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AUTOR UWE FLICK. Psicélogo e sociélogo. Professor titular de pesquisa qualitativa na Alice Salomon University, em Berlim, Alemanha, nas éreas de Enfermagem, Gerontologia e Servico Social. Anteriormente, foi professor auxiliar da Memorial University of Newfoundland, em St. John's, no Canada, E professor auxiliar na Free University of Berlin, na area de metodologia da pesquisa, professor assistente da Technical University of Berlin na area de métodos qualita- tivos ¢ avaliacdo; e é também professor adjunto e chefe do Departamento de Sociologia Médica da Hannover Medical School. Ocupou cargos como professor visitante na London School of Economics, na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris, na Cambridge University (UK), na Memorial University of St. John’s (Canada), na Universidade de Lisboa (Portugal), na Italia, Suécia e na School of Psychology da Massey University, em Auckland (Nova Zelindia). Tem como principais interesses de pesquisa os métodos qualitatives, as representagdes sociais nos campos da satide individual e piiblica e a mudanca teenolégica na vida cocidiana, P621i Flick, Uwe, Introdugéo a pesquisa qualitativa / Uwe Flick ; traducao Joice Elias Costa. - 3. ed. - Porto Alegre : Artmed, 2009. 405 p. ; 25 cm. ISBN 978: 363-1711-3 1. Pesquisa cientifica ~ Pesquisa qualitativa. I. Titulo. CDU 001.891 Catalogagao na publicagao: Renata de Souza Borges ~ CRB-10/Prov-021/08 Métodos de Pesquisa INTRODUGAO A PESQUISA QUALITATIVA 3° EDIGAO Uwe Flick ‘Traducio: Joice Elias Costa Consultoria, supervisao e revisdo técnica desta edi¢io: Sonia Elisa Caregnato Doutora em Ciéncias da Informagito pela Sheffield University, Inglaterra Professora na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicagio da UFRGS. 2009 SSE Arrolevancia da pesquisa qualitativa, 20 Os limites da pesquisa quantitativa como ponto de partida, 21 Aspectos essenciais da pesquisa qualitativa, 23 Um breve historico da pesquisa qualitativa, 25 A pesquisa qualitativa no inicio do século XXI — 0 estado de arte, 28 Avancos e tendéncias metodolégicas, 32 Como aprender e ensinar a pesquisa qualtativa, 36 A pesquisa qualitativa no final da modernidade, 37 OBJETIVOS DO CAPITULO. Apos leitura deste capitulo, vocé deverd ser capaz de: compreender a histria e a fundamentacao da pesquisa qualitativa. entender as caracteristicas gerals da pesquisa qualitativa e a diversidade das perspectivas de pesquisa, Z ov discutir as tendéncias atuais da pesquisa qualitativa. v ¥ compreender por que a pesquisa qualitativa consiste em uma abordagem oportuna e necessaria na pesquisa social. A RELEVANCIA DA PESQUISA QUALITATIVA Por que utilizar a pesquisa qualitati- va? Existe alguma demanda especial desse tipo de abordagem na atualidade? Em uma primeira etapa, irei esbogar uma justifica- tiva para o enorme crescimento do inte- resse na pesquisa qualitativa ao longo das ltimas décadas. A pesquisa qualitativa é de particular relevancia ao estudo das re- lagoes sociais devido a pluralizacao das esferas de vida. As expressées-chave para essa pluralizacao sao a “nova obscurida- de” (Habermas, 1996), a crescente “indi dualizagao das formas de vida e dos pa- drées biograficos” (Beck, 1992) e a disso- lucéo de “velhas” desigualdades sociais dentro da nova diversidade de ambientes, subculturas, estilos e formas de vida. Essa pluralizacao exige uma nova sensibilidade para 0 estudo empirico das questées. Os defensores do pés-modernismo ar gumentam que a era das grandes narrati vas ¢ teorias chegou ao fim. As narrativas agora precisam ser limitadas em termos locais, temporais ¢ situacionais. No que diz respeito a pluralizagao de estilos de vida e de padrdes de interpretagao na sociedade moderna ¢ pés-moderna, a afirmagao de Herbert Blumer torna-se novamente rele- vante, assumindo novas implicacées: “A postuta inicial do cientista social e do psied- logo quase sempre carece de familiarida- de com aquilo que de fato ocorre na esfera da vida que ele se propée a estudar” (1969, p. 33). Amudanea social acelerada e a con- sequente diversificacdo das esferas de vida fazem com que, cada vez, mais, os pesquisa- dores sociais enfrentem novos contextos ¢ perspectivas sociais. Tratam-se de situagdes Udo navas para eles que suas metodologias dedutivas tradicionais ~ questées ¢ hipote- ses de pesquisa obtidas a partir de modelos tedricos e testadas sobre evidéncias empiri- as — agora fracassam devido a diferencia- gio dos objetos, Desta forma, a pesquisa estd cada vez. mais obrigada a utilizar-se das estratégias indutivas. Em vez de partir de teorias ¢ testé-las, siio necessdrios “con- ceitos sensibilizantes” para a abordagem dos contextos sociais a serem estudados -Contudo, ao contrario do que vem sendo equivocadamente difundido, estes concei- tos so essencialmente influenciados por um conhecimento teérico anterior. No en- tanto, aqui, as teorias sfio desenvolvidas a partir de estudos empiricos. O conhecimen- to © a pratica sio estudados enquanto co- nhecimento e pratica locais (Geertz, 1983). No que diz respeito, em particular, pesquisa na area da psicologia, questiona- se sua relevancia para a vida cotidiana por nao dedicar-se suficientemente a descricao detalhada de um caso ou partir de suas cir- cunstancias concretas. A andlise dos sig- nificados subjetivos da experiéncia e da pratica cotidianas mostra-se tao essencial quanto a contemplagio das narrativas (Bruner, 1991; Sarbin, 1986) e dos discur- sos (Harré, 1998). Introdugfio & pesquisa qualita OS LIMITES DA PESQUISA QUANTITATIVA COMO PONTO DE PARTIDA Além desses desenvolvimentos gerais, as limitagdes das abordagens quantitativas vém sendo adotadas como ponte de parti- da para uma argumentacio no sentido de Jjustificar a utilizagéo da pesquisa qualita- tiva. Tradicionalmente, a psicologia e as ciéncias sociais tém adotado as ciéneias naturais € sua exatidae como modelo, pres- rando arencio em especial ao desenvolvi- mento de métodos quantitativos ¢ padro- nizados. Os principios norteadores da pes- quisa € do planejamento da pesquisa sito utilizados com as seguintes finalidades: iso- lar claramente causas e efeitos, opera nalizar adequadamente relacdes tedricas, medir e quantilicar fendmenos, desenvol- ver planos de pesquisa que permitam a generalizacio das descobertas e formular leis gerais. Por exemplo, selecionam-se amostras aleatérias de populagées no sen- tido de obter-se um levantamento repre- sentativo. Os enunciados gerais sto elabo- rados da forma mais independente possi- vel em relac&o aos casos concretos esttida- dos. Os fendmenos observados sao classifi- cados de acordo com sua frequéncia e dis- tribuicdo. No intuito de classificar da for- ma mais clara possivel as relacGes causais e sua respectiva validade, as condicées em que os fendmenos ¢ as relacées em estudo ocorrem sao controladas ao extremo. Os estudos sao planejados de tal maneira que a influéncia do pesquisador, bem como do entrevistador, observador, ete., seja elimi- nada tanto quanto possivel. Isso deve ga- rantir a objetividade do estudo, pois, des- sa forma, as opinides subjetivas tanto do pesquisador quanto daqueles individuos suibmetidos ao estudo sfo, em grande par- te, desconsideradas. Os padr é rios gerais para a realiza da pesquisa social empitica vém sendo for- muladas. Os procedimentos relativos a for- 2 Uwe Flick ma como construir um questionario, como planejar um experimento e como realizar uma anilise estatistica tormmam-se cada vez mais aperfeigoados Durante muito tempo, a pesquisa psi- coldgica utilizou quase que exclusivamen- te planos experimentais. Esses planos pro- duziram grandes quantidades de dados ¢ resultados que demonstram e testam as relages psicoldgicas das varidveis ¢ as con- digdes sob as quais elas s4o validas. Pelas raz6es mencionadas acima, durante um longo perfodo a pesquisa social empirica baseou-se essencialmente em levantamen- tos padronizados. O objetivo era documen- tare analisar a frequéncia ¢ a distribuicao dos fenémenos sociais na populagao ~ por exemplo, determinadas atitudes. Em esea- la menor, os padrées € os procedimentos da pesquisa quantitativa foram fundamen- talmente considerados e analisados no sen- tido de esclarecer objetos e questées de pes- quisa a que eles se ajustam ou nao. Ao ponderarmos os objetivos menci- onados acima, proliferam-se os resultados negativos. Os ideais de objetividade, em grande parte, desencantam-se; ha algum tempo, Max Weber (1919) afirmou ser o “desencantamento do mundo” tarefa da ciéncia. Mais recentemente, Bon e Hartmann (1985) declararam o crescente desencantamento das ciéncias - seus mé- todos e suas descobertas. No caso das cién- cias sociais, 0 baixo grau de aplicabilidade dos resultados ¢ os problemas para conec- té-los a teoria e ao desenvolvimento da so- ciedade sao considerados indicadores des- te desencantamento. Com uma abrangén- cia bem menor do que a esperada - ¢, so- bretudo, de forma bastante diversa—as des- cobertas da pesquisa social tém encontra- do seu caminho dentro dos contextos poli- ticos cotidianos. A “pesquisa de aplica- co” (Beck and Bon, 1989) vem demons- trando que as descobertas cientificas néio so incorporadas ais praticas politicas ¢ ins- titucionais tanto quanto se esperava que fossem, Quando utilizadas, so claramen. te reinterpretadas ¢ criticadas: “A ciéncia nao produz mais ‘verdades absolutas’, pazes de serem adotadas sem nenhuma critica, Fornece ofertas limitadas para a in- terpretacdo, cujo alcance 6 maior do que o das teorias cotidianas, podendo ser aplica- das na pratica de forma comparativamen- te flexivel” (1989, p. 31). Tornow-se claro, também, que os re- ncias sociais raramente sao percebidos e utilizados na vida cotidiana. Na busca por satisfazer padres metodols- gicos, suas pesquisas e descobertas frequen- temente afastam-se das questées ¢ dos pro- blemas da vida cotidiana. Por outro lado, analises da pratica de pesquisa demons- tram que os ideais (tedricos) de objetivida- de formulados pelos metodélogos apenas se verificam em parte do procedimento da pesquisa concreta. Apesar de todos os me- canismos de controle metodolégico, torna- se muito dificil evitar a influéncia dos inte- resses e da formacao social e cultural na pesquisa e em suas descobertas. Esses fato- res influenciam na formulagao das questées e das hipéteses de pesquisa, assim como na interpretaco dos dados e das relagées. Por tiltimo, 0 desencantamento re- latado por Bon e Hartmann traz conse- quéncias para o tipo de conhecimento pelo qual a psicologia e as ciéncias sociais po- dem lutar e, sobretudo, 0 tipo de conhe- cimento que podem produzir. “Na condi- do de desencantamento dos ideais do objetivismo, nao podemos mais partir ir- refletidamente da nocdo de enunciados objetivamente verdadeiros. O que resta € a possibilidade de enunciados relatives a sujeitos e a situagdes, que deve ser de- terminados por um conceito de conhe- cimento sociologicamente articulado” (1985, p. 21). A formulacdo empirica- mente bem fundamentada destes enun- ciados relacionados a sujeitos ¢ a situa- ges é um objetivo que pode ser aleanca~ do com a pesquisa qualitativa. ASPECTOS ESSENCIAIS DA PESQUISA QUALITATIVA As ideias