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s Claudio M. Fi rairacl Pee One en Reeds es fio condutor dos textos desta obra. Este tema, que Recs redo um, Cee Pore han Cc eoe pensanento psicoligico (Vozes) © uma abordagem trceeeen creer mtr cy cca Quatro séculos de subjetivagao — 1500-1900 (Escuta/Educ), é revisitado aqui por novos Prete Raretee tec tis REVISITANDO AS PSICOLOGIAS Da das Prdticas e Discursos Psicolégicos Po are Luis Claudio M. Figueiredo Revisitando as psicologias Da epistemologia a etica discursos psicologicos praticas Dados Intesnacionais de Catalogacdo na Publicasdo (CIP) (Camara Brasileva do Lis. SP. BrasiN y EDITORA vozes ee | 191589 __las.cnac | © 1996, Editora Vozes Ltda, Rua Frei Luis, 100 25689-900 Petropolis, RU Internet: http:/www.vozes.com.br Todos 0s direitos reservados, Nenhuma parte desta obra podera ser reproduzida ou transmitida por ‘qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrdnico ou mecanico, incluindo fotocépia e gravacéo) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem petmissao escrita da Editora, Editoracao e org. lteréria: Fernanda Sergio Olivetti da Rocha Capa; Marta Braiman, ISBN 978-85-326-1379.0 [Fao cola nove aoe ogc] Este vo fol compostoe impresso pela Editors Vores Lida, Sumario Apresentacées, 7 Parte I - Da epiistemologia a ética, 13, 1, Convergéncias e divergéncias: a questo das correntes de pensamento em psicologia, 15 2. Os lugares da psicologia, 32 3. Quem ¢ o psicélogo clinico?, 57 4, Etica, satide e as praticas alternativas, 64 Parte Il- 0 fazer-se da psicologia, 103 15, A interdisciplinaridade e o conhecimento psicolégico ~ Ou multidisciplinaridade, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade ¢ indisciplinaridade (notas para uma palestra), 105 6. Teorias e praticas na psicologia clinica: um esforco de interpretacao. 114 7. Psicologia e cientificidade: para uma politica do rigor, 130 8. A preparacao do psicélogo: formagao e treinamento, 146 9. Investigagao em psicologia clinica. 158 10, Meu prezado Charles Lang ~ Reflexdes sobre as matrizes do pensamento psicologico o que veio depois. 173 Apresentacoes Apresentacao da Em Revisitarsio as psicologias estao publicados os textos de palestias e participagoes em mesas-cedondas ‘ealizadas entre os anos de 1992 e 1995. Os textos origi- nals das apresentacoes foram retrabalhados para esta pu blicacao sem perderem. contuclo, uma certa independeén- cia uns dos outros. Nao obstante. ha um espaco comuma todos os trabalhos, o que recomenda que sejam lidos na ‘ordem em que estao sendo agora publicados: & 0 espaco que se abre entre duas linhas de pesquisa a que venho me dedicando ao longo dos uiltimas anos: a da psicolagia fispersto ea da constituicao las como un canoe subjetividades moder A psicolagia como campo de dispersao de saberes & praticas foi discutida por mim principalmente no livro Matrizes do pensamento psicologico (Vores, 1991) e ja ‘em segunda edicao [2004} gragas & boa acothida que re ‘cebeu, Nele procuto montar um quadro panoramico das escolas e sistemas teoricos dominantes na area a partir da consideracao dos pressupostas ontologicos. antropolo. 1. A tecora ina de pessoa tata sas guestns a Sorarswe asia penanoe may iva Eula recc doer Eco tos geqgenanos com a cinca pscaraiiea (Estate Eve. 19M) {gicos € epistemoligicos que operam na produgao dos rnossos discursos, Por outro lado, em 1992 publiquei A invengao do psicolégico - Quatro séculos de subjetiva: ‘cao (1500-1900) (Escuta/Educ) e que também jé esta na segunda edicdo. Neste trabalho, seguido por diversos outros que enveredam pela mesma tilha, procuro re- constituir os modos modemos de subjetivacao, ou seja, 108 processos e os modelos de constituicdo das experién- cias subjetivas que desde o século XV foram se articulan- doe sucedendo no Ocidente. O objetivo era o de mostrar como no boj desesprocessos forse elaborando ¢ cof figurando o espaco psicoldgico, ou seja. 0 espago a hoje € ocupado e disputado pelas diversas psicologias, A patti de 1992 comecei a receber intimeros convites para falar acerca de ambas as quest6es e minha tentativa desde entao tem sido a de procurarintegrar as duas abor ten econo deep, de wrt. sae rife Em oes pla 6 ha expec onde sors e onde roves dfetencs 30 engedtados Pater dogmatico nao se dspoe anada to, om Sees pcura mrtersefndarensimente © mes oe ete mobinade eta mesic FEE reset coma fantasia da varedode ed era ‘Se me alonguei nesta questo do dogmatismo ¢ do cecletismo € porque infelizmente eles costumam ser