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Agraria, S40 Paulo, N° 3, pp. 47-57, 2006 HISTORIA DE MULHERES: BREVE COMENTARIO SOBRE O TERRITORIO. E A IDENTIDADE DAS QUEBRADEIRAS DE COCO BABACU NO MARANHAO'. Josoaldo Lima Régo”: Maristela de Paula Andrade? josoaldo@ig.com br; saudadem@elo.com. br RESUMO A construgio da identidade das quebradeiras de coco babacu esti marcada pelo significado do uso do territério e por formas particulares de organizagao desse grupo camponés, Neste artigo procuramos expor algumas das caracteristicas do processo de mobilizagao politica das quebradeiras de coco babacu na regitio do Médio Mearim, no ‘Maranhao. Palavras-chave: Quebradeiras de coco babagu; territério: identidade; Maranhito RESUMEN La construccién de la identidad de las quebradoras de coco babacu esta marcada por el significado del uso del territorio y_por formas particulares de organizacién de ese grupo campesino, En este articulo buseamos exponer algunas de las caracteristieas del proceso de movilizacién politica de las quebradoras de coco babagu en la region del Medio ‘Mearim, en Maranhao. Palabras clave: quebradoras de coco babagu, territorio, identidad, Maranhao A atividade de coleta e quebra do coco babagu', no Médio Mearim’, passou por varias mudaugas, que corresponderam tanto a transfoumagdes de carter produtive organizacional, proprios da movimentagio das familias das quebradeiras de coco, quanto a interesses de carter comercia/econdmico de orgaos governamentais € nio- governamentais. Fiem 14 de margo de 1957, através do decreto n° 41. 150 do governo federal, foi criado o Grupo de Estudos do Babagu que, para Valverde (1957: 3), tinha a finalidade de apresentar, “fundamentalmente, sugestdes para o desenvolvimento da produgao de babagu em curto prazo” 48 Agraria, So Paulo, N° 3, 2006 REGO, J. Le ANDRADE, M. P. Observa-se nisso, um destaque ao tipo de preocupago que © poder piiblico (através do uso estratégico do saber) almejava com a tentativa de estudar e, para eles, “racionalizar” o extrativismo do babagu Realmente, o babagu [..] uma palmeira que representa uma riqueza digna da toda a atenglo pelos poderes piblicos, dadas as suas interas utlidades, Dela sto extraidos, hoje em dia, sobretude 0 dleo empregado nas indistrias de comestivel e de sab#o, ¢ a torta para a alimentagao do gado. Poderio ser também obtidos por processo industriais diversos. a glicerina, um sucedaneo de chocolate, 0 pixe, 0 carvio ativado (para descorante), combustivel (como Jenha on matéria-prima para coque ou gasogénio). plésticos, capachos ‘scOvas grosseiras (das fibras). A produgao local utiliza as has € o cauile do Dabacu como material de construgao das casas pobres, ¢ 0 palmito para alimentagao do gado, especialmente dos porcos. © também das pessoas (VALVERDE, 1957: 3). Principalmente a partir dessa concepsio, varias medidas govemamentais terdo como foco a condugio de politicas voltadas & utilizagdo/exploragao nao s6 dos frutos da palmeira de babagu, mas também das Areas corespondentes as de ocorréncia dos babaguais, tal como os decretos 5.549 e 5.550 de margo de 1975 que permitiam a empresas ligadas 4 implantagao dos projetos de celulose e cana-de-agiicar no Maranhao derrubarem milhares de hectares de babagn, como observam Almeida (1995) e May (1990). Nese contexto, com a contribuigio do surgimento de alguns processos de mobilizagio politica de entidades representativas dos camponeses, no inicio da década de 1950, o territério marauhense vai pasando por transformagdes no tocaute a agdo politica dos grupos camponeses. No ano de 1956, a partir da multiplicagao destas Associagoes. foi criada uma entidade de representagao a nivel estadual denominada Associagao dos ‘Trabalhadores Agricolas do Marauhto (ATAM), As maiores mobilizagdes ‘envolviam os conflitos provocados pela “invasao das rocas pelo gado” dos grandes proprietirios e a regulamentagaio do preco dos aforamentos. Os ‘camponeses