uma transparéncia secreta, uma espessura sem espessura, um volume sem volume, inversamente, na fisia do infinita- mente “grande”, as maiores distancias de tempo ¢ as mais vastas exten- ses no mais ocultam a visio direta, a ponto de a percepao dos fa- tos dar lugar a fatos de percepgao semt precedentes que reajustam os dados da consciéncia, mas cuja realidade sensivel nao pode mais ser apreendida, A partir do momento em que nos lembramos, por exem- plo, que o inventor do iconascépio (primeira denominagao da televi- sdo), Vladimir Zworykin, pensava menos em desenvolver, em 1933 1s laboratérios da RCA, um meio de informagio de massa do que uma forma de aumentar a capacidade da visio humana, de aperfei- goar 0 olho elétrico, chegando mesmo a propor a instalagao de um aparelho de tomada de imagens em unt foguete para observar as re- ‘sides inacessiveis do espaco, antecipando em alguns anos as sondas Pionneer, Voyager ¢ Explorer, compreende-se melhor a equivaléncia da dtica (telesc6pia ou televisual) ¢ da energética, equivaléncia que resulta hoje em uma fusdo entre os vetores da representacio acelera- da (eletrOnica ou fotdrtica) e os da comunicagao hipersénica (avio, foguete, satélite...),fusdo/confiusao do real e de sua representacao em que analogia da ilusdo de ética e da ilusdo motriz se confirma, e onde a célebre “conquista do espaco” é apenas a aquisicéo de uma imagem dentre outras possiveis, uma “forma-imagem” definitivamente priva- da de objetividade. ‘Nestas condigdes, a equivaléncia relativista das extensdes e das velocidades torna-se um “fato,dle percep¢a0”, um dado imediato da consciéncia semelhante ao do postulado de Buclides. Nao somente a © Espago Critico 93 velocidade nao € mais sublimada, mas também é ela que da forma as imagens: imagens da conscigneia (imagens mentais ¢ oculares) € con: cigncia das imagens (6ticas ou dtico-etetrdnicas). Se a velocidade portanto 0 caminho mais custo de um ponto a outro, a caracteristica essencialmente redurora de toda representagao (sensivel e cientifica) no é nada mais do que um efeito de real da aceleragio, um efeito de Gtica da velocidade de propagacio, velocidade metabolica no exem- plo das imagens mentais e oculares, velocidade tecnolégica no das formas-imagens da representagio fotogrifica e cinematografica, nas imagens vireaais da infografia € na representagao dos lasers dticos. ‘Assistimos alids a um acontecimento de certa forma subestima do que tende a respaldar este ponto de vista: 8s duas geometrias, eucli- diana e ndo-euclidiana, actescentam-se a pattir de agora ¢, a0 que parece, de forma igualmente legitima, dois espagos, daas concepgoes fisicas, a da mecanica classica (newtoniana), segundo a qual nao pode haver interagio entre um campo (elétrico ou eletromagnético} ¢ 0 va io — pois o vazio clissico é por definicio um estado em que nao existe ‘nem matéria, nem energia —e a da mecdnica quantica, em que omes- mmo vazio possui uma estruturagao que pode modificer a propagacao dos campos de forca. ‘Como explica o fisico Claudio Rebbi: “A estrutura do vazio é uma consegiténcia do principio de incerteza de Heisenberg. Uma versio deste principio enuncia que, para todo acontecimentofisico, existe uma incerteza sobte a quantidade de energia liberada durante 0 aconteci- mento, incerteza que é ligada & incerteza quanto ao momento exato «em que este acontecimento ocorreu. Para todo acontecimento de du- racdo extremamente curta, existe portanto uma grande incerteza so- brea energia. Desta forma, durante todo intervalo de tempo extrems- mente cutto, existe uma forte probabilidade de que 0 vazio quantico possua uma energia nao nua.” Estrutura do vazio, energia do vazio suscetivel de se manifestar através da ctiagio ou da aniquilagio espontiinea de uma particula, da aparigZo ou desaparecimento de um campo nas diversas regiGes do espago. Sem prejulgar a validade cientifica de tais argumentos, pode- ‘mos entretanto deduizr intuitivamente a impottincia desta nogio de interagao a parti do conceito