ten tagdes quase irrecusdvels para o psicélogo. ‘Mas serd que nao existem outras maneiras de enfren- tar a dispersdo do espaco psi. de lidar com a angustia {que ele evoce? Creio que sim, mas estas maneiras ex i estreita alianca de movimentos construtivos € Srowme movimentos constru- re arrange ancga =o daa. permita a elaboracdo de conhecimentos novos. E preciso abandonar a ideia de que @ psicologia dita “aplicada” seja ‘2 mera apicacao de um conhecimento cietifco ja const- {uido, No nosso campo, 120 ou mais decsivo que o conhe- cento tedrco disponivel é a incorporacio deste conhec mento 8s habilidades do profisional como um dos ingre- dientes do que podesiamos chamar de “conhecimento té- ‘Gto” do psicdlogo. Pois bem. esta incorporacao da teoria 56 acontece no bojo de um proceso muito pessoal e em grande parte intransfervel de experimentacéo e reflexdo: nesta medida, nossa ativdade profissional vai muito além “Smento objetivo e objetivador; ele traz consigo a exigér © tazer-se da psicologia ener rreeetee ence ee-erecereen etree cia de ser um conhecimento eflexivo, ou seja, um c0- hnhecimento que se sabe como tal e que, nessa medida, testa disponivel para uma autoavaliagao e para autocorre- (goes. Esta ¢, inclusive, uma das principals vantagens do ‘conhecimento explicito: ele é muito mais acessivel a crit- ‘cas do que 0 conhecimento tacito que. como veremos adiante, corre o risco da rotinizacdo e da mecanizacao. Uma outra distingao importante proposta por Po- lanyi, que esta associada, mas nao coincide com a an- terior, é a que opde 0 conhecimento focal ao conheci ‘mento subsidiario. Conhecimento focal € 0 conhecimento que implica na apreensao tematica de aspectos particulares do mun: do. Essa apreensao garante para seus objetos uma gran- de ritidez, No entanto, por sis6, ela é totalmente carente cde compreensividade, Compreender, no sentido de “apre- lender com’, & configurar, ou seja, propiciar a formagao de uma figura identiicavel, reconhecivel. Ora, a configu: ragao envolve necessariamente o que Polanyi denomina de conhecimento subsidiario: trata-se de uma apreen- 'sdo nao tematica de partes do mundo que, no entanto, ‘contextualizam, server como fundo para aquilo que en- tra no foco. AAs relagdes entre conhecimentos focais e subsidia: rios podem ser concebidas, aproximadamente, como re- laces entre figuras e fundos. Embora o fundo esteja fora ide foco e possa passar em grande parte despercebido~é como se nao fosse visivel - sabemios que é esta apreen: ‘so nao tematica do fundo que garante as possibilidades de formagao e significagao das figuras. Poderiamos as- ‘sim dizer, acompanhando Polanyi, que ter uma “cons- Parte pn ee pp et emma pean etl cigncla subsidiaria ¢ como habitar no assunto de que es- tamos subsidiariamente conscientes* (1959: 32)°. Em coutras palavras: nds possuimos conhiecimentos focais significativos porque somos possuidos pelo conheci ‘mento subsidiévio em que vivemos. © que entra nessas margens da consciéncia que s80 ‘9s conhecimentos subsidirias? Em primeito lugar, nos- ‘50 proprio corpo, seus estados e movimentos estao pre- sentes como fundo em todas as visadas tematicas, em to- das as focalizacées. Nao $6 0 corpo, mas todos 0s seus lanexos culturais, ou seja, todos os seus instrumentos, as ferramentas e “nogdes” de que o corpo se vale para perce- ber e agir no mundo também estao presentes dessa ma- neira, Nesta medida, a historia desse corpo e a historia da sociedade em que esse corpo existe também fazem parte do fundo apreendido subsidiariamente, e que é a condi- ‘sao de qualquer configuragao, Em outras palavras, apesar do nome “subsididrio” sugerir que o conhecimento focal seja primitivo, em termos de uma relacao inteligivel com as coisas do mundo, com as figuras que nele se podem formar, 0 conhecimento subsidiatio € basico. (Ora, a relagio desse conhecimento subsidiévio com (08 discursos e sistemas representacionais é complexa fe surpreendente. Em primeiro lugar, deve ser claro que, assim como haviamos visto no caso do conhecimento tacito, o subsididrio resiste & representacao, ja que, por 2. Acerca do habia, ver tab o quarto capil do presente i. nt fiado Etea,eaude'e as pation aematvas”Trazendo o quo la 6 la bofado para aul coexto,pederamos zor que os saberes subs foe sto.a'morada’ doe sujetos e dos objelos da experience as Hguras {do conheciment focal -enele se enconta, deforma concertraca, 2d ‘ensao dea dos connesimenos. 