centrais que orientam a pes- quisa qualitativa diferem daquelas da pes- quisa quantitativa. Os aspectos essenciais da pesquisa qualitativa (Quadro 2.1) con- sistem na escolha adequada de métodos e teorias convenientes; no reconhecimento ena anilise de diferentes perspectivas; nas reflexdes dos pesquisadores a respeito de suas pesquisas como parte do processo de produgao de conhecimento; e na varieda- de de abordagens ¢ métodos. Apropriabilidade de métodos e teorias As disciplinas cientificas utilizaram padrées metodolégicos definidores para distinguirem-se das outras disciplinas. Um exemplo disso inclui o uso de experimen- tos como 0 método da psicologis ou de le- vantamento de dados como métodos-cha- ve da sociologia. Nesse processo de esta- belecer-se como disciplina cientifica, os métodos tornaram-se 0 ponto de referén- cia para a verificacio da adequacao de ideias e de questées para a investigagio empirica. Isto muitas vezes leva a suges- tes como a abstencao de estudar-se fend- menos aos quais nao possam ser aplicados métodos como a experimentacdo ou o le- yantamento de dados; as vezes nao € pos- sivel 0 isolamento e a identiticagio clara Introdugao pesquisa qualitativa de varidveis, de modo que elas néo podem ser organizadas em um plano experimen- tal. Outras vezes, a sugestdo é de afasta- mento de fenémenos que possam ser estu- dados apenas em casos muito raros, 0 que dificulta estuda-los a partir de uma amos- tra suficientemente grande para um estu- do representativo ¢ para descobertas pro- pensas a generalizagao. £ claro que faz sen- tido refletir-se quanto a possibilidade ou no de uma questo de pesquisa ser estu- dada empiricamente (ver Capitulo 9). O fato de que a maior parte dos fenémenos nao possam ser explicados de forma isola- da é uma consequéncia da complexidade destes fenémenos na realidade. Se todos os estudos empiricos fossem planejados ex- clusivamente de acordo com 0 modelo de nitidas relagdes de causa e efeito, todos os objetos complexos precisariam ser exclui- dos. Nao escolher fenémenos raros e com- plexas como objeto é seguidamente a so- lugao sugerida dentro da pesquisa social a questao sobre como tratar este tipo de fe- némeno. Uma segunda solucio consiste em levar em conta as condigées contextuais em planos complexos de pesquisa quantitati- va (por exemplo, andlises multivariadas) e em compreender modelos complexos empirica ¢ estatisticamente. A necessaria abstragao metodoldgica dificulta a reintro- ducio das descobertas nas situagGes coti- dianas em estudo. O problema basico - de que o estudo pode apenas demonstrar aqui- lo que 0 modelo subjacente da realidade revela — nao € resolvido dessa forma + Apropriabilidade de métodos e teorias + Reflexividade do pesquisador ¢ da pesquisa Perspectivas dos participantes ¢ sua diversidade + Variedade de abordagens e de métodos na pesquisa qualitativa Uwe Flick Por tiltimo, a adogio de mérodos abertos 4 complexidade de um tema de pes- quisa é também uma maneira de resolver temas incomuns com pesquisa qualitativa. Aqui, 0 objeto em estudo é 0 fator determi- nante para a escolha de um métado, e niio o contrario. Os objetos nao sao reduzidgs a simples varidveis, mas sim representados em sua totalidade, dentro de seus contex- tos cotidianos. Portanto, os campos de es- tudo nao sao situag6es artificiais criadas em laboratério, mas sim praticas e intera- des dos sujeitos na vida cotidiana. Aqui, em particular, situacdes e pessoas excepcio- nais so frequentemente estudadas (ver Capitulo 11). Para fazer justica a divers dade da vida cotidiana, os métodos sao caracterizados conforme a abertura para com seus objetos, sendo tal abertura ga- rantida de diversas maneiras (ver Capitu- los 13 a 21). O objetivo da pesquisa est4, entio, menos em testar aquilo que jé ¢ bem- conhecido (por exemplo, teorias jd formu- ladas antecipadamente) e mais em desco- brir 0 novo ¢ desenvolver teorias empirica- mente fundamentadas. Além disso, a vali- dade do estudo é avaliada com referéncia ao objeto que esta sendo estudado, sem gui- ar-se exclusivamente por critérios cientifi- cos tedricos, como no caso da pesquisa quantitativa. Em vez disso, os critérios cen- trais da pesquisa qualitativa consistem mais em determinar se as descobertas estao embasadas no material empirico, ou se os métodos foram adequadamente seleciona- dos ¢ aplicados, assim como na relevancia das descobertas e na reflexividade dos pro- cedimentos (ver Capitulo 29). Perspectivas dos participantes e sua diversidade O exemplo das doengas mentais per- mite-nos explicar outro aspecto da pesqui- sa qualitativa. Estudos epidemiolégico: demonstram a frequéncia da esquizofrenia na populacao e, além disso, mostram a for- ma como varia sua distribuigdo: nas clas- ses sociais mais baixas, doencas mentais graves, tais como a esquizofrenia, ocorrem com muito mais frequéncia do que nas clas- ses mais altas. Estas correlacées foram constatadas por Hollingshead e Redlich (1958) nos anos 1950 e, desde entao, vem sendo repetidamente confirmadas. No en- tanto, nao se conseguiu esclarecer a orien- tacao desta correlagao ~ sera que as cond des de vida em uma classe social mai baixa favorecem a ocorréncia e a manifes- tagao de doencas mentais? Ou serd que as pessoas com problemas mentais passam para as classes mais baixas? Além disso, essas descobertas ndo nos esclarecem a respeito do que significa viver com doenga mental. Tampouco esclarecem 0 significa- do subjetivo da doenga (ou da satide) para aqueles que so afetados diretamente, nem a diversidade de perspectivas sobre a do- enga é compreendida em seu contexto. Qual o significado subjetivo da esquizofre- nia para o paciente, e qual seria este signi- ficado para seus familiares? Como as di- versas pessoas envolvidas lidam com a do- enga no cotidiano? O que levou & manifes- tacao da doenca no curso da vida do pa- ciente, ¢ 0 que fez com que ela se tornasse ‘uma doenca crénica? Quais tratamentos influenciaram a vida do paciente? Que ideias, metas e rotinas orientam a execu- Gao real dos tratamentos desse caso? A pesquisa qualitativa a respeito de temas como a doenga mental concentra-se em questées como essas. Demonstra a va- riedade de perspectivas — do paciente, de seus familiares, dos profissionais ~ sobre 0 objeto, partindo dos significados sociais e subjetivos a ele relacionados. Pesquisado- res qualitativos estudam o conhecimento e as praticas dos participantes. Analisam as interac&es que permeiam a doenca men- tal e as formas de lidar com ela em um campo especifico. As inter-relagdes sto des critas no contexto concreto do caso e explicadas em relag&o a este. A pesquisa a leva em consideragio que 0s pontos de vista e as praticas no campo so diferentes devido as diversas perspectivas € contextos sociais a eles relacionados. Reflexividade do pesquisador e da pesquisa De modo diferente da pesquisa quan- titativa, os métodos qualitativos conside- ram a comunicacio do pesquisador em campo como parte explicita da produgao de conhecimento, em vez de simplesmen- te encaré-la como uma variével @ interfe- rir no processo, A subjetividade do pesqui- sador, bem como daqueles que esto sen- do estudadas, tornam-se parte do proces- so de pesquisa. As reflexes dos pesquisa- dores sobre suas préprias atitudes e obser- vacdes em campo, suas impressées, irrita- cies, sentimentos, etc., tornam-se dados em si mesmos, constituindo parte da inter- pretagio e sao, portanto, documentadas em didrios ce pesquisa ou em protocolos de contexto (ver Capitulo 22). Variedade de abordagens e métodos na pesquisa qualitativa A pesquisa qualitativa nao se baseia em um conceito tedrico ¢ metodolégico unificado. Diversas abordagens tedricas e seus métodos caracterizam as discussées & a pratica da pesquisa. Os pontos de vista subjetivos constituiem um primeiro ponto de partida. Uma segunda corrente de pesquisa estudda a elaboragao eo curso das interagées, enquanto uma terceira busca reconstruir as. estruturas do campo social € 0 significado latente das praticas (para mais detalhes, ver o préximo capitulo), Essa variedade de abor- dagens é uma consequéncia das diferentes linhas de desenvolvimento na historia da pesquisa qualitativa, cujas evolucées acon- teceram, em parte, de forma paralela e, em parte, de forma sequencial. Introdugio a pesquisa qualiativa UM BREVE HISTORICO DA PESQUISA QUALITATIVA ‘Aqui ¢ oferecido apenas um panora- ma breve ¢ um tanto superficial da histéria da pesquisa qualitativa. A psicologia e as cigncias sociais em geral possuem longa tra- dicéo na aplicacdo de métodos qualitativos Na psicologia, Wilhelm Wun (1928) utili- zou métodos de descriciio ¢ versiehen em sua psicologia popular, lado a lado com os métodos experimentais de sua psicologia geal. Aproximadamente nesta mesma épo- a iniciou-se, na sociologia alema (Bonk, 1982, p. 106), uma discusstio entre uma concepcao mais monografica da ciéncia, ori- entada para a indugao e para os estudos de caso, ¢ uma abordagem empirica ¢ estatis- tica. Na sociologia norte-americana, os mé- todos biograficos, os estudos de caso e os métodos descritivos foram centrais durante um longo periodo (até a década de 1940). Isto pode ser demonstrado pela importin- cia do estudo de ‘Thomas e Znaniecki, The Polish Peasant in Europe and America (1918- 20) e, de forma mais geral, coma influéncia da Escola de Chicago na area da sociologia Durante o posterior estabelecimento dessas duas ciéncias, no entanto, abor- dagens cada vez mais “duras”, experimen- tais, padronizantes e quantificantes supe- raram as estratégias de compreensiio “st- ave”, abertas € qualitativo-descritivas. Nao foi antes da déeada de 1960 que a critica da pesquisa social padronizada e quanti tiva tornou-se novamente relevante na so- ciologia norte-americana (Cicourel, 1964; Glaser e Strauss, 1967). Na década de 1970, esta critica foi absorvida nas discus- sbes alemas, Por fim, esse processo levow a um renascimento da pesquisa qualitativa nas ciéncias sociais ¢ também (com algum atraso) na psicologia (Banister, Burman, Parker, Taylor ¢ Tindall, 1994). Avancos e discussées nos Estados Unidos ¢ na Alema- nha nao apenas ocorreram em €pocas dis- tintas, como também foram marcados por etapas distintas 2 Uwe Flick Avancos em regides de lingua alema Na Alemanha, Jurgen Habermas (1967) foi o primeiro a reconhecer que uma tradigio e discussio “diferente” de pesqui- sa desenvolviam-se na sociologia norte- americana, estando associada a nomes como Goffman, Garfinkel e Cicourel. Apés a tradugao da critica metodolgica de Cicourel (1964), uma série de textos in- corporou contribuicdes das discuss6es nor- te-americanas, disponibilizando, assim, textos fundamentais da etnometodologia edo interacionismo simbélico as discussées alemés. A partir desse mesmo perfodo, 0 modelo de processo de pesquisa elabora- do por Glaser e Strauss (1967) atrai muita atencdo, As discussdes sao motivadas pelo propésito de fazer-se mais justica aos ob- Jjetos de pesquisa do que a justica possivel na pesquisa quantitativa, conforme de- monstra a afirmac&o de Hoffmann-Riem (1980) no “prinefpio da abertura”. Kleining (1982, p. 233) argumenta sobre a necessi- dade de compreender-se 0 objeto de pes- quisa como algo