You are on page 1of 10
O que é Satide Coletiva? Ligia Maria Vieira-da-Silva * Jairnilson Silva Paim + Lilia Blima Schraiber INTRODUGAO, [A Saiide Coletiva pode ser definida como um cam po! de produgiio de conhecimentos voltados para a com: preensio da saide e a explicagdo de seus determinan- tes sociais, bem como 0 Ambito de priticas direcionadas prioritariamente para sua promogdo, além de voltadas para a prevengdo e © cuidado a agravos ¢ doencas, to ‘mando por objeto nfo apenas os individuos mas, sobre- tudo, os grupos sociais, portanto a coletividade (Paim, 1982; Donnangelo 1983). Tratando-se de uma Area nova, nem sempre ha uma preocupagiio em distingui-la da Saitde Piblica. Por outro, lado, observa-se que diversas instituigdes e programas de pés-graduagio e graduagio pertencentes a area da Satide Coletiva tém nomes diferentes, como Instituto de Medicina Social, Departamento de Medicina Preventiva, Bscola Nacional de Satide Pablica, Mestrado em Saide Comunitiria ou Instituto de Saiide Coletiva, Qual a razio para essa diversidade de designagées? Como ¢ por que ocorreu a criagio desse novo espago de saberes e praticas no Brasil, nos anos 1970, com a deno- minago de Sade Coletiva? Qual sua relagao com movi ‘mentos semelhantes no censrio internacional? Qual sua importancia para a resolugio dos problemas de savide da populagio e para 0 atendimento das necessidades de saiide? Embora a Satide Coletiva historicamente tenha sido constituida, principalmente, por médicos, outros profis- sionais, como cientistas sociais, enfermeiros, odontélo 0s, farmacéuticos, ¢ também agentes oriundos de ou. tras dreas do conhecimento, como engenheiros, fisicos € arquitetos, contribuiram para sua construgio. ‘Trata-se, ‘Campo esta sendo equi ompregado como os autores citados origi tnalmente o utlizaram, ou sea, ome conceta que designarin wm ‘spago social mais ample eomplexo que uma simples area de co nheeimento portanto, de uma area multiprofissional e interdiseipli- nar, Para que a definigao de Satide Coletiva aqui apre- sentada seja mais bem compreendida em sua especifi dade © amplitude, em tormos de agentes e disciplinas, necessario rever brevemente a historia de seus antece- dentes e seu nascimento, ANTECEDENTES Conheeimentos ¢ intervengdes sobre a saiide em uma perspectiva coletiva foram contemplados na historia por diversas iniciativas politieas e movimentos de ideias re sumidos a seguir. Aritmética Politica e Policia Médica Emboradiversas intervengdes voltadas & preservaczo 4a satide © ao enfrentamento das doeneas, no Ambito po: pulacional, possam ser registradas desde a Antiguidade cldssica, foi apenas no periodo mercantilista e com 0 desenvolvimento do Estado Moderno que surgiram, na Alemanha, a Policia Médica, com Johann Peter Frank, ¢ na Inglaterra, a Aritmética Politica, com William Petiy. Rosen, 1994 (1958) A Aritmética Politica consistia na sistematizagao de informagdes populacionais sobre natalidade © mortali- dade e na formulagio de recomendagdes para uma ac? nacional, bem como de instfineias organizativas na droa dda satide. Petty, em 1687, propés a eriagao de um Conse. Iho de Satide em Londres e de um hospital para o isola ‘menta de pacientes com peste (Rosen, 1994 [1958). Jina Alemanha, a administragio do Estado era de. nominada, desde o século XVI, Policia. Em 1655, Veit, Ludwig Scckendorf formulou o que deveria ser um pro- grama de satide do Geverno voltado para o bem-estar dda populagio. A expressio Policia Médiea foi usada por Wolfang Thomas Rau, em 1764, e posteriormente desen- 3 volvida por Peter Frank, entre 1779 ¢ 1817, em uma volumosa obra que continha recomendagies de ages voltadas para a supervisio da satide das populagies, 0 que correspondia a regulamentagiia da edueagio médica, supervisto de farmdeias © hospitais, prevencio