nordestinos deslocados nos periodos de seca aumentavam a dlemanda de terra, 0 que possibilitava aos Iatifundirios a elevagto do prego do foro ¢ um maior poder de barganha nas negociagdes com 0s camponeses {ALMEIDA, 1995: 31). ‘Na década de 1970, essas referidas politicas tertitoriais governamentais de maior impacto na vida camponesa, podem ser caracterizadas pela efetivagio de agdes voltadas objetivamente para 0 incentivo fiscal de projetos agropecuarios. A chamada “Lei Samey”, por exemplo, na verdade a Lei Estadual de Tetras N° 2979, de 17 de julho de 1969, contribuiu muitissimo para o avango da pecuéria no Maranhao, pois foi a legitimadora da distribuigao de milhares de hectares de terras piiblicas a particulares, Historia de Mulheres: Breve Comentario Sobre 0 Territorio e a Identidade..., pp. 47-5749 sob a alegagao da existéncia de “terras devolutas”. Nisso, a grilagem das terras, associada ao avango da pecuéria, levou as familias camponesas a uma condigao de submissio que culminaria em uma situag&o de conflito, evidenciando 0 problema da concentragao de terras e da restrigdo de acesso aos babaguais. Na regio do Médio Mearim fortes conflitos foram uavados, principalmente na década de 1980, tendo como foco de resisténcia centenas de familias camponesas que lutaram, ¢ Iutam, dentre alguns outros motivos, contra a submisséo causada pela apropriagao das terras por grandes proprietarios. A redugao brusca do estoque de terras disponivel & agricultura camponesa e ao extrativismo fez surgir, além de um confronto direto com vaqueiros, capangas, milicias privadas a servigo daqueles proprietérios policiais, outras formas de relagdes econémicas, além de situagdes conflitantes no momento das priticas extrativistas, 0 relato da situagio de conflito em alguns povoados, como em Ludovico ~ no Municipio de Lago do Junco - revela muito dos problemas enfientados por esses grupos camponeses do Estado do Maranhiio no decorrer da segunda metade do século XX Essas sifuagdes implicavam em casos que iriam desde os conflitos diretos, verdadeiras guerras, com muitas mortes inclusive, assim como formas diversas de privatizagao das terras e redugdio das ‘reas de plantio (uas areas usadas para produgio) que foram gradativamente sendo entregues a grandes proprietarios para a produgao da pecusria extensiva (PAULA ANDRADE e FIGUEIREDO, 2005); (PAULA ANDRADE, 2005). ‘Nesse panorama, surgiram algumas organizagdes e outras foram fortalecidas. Os Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs), por exemplo, sofreram algumas transformagoes ja que os tabalhadores tiveram maior atuagao interua em seus orgiios de classe, por meio da oposigdo sindical, participando dixetamente ¢ tomando a frente em processo de mobilizagao e conflito. Foi assim, inclusive, que as mulheres passaram, também, a se associar ao Sindicato, j4 que antes somente se associavam os homens. A associagiio das mulheres, em muitos casos, deu-se em contextos de luta pela diregio dos Sindicatos. Outras organizagdes foram criadas e tiveram como base a participagio diregio das quebradeiras de coco babacu (por exemplo, os clubes de mies, as CEBs clubes de jovens, animados pela Igreja Catélica antes dos anos 80), além das vérias associagdes locais de povoados (“comunidades”): da Associago das Mulheres Trabalhadoras Rurais — Lago do Junco (AMTR); a Associagéo em Areas de Assentamento do Estado do Marauhaio (ASSEMA); Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco (COPPALJ); Cooperativa dos Pequenos 50_Agréria, S40 Paulo, N° 3, 2006 REGO, J. Le ANDRADE, M. P. Produtores Agroextrativistas de Esperantinépolis; Cooperativa de Pequenos Produtores de Sao Luis Gonzaga; Cooperativa de Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lima Campos; e do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babagu (MIQCB) Além da articulagio politicas com outras dezenas de entidades religiosas e representantes de Trabalhadores Rurais. A