preliminar até o final da pesquisa, uma vez que o objeto “deverd apresentar-se em suas cores verdadeiras apenas no final”, Além disso, as discuss6es a respeito de uma “sociologia naturalista” (Schatzmann e Strauss, 1973) e métodos adequados sao determinadas por uma hi- pétese similar, inicialmente implicita e, posteriormente, também explicita. A apli- cago do principio da abertura e das re- gras sugeridas por Kleining (por exemplo, adiar a formulacao tedtica do objeto de pesquisa) possibilita ao pesquisador evitar constituir'o objeto por meio dos mesmos métodos utilizados para estudd-lo. Ou me- lhor, torna-se possivel “tomar em primeiro lugar a vida cotidiana e retomé-la sempre da forma como ela se apresenta em cada caso” (Grathoff, 1978; citado em Hoff- mann-Riem, 1980, p. 362, que conclui o artigo com esta citagao) No final da década de 1970, iniciou- se, na Alemanha, um debate mais amplo ¢ original que jd nao dependia exclusivamen- te da traducao da literatura norte-ameri- cana, Essa discussio tratava das entrevis- tas, de como aplicé-las e analisd-las, e das questGes metodolégicas que vém estimu- lando uma pesquisa extensiva (para um pa- norama mais recente, ver Flick, Kardoff ¢ Steinke, 2004). A questo principal neste periodo era saber se tais avancos da teoria deveriam ser vistos como um modismo, uma tendéncia ou um novo comeco. No inicio dos anos de 1980, dois mé- todos originais foram cruciais ao desenvol- vimento da pesquisa qualitativa na Alema- nha: a entrevista narrativa, de Schutze (1977; Rosenthal e Fischer-Rosenthal, 2004; ver também o Capitulo 14 deste li- vr0) € a hermenéutica objetiva, de Oever- mann e colaboradores (1979; ver também Reichertz, 2004). Estes dois métodos jé nao representavam apenas uma importagao dos avangos norte-americanos, como foi 0 caso da aplicaco da observacao participante ou das entrevistas com guia de entrevista ori- entado para a entrevista focal. Ambos os métodos estimularam a prética extensiva da pesquisa (sobretudo na pesquisa biogra- fica: para panoramas gerais, ver Bertaux, 1981; Rosenthal, 2004). Mas a influéncia dessas metodologias na discussao geral sobre os métodos qualitativos 6, ao menos, to crucial quanto os resultados obtidos a partir delas. Em meados da década de 1980, as questées da validade e da capaci- dade de generalizacao das descobertas obtidas a partir dos métodos qualitativos passaram a atrair maior atencdo. Discuti- ram-se questées relativas 4 apresentacao e transparéncia dos resultados. A quanti- dade e, sobretudo, a natureza nao-es- truturada dos dados exigem a utilizaciio de computadores também na pesquisa quali- tativa (Fielding e Lee, 1991; Kelle, 1995, 2004; Richards e Richards, 1998; Weitz- man e Miles, 1995). Por fim, s4o publica- dos os primeiros manuais ou introducées 0s fundamentos do debate na regio de lingua alemé O debate nos Estados Unidos Denzin ¢ Lincoln (2000b, p. 12-18) re- ferem-se a fases distintas daquelas que acabo de descrever em relacgio a regidio de idioma alemao. Eles identificam “sete momentos da pesquisa qualitativa’, conforme segue. Operiodo tradicional estende-se do ini- cio do século XX até a Segunda Guerra Mundial, estando relacionado a pesquisa de Malinowski (1916), na etnografia, ¢ & Fs- cola de Chicago, em sociologia. Durante esse periodo, a pesquisa qualitativa interes- sou-se pelo outro, pelo diferente — pelo es- trangeiro ou estranho ~ bem como por sua descricao e intexpretacéio mais ou menos ob- jetiva. Por exemplo, culturas estrangeiras eram assunto do interesse da etnografia, € outsiders dentro de sua propria sociedade constituiam um tema para a sociologia. A fase modernista dura até a década de 1970, sendo caracterizada pelas tenta- tivas de formalizacao da pesquisa qualita- tiva. Com esse proposito, publicam-se cada yez mais livros académicos nos Estados Unidos. A postura desse tipo de pesquisa permanece viva na tradicao de Glaser € Strauss (1967), Strauss (1987) € Strauss e Corbin (1990), bem como em Miles e Huberman (1994) A mistura de géneros (Geertz, 1983) caracterizam os avangos até meados dos anos 1980. Diversos modelos ¢ interpreta- ges teGricas dos objetos ¢ dos métodos re- sistem lado a lado e, a partir deles, os pes- quisadores podem escolher ¢ comparar “paradigmas alternativos” como o intera~ cionismo simbélico, a etnometodologia, a fenomenologia, a semidtica ou o feminis- mo (ver também Guba, 1990; Jacob, 1987). Na metade da década de 1980, as dis- Jes sobre a crise da representagio na cus Introdugao a pesquisa qualitativa inteligéncia artificial (Winograd e Flores, 1986) e na etnografia (Clifford e Marcus, 1986) atingem a pesquisa qualitativa como um todo, Isso torna o processo de exposi- sao do conhecimento e das descobertas parte essencial do proceso de pesquisa. Este processo da exposi¢iio do conhecimen- to e das descobertas recebe maior atengdo enquanto parte das descobertas per se. A pesquisa qualitativa torna-se um processo continuo de construgao de versées da rea- lidade. A verso apresentada pelas pesso- as em uma entrevista nao corresponde ne- cessariamente A versio que estas pessoas teriam formulado no momento em que 0 evento relatado ocorreu, Nao corresponde necessariamente 4 versio que essas mes- mas pessoas dariam a outro pesquisador com uma questo de pesquisa diferente. 0 pesquisador, ao interpretar € apresentar a entrevista como parte de stias descobertas, produz uma nova versio clo tado. Os diver- 505 leitores do livro, do artigo ou do rela- tério interpretam a versio do pesquisador de diferentes maneiras. Isso significa que surgem, ainda, outras versées do evento. Os interesses especificos que orientam a lei- tura em cada caso tém um papel central. Nesse contexto, a avaliagaio da pesquisa e das descobertas torna-se um tépico central nas discusses metodolégicas. Isso est as- sociado a questo levantada sobre se 0s cri- térios tradicionais ainda sdo validos e, caso no sejam, que outros padrées poderiam ser aplicados para a avaliac&o da pesquisa qualitativa. Nos anos de 1990, a situacio é identi- ficada por Denzin e Lincoln como sendo gutinto momento: as narrativas substituiram as teorias, ou as teorias sio lidas como narrativas. Muito embora aqui sejamos in- formados sobre o fim das grandes narrati- vas ~ assim como no pos-modernismo em geral. A énfase é deslocada para as teorias © as narrativas que se ajustem a situagdes ea problemas especificos, delimitados, lo- cais ¢ histéricos. A préxima etapa (sexto we Flick momento) caracteriza-se pela redacaio pés- experimental, vinculando questées da pes- quisa qualitativa a politicas democraticas: e 0 sétimo momento é 0 futuro da pesquisa qualitativa. Se compararmos as duas linhas de evolucao (Tabela 2.1), identificamos, na Alemanha, uma consolidagao metodolégi- ca crescente, complementada por uma con- centragao sobre questées relativas aos pro- cedimentos em uma pritica de pesquisa crescente. Por outro lado, nos Estados Uni- dos, os avancos recentes caracterizam-se por uma tendéncia ao questionamento das certezas aparentes providas pelos métodos. O papel da apresentagao no processo de pesquisa, a crise da representacdio ¢ a rela- tividade daquilo que é apresentado tém sido enfatizados, tornando, assim, as ten- tativas de formalizacao e de canonizacao dos métodos um tanto secundarias. A apli- cago “correta” dos procedimentos de en- trevista ou de interpretacao conta menos do que “as pratieas ¢ as politicas de inter- aria bee} ee eaernc cy pretacdo” (Denzin, 2000). A pesquisa qua- litativa, portanto, torna-se — ou esta ainda mais fortemente ligada a — uma postura especifica baseada na abertura e na reflexividade do pesquisador. A PESQUISA QUALITATIVA NO INICIO DO SECULO XXI O ESTADO DE ARTE Aque levou esta evolucio? A seciio se- guinte ira orientd-lo sobre a variedade de pesquiisas qualitativas e suas respectivas es- colas de pesquisa. © desenvolvimento te- cente da pesquisa qualitativa ocorreu em diversas areas, tendo cada uma delas se ca- racterizado por um embasamento tedrico especifico, por conceitos de realidade espe- cificos e por seus préprios programas metodolégicos. Um exemplo esta na etnometodologia enquanto programa ted- rico, que primeiro levou ao desenvolvimen- to da anélise de conversagao (por exemplo, Alemanha Estados Unidos Primeiros estudos (final do século XIX e inicio do século XX) Periodo tradicional (1900 a 1945) Fase da Importagio (inicio da década de 1970) Fase modernista (1945 até a década de 1970) Inicio das ciscussées originals Mistura de géneros (final da década de 1970) (até meados da década de 1980) Desenvolvimento de métodos originais (décadas de 1970 e 1980) Crise da representacéo (desde meados da década de 1980) Consolidacao e questées de procedimento (final da década de 1980 e 1990) Quinto momento (década de 1990) Pratica de pesquisa (desde a década de 1980) Sexto momento (redagao pés-experimental) Sétimo momento (0 futuro) Introducaio pesquisa qualitativa Bergmann, 2004a) e depois diferenciou-se em novas abordagens, tais como a andlise de género (Knoblauch e Luckmann, 2004) eaanidlise do discurso (Parker, 2004; Potter e Wetherell, 1998). Diversos campos e abor- dagens desenvolveram-se na pesquisa qua- litativa, desdobrando-se dentro de suas pré- prias areas, com pouca conexaio com os de- bates e as pesquisas realizadas em outras areas da pesquisa qualitativa. Outros exem- plos siio a hermenéutica objetiva, a narrati- va baseada na pesquisa biogrdfica e, mais recentemente, a etnografia ou os estudos culturais. A diversificacio se intensifica na pesquisa qualitativa, por exemplo, pelo fato de as discusses alema e anglo-americana estarem envolvidas com temas e métodos muito diferentes e pelo fato de existir um didlogo muito limitado entre ambas. Perspectivas de pesquisa na pesquisa qualitativa Embora as diversas abordagens da pes- quisa qualitativa diferenciem-se em suas su- posicdes tedricas, no modo como compre- endem seus objetos e em seus focos metodolégicos, trés perspectivas prineipais as resumem: os pontos de referéncia tedri- ca sao extraidos, primeiramente, das tradi- Bes do interacionismo simbélico € da fe- nomenologia. Uma segunda linha principal est ancorada teoricamente na etnome- todologia e no construcionismo, ¢ interes sa-se pelas rotinas didrias e pela producao da realidade social. O terceiro ponto de re- feréncia abrange as posturas estruturalistas ou psicanaliticas que compreendem estru- turas ¢ mecanismos psicolégicos inconsci- entes e configuragées sociais latentes. Estas trés perspectivas principais diferenciam-se por seus objetos de pesquisa e pelos méto- dos que empregam. Autores como Luders e Reichertz (1986) justapdem primeiro as abordagens que destacam o “ponto de vista do sujeito” e, depois, um segundo grupo que visa A descri¢éo dos processos na produgio de situacdes e de ambientes (mundanos, ins- titucionais, ou, de forma mais geral, sociais), bem como da ordem social existentes — por exemplo, as andlises etnometodoldgicas da linguagem. A terceira abordagem define-se pela reconstrucao (principalmente herme- néutica) de “estruturas profundas que ge- ram ago ¢ significado” no sentido das con- cepgGes psicanaliticas ou da hermenéutica objetiva (ver Capitulo 25). ‘A gama