You are on page 1of 19
Revista Critica de Ciéncias Sociais no 15/16/17 Maio 1985 KENNETH MAXWELL* AS COLONIAS PORTUGUESAS. E A SUA DESCOLONIZAGAO Até ao momento presente, quase toda a literatura sobre a descolonizagao portuguesa, escrita por estrangeiros, tem-se divi- dido em duas categorias. Ou tem sido fundamentalmente cafri- canistay nos seus pardmetros ou privilegia sobremaneira as gran- des estratégias — as questdes Este-Oeste e o intervencionismo estrangeiro. Deste modo, enquanto que um grupo de estudiosos tende a interpretar todos os resultados A luz de causas pura- mente africanas ou regionais, outro tende a concentrar-se, quase exclusivamente, sobre as acgGes das super-poténcias e seus alia~ dos. Na medida em que ambas as perspectivas representa, frequentemente, posigdes politicas ou ideolégicas, é raro que um dos lados dé atencéo ao outro e menos ainda se aceita a verdade contida em cada uma dessas leituras (*). De facto, do meu ponto ‘© ‘Universidade de Columbia (Nova Torque). (@) A. questo da dimensio luso-africana “da _descolonizagio fax parte dese problema, Os studios a Africa’ mals proximos dos movimentos de Iibertagio encontram dificuldades em interrelacionar Objectivamente os acontecimentos em Portugal com os de Africa, fenquanto que os analistas portugueses, nao raramente, se deixam ‘aprisionar por coneeltos como o de eluso-tropicalismo». Foi na ver~ dade o desejo de desmontar a ideia de luso-tropicalismo» que esteve nna origem da melhor investigagio americana sobre a acco dos portu- gueses na Africa Austral. Sfo exemplos os trabalhos de Gerald Bender (4978) ou de Allen F. Isaacman (1980). Uma anélise extremamente sofisticada da interacglo entre a ndministracao (ou ndo-administracio) portuguesa © a sociedade africana pode encontrar-se no trabalho de Leroy Vall e Landeg White (1990). Anténio de Figueiredo (1984), ‘contudo, mostrou como a politica de Salazar, aliés como 0 desen~ Volvimento da idela. de eluso-tropicalismos' por Gilberto Freyre (1940), devem ser vistos a luz dos seus contoxtos nacionais © tempo ais. Os intervenientes cléssices neste debate sio, obviainente, Charles 530. Kenneth Mazwell de vista, € no caso dos territérios portugueses, a questiio das diversas interrelagoes @ decisiva para a compreenséo da dina- mica da descolonizag&o — em especial ao longo do periodo eritico de Abril de 1974 aos principios de 1976. Assim sendo, proponho- -me, nesta breve anilise, dar atengéo quase exclusiva aquelas interrelagoes, As suas origens e a forma como terdo influen- cindo 0 proceso de descolonizagao em si, 1. © CONTEXTO REGIONAL DAS COLONIAS PORTUGUESAS NO SUL DA AFRICA Primeiro, 6 importante fazer destacar o contexto regional das colénias portuguesas na Africa Austral, dadas as miltiplas vinculagées de Mogambique e Angola aos diversos aspectos da situagdo explosiva vivida naquela érea. Na propria Africa do Sul ninguém duvidava que as colbnias portuguesas representa- vam um obstaculo ao funcionamento da regra da maioria. Em 1974, Angola tinha a maior populagfo branca do continente, excepiuada a Africa do Sul, e a efectiva alianca entre a Africa do Sul, a Rodésia e Portugal contra a insurreigo na Africa Austral apenas confirmava o ébvio. Angola confinava com a Namibia onde a Africa do Sul enfrentava crescente pressao diplomitica e militar. Porém, 0 fardo que os portugueses carre- garam por causa da Africa do Sul foi verdadeiramente consi- deravel: um exéreito de duzentos mil homens na Africa em 1974, gastos de defesa de quatrocentos e vinte e cinco milhdes de délares no inicio da década de setenta, enquanto que a Africa do Sul, com um produto nacional bruto trés vezes superior a0 de Portugal, gastou mais ou menos a mesma quantia (US$ 448 milhies). Portanto, nao é surpreendente observar que ao fim de um ano da retirada portuguesa, 0 orgamento militar na Afriea do Sul tivesse triplieado @). Mas Angola estava igualmente igada aos seus vizinhos africanos do norte e do oeste da mesma maneira que o estava ao territério governado pelos brancos do sul. Seetores bésicos da rede de transportes de Angola eram elos indispensaveis na infraestrutura de todo o sul da Africa Central. O Zaire e a Zambia dependiam dos portos e das linhas C. Boxer (1968), num dos extremos, ¢ G. Freyre, no outro, A viva- cidade do debate actual acerca da forga relativa dos factores internos, por oposigdo aos factores externos, testemunham-na Kenneth Adelman © Gerald’ Bender (1978). (©) United ‘States Arms Control and Disarmament Agency (2978), International Institute for Strategic Studies (1975). Colénias Portuguesas ¢ Descolonizagio 531 ferrovidrias de Angola para importacdes e exportagdes essen- ciais. O caminho de ferro de Benguela, com 896 milhas de exten- sho, liga 0 centro do continente em mineral — Shaba (anterior- mente Katanga) no Zaire e a cintura de cobre da Zambia seten- trional — a Lobito, 0 porto atlantico de Angola, No inicio dos anos setenta o cobre ¢ 0 cobalto, este como produto secundario, respondiam por 94 a 96 por cento das exportagées do Zaire. Em 1973, passaram por Lobito, vindas do Zaire, 320000 tone- ladas de’ minério de manganés e 200000 toneladas de cobre. ‘Todas as alternativas & rota de Benguela envolviam enormes dificuldades fisicas e politicas. Tanto 0 Zaire como a Zambia encontravam-se profundamente envolvidos na politica angolana por razdes bastante dbvias. O Presidente Mobutu, do