ASSEMA, criada em maio de 1989, é uma entidade que surge com 0 intuito de desenvolver atividades de apoio a pequena produgao local e as familias produtoras, através, principalmente, de acompanhamento técnico-agricola, de estabelecimento de créditos e de politicas especificas voltadas ao fortalecimento da produgao. Essa Associagio aglutina varias outras entidades através de uma associagao coletiva de cooperativas de pequenos produtores, de associagdes comunitirias de dreas de assentamento, de sindicatos de trabalhadores rurais ¢ associagées de mulheres trabalhadoras rurais, nos municipios de Lima Campos, Sio Luiz Gonzaga, Lago do Junco e Esperantinépolis, além de coutar com sécios individuais, advindos dos povoados que compreendem a area de atuagio da associagio, A implantago da COPPALI (em abril de 1991), no municipio de Lago do Jumco, insere-se no processo de transformagao das formas de produgao e comercializagio dos produtos caracterizados como agroextrativistas, incluindo os oriundos do babagu, Sobre a ASSEMA e a implantagao da COPPALJ, Silva (2001: 25 51) explica: Essa associagao procura sempre demarcar um espago de luta, guerendo, com isso, vabilizar uma alternativa de enftentamento de uma realidade adversa as familias que procuram sobreviver através do extativismo © das eulturas tradicionals (arroz, fei, milho e mandioca). Diante dessa realidade, a ASSEMA, apos explicaro significado de uma cooperativa ¢ as reuras bisicas que a regem, itmplantou a Cooperativa dos. Pequenos Produtores Aaroextrativistas de Lago do Junco ~ COPPALI, em 17 de abril de 1991. com ‘sta acdo visava possbiltar és familias camponesas envolvidas no processo produtivo uma forma de viabilizar a comerciatizagio dos produtos aaroextratvistas. Nesse caso, a transformagio no proceso produtivo da agricultura camponesa, construida sob a forma de novas maneiras de organizagio institucional e de associativismo e cooperagio, possibilitou duas importantes situagdes: a criagiio das chamadas cantinas - espagos destinados & compra de améndoas de babagu e a troca de mercadorias (géneros alimenticios) diretamente nos povoados; ¢ sua administragao pelas proprias familias camponesas, sécias da cantina, eliminando a figura do “atravessador” do processo de comercializagiio da produgao. Historia de Mulheres: Breve Comentario Sobre o Territorio e a Identidad S754 pp. A COPPALJ realiza a extragao do dleo de babagu, por meio de prensas instaladas em 1992, inicialmente em Lago dos Rodrigues, efetivando, assim, o beneficiamento do babagu e contribuindo para o desenvolvimento de relagdes comerciais que passariam a caracterizar 0 escoamento da produgio de babagu na regido, sem “atravessadores” e, consequentemente, atingindo wn prego mais alto. Por meio do Programa de Comercializagio da ASSEMA, a produgio de dleo de babagu, que hoje jé pode ser refinado, alcangou mereados intemnos ¢ também externo ~ como no caso da comercializagao de dleo com a Body Shop Intemational — BSI, para a produgio de cosmiéticos, realizada na Inglaterra e consumida em varios paises. Segundo Almeida (1995), estudando os dados de exportacdo do Maranhao em 1994, portanto ainda nos primeiros anos de funcionamento da Cooperativa, essa exportagdo de Gleo babagu feita pela COPPALJ correspondeu a 21 toneladas, perfazendo um valor de US$ 38.304. Em 1999 foram US$ 230,000 (MESQUITA, 2001). Ha, ainda, dentre as atividades e articulagdes relativas 4 organizagao da produgo no Médio Mearim, a Fabrica de Papel Reciclado em Lago dos Rodrigues e a Fabrica de Sabonetes em Ludovico, que possibilitam a produgao ¢ comereializagao de produtos, tais como: leo vegetal, papel reciclado com fibras vegetais e tintura natural, e 0 sabonete, que tem como matéria-prima o proprio éleo. O sistema de cantinas, que funciona em dezenas de povoados da regido, caracterizado pelo estabelecimento de redes de relagdes locais (SILVA, 2001) responsaveis pela manutengao de uma economia