de métodos disponivel para a coleta ea anélise dos dados pode ser alocada nessas perspectivas de pesquisa conforme segue: na primeira perspectiva h4 um predominio das entrevistas semi- estruturadas ou narrativas e dos procedi- mentos de codificagao e de andlise de con- tetido. Na segunda perspectiva de pesqui- sa, os dados sao coletados a partir de gru- pos focais, de etnografia ou de observacaio (participante) e de gravagées audiovisuais Estes dados so, entao, analisados a partir da utilizagao da andlise do discurso ou de conversacao. Por tiltimo, a terceira pers- pectiva procede a coleta cle dados por meio da gravacdo das interagées e do uso de ma- terial visual (fotografias ou filmes) que se submete a uma das diferentes versdes da andlise hermenéutica (Hitzler e Eberle, 2004; Honer, 2004) A Tabela 2.2 resume essas alocacées complementando-as com alguns campos de pesquisa exemplares que caracterizam cada uma das trés perspectivas. As escolas de pesquisa mais importantes e os avangos recentes Ao todo, a pesquisa qualitativa, em seus avangos tedricos e metodoldgicos e em sua pratica de pesquisa, encontra-se defi- nida por uma estrutura explicita de esco- las que influenciam de maneira diversa 0 debate geral. Abordagens aos pontos de vista subjetivos Andlise hermenéutica das estruturas subjacentes Descricao da producao de ituacdes sociais OO TOEOrnm Posturas tedricas_Interacionismo simbélico Etnometodologia Psicanalise Fenomenologia Construtivismo Estruturalismo genético Métodos de Entrevistas Grupos Focais Gravacao de interacdes coleta dedados —_semiestruturadas Etnografia Fotografia Entrevistas narrativas Observacao participante Filmes Gravacao de interagées Coleta de documentos Métodos de Codificacao teérica Analise de conversagao Hermenéutica objetiva interpretagao Anélise de contetido Analise do discurso Hermenéutica profunca Analise narrativa Analise de género Metodos hermenduticos __Analise de documentos Campos de Pesquisa biografica Analise das esferas de Pesquisa de familia aplicacao Analise de vida © de organizaces Pesquisa biografica conhecimento cotidiano Pesquisa de geracao Pesquisa de género Avaliagao Estudos Culturais Teoria fundamentada" A pesquisa na tradicao de Glaser ¢ Strauss (1967) € sta abordagem da pro- ducao de teorias empiricamente funda- mentadas continua sendo muito atrativa para pesquisadores qualitativos. A ideia de desenvolvimento da teoria é adotada como um objetivo geral da pesquisa qua- litativa. Alguns conceitos como a amostra- gem teérica (para selecionar casos e ma- terial sobre o contexto da situacao da ana- lise empirica no projeto, ver 0 Capitulo 11) ou os diferentes métodos de codifi- cacao — aberto, axial e seletivo (ver Capi- tulo 23) — sio empregados. Uma porgao maior da pesquisa qualitativa recorre a uma ow outra parte do programa desen- volvido por Strauss e colaboradores (por exemplo, Chamberlain, 1999). Esta abor- dagem deixa também seus tracos no de- senvolvimento da pesquisa biogrdfica ou aparece vinculada a outros programas de pesquisa. Etnometodologia, andlise de conversagao, do discurso e de género™ A etnometodologia de Harold Garfin- kel (1967) é 0 ponto de partida desta se- gunda escola. Concentra-se no estudo empitico das praticas cotidianas, por meio das quais ocorre a producio da ordem °N. de LT: Nao ha uma convengao para a tradugio do termo grounded theory para a lingua portu- guesa. No idioma espanol, wilizam-se termos como teoria fundamentada, fundamental ou basi- ca, Em portugues, alguns autores utilizam a expresso “teoria fundamentada’” N. de RI; A palavra género é utilizada para traduzir dois vocabulos da lingua inglesa: “gender” ¢ “genre”. O primeiro, associado a nogao de identidade sexual, aparece neste livro sob 0 tépico “Estudos de Género”, enquanto o segundo, relacionado a estilos ou a padrées comunicativos, & tratado no tépico “Analise de género"’ interativa dentro e fora de instituigées. Por muito tempo, a andlise de conversacdo (Sacks, 1992) constituiu o caminho domi- nante utilizado para fazer funcionar em- piricamente 0 projeto tedrico da etno- metodologia. A analise de conversacio es- tuda a fala enquanto processo e enquanto forma de interacéo: quais os métodos em- pregados para a organizagio pratica da fala enquanto processos que se desenrolam de forma regular e, além disso, como aconte- ce a organizagdo de formas especificas de interacao — conversas 4 mesa no jantar, fo- focas, aconselhamentos ¢ avaliagées (ver Capitulo 24). Nesse meio tempo, a andlise de conversagao desenvolveu-se enquanto campo independente da etnometodologia. Os “estudos sobre 0 trabalho”, esbogados por emometodélogos como Garfinkel como sendo um segundo campo de pesquisa (Bergmann, 2004), permaneceram menos influentes. Os trabalhos que estenderam as questées de pesquisa da anélise de con- versacdio e seus prinefpios analiticos a en- tidades maiores na andlise de género (Knoblauch e Luckman, 2004) atrafram maior atencdo. Por ultimo, a etnome- todologia e as andlises de conversagao fo- ram responsaveis pela elaboracdo de algu- mas, a0 menos, das partes principais do he- terogéneo campo de pesquisa da andllise do discurso (ver Harré, 1998; Potter € Wetherell, 1998; Parker, 2004). Em todos estes campos, a coleta de dados encontra- se caracterizada pela tentativa de coletar dados naturais (como a gravagiio de con. versas cotidianas), sem a utilizagio expli- cita de métodos de reconstrucéio como sao as entrevistas. Andlise narrativa e pesquisa biografica, Nas regides de lingua alema, a pes- quisa biogréfica encontra-se fundamental- mente definida por um método especifico decoleta de dados ¢ pela difusao deste mé- todo. Aqui, principalmente a entrevista nar- Introdugio & pesquisa qualivativa rativa (ver Capitulo 14) encontra-se no pri- meiro plano. A entrevista narrativa enfoca as experiéncias biogrdficas, sendo aplica- da em diversas areas da sociologia e, nos uiltimos anos, de forma crescente também na edlucagao. Através da andlise das narta- tivas, pode-se estudar topicos e contextos mais amplos ~ por exemplo, de que forma as pessoas enfrentam o desemprego, as experiéncias de migracao e processos de doenca ou experiéncias de familias vincu- ladas ao holocausto. Os dados sao inter- pretados em anélises narrativas (Rosenthal e Fischer-Rosenthal, 2004). Recentemen- te, as narrativas de grupo (ver Capitulo 15), incluindo-se af as histérias familiares de muiltiplas geraedes (Bude, 2004), foram uma extensao da situacao nartativa Etnografia A pesquisa etnogréfica vern crescen- do desde o inicio da década de 1980. A etnografia substituiu estudos que utilizar a observagao participante (ver Capitulo 17). Ela visa menos a compreensao dos eventos ou processos sociais a partir de relatos sobre estes eventos (por exemplo, em uma entrevista), mas sim uma compre- ensao dos processos sociais de produgio desses eventos a partir de uma perspectiva interna ao processo, por meio da partici- pagdo durante seu desenvolvimento. A par ticipacdo prolongada — em vez de entre- vistas e observagées isoladas ~ ¢ 0 uso fle- xivel de diversos métodos (incluindo en- trevistas mais ou menos formais ou andli- se de documentos) caracterizam essa pes- quisa. A questo da redacio a respeito dos eventos observados constitui um interesse central desde meados da década de 1980. e, de forma mais geral, este interesse des- taca a relagéio entre o evento em si e sta apresentacdo (ver Capitulo 30). Em espe- cial nos Estados Unidos, a “etnografia’ (por exemplo Denzin, 1997) substitui a marca “pesquisa qualitativa” (em todas as suas facetas). Uwe Flick Estudos culturais Uma nova tendéncia de estudos cul- turais expande-se nos campos da sociolo- gia e dos estudos de midia (Winter, 2004). Até entao, o nivel de comprometimento para a elaboracio de uma metodologia e de prineipios metodolégicos tem sido*um tanto baixo, © objeto “culturas” define a abordagem; sua andlise depende da midia, sua orientacdo depende das subculturas (desprivilegiadas) e das relacdes de poder presentes nos contextos reais, Estudos de género A pesquisa feminista e os estudos de género proporcionaram avangos funda- mentais ao desenvolvimento das questoes e das metodologias da pesquisa qualitati- va (Gildemeister, 2004). Esses estudos exa- minam os processos de construgio e de diferenciacao de género ¢ as desigualda- des, Por exemplo, a transsexualidade con: titui um ponto de partida empirico para de- ‘monstrar a construcio social de imagens “tipicas” de género (ver Capitulo 6), © Quadro 2.2 resume as escolas da pesquisa qualitativa mencionadas breve- mente aqui. AVANCOS E TENDENCIAS METODOLOGICAS Quais as tendéneias metodolégicas atuais na pesquisa qualitativa? Dados visuais e eletrénicos A importancia dos dados visuais para a coleta de dados da pesquisa qualitativa vai além das formas tradicionais das en- urevistas, dos grupos focais ¢ das observa- ges participantes. A sociologia examina os videos € os filmes exatamente como nos estudos de midia (ver Denzin, 2004a e Harper, 2004; ver Capitulo 18). A utilizagao de dados visuais levanta questdes sobre como editar esses dados adequadamente ¢ questiona se os métodos originalmente de- senvolvidos para a andlise de textos podem também ser aplicados a esses outros tipos dle dados. Um sinal da aceitacéo dos dados visuais ¢ 0 fato de cada vez mais livros de- dicarem capitulos especificos ao tema. Quais os novos tipos de dados disponiveis para o estudo da internet e da comunica- G40 eletrénica (como o e-mail) ¢ que da- dos precisam ser coletados para a anilise dos processos de construcao e de comuni- cacao envolvidos? O Capitulo 20 ira discu- tir estes topicos (ver também Bergmann e Meier, 2004) Pesquisa qualitativa online Muitos dos métodos qualitativos exis- tentes vém sendo transferidos e adaptados as pesquisas que utilizam a internet como ferramenta, como fonte ou como questio de pesquisa. Ambitos novos como as en- trevistas por e-mail, os grupos focais online ea etnografia virtual levantam questoes de pesquisa relativas A ética ¢ aos problemas praticos (ver Capitulo 20). Triangulagao A ideia da triangulagao encontra-se amplamente discutida, Tornou-se funda- mental a articulacao de diversos métodos qualitativos, ou ainda de métodos qualita- tivos € quantitativos (Kelle e Erzberger, 2004; ver Capitulo 3). A triangulacao su: pera as limitacdes de um método tinico por combinar diversos métodos ¢ dar-lhes igual relevincia. Torna-se ainda mais produtiva se diversas abordagens tedricas forem uti lizadas, ou a0 menos consideradas, para a combinacgéo de métodos (para mais deta- Ihes, ver Flick, 1992, 2004a e Capitulo 29) Introdugio A pesquisa qualitativa UY) ee Cre ey |. Teoria fundamentada (Grounded Theory) 2. Etometodologia, andlise de conversacao, do discurso e de género 3. Anilise narrativa e pesquisa biogréfica 4. Etnografia 5. Estudos culturais . 