Zaire, foi o principal partidario da FNLA de Holden Roberto; e este, para consolidar as suas relagdes com 0 Zaire casar-se-ia com a cunhada de Mobutu. O Presidente Kaunda, da Zambia, tinha apoiado o MPLA autorizando-o a usar a Zambia como base para actividades guerrilheiras no leste de Angola depois de 1966. ‘Kaunda também apoiou Jonas Savimbi, em 1966, até que alguns dos grupos guerrilheiros da UNITA atacaram’ o caminho de ferro de Benguela, tendo Savimbi sido expulso sumariamente da Zambia. Mogambique era, naturalmente, muito mais depen- dente na sua vinculagio sul-africana do que Angola, O histo- riador inglés Malyn Newitt de facto, considerou ter sido Mogam- bique meridional, sob 0 governo colonial, «uma das primeiras areas vizinhas a'transformar-se num Bantustan». Além disso, os iiltimos anos da uta anti-colonial, foram mareados pela ine- vitdvel influéneia do problema resultante do conflito paralelo na Rodésia. A FRELIMO gozava também de asilo politico e de apoio da Tanzania — pafs vizinho, a Norte, de Mogambique. Em resumo, as complexas interrelagoes vigentes na regiao € © perigo de conflitos crescentes eram intrinsecos a situagio geo- grafica do império africano de Portugal. O proceso de descolo- nizagdo teria que ser inevitavelmente um assunto extremamente complexo e perigoso com tonalidades raciais, econémicas e ideo- logicas que se estenderiam muito para além das fronteiras dos territ6rios da Africa portuguesa. 2. AS INTERRELAGOES: FORMAIS E INFORMAIS (© segundo elemento importante das interrelagbes que esta- mos a analisar é a natureza particular da relacZo dos Estados Unidos com Portugal e, por extensdo, com a Africa portuguesa. Esta teve dois aspectos diferentes. Primeiro, a relagio que exis- 532 Kenneth Maxwell tia em consequéncia da participagio de ambas as nagSes na NATO. Segundo, a vinculacéo resultante dos acordos bi-laterais ‘que regulavam a utilizacao pelos Estados Unidos da base aérea dos Agores. Portugal era membro da NATO desde 1949, embora Salazar tivesse declarado explicitamente que a participagéo de Portugal nao implicava a aceitagao dos prinefpios liberais e democraticos estabelecidos pelo eédigo daquela organizacao. Do Comando do Quartel General Ibero-Atlintico da NATO (IBERLANT) com a sua sede praticamente junto a principal estrada que liga Lisboa a Cascais, pode vigiarse a entrada estreita do estudrio do Tejo. E no’ contexto da NATO que a famosa revisdo da politica das relagées norte-americanas com a Africa Meridional, eneetada no inicio do governo Nixon, tem que ser entendida, No Verao de 1969, um grupo interdeparta- mental formado para estudar as opeées politicas dos Estados Unidos na regiao, informou 0 Conselho de Seguranca Nacional que «as perspectivas da rebeliao (na Africa portuguesa) perma- neciam num impasse: os rebeldes nao podiam expulsar 0s por- ‘tugueses, © 05 portugueses podiam conté-los mas nao elimind- -los» (United States National Security Council, 1969: 56) Nixon, logo apés ter assumido a presidéncia, tinha prome- tido a Franco Nogueira, ministro portugués dos Negocios Estran- geiros, corrigir todos os erros passados cometidos pelos Estados Unidos nas suas relagdes com Portugal (Nogueira, 1979: 11-251). E cumpriu a promessa. Em 1970, os Estados Unidos comegaram a aproximar-se da Africa do Sul e de Portugal. ‘A ironia foi terem a NATO ¢ os Estados Unidos eomegado a ver na nogdo de um «Portugal pluricontinentals, ou seja, um pais intercontinental com provincias europeias ¢ africanas (2 Goutrina central ideoldgica — ou mistica — da politica africana de Salazar), uma ficcio muito conveniente no preciso momento em que todo 0 edificio estava prestes a desmoronar. Ainda que 0 eédigo da NATO excluisse a aplicabilidade de tal nogio ao Atlantico Sul, os circulos da marinha americana e europeia, em resposta ao crescente poder naval soviético, vinham criti cando uma tal clausula ha varios anos. Depois de 1970, de facto, = marinha norte-americana comegou a usar cada vex mais 08 portos de Mogambique e de Angola e estava especialmente inte- ressada no porto de Nacala, em Mogambique, que, com as insta: lagoes técnicas adequadas, poderia abrigar a’totalidade da Séti- ma Esquadra norte-americana. Em meados de 1973, 0 Comando Aliado Supremo do Atléntico, em Norfolk, na Virginia, seguindo instrugdes do Comité de Planeamento de Defesa da NATO (um comité formado pelos ministros de defesa da Organizagao), come- gou a fazer o planeamento de eventuais operacdes aéreas e Colénias Portuguesas ¢ Descotonizngio 533 navais de defesa da Africa Meridional, tendo levado a cabo estudos sobre o estado dos sistemas de comunicacées, dos aero- portes e portos das ilhas do Atlantico bem como das colénias africanas de Portugal (United States Congress, 1974: 153-4). O Secretario de Estado norte-americano, Henry Kissinger, em visita a Lisboa em Dezembro de 1973, apenas quatro meses antes do golpe de estado que derrubou o regime de Caetano, prometeu sofisticados misseis terra-ar e outro equipamento para uso de Portugal em Africa, compromisso este que contrastava com a politica norte-americana anterior. 