entre os produtores. A comercializagao passa a incorporar essencialmente a logica de produgao local, em suas variantes ligadas aos aspeetos da economia camponesa: as wecessidades de cousumo em equilibsio como a capacidade de produgao familiar (CHAYANOYV, 1981). Nota-se, em telagdo ao prego pago pela améndoa de babagu, um acréscimo significative quando hi comparagao das compras realizadas pela cantina (abastecida de mercadorias para troca, pela COPPALJ) com o prego pago pelos “atravessadores” que trabalham na comercializagiio com outras empresas de beneficiamento de dleo vegetal Do mesmo modo, percebe-se uma diferenga entre os locais nos quais as familias esto organizadas em cooperativas € onde ha o sistema de cantinas - caso dos povoados de Ludovico, Centrinho do Acrisio, Centrinho de Aparecida - e onde nao existe esse tipo de organizagao - caso dos povoados Santo Autouio dos Sardinhas, Nova Luz, Morada Nova e Fedegozo. Em Santo Anténio dos Sardinhas, por exemplo, o prego do quilo da 52_Agréria, S40 Paulo, N° 3, 2006 REGO, J. Le ANDRADE, M. P. améndoa, em novembro de 2003, estava a R$ 0,55, enquanto na COPPALJ, nas cantinas, estava sendo comprado a R$ 0.70, portanto por R$ 0,15 a mais, podendo chegar a um valor bem maior, em fungao da distribuigdo das sobras entre os associados, ao final de cada ano. As quebradeiras de coco babacu, no Médio Mearim, tém coustruido, assim, uas liltimas duas décadas, fortes instruments de intervengao politica nas estruturas de poder local e nacional. As caracteristicas do processo de mobilizagao politica dessas nmulheres ¢ suas familias, faz com que as entidades que elas integram sejam identificadas como instituigdes de luta e resisténcia contra as apdes de grandes proprietitios de terra e mesmo de instancia de Governos. Essas lutas e toda a resisténcia tém sido evidenciadas, principalmente, por meio de “bandeiras de Inta” levantadas em favor de priticas ambientais e econémicas especificas, assim como do reconhecimento de uma identidade — quebradeira de coco AAMIR, por exemplo, ¢ outra entidade de representagao politica que aglutina wn segmento das quebradeiras de coco, no Médio Mearim. Criada em um processo de mobilizagio politica articulado com 0 surgimento de outras (ASSEMA; STRs e MIQCB), essa assoviagao caracteriza-se por realizar um trabalho mais de base entre as quebradeiras de coco ua regido, ¢ tem como rea de abrangéncia e atuagio os municipios de Lago do Junco ¢ Lago dos Rodrigues. No depoimento de D. Ivete, presidente da AMTR, é possivel identificar, como rea de atuagao politica, os seguintes povoados ~ chamados por ela de conunidades: em Lago do Junco: Centro do Bertulino, Centrinho do Acrisio, Ludovico, S40 Manoel, Pau Santo, Sa Sebastiao, Cajazeira Apatecida; em: Lago dos Rodtigues: Abreu, Trés Pogos, Sdo Joao da Mata, Morada Nova, Ceutro dos Custédios ¢ Sto Francisco, Para a dirego da AMIR estes sao povoados onde se encontram as fundadoras ¢ associadas da entidade e, portanto, fazem parte da area de atuagao da AMTR. © MIQCB, por outro lado, foi criado em 1990 a partir das discussdes realizadas no Grupo de Estudos das Quebradeiras de Coco Babagu, em meados de 1989, institucionalizado em 2002 (transformado em associagio — Associago do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babagu - AMIQCB), constituindo-se em uma organizagao de mulheres camponesas que se aglutinam a partir de critérios de uta em defesa do ambiente, com a proposta de agroextrativismo do coco babagu; de preservagdo e do livre acesso aos babaguais, estabelecida em muitos casos a partir de lutas de carater politico-juridico como no caso da constmugao de uma proposta de Historia de Mulheres: Breve Comentario Sobre 0 Territorio e a Identidade..., pp. 47-57 _53. legislagao especifica - Lei Babacu Livre; e por formas particulares de cooperagao e associativismo; a0 lado, ainda, de uma organizagao institucional propria que compreende 0s Estados do