6. Estudos de género Hibridacao A hibridagio fica evidente em muitas das perspectivas e das escolas de pesquisa discutidas acima, como é 0 caso da etnogra- fia, dos estudos culturais e da teoria fun- damentada. No campo, os pesquisadores selecionam abordagens metodolégicas € pragmaticas. A hibridacdo encontra-se ca- racterizada como a utilizagao pragmatica de principios metodol6gicos e como forma de fugir a filiagdo restritiva a um discurso metodolégico especifico. Utilizagao de computadores Profissionais da drea divergem quan- to ao apoio ao uso de computadores na pesquisa qualitativa (Knoblauch, 2004), cuja finalidade principal ¢ auxiliar na and- lise dos textos. Diversos programas (softwa- res) de computador encontram-se disponi- veis no mercado (por exemplo, ATLAS*ti, NUDIST e MAXQDA). Afinal, estes programas constituem apenas caminhos distintos para a realiza- cdo de funcdes e de obtencao de aprovei- tamentos muito parecidos? Terao um im- pacto sustentdvel nas formas como os da- dos qualitativos sao utilizados e analisados? A longo prazo, que relaces podemos es- tabelecer entre os investimentos € 0s es- forcos técnicos ea facilitagdo de rotinas de- les resultante? Questées como estas ainda precisam ser avaliadas (ver Capitulo 26). Estes programas auxiliam na manipulagao e no gerenciamento dos dados (por exem- plo, combinando cédigos e fontes no tex- to, indicando-os conjuntamente e rastrean- do categorizacoes a uma tinica passagem no texto a que se referem). Est ainda por ser definido se o software de reconhecimen- to de voz possibilitara que a transcrigao de entrevistas seja feita pelo computador e, ainda, se isso representard ou nao um avan- go tt Associacao entre pesquisa qualitativa e quantitativa A literatura identifica diversas postu- ras que vinculam pesquisa qualitativa e pesquisa quantitativa. Na pesquisa herme- néutica ou fenomenolégica, em especial, dificilmente encontra-se qualquer necessi- dade de vinculo com a pesquisa quantita- tiva e suas abordagens. Esse argumento fundamenta-se nas incompatibilidades das duas tradigées de pesquisa mencionadas, e nas respectivas epistemologias e proce- dimentos. Ao mesmo tempo, desenvolvem- se modelos ¢ estratégias para unir pesqui- sa qualitativa e quantitativa (ver Capitulo 3). Por fim, no cotidiano da pratica de pes- quisa, fora das discussées metodolégicas, frequentemente se faz necessaria e util a ligagdo entre as duas abordagens por ra- 26es pragmiiticas. Portanto, como podemos conceituar a triangulaciio de uma forma que leve realmente em conta as duas abor- dagens, incluindo suas peculiaridades te6- ricas € metodolégicas, sem qualquer tipo Uwe Flick de subordinago apressada de uma abor- dagem sobre @ outra? A redagao na pesquisa qualitativa Nas décadas de 1980 e 1990, a dis- cussdo sobre as formas adequadas de apre- sentagio dos procedimentos ¢ dos resulta- dos qualitativos teve forte impacto, espe- cialmente nos Estados Unidos (Clifford e, Marcus, 1986). Além de comparar as dife- rentes estratégias para a apresentagado da pesquisa qualitativa, este debate incluiu as seguintes questées entre seus topicos prin cipais: De que forma a redacao dos pesqui sadores qualitativos pode fazer justiga as esferas da vida que eles estudam e as pers- pectivas subjetivas ld encontradas? De que maneira a apresentaciio ¢ a conceituacio afetam a pesquisa em si mesma? Como a redacio influencia a avaliagdo ¢ a acessi- bilidade da pesquisa qualitativa? Essa in- fluéncia acontece de diversas maneiras. A etnografia considera o ato de escrever a respeito do que foi estudado como sendo algo, no minimo, téo importante quanto a coleta e a andlise dos dados. Em outras Areas, a redacao 6 percebida de uma for- ma um tanto instrumental — como tornar claros e plausiveis aos receptores (ou seja, outros cientistas, leitores e ptiblico em ge- ral) os procedimentos ¢ os resultados obti- dos em campo? Ao todo, o interesse pela discussdo sobre a redacéio da pesquisa vem diminuindo em decorréncia de insights como este: “Com excegio de algum cresci- mento autoreflexivo, esses debates pouco renderam para a obtencao de resultados concretos € titeis a prdtica de pesquisa” (Luders, 2004a, p. 228; ver Capitulo 30). A qualidade da pesquisa qualitativa Aavaliagao da qualidade da pesquisa qualitativa ainda atrai muita atengao. Vé- tios livros abordam 0 tema sob diversos Angulos (por exemplo, Seale, 1999). No entanto, as questdes e as alternativas basi- cas ainda determinam a discussao: critérios tradicionais como validade, confiabilidade e objetividade poderiam ser aplicados & pesquisa qualitativa? Se sim, como? Qu de- veriam ser criados novos critérios apropria- dos a pesquisa qualitativa? Se sim, quais seriam cles ¢ como exatamente poderiam set “operacionalizados" visando 2 avalia- cao da qualidade da pesquisa qualitativa? Nos Estados Unidos, as discusses demons- traram-se céticas em relagao ao uso de cri- térios de qualidade em geral. A distingo entre uma pesquisa boa e uma pesquisa ruim, na area da pesquisa qualitativa, confi- gura um problema interno. Ao mesmo tem- po, esta distingdo é também uma necessi dade no que diz respeito a atratividade e & exequibilidade da pesquisa qualitativa nos mercados e ambientes de ensino, 4 obten- Gao de subsidios e ao impacto de politicas nas ciéncias sociais (ver Capitulos 28 e 29). A pesquisa qualitativa entre a organizagao de escolas de pesquisa e a pratica da pesquisa © purismo metodolégico ¢ a pratica da pesquisa causam tensao na pesquisa qualitativa, O posterior aperfeigoamento das versées puras dos textos oriundos de métodos hermenéuticos, por exemplo, acarreta uma demanda maior de tempo, de pessoal e de outros recursos, evocando a questo sobre como utilizar essas abor- dagens em uma pesquisa realizada para um ministério ou para uma empresa, ou que atenda uma consultoria politica, de modo pragmatico, para que 0 ntimero de casos analisados seja suficientemente grande para justificar os resultados (ver Gaskell € Bauer, 2000). E isso nos leva, ainda, 4 ques: tio sobre quais sejam as estratégias pr e rapidas, contudo metodologicamente aceitdveis, para a coleta, a transcricao ¢ a analise dos dados qualitativos (Luders, 2004b) e para o delineamento da pesquisa qualitativa (ver Gapitulo 12). Internacionalizagao ‘Até ento, 0 que existem sio tentati- vas limitadas de publicaco de informacées referentes aos procedimentos metodold- gicos que definem o debate, a literatura ¢ a pritica de pesquisa das areas de lingua alema, também em publicacdes de lingua inglesa. Consequentemente, tem sido um tanto modesta a repercussiio da pesquisa qualitativa de lingua alema nos debates de lingua inglesa. Faz-se necessaria uma inter- nacionalizagao da pesquisa qualitativa em varias direcdes, devendo a pesquisa quali- tativa de lingua germanica nao apenas dar mais atengao ao que é atualmente discuti- dona literatura produzida em inglés e fran- és, mas também passar a absorvé-las em seu proprio discurso. Deverd, também, in- vestir na publicacdo das abordagens desen- yolvidas por elas mesmas (regides de idio- ma alemao) em periddicos e em conferén- cias internacionais. E, por fim, a discussio de lingua inglesa precisa abrit-se mais a0 que ocorre na pesquisa qualitativa produ- zida por outros paises. Introducio a pesquisa qualitativa Indicagao, Uma tiltima demanda na pesquisa qualitativa refere-se ao esclarecimento acerca da questao da indicagao. Isso se as- semelha 4 maneira como é verificada, na thedicina ou na psicoterapia, a apropriabi- lidade de determinado tratamento a pro- blemas ou grupos especificos de pessoas (ver Capitulo 29). Ao transferir-se isso para a pesquisa qualitativa, surgem questdes re- levantes que incluem: Quando é que de- terminados métodos qualitativos so apro- priados — para cada tema, cada questo de pesquisa, cada grupo de pessoas ou cam- pos a serem estudados, etc.? Quando ha indicacao para o uso de métodos quantita- tivos ou de uma combinagio de ambos? ‘Tentar responder a essas questdes conduz busea por critérios, sendo que encontrar estes critérios pode representar uma con- tribuicdo para uma avaliagao realista de métodos qualitativos isolados ou da pes- quisa qualitativa em geral. Isto impedird, finalmente, que caiamos novamente nas disputas fundamentalistas entre pesquisa qualitativa e pesquisa quantitativa (ver Ca- pitulo 3). O Quadro 2.3 resume as tendéncias ‘os avancos brevernente mencionados aqui. QUADRO 2.3 Tendéncias e avan Dados visuais ¢ eletrénicos Pesquisa qualitativa online “Tangulacao Hibridacao Utilzacio de computadores A redacio na pesquisa qualitativa ‘A qualidade da pesquisa qualicativa CON RMAWNE 10. Internacionalizagao I. Indicagao Aaassociagio entre pesquisa qualitativa e quantitativa A pesquisa qualitativa entre a organizacdo de escolas de pesquisa © a pratica da pesquisa Uwe Flick COMO APRENDER E ENSINAR A PESQUISA QUALITATIVA As obras de introducdo a pesquisa qualitativa enfretam dois problemas fun- damentais, Em primeiro lugar, as alterna- tivas resumidas sob o rétulo da pesquisa qualitativa so ainda muito heterogéneas €, portanto, essas introducées correm o ris- co de fornecer descrigées unificadas de uma questo que € € permanecerd sendo bas- tante diversificada. A consagracao e a codificagao por vezes exigidas poderio perder-se na criagio de uma unidade que possa realmente ser atingida, restando ain- da por ser questionado 0 quanto seja real- mente desejavel a criaco desta unidade. Torna-se, assim, instrutivo 0 esclarecimen- to dos propésitos tedricos, metodolégicos ¢ gerais de cada uma das diversas alterna- tivas. Em segundo lugar, as introdugées aos métodos poderiam confundir ao invés de destacar a ideia de que a pesquisa qualita- tiva néio apenas consista na mera aplica- 40 de métodos no sentido de tecnologias. A pesquisa qualitativa nao se refere ape- nas ao emprego de técnica e de habilidade aos métodos, mas inclui também uma ati- tude de pesquisa especifica. Essa atitude esta associada a primazia do tema sobre 98 métodos, & orientagdo do processo de pesquisa € a atitude com que os pesquisa- dores deversio alcangar seus “objetivos”. Além da curiosidade, da abertura e da fle- xibilidade na manipulacaio dos métodos, essa atitude é também atribuida, em par te, a certo grau de reflexiio sobre o tema, & apropriabilidade da questo e dos méto- dos de pesquisa, bem como as percepdes € 20s pontos cegos do proprio pesquisador. Disso resultam duas consequéncias. Ha, nos métodos qualitativos, a ne- cessidlade de encontrar um caminho entre © ensino de técnicas (por exemplo, como formular uma boa quest&o, como identifi- car 0 que seja um bom codigo) ¢ 0 ensino dessa atitude indispensavel. Curiosidade e flexibilidade néo sao coisas que possam ser ensinadas em palestras sobre a histéria e ‘8 métodos da pesquisa qualitativa. A uti ragao adequada de métodos qualitativos frequentemente advém da experiéncia, dos problemas, dos erros e do trabalho conti- nuo no campo. Como em toda pesquisa, 0 nivel metodolégico puro deve estar sepa- rado do nivel da aplicacio. © campo con- creto, por suas obstrucées e demandas, muitas vezes dificulta a aplicagao ideal de certas técnicas de entrevista. Os problemas intensificam-se nos métodos qualitativos devido ao Ambito de sua aplicacaio e A ne- cessidade de flexibilidade, o que influen- cia as decisGes tomacias caso a caso. No caso bem-sucedido, essa flexibilidade abre ca- minho ao ponto de vista subjetivo do en- trevistado. Fm caso de falha, isso ira difi- cultar a orientago durante a aplicacio, ¢ 0 resultado provavel sera a utilizacao