3. OS ACORES: A ISCA E A ARMADILHA As relagées entre os Estados Unidos e Portugal foram mar- cadas, desde o final da Segunda Guerra Mundial, por um tom muito especial em virtude da base aérea dos Acores. Vale a pena dedicarmos alguns momentos 4 sua historia e ao seu impacto, especialmente a sua longa duragao, sobre o Império Africano de Portugal. Na verdade, entre 1940 © 1970, registou-se uma sucessio de momentos decisivos e de efeitos diversos na relagao trian- gular entre os Estados Unidos, Portugal e a Africa portuguesa. Apresentaram-se repetidamente condigdes alternativas 4 situacdo das diferentes partes envolvidas — Portugal, Estados Unidos, Europa em gerel, Africa do Sul — que poderiam ter contribuide para que se verificasse alguma alteracio na posi¢ao intransi- gente de Portugal em Africa. Porém, em cada oporiunidade em que uma cabertura para mtdanga»’ocorria, Portugal, em vex de transigir face ao inevitével como outras nagdes mais pode- rosas da Europa foram forcadas a fazer no periodo de pés-guerra, manteve uma posigao cada vez mais obstinada. Em cada ocasio, 05 Agores foram um ingrediente vital desta equacao. Em 1944 e 1947, em Portugal, por exemplo, havia esperanga entre aqueles que se opunham a ditadura de Salazar que um proceso de democratizagdo sucederia ao final da guerra e & vitdria dos Aliados. O governo de Roosevelt, em meados dos anos quarenta, advogava uma forte posicao anticolonialista. A com- plicagio para os Estados Unidos e seus aliados nos anos qua- renta e a oportunidade para Salazar era o Acordo sobre os Agores. Salazar manipulow brilhantemente as forcas em jogo naquela situacao. Durante a guerra, os ingleses, a fim de com- baterem as actividades navais dos alemaes no Atlintico, estive- ram preparados para tomar os Agores caso Salazar tivesse per- sistido em negar-Ihes as bases nas ilhas — uma opgéo também 534 Kenneth Maxwell debatida confidencialmente pelos planificadores politicos norte- -americanos. De facto, esta questao chegou a ser objecto de um ultimato langado a Salazar pelos ingleses. Contudo, no decurso das negociagdes que conduziriam ao Acordo dos Agores, os Es- tados Unidos viriam a fazer uma concessao decisiva que 0s com- prometeria a respeitar a integridade dos territorios portugueses. © compromisso fora conseguido por Salazar com a intengao de Tecuperar Timor da ocupagdo japonesa. Mas, aos olhos norte- -americanos ¢ ingleses, tratava-se de uma troca pelo uso dos Acores, como George Kennan (1967), ento encarregado de ne- gécios norte-americano em Lisboa, declarou claramente. Esta concesséo foi a primeira quebra na posicao anticolo- nial assumida até ento pelos Estados Unidos e iria deteriorar a politiea norte-americana com relagdo a Portugal ¢ 4 Africa portuguesa dali para diante. ‘Uma vez que a integridade territorial do Império Portu- gués tinha sido garantida, por compensag&o ao acesso as bases nos Aores, 0 momento exacto em que a conjuncio de circuns- tancias favordvels existira, interna e externamente, tinha pas- sado, Nos finais dos anos quarenta, a guerra fria comegou e, a0 Tongo dos doze anos seguintes, ‘durante os quais Portugal ingressou na NATO e nas Nagdes Unidas ganhando «respeita- bilidade» no seio da comunidade ocidental, os portugueses tire- ram pleno proveito dos receios do comunismo por parte dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. © segundo periodo, em que opgdes importantes para mu- dangas existiram, aconteceu entre 1958 ¢ 1962. Internamente, a campanha eleitoral do General Humberto Delgado em 1958 tinha produzido um movimento popular em grande escala eo regime estava abalado por um agudo descontentamento no interior da classe militar. Existiam também condigées externas favordveis entre 1958 1961: era o grande periodo da independéncia afri- cana, com as antigas colénias francesas e inglesas movendo-se macigamente em direcgdo & criagdo de novas nagées. ‘0 governo Kennedy, que tomou posse em 1960, adoptou ‘uma politica activista na ‘Africa, chegando ao ponto de ajudar Holden Roberto e Eduardo Mondlane, ¢ manteve ligagdes atra- vés da C.LA, com generais dissidentes em Portugal. Mas, de novo, em 1962/1963, 0 momento de uma nova possibilidade de mudanga aconteceu e passou, Salazar anulou a conspiragio mi- litar contra si, cujo principal motivo tinha sido a reacgao militar face & sua posigdo intransigente na Africa. As varias pressoes da oposi¢&io em Portugal vacilaram e Salazar jogou de novo a carla dos Agores. Em 1962, 0 ataque aos quartéis do Exéreito em Beja por um grupo de dissidentes civis © militares em Por- Coténias Portuguesas ¢ Descolonizagdo 535 ‘tugal foi claramente identifieado, no pensar da CLA, como sendo influenciado por comunistas, uma preocupagéo que nao tinha sido proeminente nas suas consideragées até um ou dois anos antes. A guerra civil no Congo, o episédio da Baia dos Porcos, e a crise cubana dos misseis tinham entretanto feito endurecer as atitudes. Estava-se perante um outro periodo dramatico de opgoes abertas — 1968 a 1971. Uma combinagao de factores in- ternos e externos surgiu de novo para permitir uma «safda para a acco». Internamente tratou-se da doenga e morte de Salazar e da subida de Caetano ao poder, canalizando uma enor- me esperanga de mudanca. Esperava-se que os novos dirigentes pudessem produzir algumas transformagées politicas quer in- terna quer externamente. O proprio Caetano aspirava a uma certa liberalizagao da politica colonial e tinha mesmo sido iden- tifieado pela C.LA. como um lider potencial, se tivesse saido Vitoriosa a conspiracao de 1961 contra Salazar (Mahoney, 1982). Neste caso, porém, a ironia da situacio residiu nos factores externos, que se