de epi- Gemias, combate ao charlatanismo ¢ eselarecimento 20 piiblieo (Rosen, 1994 [1958)). ne, Medicina Social e Saude Publica © termo higiene (hygeinos em grego) era um adje- tivo que designava, na Grécin Antiga, aguile que era ‘20. Até 0 séeulo XVIII, os manuais que tratavam da saiide referiam-se a seu “euidado” ou sua “conserva do", mas a partir do século XIX passaram a denomi- manuais de higiene (Vigarello, 1985). Sua trans: formacdo em disciplina médica e em um corpo de co nnhecimentos especificos ocorreu na Europa, entre 0 fi nal do século XVIII e 0 inicio do séeulo XIX (Vigarello, 1985). Na Franca em particular, em 1829, foi langada a revista Annales d’hygiéne publique et de médecine lé ale, que no prospectus de seu primeiro niimero apre- sentava a higione piblica como *...a arte de conservar ‘a satide nos homens reunidos em sociedade...” e como uma parte da medieina®. Nessa perspectiva, a medicina nao teria somente por finalidade estudar e curar as doengas, mas teria relagdes intimas com a organizacao social: as vezes ajudaria o legislador na elaboracao de leis, esclarecendo frequentemente o magistrado em sua aplicagao, e sempre velaria com a administragio pel manutengao da satide do pablice, O movimento higienista foi caracterizado por alguns autores como sinénimo de medicina social, termo eunha do em 1948 por Jules Guerin, editor da Gazeta Médica de Paris. © historindor George Rosen considerava ter sido a medicina social francesa uma decorréneia dos desdobramentos da Revolucao de 1848 e do processo de industrializaglo. Assim, para esse autor, a Medicina So- cial Franeesa apoiava-se em trabalhos sobre a situngiio de satide dos operdrios realizados por Villermé (1840) Benoiston de Chiteauncuf, entre outros, © propugnava, modificagdes sociais para a resolugdo de problemas de saiide. Também na Alemanha, ideias semelhantes foram desenvolvidas por Rudolf Virchow e Salomon Neumann, que consideravam a ciéneia médiea essencialmente so: cial (Rosen, 1983) 4 para o fil6sofo Michael Foucault, a medicina mo: derma é uma medieina social no sentide de que é uma pritica social, ou seja, intervém sobre a sociedade e safre as infiuéncias desta, mesmo quando atua sobre indivi- duos. Analisando 0 corpo como uma realidade biopoli ‘Prospectus. Annates d'hysiéne publique et de méiecine tigate 829. (Série 1. 00), tica, ou seja, em suas dimensées biolégica ¢ do poder esse autor considera que o controle da sociedade sobre 0s individuos comega com 0 corpo. Nesea perspectiva, en- rracterizou o desenvolvimento da medicina moderna no periode supramencionado (final do século XVIII ¢ inieio do século XIX) em trés configuragies: a medicina de Es. tado, a medicina urbana e a medieina da forga de traba- Iho (Foucault, 1979). Ja a denominagao Saide Pablica surgi na Ingla- terra, A industrializagio, que se acompanhou do au- ‘mento do ndmero de trabalhadores assalarindos, tem sido associada ao agravamento das condigdes sanitirias das populagées urbanas (Engels, 2008 (1845)) e as res- postas estatais a essa situagio, Esse fenémeno foi ob- servado particularmente na Inglaterra, no séeulo XIX. ‘Uma comissio governamental designada para rever a legislagio voltada para os pobres e coordenada pelo ad. vogado Edwin Chadwick elaborou, em 1842, um docu- mento intitulado “Relatério ou uma Investigasdo sobre as Condigdes Sanitérias da Populagie Trabalhadora da Gra-Bretanha’, que continha, além de um diagnéstico sobre a situnglo sanitaria, diversas proposigies de inter- vengdes relacionadas com o saneamento das cidades e a correspondente organizagao administrativa estatal (Ro: sen, 1994 [1958). Seguiram-se ao Relatério Chadwick diversas iniciativas legislativas que eulminaram com o primeito Ato de Saude Piiblica, editado em 1848, e com 1 criagao de um