bu- rocrética do guia de entrevista. Quando bem-sucedidos, procedimentos como a co- dificagio tedriea ou a hermenéutica obje- tiva permitem ao pesquisador encontrar um caminho na estrutura do texto ou do caso; quando falham, deixam o pesquisador per- dido entre textos ¢ dado: ificilmente podera ser elaborada uma interpretacao da pesquisa qualitativa apenas em um nivel tedrico. Além disso, aprendizado e ensino deverao incluir expe iéncias praticas na aplicagéio de métodos € no contato com o tema concreto da pe quisa; deverdo proporcionar uma introdu- aoa pratica de pesquisa qualitativa combi- nando ensino € pesquisa, permitindo, as- sim, que os estudantes trabalhem continua- mente por um perfodo mais longo em uma quesido de pesquisa, a partir da utilizacdo de um ou mais métodos. Aprender por meio da pratica forneceré uma estrutura para as experiéncias praticas necessarias ao alcan- ce de uma compreensao das opc&es e das limitagies dos métodos qualitativos (para exemplos, ver Flick € Bauer, 2004), e para ensinar e compreender 0s procedimentos de entrevista e de interpretacéo de dados pela perspectiva das aplicacées Raramente se discute as falhas da pes- quisa qualitativa. As vezes a impressaio que fica é que o conhecimento validado ea uti- lizagao adequada compdem as bases dos métodos qualitativos. A andlise dos fracas- sos ocorridos nas estratégias da pesquisa qualitativa (para exemplos, ver Borman, LeCompte ¢ Goetz, 1986; ou,, para enfocar a entrada no campo de pesqitisa e falhas ocorridas neste processo, ver Wolff, 2004a e Capitulo 10) podera fornecer insights sobre a forma como operam essas estraté- gias quando em contato com campos, com instituigdes ou com seres humanos reais. A PESQUISA QUALITATIVA NO FINAL DA MODERNIDADE Visando a demonstrar a relevancia da pesquisa qualitativa, foram mencionadas, no inicio deste capitulo, algumas alteragées nos objetos potenciais. Alguns diagnésti- cos recentes das ciéncias resultaram em ar- gumentos adicionais para um desvio em direcao & pesquisa qualitativa. Em sua dis- cussio sobre “a agenda oculta da moderni- dade”, Stephen Toulmin (1990) explica de- talhadamente por que ele acredita na dis- funcionalidade da ciéncia moderna. Ele percebe quatro tendéncias para a pesquisa social empitica na filosofia e na ciéncia, conforme segue: * Oretorno a realizagéo de estudos em- piricos de tradigao oral na filosofia, na linguistica, na literatura ¢ nas ciéncias sociais pelo estudo de narrativas, lin- guagens e da comunicacio; + O retorno aos estudos empiricos espe- cificos cujo propésito “nao seja apenas concentrar-se em questées abstratas ¢ universais, mas sim voltar-se novamen- te para problemas particulares concre- tos que ocorrem em tipos especificos de situagées, e nao em um Ambito geral” (1990, p. 190); * O retorno aos sistemas locais para 0 es- tudo do conhecimento, das praticas e das experiéncias no contexto em que esto inseridas essas tradigdes e esses modos Introdugao & pesquisa qualitativa de vida locais, em vez de presumi-los tentar testar sua validade universal. * Oretoro & andlise de problemas tem- poralmente situados, bem como ao de- senvolvimento de solugoes igualmente elaboradas dentro do contexto histsri- co e temporal destes temas, para des- crevé-los neste contexto e explicé-los a partir dele. A pesquisa qualitativa dirige-se and- lise de casos concretos em suas peculiari- dades locais e temporais, partindo das ex- pressdes ¢ atividades das pessoas em seus contextos locais. Consequentemente, a pes- quisa qualitativa ocupa uma posicao estra- tégica para tracar caminhos para que as ci- éncias sociais, a psicologia e outras areas possam concretizar as tendéncias apresen- tadas por Toulmin, no sentido de tansfor- mé-las em programas de pesquisa, man- tendo a flexibilidade necessaria em rela- Gao a seus objetos ¢ tarefas: Como construgées em eseala humana, nossos procedimentos intelectuais ¢ so- ciais apenas serio capazes, nos anos por vir, de produzir aquilo que precisamos, se tivermos a cautela de evitar uma estabili- dade excessiva ou despropositada, € os mantivermos funcionando de maneiras que se adaptem a situagoes € a fungdes imprevistas, ou mesmo imprevisiveis. (1990, p. 186) Sugestoes concretas e métodos para a elaboragio desses programas de pesquisa sero delineados nos capitulos seguintes Pontos-chave + Apesquisa qualitativa tem, por varias razées, ‘especial relevancia para a pesquisa contem- pordnea em muitas areas. ‘+ Ambos os métodos de pesquisa, quantitati- ‘Vo e qualitativo, apresentam limitacoes. * A pesquisa qualitativa possui uma variedade de abordagens. cL Uwe Flick + Existem aspectos comuns entre as diferen- tes abordagens da pesquisa qualitativa. Alm disso, as diferentes escolas ¢ tendéncias dis- tinguem suas perspectivas de pesquisa + Ammelhor forma de ensinar e de aprender a pesquisa qualitativa ¢ 0 aprendizado na pra- tica~0 trabalho direto no campo e no mate- rial de pesquisa revela-se mais produtivo. LEITURAS ADICIONAIS Visao geral da pesquisa qualitativa As duas primeiras referéncias ampli- am a breve visio geral aqui fornecida so- bre as discussées alema e norte-america- na, ao passo que o livro de Strauss repre- senta a atitude da pesquisa por trés deste livro e da pesquisa qualitativa em geral Denzin, N., Lincoln, ¥.8. (eds) (2000) Handbook of Qualitative Research (2nd edn). London: SAGE. Flick, U., Kardorff, Ev,, Steinke, I. (eds) (2004) A Companion to Qualitative Research. London, SAGE. Strauss, A.L. (1987) Qualitative Analysis for Social Scientists, Cambridge: Cambridge Univer- sity Press. Aprendizado e ensino Encontram-se exemplos sobre o ensi- no da pesquisa qualitativa por meio da pes- quisa nesta fonte. Flick, U., Baves, M. (2004) “Teaching Qualitative Research,” in U. Flick, E.v. Kardorff, |, Steinke (eds) A Companion to Qualitative Research. SAGE. Pp. 340-348. le tos essencials emprega aproseniados n que vost selecionou? a i deste capitulo no de: tia. esguls rudlo As discussées atuais sobre pesquisa qualitativa e quantitativa, 39 ‘As relacbes entre pesquisa qualitativa e quantitativa, 40 Associando pesquisa qualitativa © quantitativa em urn tt A.combinagio de dados qualitativos e quanticativos, 45 A.combinagao de métodos qualitativos e quantitatives, Aassociacao de resultados qualitativos e quantitativos, Aavaliacao da pesquisa © a generalizacio, 47 inico plano, 42 46 46 A apropriabilidade dos métodos como ponte de referéncia, 47 OBJETIVOS DO CAPITULO Apés a leitura deste capitulo, vocé deverd ser capaz de: V compreender a distingao entre pesquisa qualitativa e quantitativa. reconhecer 0 que precisa ser considerado ao combinarem-se métodos de pesquisa alternativos. AS DISCUSSOES ATUAIS SOBRE PESQUISA QUALITATIVA. E QUANTITATIVA Na produgao dos tiltimos anos, encon- tra-se um grande mtimero de publicacdes que tratam das relagdes, das combinagoes e das distingGes da pesquisa qualitativa. An- tes de nos concentrarmos sobre os aspec- tos peculiares da pesquisa e dos métodos qualitativos nos capitulos seguintes, quero apresentar aqui uma breve visio geral do debate qualitativo-quantitativo ¢ das ver- s6es combinadas de ambos. Isto devera aju- dar o leitor a situar a pesquisa qualitativa neste contexto mais amplo e, assim, obter um panorama mais claro das capacidades e caracteristicas da pesquisa qualitativa. Bryman (1992) identifica 11 cami- nhos pata a interpretacao das pesquisas quantitativa e qualitativa. A légica da trian- gulacdo (1) significa, para ele, a verifica- cao de exemplos de resultados qualitati- vos em comparacéio com resultados quan- titativos. A pesquisa qualitativa pode apoiar a pesquisa quantitativa (2) e vice-versa (3), sendo ambas combinadas visando a forne- cer um quadro mais geral da questéo em estudo (4). Os aspectos estruturais so ana- lisados com métodos quantitativos, ¢ os as- pectos processuais analisados com 0 uso de abordagens qualitativas (5). A perspec- Uwe Flick ya dos pesguisadoes orienta as aborda- gens quantitativas, enquanto a pesquisa qualitativa enfatiza os pontos de vista dos sujeitos (6). Segundo Bryman, o problema da generalizacio (7) pode ser resolvido, na pesquisa qualitativa, através do acré: cimo das descobertas quantitativas, con- siderando-se que as descobertas qualitati- vas (8) deverao facilitar a interpretacéio das relagdes existentes entre as variaveis dos conjuntos de dados quantitativos, A rela- cdo entre os nfveis micro e macro de um ponto essencial (9) pode ser esclarecida por meio da combinacdo entre pesquisa quali- tativa e pesquisa quantitativa, podendo cada uma destas ser apropriada a etapas distintas do processo de pesquisa (10). Por fim, existem as formas hibridas (11) que utilizam a pesquisa qualitativa em planos quase-experimentais (ver Bryman, 1992, p. 59-61). Além disso, existem publicagées so- bre a integracdo dos métodos qualitativos e quantitativos que tratam das “metadolo- gias mistas” (Tashakkori e Teddlie, 2003a) e, ainda, da triangulaco desses métodos (Kelle ¢ Erzberger, 2004; Flick, 2004c). Os termos utilizados ja apontam uma diferen- ciacéio quanto as argumentagées propos- tas por essas abordagens. As abordagens de metodologia mista interessam-se por uma combinacdo pragmatica entre pesqui- sa qualitativa e quantitativa, o que devera por um fim As guerras de paradigmas de tempos mais remotos. Esse deverd entao ser considerado “um terceiro movimento metodoldgico” (Tashakkori ¢ Teddlie, 2003b: ix). A pesquisa e os métodos quan- titativos so considerados 0 primeiro, ¢ a pesquisa qualitativa, 0 segundo movimen- to. Nesse ponto, 08 objetivos de uma dis- cussdo metodoldgica sao o esclarecimento da “nomenclatura”, das questées de pla- nejamento ¢ das aplicagées de metodolo- gias mistas, bem como das inferéncias nesse contexto. De um ponto de vista metodolé- gico, 0 objetivo consiste em estabelecer-se uma base paradigmatica da pesquisa de metodologias mistas. A utilizagéo do con- ceito de paradigma, nesse contexto, no en- tanto, demonstra que os autores partem de ciuas abordagens fechadas, que poderao ser diferenciadas, combinadas ou recusadas, sem ponderar os problemas metodolégicos coneretos dessa ‘associacao. As argumentagées da pesquisa de metodologias mistas so delineadas con- forme segue: Propusemos que uma verdadeira abor dagem metodolégica mista (a) incorpo- raria abordagens miiltiplas em todas as etapas do estudo (ou seja, na identifica- do do problema, na coleta ¢ na analise dos dados e nas inferéncias finais) e (b) fneturria a transformacao ¢ a andlise dos dados por meio de uma outra abordagem, (Tashakkori ¢ Teddlie, 2003b, p. xi) Esses arguments sao muito fortes, es- pecialmente se considerarmos a transfor- mago e a andlise dos dados — qualitativos em quantitativos e vice-versa (ver abvaixo). AS RELACOES ENTRE PESQUISA QUALITATIVA E QUANTITATIVA Em muitos casos, o desenvolvimento dos métodos qualitativos ocorreu em um contexto de critica aos métodos e as es- tratégias quantitativas de pesquisa (para exemplo, ver Cicourel, 1964). Os debates em relagéo a um entendimento “correto” da ciéncia esto ainda em andamento (ver Becker, 1996), mas, nesses dois dominios, houve o desenvolvimento de uma pré de pesquisa mais ampla que fala por si