modificaram. Em Washington, 0 governo de Nixon chegava a conclusao, no preciso momento em que alguma pressio sobre Portugal poderia ter produzido efeitos, que «os portugueses estao em Africa para ficars, como o afirma o me- morando da seguranga nacional americana. Este periodo termina com o assassinato de Aimilear Cabral, em 1973, gorando-se assim qualquer possibilidade de acordo negociado com 0 PAIGC. Os eliberaiso em Portugal ja se tinham demitido da Assembleia Nacional, esgotando-se as possibilidades de uma reforma liberal bem como de uma descolonizacdo siste- matica em Africa. © ano de 1973 revelou também a Portugal a outra faceta do acordo dos Agores. Com o desencadear da guerra no Médio Oriente e em face da démarche directa de Kissinger, 0 governo portugués autorizou 0 uso da base aérea por avides americanos destinados a Israel. O pais ficou entao particularmente sujeito a sangdes futuras, O bloqueio petrolifero imposto pelos paises drabes manter-se-ia em vigor mesmo depois de ter sido levan- tado a outros paises ocidentais. As consequéncias econémicas do Yom Kippur, gravosas como foram para todas as economias do Ocidente, mostrar-se-iam particularmente decisivas para a agonia do regime de Caetano. 536 Kenneth Maxwell 4. A IMPORTANCIA DO MOMENTO © longo atraso de Portugal em seguir os seus vizinhos europeus de forma a obter algum acordo com o nacionalismo africano, teve uma outra consequéncia, Nos anos quarenta, a Unido Soviética ndo tinha a menor condigdo de envolvimento nos assuntos africanos; nos anos sessenta, os soviéticos eram ja um elemento, porém ainda marginal; na década de setenta, a capacidade da Unido Soviética de influenciar 0s acontecimentos na Africa tornara-se substancial. A influéncia dos Estados Uni- dos também tinha aumentado. A chegada dos Estados Unidos da Unido Soviética ao cenario africano significou, de facto, uma modificagio mais ampla no poder internacional. A Africa ja tinha passado a ser um foco de intensa rivalidade entre eles desde o inicio dos anos sessenta, no antigo Congo belga. Nos territérios portugueses, porém, durante a década de 1963 a 1973, nenhuma das duas grandes poténeias pressionou fortemente no sentido de maiores mudangas no status quo. A ajuda soviética aos movimentos de libertagio nos territérios portugueses de Afriea era muito menor do que os portugueses declaravam ou do que 0s movimentos de libertacéo procuravam; e 0 mesmo se pode dizer do apoio ocidental que os portugueses conseguiram obter da parte dos seus relutantes aliados da NATO. O General Spinola, no seu livro Portugal e o Futuro (Lisboa, 1974), con- cluiu que nem o Ocidente nem o Leste pareciam ter um real interesse em chegar a uma solucao do conflito de uma forma ow de_outra (*). Contudo, deve fazer-se notar, que para os Estados Unidos a experiéneia do inicio dos anos sessenta iria ter marcadas in- fluéncias nas reaccdes norte-americanas 20 posterior proceso de descolonizacéo da Africa portuguesa. A escolha de Holden Roberto pelo governo de Kennedy, em 1960, para receber a encoberta ajuda norte-americana, era uma medida audaciosa eolocando 0 apoio de Washington por detrés de uma insurreigao armada contra o governo de um dos aliados da NATO. Ao tempo HL Roberto era apoiado pelos dois governos independentes afri- canos mais radicais — os de Kwame Nkrumah do Gana, e 0 de Sekou Touré, da Guiné. Apesar da tardia retirada do apoio de ‘Washington e da decisio de Nixon e Kissinger, em 1970, de (@) Entre 1966 e 1976 Portugal recebeu 280 milhbes de délares ‘em transferéncias de armamento, A maior parte destes veio da Franca, 121 milhdes, seguida da Alemanha Federal, 50 milhGes, e dos Estados Unidos com apenas 30 milhdes. Cf. United States Arms Control and Disarmament Agency (1978). Colénias Portuguesas ¢ Descolonizacdo 537 uma aproximagio com Lisboa e com os regimes de minoria branca na Africa meridional, estas primeiras conexées foram mantidas. Quando, em 1974, a posic&o de Portugal na Africa se desintegrou, as aliancas criadas nos primeiros anos de Kennedy foram ressuscitadas por Kissinger como se nada tivesse acon- tecido durante os iltimos quinze anos. 5. AS INTERRELACOES ENTRE A ESQUERDA Se a natureza das relagdes estabelecidas desde os anos quarenta tinha sujeitado 0 Ocidente, os Estados Unidos mais especificamente, a um cenario particular de vinculagées geoes- tratégicas e pessoais que Ihe tornava dificil adaptar-se rapida- mente ao novo contexto criado pelo 25 de Abril de 1974, 0 contrario era também verdade para os movimentos de liberta- go, sobretudo para aqueles fortemente marcados por uma formagao ideolégica marxista. Nao julgo necessario deter-me sobre a natureza destas vinculagdes perante esta audiéneia especial. Devo, porém, chamar a atengao para um elemento cuja importancia deriva da sua influéncia’ no contexto da descoloni- zagao: trata-se do facto de com os anos sessenta, se ter acumu- lado em Africa muita desilustio na sequéncia das descolonizagdes anteriores. A independéncia tinha conduzido, em variados casos, a0 aparecimento de regimes mercendtios dominados por grupos militares. Com o tempo e a experiéncia, o contetido ideolégico da luta anti-colonial sofisticou-se e, para além do nacionalismo, incorporou uma critica marxista mais explicita da dependéncia e dos seus mecanismos. Nas colénias portuguesas, em particular, esses pontos em discussao foram proponderantes no