Conselho Geral de Saiide (Rosen, 1994 [1958)). As escolas e faculdades de Satide Paiblica sé fo- ram criadas na Inglaterra na passagem do séeulo XIX para o XX (Paim, 2006). ‘Também nos EUA, a industrializagio e as epide mins do final do séeulo XIX levaram © Congreso Ame. ricano a eriar um Departamento Nacional de Sade, proposto por um movimento de reforma da satide or- ganizado em torno da Associagao Americana de Satide Piibliea, em 1879 (Fee, 1994). Embora com o advento da bacteriologia tenha sido conferida uma énfase a di mensao técnica da Satide Pibliea, concepgtes mais am- plas foram explicitadas no inicio do século XX, como. nna clissica definigio de Charles Edward A. Winslow, bacteriologisia e fundador do departamento de Satide Piibliea da Faculdade de Medicina da Universidade de Yale (Boxe 1.1) No Brasil, agdes de savide © saneamento voltadas para o espago urbano ¢ 0 controle de epidemias acomps rnharam 0 desenvolvimento do Estado Nacional na pri- ‘meira Repsiblica (1889-1930) (Lima et al., 2005). Bssas agées, bem como as formas de organizacao estatal cor- respondentes, sofreram influéncia, em certa medida, dos modelos europeus anteriormente mencionados (Trin dade, 2001). Esse perfodo, mareado pela realizagao de campanhas sanitérias para o controle da febre amarela urbana, coordenadas por Oswaldo Cruy, ficou conhecido Capitulo 1 + © que é Satide Coletiva? Uma defiriglo de Saide Pibica Em 1920, Chailes Edward A. Winslow, entao professor de Medicina Experimental da Universidade de Yale, fo pracurado por dois estudantes da graduagio que queriam ma orienta {Go sobre as carreras a sequi estando partcuisrmente ite Fessadis em saber 0 que era a Saude Piblca, Winslow, entao, Sentindo a necessidade de formular uma melhor defini que tenglobasse as tendéencas possibiidades dessa rea que para ‘le representava uma das mats estimulantese atatvas ab ra para estudantes unversitiios naqueles elas elaborou um ‘artigo para a revista Science, onde Tormulou a sequine defn ‘go para a Saide Pblia: "Salide Publica ¢ 2 ciéncia @ a arte de prevenv 2 doenga, prolongar 2 vida, promover a sadde fica e a efcénca araves {dos esforcos da Comunidade organizada para o saneamento do meio ambiente, o canteole des infeegbes comunitinias, 9 educa ‘dos individuos nos princpios de higiene pessoal, a organiza {ao dos servigos médicos e de enfermagem para 0 diagnéstico precoce e 0 tratamento preventivo da deenca ¢ o desenvoi ‘mento da maquina socal que asseguraré a cada individuo na comunidade um padebo de vida adequodo para a monutencio asada” (Winslow, 192030 ~ adugso live) como “sanitarismo campanhista’. 0 periodo seguinte, {que vai de 1980 @ 1964, correspondeu a progressiva ins- titucionalizagio das campanhas sanitérias, inicialmente em um Departamento Nacional de Saride do Ministério da Edueagio e posteriormente no Ministério da Saiide, criado em 1953 (Paim, 2003), Duas outras concepsdes de sanitarismo desenvolveram-se nesse periodo: o deno- minado “sanitarismo dependente’, que correspondix a0 ‘modelo importado dos EUA, adotado pela Fundagio Ser- vigo Especial de Satide Pablica (SESP), eo sanitaris desenvolvimentista, cujo pressuposto era que o desen- volvimento econémica resultaria em melhoria do estado de satide das populagies. Paralelamente ao desenvolvimento da higiene e da Sade PGblica surgiram diversas instituigdes voltadas para a assisténcia médica individual, inicialmente fi- nanciadas pelas caixas de aposentadoria e pensio dos sindicatos e posteriormente pelo Estado, por intermédio dos Institutos de Aposentadoria e Pensio (IAP), para diversas categorias de trabalhadores (maritimes, ban- cérias, comercisirios e servidores piblicos, entre outros). Essa assisténcia médica dirigida aos trabalhadores re- sistrados formalmente nas empresas foi