de interface, tanto no que diz respeito as concepgdes da fisica tedrica quanto na abordagem das questdes de comunicagao e telecomunicagao, dos fendimenos “teletopoldgicos” evocados anteriormente; coisa que, segundo suspeitamos, nao deverd 94 Pacl Viriio i i | deixar de influenciar a organizagao do espago e do tempo, jé que, con- vém lembrar: todo sistema interativo supde um confinamenta, uma inércia e graus de liberdade, confinamento inercial que, algum dia, po- deria substituir o destocamento real (de pessoas, de objetos) como este ‘timo sucedeu ao aprisionamento, 4 sedentaridade metropolitan Vv Imagem interativa, cidade interativa, se toda imagem é destina- da d ampliagao, deve-se considerar que na era da nio-separabilidade este destino se cumpre sob nossos olhos gracas ao desenvolvimento conjunto do ambiente eletrénico urbano e da arquitetura de sistema, arquiterura improvavel, mas cuja eficiéncia nao se pode negar. Ubigiiidade, instantaneidade, povoamento do tempo suplanta ‘© povoamento do espaco. A organizacio durdvel dos continentes su cede-se neste exato momento a incontinéncia generalizada das trans feréncias e das transmiss6es: a0s 300 milhdes de turistas antais, 20s 100 mil passageiros didrios das companhias aéreas, juntam-se centenas de milhares de auromobilistas, de telespectadores, prenunciando a multi- io incontével dos interlocutores da telematica, os “tele-atores” das m: quinas de transferéneia: dat este declinio dos grandes conjuntos poli- ticos ¢ juridicos, a descolonizacdo, a descentralizagao, os primérdios desta desurbanizagao “pos-industrial” da qual j4 podemos avaliar os efeitos, aqui ali, na Europa ouna América, sem falar nos fendmenos de hiperconcentraco de determinadas megalépoles comoa Cidade do México, capital que absorve o México e deverd ter até 0 final do século 40 milhdes de habitantes, assim como Xangai e Sao Paulo devetao con- tar, cada uma, com 30 milhdes de habitantes... Hiperconcentragao que nenhum urbanista digno de tal qualificago arriscaria interpretar como significativa de uma sobrevivéncia, de um desenvolvimento da forma urbana, mas antes como indicativa de uma massa-critia, indice cata clismico de uma desintegracao proxima da cidade histérica, da utba- nizagdo tradicional e, igualmente, da forma-Estado. De fato, a geopolitica das nagées que ainda ontem supumha o pri- vilégio hierarquico do centro sobre sua periferia, do vértice sobre a base, 6 “radioconcentrismo” das trocas e das comunicagdes horizontais, per- de seu valor, assim como’a ¢xtrema densificagao vertical, para dat lu- gar a uma configuragao morfolégica inaparente em que 0 NoDaL? su- © Espaco Crisco 9s stem um ambiente eletrdnico dominante no qual a “tele localizasao” favorece 0 desdobramento de uma excentricidade gene- ralizada, periferia sem fim, sinal precursor da superagio da forma urbana industrial, mas sobretado signo do declinio da sedentariedade metropolitana em beneficio de um confinamento interativo obtigato- rio, espécie de inércia do povoamento humano para a qual pode-se propor o nome de feleconcentrismo, enquanto esperamos que 0 ter- mo homeland venha substituir 0 de grande subirbio. A oposigo Eaqui, ercio eu, que a “ecologia” encontra seu limite, sua insu- ficiéncia tedtica, se privando de uma abordagem dos regimes de tem- poralidade associados aos diversos “eco-sistemas”, em particular aque- les que tem origem na tecnosfera industrial e pés-industrial. Cigncia do mundo finito, a ciéncia do meioambiente humano parece se privat voluntariamente de sua relagdo com o tempo psicolégico. A exemplo da ciéncia “universal” denunciada por Edmund Husserl!, « ecologia 1ndo questiona verdadeiramente o didlogo homem/maquina, a estreita cortelacio entte diferentes regimes de percepgao e as praticas coleti- vas de comunicagao € de telecomunicacao. Emsuma, disciplina ecolégica nao reflecesuficientementeo im- pacto do tempo-ndquina sobre o meio ambiente, deixando esta tarefa a cargo da ergonomia, da economia por vezes apenas da “politica”. Sempre esta mesma auséncia desastrosa da compreensio do carter relativista das atividades do homem da modernidade industrial... E aqui ue, de agora em diame, intervém a dromologia. A menos que se queira ‘vera ccologia comoa administragao publica das perdas ¢ ganhos das subs- tncias, dos stocks que compdem o meioambiente humano, esta disciplina niio pode mais se desenvolver sem levar em conta também a economia do tempo das atividades interativas ede suas répidas mutagSes. (7 Seysegundo Péguy, “ndo existe historia, mas somente wma dura: sao piblica” ,o ritmo a velocidade préprios da realizagio do mundo deveriam dar lugar no somente a uma “Sociologia verdadeira" como prop6s o poeta, mas ainda a uma auténtica “dromologia pil fos esquegamos jamais, a propésito, quea verdade dos fenémenos éseru- pre limitada por sua velocidade de aparecimento, ‘Remontemos agora 3s origens provaveis deste desconhecimento da ritmica publica, Sobre um planeta limitado que se transforma em apenas uma grande superficie, a auséncia de um ressentimento coleti- 106 Paul Vielio vo em relagéo A poluigdo dromosférica tem sua origem no esquecimento do “ser do trajeto”, Apesar dos estudos e clos debates recentes sobre © encarceramento e as privagdes carcerdrias que afetam determinada populacio privada de sua liberdade de movimento — regimes totali- t4rios ou penitenciérios, bloqueios, estado de sitio, ete. — parece que continuamos incapazes de abordar seriamente a questo da trajeto fora dos dominios da mecanica, da balistica ou da astronomia Objetividade, subjetividade, certamente, mas jamais trajeividade. Apesar da grande questéo antropolégica do nomadismo ¢ do sedentarismo que esclarece o nascimento da cidade como forca poli tica maior da Histéria, nao ha nenhuma reflexao sobre a caracterist: ca vetorial da espécie transamante que nés somos, de sua coreogra~ fia... Entre 0 subjetivo e o objetivo parece no haver lugar para 0 “trajetivo”, este ser do movimento do aqui até o além, de um até o ‘outeo, sem o qual jamais teremos acesso a uma compreensio profun- da dos diversos regimes de percepgio de mundo que se sucederam a0 longo dos séculos, regimes de visibilidade das aparéncias ligados & histéria das técnicas e das modalidades de deslocamento, das comu- nicagdes & distancia, com a natureza da velocidade dos movimentos de transporte ¢ de transmisséo engendrando uma transmutacio da “profundidade de campo” e, conseqtientemente, da espessura ética do meio ambiente humano, e nao apenas uma evolugao dos sistemas mi- sratérios ou do povoamento de determinada regiao do planeta. Hoje se coloca portanto a problematica da amplitude residual da extensio do mundo, diante da superpoténcia dos meios de comunic 0 ¢ telecomunicacdo: por um lado, velocidade limite das ondas ele- tromagnéticas , por outro, limitagio, redugio drastica da extensio da “grande superficie” geofisica pelo efeito dos transportes subsénicos, supersdnicos e, ent breve, até mesmo hipersénicos.. Como explicou recentemente um fisico: “Os viajantes contem- poraneos acham o mundo cada vez menos exético, mas estariam er- rados em acreditar que ele esta se tornando uniforme” (Zhao Fusan). £0 fim do mundo “exterior”, o mundo inteiro torna-se subita- mente endético, um fim que implica tanto 0 esquecimento da exte- rioridade espacial quanto da exterioridade temporal (o1-future) em beneficio Gnico do instante “presente”, deste instante real das teleco- municagées instantaneas. Quando havera sari¢des juridicas? Uma “limitacdo de velocida de”, causada no por um provavel acidente de transito, mas em virtude 0 Bspago Critico 107 dos riscos provenientes do esgoramento das distncias de tempo e, por tanto, da ameaca de inércia, ou seja, de acidentes do estacionamento. “De que serve a umn komem ganhar o mundo inter se ele termina por perder sua alma?”... Lembremos que “ganhar” significa tanto “che- gar” e “alcangar” quanto “conquistar” ou “possuir™... Perder sua alma,

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