pensamento dos movimentos de libertacao. Os movimentos de Hibertagio nas colénias portuguesas, portanto, diferiam em varias dimensdes dos primeiros movi- mentos nacionalistas de outras antigas colénias europeias que conseguiram a independéncia nos finais dos anos cinquenta Com a importante excepgao da FNLA, a questéo na Africa portuguesa para o P.AIG.C. na Guiné-Bissau, a FRELIMO em Mocambique e 0 MPLA em Angola — era tanto a do neo-colo- nialismo como a do nacionalismo, Este conceito de «neocolonia- lismo», além disso, e dada a propria fraqueza e dependéncia de Portugal, eram'definidos em termos mais amplos do que o papel de Portugal na Africa. Esta intensificagéo da consciéncia ideol6gica talvez tenha sido inevitavel por uma outra razao. Os pontos em debate na Africa portuguesa eram, afinal, reais e no teéricos e eram ainda fortalecidos diariamente numa luta 598 Kenneth Maxwell armada que o resto da Africa, com excepgio da Argélia, nfo tinha vivido. Era também inevitavel que'os movimentos de libertacdo — 0 PAIGC, a FRELIMO, 0 MPLA, a FNLA ¢ a UNITA — desenvolvessem contactos diplométicos internacio- nais heterogéneos (Argélia, Cuba, Uniao Soviética e Europa Oriental, China, Bscandinavia, e grupos da Igreja Ocidental) chegando até, como vimos no ineio dos anos sessenta, aos Esta- dos Unidos. Porém, por que estes movimentos fortemente in- fluenciados pela anélise marxista — PAIGC, FRELIMO c MPLA — viam a luta contra Portugal apenas como uma das dimensdes do seu problema e por que faziam destacar 0 que eles acreditavam ser as realidades do poder econémico, ao invés de seus invectivadores, inseriram na sua filosofia uma histoli- dade latente para com 0 Ocidente. Era uma desconfianca apenas encorajada pela ajuda subrepticia que os poderes ocidentais davam a Portugal na Africa, ajuda que aumentou a medida que o final se aproximava. As linhas de conflito ¢ de alianga, tanto em Portugal como na Africa, eram na verdade mais claras do que pareciam & primeira vista. As repercussdes das acces do Movimento das Forgas Armadas (MFA) surgiam como que destinadas a serem Preocupantes quando o Movimento derrubou a ditadura em Lisboa em consequéncia do esgotamento das guerras coloniais, da perspeetiva crescente e realista de uma derrota militar na Guiné-Bissau e da press4o das dificuldades econémicas internas, Portugal era um aliado da NATO, anacrénico e por vezes em- baragosamente teimoso, contudo um aliado que nao tinha qual- quer diivida quanto ao lado onde se situar num mundo bipo- arizado. Os Estados Unidos, dadas as intimas relagdes com a ditadura, estavam perturbados com a mudanga em Portugal, ¢ especialmente desprevenidos face aos (por vezes) confusos tu- multos e eontratempos que surgiam como consequéneias imedia~ tas do golpe. Para além disso, os Estados Unidos, ao contrario dos seus rivais geopoliticos, a Unido Soviética e Cuba, nao tinham praticamente nenhuma relagéo com a antiga oposigéo clandestina em Portugal nem com os movimentos de libertagéo nacional nos territérios.africanos. 6. 0 PROCESSO DE DESCOLONIZACAO Dediquei uma atengéo considerével ao contexto interna- cional no qual ocorreu o golpe de estado portugués, em 1974, € ao pano de fundo no qual ele se expandiu, por ser_essencial para a compreenséo do caminho que a descolonizagdo tomou, Coldnias Portuguesas ¢ Descolonizagio 530 especialmente na internacionalizagio do proceso. Do meu ponto de vista, existe uma relagao decisiva entre a descolonizagéo na Africa e’a revolucao em Portugal, que é fundamental ser enten- dida para abranger todo o processo pelo qual as antigas colénias, portuguesas se transformaram em estados independentes. Nao preciso relatar aqui o conflito entre o MFA e Spinola ja que é uma histéria bem conhecida de todos vés. O impacto desta luta intema no processo de descolonizagao, porém, foi decisive. O surgimento das nogdes de cterceiro mundo» no pensamento de destacados membros do MFA e a crescente alianga de facto entre uma facgao do MFA e do PCP, proporcionaram um efeito de alavanca vital aos movimentos marxistas na Africa. Estes pereeberam rapidamente que estes factos concorriam para uma aceleragio do processo de descolonizacao e, para a garantia de que, onde existiam grupos nacionalistas em competicao, seriam aqueles que gozavam de antigas ligagdes com a velha oposigao clandestina portuguesa, como o MPLA, que receberiam uma consideragao especial ‘A combinagio de marxismo eclético e nacionalismo dentro da filosofia do MPA, fornecia a base para a convergéncia entre © PAIGC e a FRELIMO de um lado, e 0 MFA do outro. Esta alianga Gnica, embora tempordria, entre o corpo de oficiais eolo- nialistas € 05 seus oponentes, foi possivel pela escolha do mo- mento e das circunstancias especiais das lutas dos movimentos de libertagio © pelo subdesenvolvimento de Portugal, de que 05 oficiais do MFA tanto se ressentiam, Esta alianga estava predestinada a ser temporaria pois que ao contrario do MFA 05 movimentos de libertagao tinham objectivos claros. Os movimentos de libertagao estavam com: prometidos por necessidade a uma condigao permanente — a Independéneia nacional —, enquanto que 0 compromisso do MFA, por mais importante que fosse, permanecia um compro- misso a um proceso que acabaria no momento em que as cold- nias fossem libertadas. Contudo, por mais temporaria que tenha sido esta alianca, o impulso que a convergéncia de pontos de vista entre antigos inimigos trouxe & politica interna de Portu- gal, ¢ ao calendério da descolonizagio da Africa portuguesa, provou ser irresistivel. Levou a uma rapida coneiliagao na Guiné-Bissau e em Mogambique, ¢ culminou no Acordo do Alvor, em 15 de Janeiro de 1975. 