posteriormente estendica a suas familias com © apoio da Previdéncia Social, que também respondia pelas aposentadorias © demais heneficios trabalhistas, Por isco, foi denominada, “medicina previdencidria’. Progressivamente, desenvolveu-se um setor privado que passou a ser financiado em parte pelo Estado e em parte pelo mercado, como é 0 caso dos planos de saide privados, e que configurou um modelo assistencial pre- dominantemente hospitalar, tecnifieado e voltado para as ages curativas individuais (Paim, 2003). Movimentos de reforma do ensino médico: a criacdo da Medicina Preventiva Entre as rafzes histirieas da Satide Coletiva estio dois movimentos de reforma da mediecina que buscaram reorientar a pritica médiea por meio de mudangas da formagio dos médicos nas escolas de medicina. Sto eles, ‘© movimento em prol de uma Medicina Integral, que re sultou na criagio de uma disciplina nova no eurrieulo dico, a Medicina Preventiva, e 0 movimento pela Me- dicina Comunitiria (Boxe 1.2). ( relatério Flexner Considerando que a Medicina Integral ea Medicina Camu tira foram movimentos urgidos ja no steal XX. no podemos deixar de mencionar um grande reformadar da ensino medio: ‘Abraham Fleer, também stuedo no século XX. Como expica- | remos a sequit, porém, a reforma Flexner teve um caster estin to desses outros dois movimento Flexner, que viveu entre 1856 e 1959, fi um pesquisador & professor americano que realizou extensa investigacéo sobre 235 condlicdes do ensino médico nos EUA e no Canada, presen tando resultados e propostas de mudanga cuticular na publ- cago Medical Education in United States and Canad, A report {0 the Carnegie Foundation for the Advancement of teaching (Flexner, 1910) Sua preocupagdo central fo} com o desnivel de qualidade entre os profissonais formados nas ciferentes es colas médicas. Atento 3 base cientifica da medicina, enquanto conhecimento € prética proissional, Flexner buscou apontar a necessidade da formagao do aluno tanto nas cincias em gers, «de manera preparatoia & medicina, coma, em sequno est io. nas cigncias bisicas que dbo suporte dirt 4 medicina © que seria complementado com o aprencizado proisional zante em praticasdinicas hospitalares canjugadas&investge (0 laboratoria, Em suas palavas:"(.) Pode-se descrever com Justeza que 3 moderna medicina é caracterizada pelo manejo ctitico da experénes, (.) No dmbito pedaqsaico, a medicina moderna, como todas as educacoes clentifiens,¢ caracteizade pela ativdade 0 aluno no mais apenas elha, ouve ou memo Fiza: ele faz Sua propria atividade no laboratrio ena clinica & © fator principal em sua instruc e no ensino. (.) © progressa | da ciéciae da priticaclemtifcae racional da medicina empre: | aeratamente a mesma técnica.) Investigagao e pratica #30, | entéo, um 56 em espirt, métado e objeto. (-) O hospital & «le proprio, em todos 05 sentidos um laberatério® [Extraico de Sebvaibe, 1989: 109-10) | Com essas caracteristcas potemos eizer que a reforma pr: posta por Flexner, ¢ que foi amplamente acatada,sistematizay € formalizou as espectcidades proprias 8 modernizagio da me lcina @ com isso impulsionau essa modemizagio, em contaste ‘omas propostas da Medicine Integral e de Medicina Comunité ria, que apresertaram rformulacBes para model js moderna de ensina mégico, Flexner, alguns anos depois do referido estudo, expandiu sua avaliagdo das escolas médicas tambem para algune pales ca Europa, comparando-as com a situaglo americana, na publics io a formation du médecn en Europe @ aux Etats-Unis: étude comparative (Flex, 1827. are uma melhor compreensio das especicidades modesn zantes da medicina consite Luz (1988) e Nogueira 2007) Originados nos EUA, no periodo 1940/1960, esses ‘movimentos constituiram importante base da critiea ao modo progressivamente especializado e segm