Maranhao, Piaui, Para e Tocantins. © Movimento foi consolidado depois da realizagio de dois encontros (Encontro Interestadual de Quebradeiras de Coco Babagu do Maranhio, Piaui, Tocantins e Para) ocorrides em setembro de 1991 e outubro de 1993, respectivamente O processo de “libertagao do babagu”, como chamam algumas quebradeiras , esta entrelagado com outras caracteristicas dessa mobilizagao politica, como a forte participagio das mulheres (PAULA ANDRADE, 2005) e 0 discurso marcado pela necessidade de acesso a terra, aos recursos naturais e de afirmagao de saberes locais na Togica de uso desses recursos. Um dos principais discursos reivindicatérios do Movimento, 0 de preservagio da palmeira de babagu, contextualiza-se com as discussdes sobre a problemética ambiental contempornea, 0 que pode ser observado, principalmente, nas atividades ligadas as praticas agroextrativistas das rocas orgdnicas. A questio da necessidade de preservagio dos babaguais ¢ a posigio da mulher nesse processo de mobilizag4o aparecem inclusive nas letras das miisicas construidas € cantadas por elas: Hei! Nao dermube esta palmeira Hei! Nao devore os palmeirais ‘Tu jd sabes que nao podes derrubar Precisamos preservar as riquezas naturals. coco & para nds grande riqueza E obra da natureza ‘Ninguém vai dizer que nao Porque da palha s6 faz casa pra morar ‘Té €meio de ajudar a maior populagao Se faz o éleo para temperar comida # um dos meios de vida Pra os fiacos de condigio Reconhecemos 0 valor que 0 coco tem A casea serve também para fazer 0 carvdo Como dleo do coco as mulheres caprichosas fazem comidas gostosas 54_Agréria, S40 Paulo, N° 3, 2006 REGO, J. Le ANDRADE, M. P. de uma boa estimagao Merece tanto seu valor classificado que com 0 éleo apurado se faz 0 melhor sabao Palha de coco serve pra fazer chapéu dda madeira faz papel inda aduba nosso chao Tela de cove também aproveitado Faz quibano o cercado pra poder plantar feijao A massa serve para engordar os porcos Té pouco 0 valor do coco precisa darem atengto Para os pobres este coco é meio de vida Pisa 0 coco Margarida e bota o leite no capao (XOTE DAS QUEBRADEIRAS DE COCO: Arquivos da ASSEMA; Miisicas Cantadas no I Encontro Interestadual das Quebradeiras de Coco Babagu do Marauhao, Piaui, Tocantins e Par’, 1993) Consideragies finas A defesa dos babaguais, enquanto perspectiva de luta de cariter ambiental apresenta, uo caso das quebradeiras de coco, uo Médio Mearim, vertentes que perpassam conilitos travados com os pretensos proprietarios, direta ou indiretamente, assim como intervengdes de natureza politica na construgao de propostas de uso dos recursos naturais de forma dita sustentivel - do modelo de agroextrativismo (as rogas ‘orginicas) -, e propostas de legislagao de protegao dos babaguais contra as derubadas. Um dos ambitos de disputa e conquista esta na elaboragio de uma proposta de legislagao que regulariza 0 acesso livre aos babaguais que esto “entre as cercas”, ou seja, em “Areas privadas”. No Maranhao, a Lei j4 vigora nos municipios de Lago do Junco, Lago dos Rodrigues, Esperantinopolis © Sio Luis Gonzaga, existindo ainda Projetos de Lei tramitando nos municipios de Lima Campos e Luperattiz, além da existéncia da Lei Estadual n° 4734 de 18 de junho de 1986, que proibe a derrubada de palmeiras. As quebradeiras de coco cousideram, fortemente, a sua idemtidade ligada A preservagdo desse ambiente, como fator de vinculo que transcende, em alguns Historia de Mulheres: Breve Comentario Sobre 0 Territorio e a Identidade..., pp. 47-57 _55 momentos, a relagao puramente material e/ou econémica. As representagdes sobre a natureza sao construidas a partir do universo cotidiano, seguindo, nesse aspecto, a ctitérios de classificagdio que remetem as estruturas de classificagiio que levam em consideragio aspectos étnicos de diferenciagio religiosa, lingitistica, econdmica politicas (WEBER, 1997), (BARTH, 1998). Seguindo, de acordo com os critérios