540 Kenneth Maxwell 7. ANGOLA Até Janeiro de 1975, a situacSo de transicdo répida em Africa contribuiu para o'dramatico deslocamento para a es- querda verificado em Portugal, enquanto que, por outro lado, o triunfo do MFA sobre Spinola o a influéncia de entao de ele- mentos pré-comunistas dentro do proprio MFA serviu por seu turno para reforcar os objectivos dos movimentos marxistas africanos. Depois de Margo de 1975, porém, estas circunstancias foram dramaticamente invertidas. Angola tornou-se o obstaculo. Um dos tracos predominantes da implementagio do Acordo do Alvor que estabeleceu a data de Il'de Novembro e o quadro geral para a independéncia angolana, sendo algo sobre que todos 0s movimentos nacionalistas de Angola concordaram, foi a colaboragéo do MFA no controle da situagao de seguranca interna em Angola até que a transferéncia de poder fosse efectivada. Os problemas intrinsecos em Angola eram suficien- temente dificeis de superar e sio demasiadamente conhecidos para que 0s exponha aqui. Foi porém a inabilidade do MFA para honrar 0 sew lado do compromisso que contribuiu para a ruina do Acordo. Em Margo de 1975, ficou claro que a velha coesdo do MFA dera lugar a uma intensa batalha interna pelo poder, a juntar-se a uma esquerda dividida por confrontagées abertas entre socialistas e comunistas. Entretanto, em Angola, tinha-se iniciado a guerra entre os movimentos nacionalistas, A coincidéncia da crise em Portugal com a crise em Angola & fundamental para compreender o fracasso de Angola em seguir 0 modelo da transferéncia relativamente suave de poder das outras colonias de Portugal (Timor, claro, 6 a excep¢ao mas esté para além desta nossa anilise) © processo de descolonizacdo que, pela forma como in- teragiu com a situacao interna de Portugel, tinha contribuido para a inelinagao do pais para a esquerda nos meses logo apés 0 golpe — agora vacilou. O processo de descolonizagao ajudou a sedimentar a solidariedade interna do MFA e permitiu nego- ciagées bem definidas com os poderasos movimentos de liber- tagao da Guiné-Bissau e Mogambique. Depois de Margo de 1975, a descolonizagio tornou-se um factor altamente sensivel e fonte de desentendimentos, na medida em que a situagdo em Angola se mostrou erescentemente incontrolavel — as forgas externas intervinham livremente ¢, do lado nacionalista, néo existia qualquer interlocutor indiscutivel. Depois de Marco, tornara-se Sbvio para todos que os portugueses no conseguiam conter a intervengdo externa ou garantir a seguranca intema, dois com- promissos assumidos por Portugal no Alvor, esvaziando-se de Colénias Portuguesas ¢ Descolonizagtio 541 sentido todas as pretensées de participagao no governo bipartido de transig&o, Assistia-se, em Angola, a uma guerra aberta, acom- panhada de uma fuga’maciga de ‘brancos, enquanto que, em Portugal, as faccdes militares comegavam também a entreolhar- -se ameagadoramente. Esvanecia-se assim a iniciativa que tinha repousado, durante quase doze meses, nas maos da revolugao. A situagao em Angola, rapidamente deteriorada, tornou-se especialmente perigosa ao criar condigdes para a interferéncia de forgas estranhas, 0 que nfo tinha acontecido, com igual in- tensidade, nem no caso da Guiné-Bissau nem no de Mogambique. Em Angola, trés grupos nacionalistas, cada um com fortes raizes étnicas ¢ a'sua base regional prépria (a FNLA no nordeste do pais, o MPLA no centro-oeste, em Luanda, ¢ a UNITA no pla- nalto central); competiam entre si tanto ‘quanto com os por- tugueses. Contudo, nenhum destes movimentos teve a capaci- dade de actuar com a eficiéneia do PAIGC ou da FRELIMO, De facto, no vero de 1975, a situaco em Angola compli- cou-se ao serem recriadas algumas das piores caracteristicas das duas erises africanas (a do Congo e a da guerra da Argélia). Por um lado, o desenvolvimento de uma guerra entre foreas nacionalistas, todas elas dependentes do exterior, gerando uma situacZo de total inseguranca, causando a fuga da quase totali- dade da populacéo branca e'o colapso de quase toda a infra- estrutura econémica angolana; por outro lado, o facto dessa luta se desenrolar num meio ambiente onde nao existia qualquer impedimento efectivo & intervengdo de forgas externas. 8. A INTERVENCAO REGIONAL E DAS SUPER-POTENCIAS A descolonizagéo de Angola e o crescente caos no interior do pais, era de especial interesse para o governo da Africa do Sul, mais até do que a retirada répida dos portugueses de Mocambique. A Africa do Sul podia fazer muito pouco para influenciar os resultados na colonia portuguesa do leste afri- cano, uma vez que ficou claro, em Setembro de 1974, que os militares portugueses na colénia nao iriam tolerar qualquer interferéneia com a regular transferéncia de poder para a FRELIMO. Um Mogambique independente, porém, mesmo go- vernado por um regime marxista, seria extremamente vulne- rivel & Africa do Sul e, economicamente dependente da boa vontade de Pretéria, como realmente se tem provado desde entio. Em Angola, ao contrério, a Africa do Sul podia exercer pouquissima pressio econémica sobre qualquer governo nacio- 542 Kenneth Maxwell nalista em