mesma, independentemente do fato de que ambos os lados apresentem pesquisas boas ¢ ruins. Um indicativo de que a pesquisa qualitativa tornou-se independente da pesquisa quantitativa, bem como das an- tigas batalhas contra a pesquisa quanti- tativa, esta no fato de Denzin e Lincoln (2000a) sequer apresentarem um capitulo sobre as relagdes com a pesquisa quantita- Introdugio & pesquisa qualitativa tiva e fornecerem, nos indices, apenas gumas poucas referéncias a esta aborda- gem. No entanto, uma combinacao dessas duas estratégias cristalizou-se enquanto perspectiva, sendo discutida e praticada de diversas maneiras. As relacées entre pes- quisa qualitativa ¢ quantitativa aparecem discutidas e estabelecidas em diferentes niveis: * epistemologia (e incompatibilidades epistemoldgicas) ¢ metodologi + planos de pesquisa que combinem ou integrem 0 uso de dados e/ou de méto- dos qualitativos e quantitativos; + métodos de pesquisa que sejam tanto qualitativos quanto quantitativos; + vinculagao das descobertas da pesqui- sa qualitativa as da quantitativa; + generalizacdo das descobertas; + avaliagao da qualidade da pesquisa — aplicagiio de critérios quantitativos pesquisa qualitativa ou vice-versa. No plano da epistemologia e da me- todologia, muitas vezes as discussées con- centram-se sobre as diferentes formas de relacionar pesquisa qualitativa ¢ quanti- tativa. Uma primeira relacao possivel é por meio do enfoque das incompatibilidades da pesquisa qualitativa e da quantitativa em principios epistemolégicos e metodo- légicos (por exemplo, Becker, 1996) ou das metas e dos objetivos a serem busca- dos com a pesquisa em geral. Essa forma de relacionar ambas aparece frequen- temente associada a diferentes posturas te6ricas, tais como o positivismo versus 0 construcionismo ou 0 pés-positivismo. As vezes, estas incompatibilidades sao refe- ridas como paradigmas distintos e ambos 0s lados parecem envolvidos em guerras de paradigmas (por exemplo, Lincoln e Guba, 1985). Definindo campos de aplicagao Uma solugdo para essa discussfio tem por objetivo verificar as estratégias de pes- quisa separadamente, porém lado a lado, dependendo do assunto e da questo de pesquisa. O pesquisador que desejar saber algo sobre a experiéncia subjetiva de uma doenga mental crénica devera conduzir entrevistas biogrdficas com alguns pacien- tes e analisé-las detalhadamente. O pes- quisador que pretender descobrir algo so- bre a frequéncia e a distribuicao dessas doengas na populacao dever realizar um estudo epidemiolégico sobre esse tdpico. Os métodos qualitativos sé apropriados para o primeiro problema e, para o segun- do, os quantitativos; sendo que cada um dos métodos abstém-se de entrar no tetti- tério do outro. © predominio da pesquisa quantitativa sobre a pesquisa qualitativa Essa abordagem ainda é dominante tanto nos livros académicos quanto na pré- tica da pesquisa qualitativa, Este € 0 caso, por exemplo, de um estudo exploratério realizado por meio de entrevistas abertas que antecedam a coleta de dados com o uso de questionérios, mas no qual a primei- ra etapa e seus resultados sejam conside- rados como se fossem apenas preliminares ‘Argumentos como o da representatividade da amostra seguidamente sio empregados para substanciar a alegaciio de que apenas dados quantitativos conduzem a resulta- dos no verdadeiro sentido da palavra, ao asso que os dados qualitativos teriam uma fungfio mais ilustrativa. As declaragées fei- tas durante as entrevistas abertas sfio, en- tio, testadas e “explicadas” conforme sua confirmacao e frequéncia nos dados obti- dos com 0 questiondtio. A superioridade da pesquisa qualitativa sobre a pesquisa quantitativa Esta € uma postura raramente adota: da, ocorrendo, porém, de forma mais radi- cal. Oevermann e colaboradores (1979, p. 352), por exemplo, consideraram os mé- todos quantitativos apenas como atalhos econdmicos de pesquisa para 0 proceso de geragio de dados, visto que somente os mé- todos qualitativos, em particular a herme- néutica objetiva desenvolvida por Oever- mann (ver Capitulo 25), séo capazes de fornecer verdadeiras explicacées cientifi- cas dos fatos. Kleining (1982) defende que os métodos qualitativos podem muito bem prescindir da utilizacdo posterior de mé- todos quantitativos, j4 os métodos quanti- tativos, por sua vez, precisam dos quali- tativos para explicar as relagdes que iden- tificam. Cicourel (1981) considera os mé- todos qualitativos como sendo especial- (coleta continua dos mente adequados para a solucio de ques- tes microssocioldgicas, ¢ os métodos quan- titativos apropriados as questées macros- sociolégicas. Contudo, McKinlay (1995) deixa claro que, na satide publica, so os métodos qualitativos, endo os quantita- tivos, que levam a resultados relevantes no que diz respeito a temas € a relacdes sécio- politicas, devido a sua complexidade. Des- ta forma, podemos encontrar argumentos que justifiquem a superioridade da pes- quisa qualitativa no nivel do programa de pesquisa ¢ da apropriabilidade 4 questio em estudo, ASSOCIANDO PESQUISA QUALITATIVA E QUANTITATIVA EM UM UNICO PLANO Os métodos qualitativos e os quanti- tativos podem ser associados de diversas maneiras no planejamento de um estudo. 1 QUAL —S—s. oe QUANT dois tipos de dados) 2. QUANT oscilagao | oxcilagao 2 cescilagio 3 QUAL pesquisa continua de campo 3. QUAL ——» QUANT QUAL (exploragao) (questionario) (aprofundamento e avaliacao de resultados) 4. QUANT QUAL QUANT (levantamento) (estudo de campo} (experimento) igura 3.1 Planos de pesquisa para a integracio entre pesquisa qualitativa e quantitativa Fonte; Adaptada de Miles e Huberman, 1994, p. 41 t Introdugiio & pesquisa qualitativa A integragao entre pesquisa qualitativa e quantitativa Miles e Huberman (1994, p. 41) es- bogam quatro tipos de planos para a integractio das duas abordagens em um nico plano, conforme aparece na Figura 3.1 No primeiro plano de integragao, as duas estratégias sfio adotadas paralelamen- te. A observagao continua no campo for- nece uma base na qual as varias oscilacoes de um levantamento so relatadas, ou a partir da qual estas oscilagées sao elabora- das @ moldadas no segundo plano. A ter- ceita combinagiio tem inicio com o uso de um método qualitativo ~ uma entrevista semi-estruturada~, sendo este seguido por um estudo de questiondrio, que constinut uma etapa intermediaria anterior ao aprofundamento ¢ a avaliagéio dos resul- tados obtidos de ambas as etapas em uma segunda fase qualitativa, No quarto plano de integracao, um estudo de campo com- plementar acrescenta maior profundidade a0s resultados do levantamento utilizado como primeira etapa, sendo seguido por uma intervencéo experimental no campo para a realizacéo do teste dos resultados das duas primeiras etapas (para sugestdes de planos mistos similares, ver Creswell, 2003 ou Patton, 2002), Sequenciamento das pesquisas qualitativa e quantitativa Um estudo podera incluir abordagens qualitativas ¢ quantitativas em diferentes fases do proceso de pesquisa sem concen- trar-se necessariamente na rediugio de uma delas a uma categoria inferior ou em defi- nir a outra como sendo a verdadeira abor- dagem da pesquisa. Barton Lazarsfeld (1955), por exemplo, sugerem a utilizagao da pesquisa qualitativa no desenvolvimen- to de hipoteses que serdo posteriormente testadas por meio das abordagens quanti- tativas. Em sua argumentacio, os autores focalizam nao apenas os limites da pesqui- sa qualitativa (comparados aos da quanti- tativa), mas percebem nitidamente a ca- pacidacle da pesquisa qualitativa na explo- taco do fenémeno em estudo. Com esta argumentacao, situam ambas as areas da pesquisa em etapas diferentes do processo de pesquisa. A triangulacao das pesquisas qualitativa e quantitativa A triangulagio (ver Capitulo 29) sig- nifica a combinagao entre diversos méto- dos qualitativos (ver Flick, 1992; 2004a), mas também a combinacio entre métodos qualitativos e quantitativos. Neste caso, as diferentes perspectivas metodoldgicas com plementam-se para a andlise de um tema, sendo este processo compreendido como a compensagio complementar das defi ciéncias e dos pontos obscuros de cada mé- todo isolado. A base desta concepgaio é 0 insight lentamente estabelecido de que “métodos qualitativos e quantitativos de- vem ser vistos como campos complemen- tares, e nao rivais” (Jick, 1983, p. 135). No entanto, os diversos métodos permanecem autonomos, seguem operando lado a lado, tendo como ponto de encontro 0 tema em estudo. E, por fim, nenhum dos métodos combinados é visto como sendo superior ‘ou preliminar, Quer os métodos sejam ou nao utilizados simultaneamente, ou empre- gados um apés 0 outro, este é um aspecto menos relevante se comparado & nocao de serem vistos em igualdade quanto ao pa- pel que desempenham no projeto. "a pe: ly Algumas questdes praticas esifio as sociadas a essas combinagées entre méto- dos diferentes no plano de um estudo— por exemplo, quanto ao grau de aplicacio con- creta da triangulagao. Duas alternativas distinguem a triangulacéo. Na pesquisa qualitativa e quantitativa, a triangulacdo pode focalizar 0 caso tinico. As mesmas pessoas sao entrevistadas e preenchem um questionario, sendo suas respostas compa: radas entre si, reunidas e relacionadas umas as outras para a andlise. As decisbes relativas amostragem siio tomadas em duas etapas (ver Capitulo 11). As mesmas pessoas esto incluidas em ambas as par- tes do estudo, mas, em uma segunda eta- pa, € preciso decidir-se quais sao os parti- cipantes do estudo de levantamento sele- cionados para as entrevistas, bem como estabelecer-se um vinculo no nivel do con- junto de dados. As respostas dos questio- narios sfo analisadas quanto a frequéncia em que ocorrem e quanto a sua distribui gio a0 longo de toda a amostra. As respos- tas obtidas nas entrevistas sao, entéo, ana lisadas e comparadas, desenvolvendo-se, por exemplo, uma tipologia. A seguir, a distribuicao das respostas do questionario @ a tipologia sio associadas e comparadas (ver Figura 3.2 e Flick, 2004). Conjunto de dados at Pesquisa Pesquisa qualitativa quantitativa Caso thico Triangulacio Figura 3.2 Nivels de triangulagao da pesquisa qua- litativa e quanticativa A COMBINACAO DE DADOS QUALITATIVOS E QUANTITATIVOS Os dados podem ser orientados para uma transformacao de dados qualitativos Introducao a pesquisa qualitativa em quantitativos e vice-vers alguns exemplos. Aqui esto A transformacao de dados qualitativos em dados quantitativos Tentow-se, por repetidas vezes, quan- tificar os enunciados de entrevistas aber tas ou de entrevistas narrativas. As obser- vacGes podem também ser analisadas quan- 10 a sua frequéncia. As frequéncias em cada categoria podem ser especificadas ¢ com- paradas, sendo que existem varios méto- dos estatisticos disponiveis para 0 célculo desses dados. Hopf (1982), no entanto, critiea uma tendéneia dos pesquisadores qualitativos de tentar convencer suas au- digncias por meio de argumentacées basea- das em uma ldgica quantitativa— por exem- plo, “5 dos 7 entrevistados disseram..."; “a maioria das respostas enfocou...”