internos aos grupos camponeses, légicas especificas de organizagao temitorial, como observado nos estudos de Mourdo 84 (1975) de Paula Andrade (1999), realizados no Maranhiio, © estigma que marcava as familias das quebradeiras de coco apresentava — conforme se observa em alguns aspectos da produgao intelectual sobre tema da produgao do babagu e sobre o tervitério maranhense - fortes caracteristicas de determinismo. Andrade (1969: 74), por exemplo, caracteriza 0 que ele chama de “caboclo maranhiense” como sendo “sem instrugao, sem preocupagio com outras terras ¢ sem couhecimento de outros povos [isolado]”, que “vive cotidianamente ao lado ¢ a sombra das palmeiras, delas retirando o que pode, o que lhes é gratuitamente oferecido” A partir do processo de mobilizagao politica das guebradeiras de coco, 0 ambiente passa a ser incorporado como instrumento de luta (politica) ¢ entendido por meio das possibilidades de relagdes simbélicas e econdmicas estabelecidas a partir de vinculos, dessas mulheres e das organizagdes que elas integram, com as palmeiras e com os babaguais Notas 2 Trabalho desenvotvido junto ao Grupo de Estudos Rurais ¢ Urbanos-GERUR/UFMA, no ambito da pesquisa intitulada Historia de Mulheres: quebradeiras de coco babacu - identidace e género face és oliticas econdmicas e ambientais. 2 Esmdante de Mestrado do Programa de Pés-Graduacto em Geografia Humana da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciéncias Humanas/USP, Laboratorio de Geografia Agraria da USP: Grupo de Estudos, Rurais ¢ Urbanos -GERUR/UFMA, > Professora Doutora vincnlada 20 Programa de Pés-Graduacao em Ciéncias Sociais da Universidade Federal do Marauhao ¢ Coordenadora do GERUR. * 0 babagu, segundo os dados do IBGE (BRASIL, 1984), tem uma area de ocorréncia que abrange nove Estados do Brasil: Maranhao: Goiis; Piaui; Amazonas; Pars: Mato Grosso; Cearé; Minas Gerais e Bahia “E encontrado de forma dispersa no sub-bosque da floresta amazénica [..J. Apés a derrubaca da mata, 0 bbabacu passa a constituir uma das espécies que mais se desenvolve na capoeira ¢ na mata secundéxi.” (BRASIL, 1984), O Maranhiio aparece nessas fontes como Estado de maior concentragio desse vegetal, no entanto € dificil precisar a area de sua ocorréncia, pois os dados oficiais sao divergentes: Para o IBGE. (BRASIL. 1984) sao 9.457.500 hectares no Maranhiao, comespondendo a 66.6% dos babaguais do Pais (U4.187,500 ha): Para 0 MIC, citado por Almeida (1995), seriam 10.303.503 hectares. 0 que corresponderia a 71% da atea total. Na carta de uso e cobertura vegetal do Maranhio, produto do ‘Zoneamento Ecolégico Econémico do Estado do Marana, a classificacao se dé associada a um mosaico 56_Agréria, S40 Paulo, N° 3, 2006 REGO, J. Le ANDRADE, M. P. ‘que “compreendem dreas de usos diversos, associados com pastagens, florestas abertas (em exploragio ‘e/ou explorada) com vegetacao dezradada © com presenga de babact”. Nessa classificagao citada, ha ainda a seguinte distingao: “quando a presenga dessa palmeira esta em tomo de 20% na rea, utiliza-se 0 termo ‘com babagu’ e, se em alta concentragio, acima de 50%, utiliza-se o temo “babacual”” (MARANHAO, 2002, p. 22) A ocupacio das terras do Médio Mearim, no Maranhio, realizado por “nordestinos” (ANDRADE, 1969); (TROVAO, 1989) ~ cearenses, cm nmitos casos ~ foi um processo que teve entre as stas caracteristicas a forte influéneia de politicas temritorinis govemamentais do decorrer das décadas de 1950, 1960, 1970 e 1980. Referéncias ALMEIDA, Alfredo W. B. de. Quebradciras de Coco - identidade ¢ mobilizagao: legislagao especifica © Fontes documentais ¢ arquivisticas. Sto Luis, 1995. ANDRADE, Manuel Correia, Paisagens e Problemas do Brasil. S20 Paulo: Brasiliense, 1969, BARTH, Fredrik. Grupos étnicos ¢ suas fionteiras. 1: POUTIGNAT, Philippe, STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade. Sao Paulo: UNESP, 1998, BRASIL. 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