Luanda , por causa da questéo da Namibia, apre- sentava-se vulnerdvel precisamente onde a sua posi¢éo era a mais fraca, Consequentemente, a tentacao de interferir mili- tarmente era grande ¢ a primeira vista parecia ser sem riscos, dada a divisdo entre os movimentos nacionalistas e as préprias vantagens logisticas da Africa do Sul. A reaceio sul-africana ao desenrolar dos acontecimentos assentava mais sobre as suas possibilidades militares do que sobre a persuasdo econémica, A postura de defesa que os estrategas militares da Africa do Sul adoptaram, durante os anos setenta, fixara condigdes impor- tantes para as opgoes sul-afrieanas em Angola. Estes estrategas militares tinham erescentemente evocado o precedente israelita da répida ocupagio por antecipagdo, uma doutrina que, no con- texto sul-africano, se conhecia por’ «perseguig&o ardentes. Tal doutrina seria usada para justificar as primeiras incursdes arma- das da Africa do Sul em Angola, no verdo de 1975. A sdefesa» da barragem do Cunene na fronteira com a Namibia, foi usada para justificar a primeira instalacao permanente de tropas regu- lares ‘no interior de Angola, nos infeios de Agosto de 1975 (Jas- ter, 1980). ‘Tanto o Zaire como a Zambia surgiam também preoeupa- dos com a crescente deterioracio da situagao angolana. O corte do caminho de ferro de Benguela, no verao de 1975, na sequéncia de hostilidades contra Angola, nao poderia ter ocorride em pior momento para ambos os paises. Ambos enfrentavam sérios pro- blemas econmicos e politicos, fundamentalmente, embora nao exclusivamente, em resultado da queda sensivel do prego do eobre. Em particular, foram as reaccdes do Zaire a toda a situagao que favoreceram 0 envolvimento dos Estados Unidos na crise angolana, ainda que, no vero de 1974, o General Spinola tenha tentado actuar de acordo com Mobutu de modo a pro- curar excluir 0 MPLA de qualquer acordo sobre Angola. carfcter sensivel dos planos do Presidente Mobutu e a sua eficiéncia em traduzi-los na pritica devem-se a causas diversas. Em primeiro lugar, durante os finais de 1974 e prin- cipios de 1975, 0 Zaire enfrentou uma crise econémica profunda que redundaria na preocupagdo da comunidade finaneeira in- ternacional, pois que ninguém se mostrava disposto a reconhe- cer o precedente da possivel falta de pagamento da divida externa de um pais (Bellieveau, 1977; Yours, 1978). Em segundo lugar, o Presidente Mobutu possufa ‘algumas linhas privadas e influentes de comunicaco com Washington, de novo com o1 gem na época do Presidente Kennedy e, ao accioné-las cot seguiu frustrar e neutralizar avaliagées realistas da situagio, feitas por varios especialistas africanos com experiéncia no Colénias Portuguesas e Descolonizagdo $43 Servigo de Inteligéncia e no Departamento de Estado norte- camericanos (Legum, 1974-75; 1975-76). Em tereeiro lugar, no final do vero de 1974, Mobutu tinha-se apropriado, por ante- cipagio, da estratégia que viria a ser seguida pelo Ocidente e que facultava 4 FNLA um acesso privilegiado a fontes de apoio Ocidental (1), Isto era uma consequéncia inevitavel do facto de se agir em Angola por intermédio do Zaire. Através dos ‘anos, a FNLA tinha-se transformado em pouco mais do que a extensio das forgas armadas do proprio Mobutu, de resto tal como Holden Roberto, o seu lider, um homem ligado a Mobutu por lagos familiares © cheio de obrigagdes para com ele por muitos favores recebidos no passado. Finalmente, o Zaire desem- penhou um papel preponderante no quadro geral dentro do qual 0 governo de Nixon, de modo a organizar as suas relagées externas, teve que procurar uma «influéncia regionals, pro- Jectada nos mesmos moldes do que foi feito com o Indo naquele mesmo periodo. Um dos principais resultados de todas estas circunstancias seria 0 empenhamento directo e sério que a alta classe politica americana viria finalmente a dedicar ao que estava a acontecer na Africa central. Em grande parte, tratava-se de uma resul- tante das medidas directas que a Unido Soviética estava a tomar para neutralizar as tentativas manifestas do Zaire para excluir 0 MPLA e Agostinho Neto dos frutos da vitéria pela qual, com o apoio soviético, se tinham batido ao longo de vinte anos. Mas, como vimos, neste momento, os Estados Unidos, na sua relagdo com Africa, encontravam-se ja prisioneiros de um conjunto de aliangas e de suposicSes de que lhes era dificil escapar, podendo, quando muito, perceber ertos passados. A atengao dedicada por Washington ao apoio comunista ao MPLA servia apenas para encobrir 0 facto de que as raizes desse apoio se encontravam nas acgdes em que indirectamente os proprios Estados Unidos se tinham envolvido e nas que, directamente, depois de Janeiro, a CLA. reactivou com a sua ligagao a Holden Roberto, através do seu cliente — 0 Zaire. ‘A dimensio africana foi praticamente alheia a todo este proceso. Como explicaria mais tarde Helmut Sonnenfeldt (1976), consultor do Departamento de Estado norte-americano e 0 mais préximo conselheiro de Kissinger para os assuntos soviéticos, 403 Estados Unidos no tinham propriamente nenhum interess¢ intrinseco em Angola» mas, acrescenta, «sempre que uma regio () Para uma leitura em profundidade sobre a filosofia estra- tégica do Zaire, acerea de Angola neste perfodo, Adelman (1075). S44 Kenneth Maxwell por mais longinqua e desinteressante para nés se torne um ponto nevralgico para os soviéticos, e, neste