fom que a pritica médica vinha vendo desenvolvida © ensinada, Tss0 porque dor ‘esses movimentos pretendiam que os médicos, em sua pritc fapenas da medicina curativa e, ainda mais, aquels cen trada em ramos especializados, mas que fossem capazes de um cuidado global do paciente. Bsse cuidado deveria ppnscar uma coneepsio ampla de saxide, como horizonte da assistén: tcupando-se também com a prevencfio ea reabilitagio do Goente para a retomada de suas atividades usuais na ‘vida social (Schraiber, 1989), ‘Buseavain, assim, ampliar a visio do médico quanto a sua intervengio, acreditando com isso que os servigos feriam, por consequéncia, uma reorientagio assisten- tial, E para aleangar essa nova visio, acreditavam ser ecessdrio e suficiente uma boa reforma curricular, No aso da Medicina Integral, a proposta girava em torn de concepedo de uma formagao mais ampla ¢ integrads Cintegral), com am conjunto de diseiplinas no ensino médico gue fosse capaz, de rearticular o “todo biopsicos vocial” a que correspondia o paciente, Ji com certa eri tea ao excesso de aprendizado hospitalar, afastando © lune das eondigies de vida usuais do paciente e, assim, fornando dificil sua formagao inserida em um euidado tdlobal, a proposta da Medicina Integral vis na introdu- fio de uma diseiplina voltada para a Medicina Proventi Sire imediatamente articulada com disciplinas das cién- vias da conduta e das ciéneins sociais, de que se tratard mais adiante também, o instrumento para a integracio (que postulava, entendendo que a propria Medicina Pre Jentivia teceria a coordenagao das disciptinas biologics No caso da Medicina Comunitiria, movimento que sucedeu ao da Medicina Integral, além de adotar tam bem as referéneias anteriores, a eritiea & formagio do mmédieo enfatizon o ensino exclusivamente centrado no hospital. Propiciando ao aluno apenas o aprendizade nas patologias mais raras e em situagies apartadas da famifia © da comunidade, o ensino hospitalar o impedia de interagir com as patologias mais frequentes ¢ apren der uma pritica tecnologicamente mais simplificada, A {mportaneia desses Gltimos aspectos na proposta estava dada pelo momento histérico em que surgi: nos anos 1960, a medicina americana ja via dificuldades de cober- tura assistencial de parte de sua populacio, sobretudo fa mais carente € a de idosos, tt cotidiana, nfo tratassen médica que ofereeiam nos servigos, Pre: vyex que tal cobertura ‘stava, como ainda esti até hoje, muito associads 8 co dligio emprogaticia, Considerando os custas erescentes dn assiaténcia médica, que se relacionam com as teeno- Toygias mais sofisticadas e a simplificagio destas em pri tens voltadas para as patologias mais comeins, a Medi- Gina Comunitéria surgia, naquele momento, como wma Sego 1 + E1XOS proposta de reforma eapaz de satisfazer tanto a maior integragio na atenglo prestada, com Snfase nas praticas de prevengio, como a diminuigio dos gastos com a as sisténcia médica, o que propiciaria uma cobertura mais fcil de ser estendida a toda a populagio, “A reforma entio sugerida foi a de acreseentar & forme -o médica a experiéneia do aluno em praticas assisten- sais extramuros do hospital-escola, localizando-se direta- monte nas comunidades e de preferéncia entre as popu es mais carentes. ‘Desse modo, a Medicina Preventiva e a Comunitaria propuseram uma certa rearticulagao dos conheeimentos Piomédicos na dimensie social e populacional do adveci: mento, o que ampliaria, segundo os proponentes dessas teformas, a concepgao acerca do processo saide-doenga a seus determinantes que a medicina clinica vinhs eons: fruindo quando enfatizava uma abordagem individual a biomédica, Essa critica seria retomada na Saiide Co Tetiva, que, no entanto, apontou para a necessidade de reformas no 86 educacionais, mas, sobretudo, do