-, em vez de procurarem uma interpretagio e uma apresentacao das descobertas que estejam fundamentadas na teoria. Essa tendéncia pode ser vista como uma transformacao implicita dos dads qualitativos em desco- bertas quase-quantitativas. A transformagao de dados quantitativos em dados qualitativos Normalmente, ¢ mais dificil ocorrer a transformacao inversa, uma vez que da dos de questiondrios dificilmente revelam ocontexto de cada resposta; e isso apenas poder ser alcangado a partir do_uso ex- plicito de métodos adicionais, tais como entrevistas complementares em parte da amostra. Enquanto a andlise da frequén- cia de determinadas respostas nas entre- vistas pode fornecer novos insights para essas entrevistas, a explicagdo adicional sobre os motivos que fazem com que de- Uwe Flick terminados padroes de resposta possam ser encontrados em grande quantidade nos questiondrios requer a coleta eo envolvi- mento de novas tipos de dados (por exem- plo, entrevistas e observacées de campo). A COMBINACAO DE METODOS QUALITATIVOS E QUANTITATIVOS Existem poucos exemplos de constru- ges de procedimentos metodoldgicos que integram de fato as estratégias qualitati- vas e quantitativas em um sé método. Mui- tos questiondrios incluem perguntas aber tas ou de texto livre, o que, em alguns con- textos, ja se encontra definido como pes- quisa qualitativa, muito embora dificilmen- te qualquer prinefpio metodoldgico da pes- quisa qualitativa seja incorporado com utilizacio dessas questées. Mais uma vez, no se trata de uma combinagio explicita das duas formas de pesquisa, mas sim de uma tentativa de assimilar uma tendéncia. No dominio da andlise de dados quan- titativos, Kuckartz (1995) descreve um pro- cedimento de codificac4o de primeira segunda ordens, no qual andlises dimensio. nais conduzem A definigéo de varidveis ¢ de valores que podem ser aplicados na clas- sificacio e na quantificagio, Roller e cola- boradores (1995) apresentam um método denominado andlise hermenéutica classifi catéria de contetido, que incorpora ideias € procedimentos da hermenéutica objetiva (ver Capitulo 25) em uma andlise basica- mente quantitativa do contetido. A trans- feréncia dos dados analisados com um pro- grama como 0 ATLAS ti para o SPSS e para as andlises estatisticas assume uma dire- So semelhante. Nessas tentativas, a rela- cdo entre a classificacao e a interpretacao permanece um tanto obscura. A elabora- cdo de métodos qualitativos/quantitativo: realmente integrados para a coleta ou para avandllise de dados continua sendo um pro- blema sem solucio. A ASSOCIAGAO DE RESULTADOS QUALITATIVOS E QUANTITATIVOS As combinagées mais frequentemen- te estabelecidas entre as duas abordagens ocorrem por meio da ai do dos resul tados das pesquisas qualitativa ¢ quantita- “tiva no mesmo projeto ou em projetos dis- tintos, um apés 0 outro ou simultaneamen: te. Um exemplo pode ser a combinacao entre 05 resultados de um levantamento e os de um estudo de entrevistas, podendo esta combinagao ter diferentes objetivos: * obtencéo de um conhecimento mais amplo sobre o tema da pesquisa, em comparagio ao conhecimento forneci- do por uma tinica abordagem. * ou a validacéo miitua das descobertas de ambas as abordagens. Basicamente, a partir dessa combina- cdo podem resultar trés tipos de consequén- cias (ver Kelle e Eraberger, 2004): 1. os resultados qualitativos e quantit tivos convergem, confirmam-se mutu- amente e sustentam as mesmas con- clusées; 2. ambos os resultados focalizam aspec- tos diferentes de uma questio (por exemplo, significados subjetivos de uma doenca em particular e sua di tribuigdo social na populac&o), mas sio complementares entre si, condu- zindo, assim, a um quadro mais com. pleto daquela situacao; 3. 0s resultados qualitativos e quantitati- vos sio divergentes ou contraditdrios. Estes resultados so titeis na medida em que o interesse em combinar a pesqui- sa qualitativa com a quantitativa concen- tre-se em conhecer melhor o assunto. No terceiro caso (e talvez no segundo), faz-se necessdria uma interpretacao ou explica cao tedrica da divergéncia e das contradi. Bes. A combinacio das duas abordagens Introducfio & pesquisa qualitativa ho terceiro caso (¢ talvez no segundo) ofe- rece descobertas validas ¢ seus limites. Para uma maior discussdo sobre a nocao pro- blematica da validagdo por meio de diver- sas metodologias, consultar a literatura sobre iriangulagio (ver Capitulo 29 e Flic! 1992; 2004a). A AVALIACAO DA PESQUISA E A GENERALIZACAO Uma forma usual de combinagio im- plicita entre pesquisa qualitativa e quan- titativa ocorre com a aplicacéio do modelo de pesquisa quantitativa (ver Capitulo 8) na pesquisa qualitativa. A questao da amostragem (ver Capitulo 11), por exem- plo, € compreendida como um problema essencialmente numérico, conforme de- monstra a pergunta frequentemente feita pelos estudantes: “De quantos casos eu preciso para poder elaborar um enunciado cientifico?” Nesse ponto, percebe-se a apl cago de uma légica quantitativa 8 pesqui- sa qualitativa. Outra combinagao implicita da pes- quisa qualitativa com a quantitativa é a aplicagaio dos critérios de qualidade de uma area na outra. A pesquisa qualitativa é s guidamente criticada por nao preencher os padres de qualidade da pesquisa quanti- tativa (ver Capitulo 28), sem considerar 0 fato de que estes critérios nao se adaptam aos principios e as priticas da pesquisa qua- litativa, Esse problema acontece também na direcao oposta, porém, mais raramente. No que diz respeito ao problema da generalizacao da pesquisa qualitativa, en- contra-se com muita frequéncia uma ter- ceira forma de combinacao implicita da pesquisa qualitativa com a quantitativa Despreza-se, entiio, o fato de que a gene- ralizagao das descobertas de um estudo baseado em um niimero limitado de en- trevistas de um levantamento representa- tivo consiste apenas em uma das formas de generalizagio. Essa generalizagao nu- mérica nao é necessariamente a forma cor- reta, tendo em vista que muitos estudos qualitativos visam o desenvolvimento de novos insights ¢ teorias. A questio mais relevante est em como proceder a gene- ralizagio das descobertas qualitativas ten- do como base uma fundamentacao tedrica sdlida. A generalizagdo depende mais da qualidade das decises relativas a amostra- gem do que do numero de casos estuda- dos. As questées relevantes aqui sao “quais casos?” em vez de “quantos?”, e “o que os casos representam ou para que foram se- lecionados?” Assim, a questiio da generali- zacao na pesquisa qualitativa encontra-se menos associada A quantificacio do que muitas vezes se presume. A APROPRIABILIDADE DOS METODOS COMO PONTO DE REFERENCIA O debate sobre pesquisa qualitativa e quantitativa, originalmente voltado para ponios de vista epistemoldgicos ¢ filosdfi- cos, desvia-se cada vez mais para questées relacionadas & prética de pesquisa, tais como a apropriabilidade de cada uma das abordagens. Wilson (1982) faz. a seguinte afirmacio sobre a relacio existente entre as duas tradigbes metodoldgicas: “as abor- dagens qualitativas e quantitativas sao, antes, métodos complementares, ¢ néio competitivos [e a] utilizagao de um méto- do em particular [...] deve basear-se pre- ferivelmente na natureza do problema real de pesquisa que se tem em maos" (p. 501). ‘Aargumentacio de autores como McKinlay (1993, 1995) e Baum (1995) segue uma direcio semeihante no campo da pesquisa em satide publica. A proposta é, em vez de consideragées fundamentais que determi- nem a decisio favoravel ou contraria aos métodos qualitativos, ou favoravel ou con- traria aos métodos quantitativos, que esta decisio seja determinada pela apropriabi- lidade do método ao assunto em estudo e Uwe Flick As questdes de pesquisa, Bauer ¢ Gaskell (2000), por exemplo, enfatizam que o que distingue de fato as duas abordagens refe- re-se mais ao grau de formalizacio e de padronizagao do que a justaposicao de pa- lavras e de ntimeros. Contudo, os problemas na combina- cdo entre pesquisa qualitativa e quantitati- va ainda nao foram resolvidos de maneira satisfatéria, As tentativas de integracao das duas abordagens geralmente acabam resul- tando em praticas que as utilizam uma apés a outra (com diferentes preferéncias), lado a lado (com graus variados de independén- cia entre as duas estratégias), ou em prati- cas nas quais ha o predominio de uma so- bre a outra (também com diferentes prefe- réncias). A integracao fica normalmente res- trita ao nivel do plano de pesquisa — uma combinagao de varios métodos com diferen- tes graus de inter-relagdes entre si. No en- tanto, ainda persistem as diferencas entre as duas pesquisas no que se refere aos pla- nos (ver Capitulo 8) e as formas adequadas para a avaliacao de procedimentos, dos da- dos e dos resultados (ver Capitulo 28). E, ainda, a questéio sobre como considerar es- tas diferencas na combinagao das duas es- tratégias necessita de novas discussées. ‘As questées abaixo visam a orientar a avaliacio dos exemplos de combinacées das pesquisas qualitativa e quantitativa: * © peso dado as duas abordagens € 0 mesmo, por exemplo, no esboco do pro- jeto, na relevncia dos resultados e no julgamento da qualidade da pesquisa? + As abordagens foram apenas aplicadas separadamente ou esto, de fato, rela- cionadas uma a outra? Por exemplo, muitos estudos empregam métodos qualitativos e quantitativos de formas uum tanto independentes e, ao final, a integragdo das duas partes refere-se so- mente & comparagao dos resultados de cada uma. * Qual a relagdo légica entre elas? Sao apenas organizadas em sequéncia? E de que forma? Ou esto realmente integra- das em um plano de métodos mtiltiplos? * Quais os critérios utilizados para a ava- liacdo da pesquisa como um todo? Exis- te 0 predominio de uma visao tradi nal da validacao ou as duas formas de pesquisa sao avaliadas por meio de cri- térios adequados? Ao responderem-se essas questdes, considerando-se suas implicagées, torna-se possivel o desenvolvimento de planos sen- siveis para a utilizagio da pesquisa quali- tativa e quantitativa de um modo pragmé- tico € reflexivo. Pontos-chave * Aassociacio entre pesquisa qualitativa e pes- quisa quantitativa é um tépico que atrai mui- ta atencao, + Acombinagao é realizada em diversos niveis.. * Neste contexto, é muito importante que a combinacao nao seja considerada apenas como uma questao pragmatiea, mas sim que seja adequadamente refletida. * O ponto central de referéncia é a apropria- bilidade dos métodos ou da combinacao a questa em estudo. Introdugio & pesquisa qualitativa LEITURAS ADICIONAIS Aqui sfio indicados alguns trabalhos pragmaticos e cuidadosos sobre formas problemas do processo de associagao en- tre as duas abordagens de pesquisa. Flick, U. (1992a) “Iriangulation Revisited: Strategy of or Alternative to Validation of Qualitative Data”, Journal of the Theory of Soci- al Behavior, 22: 175-197. Kelle, U., Erzberger, C (2004) “Quantitative and Qualitative Methods: No Confrontation,” in U Flick, Ev. Kardorfi, |. Steinke (eds), A Compa- nion to Qualitative Research. London: SAGE. pp. 172-177. Miles, M.B., Huberman, A.M. (1994) Qualitative Data Analysis: A Sourcebook of New Methods (2nd edn). Newbury Park: SAGE. Tashakkori, A., Teddlie, Gh. (eds) (2003) Handbook of Mixed Methods in Social & Behavioral Research. Thousand Oaks: SAGE

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