caso particular, dada a acco militar cubana apoiada pelos soviéticos, os Esta: dos Unidos assumem um interesse que no podemos simples- ‘mente ignorare. ‘A preocupagio com as intengGes soviéticas, portanto, sobre- punha-se 4s adverténeias que chegavam até Washington vindas de, entre outros, 0 Cénsul americano em Luanda, um gabinete especial de servigos de informacio, dois Sub-secretirios de Es- tado para os assuntos africanos, especialistas africanos, alids altamente considerados, como Joe Marcum e Gerald Bender e 0 Senador Dick Clark, do Congreso norte-amerieano. Todos argu- mentavam que se a estratégia da criagao de uma base politica ampla com 0 objectivo de conciliar todas as faeces em confronto em Angola nao fosse substituida por um programa em que algumas fossem favorecidas em detrimento de outras, os Esta- dos Unidos deparar-se-iam com crescentes exigéncias sem qual- quer garantia de sucesso. Por outras palavras, estariam desti- nados fatalmente a ajudar a criar uma situagdo em que a resolugsio do conflito se encontraria apenas por via militar, estando os Estados Unidos desprevenidos e incapacitados para apoiar aquelas forcas que eles proprios tinham instigado a0 conflito Os Estados Unidos nfo mostraram em momento algum, ou s6 0 fizeram tarde demais, qualquer preocupacio séria sobre ‘0 que envolveria uma solugdo puramente militar para a crise angolana, Tal era a crenca na velha e confortavel formula de que clandestinidade, mercendrios e dinheiro funcionariam ainda como outrora. Quando se tornou claro que tal nao seria mais suficiente, o tinico poder alternativo, com capacidade e vontade de intervir, era a Africa do Sul. Mas a intervengio sul-africana era a ultima coisa que o Ocidente ou mesmo 03 nacionalistas anti-MPLA teriam desejado ver concretizada. A sabita inter- vengao da Africa do Sul enfraqueceu a credibilidade dos grupos pré-ocidentais no conjunto da opinio africana, acumulou as dtividas que varios Estados africanos, particularmente a Nigéria, tinham sobre 0 MPLA e seus aliados e transformow a assisténcia (em grande escala) prestada por soviéticos e eubanos a Agos- tinho Neto numa questio decisiva. 03 Estados Unidos deveriam’ terse lembrado de que 05 soviéticos que nfo tém meméria curta e tinham razdes especiais para estarem sensiveis ao papel do Zaire nas crises angolanas. © Zaize tinha sido o cenério da humilhaedo soviética durante 0 infcio dos anos sessenta. Tinha sido, precisamente, por causa das infelizes experiéneias soviéticas em lugares como o antigo Colénias Portuguesas e Descolonizacdo 545 Congo belga que a Unido Soviética embarcou num tremendo desenvolvimento de capacidade de apoio a longa distancia para impedir a reincidéncia de tal humilhacdo. Os soviéticos, que 36 tinham podido dar a Lumumba dezasseis avides de transporte e alguns camiGes em 1960, puderam fornecer, em 1975, a Agos- tinho Neto, duzentos milhdes de délares em assisténcia militar por mar e ar, estabelecer uma ponte aérea com quarenta e seis vo0s de médio e pesado transporte soviético, e de transportar, por via aérea nos IL-62, de fabric soviético, grande parte dos onze mil soldados cubanos enviados para Angola naquele pe- riodo (*) CONCLUSAO A histéria posterior da guerra civil angolana ¢ demasia- damente conhecida para necessitar mais um relato. & irénico, porém, que aqueles que falavam mais de evinculagdes», ou seja Henry Kissinger e os sul-africanos, tenham sido os que, de facto, menos preparados estavam durante os acontecimentos em cons~ tantes mutacio como a dos meses criticos de Abril de 1974 a Dezembro de 1975, para responder & crise surgida do sibito inesperado colapso do dominio portugués em Africa. Os sul-africanos tinham falado, incessantemente, da «amea- ga comunistay na Africa Austral, mas encontravam-se comple- tamente desprevenidos perante a efectiva intervencao das tropas de combate cubanas com armamento e apoio logistico soviéticos. Kissingir parece nunea ter pensado nas consequéneias de uma expansao do conflito em Angola, da mesma forma que inter- pretou mal a reaccao do Congresso norte-americano a uma in- erferéneia clandestina displicente, supostamente de baixo custo @ risco, apesar da clara evidéncia do contrario. Obviamente, a cristalizagdo das interrelagdes de longa data durante o periodo altamente flexivel da prépria descoloniza- do — 0 ressurgimento de aliancas desacreditadas (como aquela entre Holden Roberto e o Servico de Inteligéncia norte-ameri- cano), por um lado, ¢ a garantia de antigas vinculacées (como a répida aproximagéo de Agostinho Neto com os soviéticos), por outro — nio sao, de forma alguma, abrangentes de tudo o que hé a considerar na histéria da transferéncia de poder nos antigos (© A Literatura sobre esta matéria & J4 vasta. Uma das mais equilibradas andlises pode encontrar-se em Legum (1981). A este propésito veja-se também Heimer (1980). 546 Kenneth Marwelt territérios do Império Portugués em Africa, Mas é um elemento que precisa ser inserido no debate actual entre eregionalistase e egeo-politicos> de forma a tentar reintegrar num debate mais amplo a importancia da cronologia — a importincia da preciso do momento —, como também o elemento das relagdes luso- -africanas. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS Adelman, Kenneth (1975), «Report rom Angolas, Foreign Affairs, ‘33; 3, 959-5745 ‘and’ Bender, Gerald (1978),

You might also like