pr prio sistema de saride e da sociedade: das condigies © frereado de trabalho dos profissionais, dos modelos de ‘atengiio & populagio, bem como das politiens exonémicas Departamentos de Medicina Preventive ¢@ Medicina Social ‘partir da proposta da Medicina Integral, da criagho ‘de departamentos do Medicina Preventiva nas escolas we diene americanas ¢ dos seminérios promovidos pela Grvanizagao Pan-Americana da Saride (OPAS) para a dh Josnns ideins ea implantagao dessas unidades aca Manieas (OPS, 1976) foram criados 08 primeiros departs sermtoe no Brasil, na déeada de 1960. Contudo, sua ins vMenionelizagio © expansio ocoreram, efativamente, rit ‘iésada seguinte, apés a Reforma Universitaria de 1968, Timbora muitos estudos analisem essn experiencia nna Amériea Latina ¢ no Brasil, dis se destacam por Sut brangéneia ¢ contribuigBes eriticas. O primeiro, inci ‘Team 1967 (Garcia, 1972), visava i avaliagho do ensino dos mspoctos preventivos e socinis da medicinay mas fo sepa para contemplar o processo de formagio.¢ suas svingdes com a prin médica ea estrutura social Entre veingpieos analisndos no ensino dos departamentos de ‘Medieina Preventiva destaeavam-se as medidas preven medicine quantitativa, a org de servigos de sauide, além das inchuindo a sociologia, aneropologia ea psicologin social. O segundo estud ‘arouca, 2003), concluido em 1979, partia do reconhe earvnte das difculdades no ensino desses aspectos et cae tades que no produziram mudangas nos sistem Seamdde e atribuinm diferentes valores a vida human tivas, a epidemiologia, a nizagio ¢ administrag ‘chamadas “ciéneins da conduta’ i Capitulo 1 + O que é Saude Coletiva? ‘om fungio de sua estrutura de classes sociais, situagio que configurava o “dilema preventivista’, A ponetragio da questio do “eoletiva” de maneira sistematica como também pertinente a assisténcia mé- dica aparece como um dos efeitos da implantagio desses departamentos. Originalmente tratava-se de uma certa redugio do social limitada a suas manifestagies no in: dividuo (Donnangelo, 1983) e nao como compreensio da estrutura social em suas relagdes com a satide, seja como um setor produtivo, um estado da vida ou uma area do saber. Esse entendimento vai sendo construide, progres: sivamente, por meio de novos estudos, tempos depois. Assim, as contradigdes e eonflitos presentes na so- ciedade brasileira possibilitaram uma eritiea ao preven- tivismo © uma aproximagio as concepgies da Medicina Social elaboradas na Europa ne século XIX, a partir das lutas sociais ali desenvolvidas e, especialmente, das con- tribuigdes de Rudolf Virchow (Rosen, 1979; Paim, 2006). A produgio de conhecimentos no Brasil divers mas, objetos ¢ metodologias, com distintas conotagies para a nogiia de “coletivo”: como meio ambiente; como colegio de individuos; como eonjunto de efeitos da vida social; como interacao entre elementos; ¢ “coletivo trans- formado em social como campo especifico e estruturado de priticas” (Donnangelo, 1983: 27). Esta diltima acep- 0, ou seja, 0 *coletivo” que toma o social como objeto privilegiado na produgao do saber e na intervengiio, vai marear 0 desenvolvimento da Medicina Social ne Bra: sil, especialmente em programas de pés-graduagio de determinados Departamentos de Medicina Preventiva & Social e de Escolas de Satide Pabliea Quando 0 governo passow a apoiar algumas linhas de pesquisa em Medicina Social, por meio do Programa, de Estudos Socioeconémicos em Sauide (PESES) da Fio- cruz, com o auxilio da Financiadora de Estudos e Proje- tos ~ Finep (Escorel 1999), desenvolveu-se um trabalho teérico voltado para a Medicina Social entre alguns de- partamentos de Medicina Preventiva e Escolas de Saiide Piblica. Esta aproximagao Medicina Social, no plano académico, era alimentada por movimentos sociais que colocavam em debate a questio saiide e propostas de re- definigao das politieas de satide no Brasil que resulta ram na Reforma Sanitéria Brasileira e no Sistema Unico de Sattde (SUS). ica te- EMERGENCIA DA SAUDE COLETIVA A expressito satide coletiva era utilizada desde a dé- cada de 1960 como referéneia a problemas de satide no nivel populacional (OPS, 1976) ¢ em documentos oficiais, que mencionavam uma dada matéria do eurviewlo timo do curso médico, proposta pela Reforma Univer- sitdria de 1968. Essa matérin incluia a epidemiologia, a estatistica, a organizagdo e administragio sanitéria, 7 as ciéncias sociais, entre outras. Portanto, a introdugsio esses contevidos na graduagio dos profissionais de sat de foi iniciativa dos departamentos de Medicina Preven: tiva, junto a seus equivalentes nas escolns de enferma- gem, farmécia, veteriniria, odontologia ete. Nos cursos, de aperfeigoamento e especializagio, essas disciplinas cram ministradas pelas escolas de satide piblica que posteriormente passaram a contribuir para a constitui- sfo da area, No final da década de 1970, a expressio satide eoleti va foi usnda como titulo do primeiro encontyo nacional de ceursos de pés-graduagao entdo existentes no Brasil, de nominados Medicina Social, Medicina Preventiva, Satide Comunitaria e Satide Pabliea, Nessa oportunidade, foi proposta a eringdo da Associacdo Brasileira de Pés-gra- duagio em Satide Coletiva (ABRASCO), euja formaliza- io passou a ser discutida em reunides posteriores em Ribeiriio Preto e no Rio de Janeiro e que foi fandada em setembro de 1979 em Brasilia. Com base no relatério final do I Encontro Nacional de Pos-graduagio em Satide Coletiva, realizado em 1978 na cidade de Salvador, um dos cursos participants pro- curou explicitar o que se ontendia por satide eoletiva (ver Boxe 1.8). Portanto, essa drea do saber busca entender a satideldoenga como um provesso que se relaciona com a cestrutura da sociedade, o homem como ser social « histé- rico, ¢ 0 exercicio das agdes de smide como uma pratiea social permeada por uma prética téeniea que é, simulta. neamente, social, sofrendo influéncias econémicas, poli- tieas e ideol6gicas (Paim, 1982), Pereebe-se, desse modo, a constituigio de uma nova rea de produgio de conhecimentos cientificos que se desloca de abordagens téenicas de temas espeeificos pre- valentes na suide pibliea tradicional (satide materno- infantil, dermatologia sanitiria, saneamento etc.) ou de cenfoques convencionais de epidemiologia e da adminis tragio e planejamento de saiide para uma abordagem ‘multidisciplinar. A incorporagao das eiéneias sociais em sua constituigao tornava possivel o redimensionamento tanto da epidemiologia como da politica, da gestio e do planejamento de said. As primeiras publicagdes da ABRASCO tinham como denominagio Ensino da Satide Puibliea, Medicina Preventiva e Social no Brasil (ABRASCO, 1982). Nesse particular, a realizagao do HI Encontro Nacional de Mes traddos e Doutorados da Area de Satide Coletiva em Sio Paullo (1982), os estudos sobre o ensino e a pesquisa em, Saiide Coletiva no Brasil Donnangelo, 1983; Magaldi & Cordeiro, 1983) ¢ a realizagio do 12 Congresso Nacional da ABRASCO, realizado em pareeria com a Associagao Paulista de Saiide Pablica em Sao Paulo, entre 17 ¢ 21 de abril de 1983, parecem reforgar a denominagio de Satide Coletiva, Na segunda metade da década de 1980, 0 titulo da referida publicagao da ABRASCO, sintoma. aa Seide Coletva quadrotesrco de rf a 2) A zaide,enquarto estado vital, setor de producio e campo 2 aaa ots articulada 8 esrutra da sociedade através dos oe saewancios economicas € poltico-eolSgicas apreven- fanelo, portato, uma hstorcdade, by fs acbes deste (promacéo, protec, recuperacso, ree ‘hitsdo) consttuern uma pratica scl e trazem

You might also like