0 fazer-se da psicologia ner recreate cera acer reese sua natureza, € 0 que existe no registro do implicito e do disperso. E claro que se pode, até certo ponto. eleger um dos itens do conhecimento subsidiario para ser alvo de uma focalizacao. Nesse momento, contudo. ele ja nao 6 mais nem funciona mais como anteriormente, e para {que ele se configure outros aspectos devem estar ocu- pando seu lugar como fundo. Ou seja, ao fundo como fundo, aos elementos de uma consciéncia subside tenquanto tais nunca chegaremos e, nesta medida, nun- cca se poderd focalizé-los bastante para que deles se labore uma representacao nitida, completa, sistemati- ‘ca, Noentanto, ha ainda um outro aspecto a assinalar: 0 conhecimento explicito ele mesmo s6 opera e s6 existe ‘como conhecimento se é também incorporado 20 co- inhecimento subsididrio. A compreensao de uma teoria nao se confunde com a sua mera apreensao focal. Com- preender uma teoria é incorporé-la, é silencié-la, 6 po- der dela dispor sem fazer dela o alvo de um conhect mento focal, é ter dela uma consciéncia nao tematica, ‘come condicao de interpretar as coisas do mundo, con figuré-las, focaliza-las para agir sobre elas. Enfim, ateo- ria € util quando recua para a condigao de fundo silencio- so, permanecendo nas margens da consciéncia focal Retornando ao meu ponto, penso que é essa ideia de ‘um conhecimento subsididrio que revela a dominancia do conhecimento tacito sobre 0 explicito e representa- ional, Poderiamos dizer que nas origens 0 conhecimen- {0 tacito precede o explicito; poderiamos ainda afirmar ‘que a destinacdo de todo conhecimento representacio- 1nal 6 sua incorporagao e retomno & condicao de disposi- .sdes corporais; mas devemos também dizer que a cada ‘momento o sentido dos sistemas representacionais e dos Parte discursos tedricos & dado pela apreensao nao tematica aque deles somos capazes. Ou seja, a experiencia pessoal éoorigem, destino e contesto de sigificacao de toda teoria, (Os meios ¢ estratégias representacionais AAté agora, tenho-me referido ao conhecimento expli- cito tomando-o quase como sindnimo de conhecimento teérico, Realmente, as teorias so uma das formas em {que os conhecimentos explicitos sao articulados e, sem diivida, a forma tesrica é a que domina todas as demas na cultura ocidental moderna, No entanto, sera preciso, para dar continuidade ao meu argumento, considerar os eins e estratégias representacionais no seu conjunto. Em O conhecimento e o papel das teorias, P. Feye- rabend também comeca, apoiado em Polanyi, insistindo na dominancia do conhecimento tacito ¢ na sua resis- téncia a uma explicitagao integral. Feyerabend, porém, sugere que 0s transitos entre conhiecimento tacito € co nhecimento explicito dependerao dos meios e estraté- gias representacionais adotados. Em particular, ele men ciona entre os dispositivos representacionais capazes de sintetizar os elementos da experiencia as listas, os es- quemas classificatorios, as narativas diamaticas, Estes dispositivos pertencem ao que ele denominou tradlicoes cempiricas ou histéricas. S80 dispositivas representacio- his que se colocam em um nivel relativamente baixo de abstracao e permanecem relativamente proximos ao co nhecimenta tacito de origem. Ao tecer essas considera- {Gdes, Feyerabend nao pretende estar apontando uma de- ficiéncia nessas formas de representar o campo da expe- 0 tazer-se da psicologia riéncia, Ao contrario, ele pretende reabiltar a pluralidade de meios de que o homem pode dispor e deve legitima- ‘mente usar para enriquecer suas relacdes com o mundo. Ele reivindica para estes dispositivos 0 valor de conheci- mento, enquanto capacidade de captar e interpretar fe- rnémenos, ou seja, de propiciar configuracées. Na verda- de, Feyerabend & muito mais citico do que ele denomina tradicdes tedricas, ou seja, as tradicoes que recusam a ‘muttipicidade dos meios para instaurar 0 império das representacdes teoricas, Para tanto, procuram eliminar a ‘complexidade da experiéncia de forma a reduz-la a con- ceitos e sistemas conceituais de validade universal e trans-historica. As teorias visam focalmente seus obje- tos, extraindo-os do vasto e complexo cenério compre ensivo organizado pelas praticas sociais ¢ historicas (Ou seja: as teorias ignoram intencionalmente - e nao Por acidente e casualidade ~ tudo que pertence ao fun- do, a0 campo dos conhecimentos subsidicivios na sua concretude ¢ complexidade. O mundo em que vive. ‘mos ~ “0 assunto em que habitamos” = fica, portato, excluido dos dliscursos tedricos que concentram seus Jocos apenas naquilo que pode sustentar um sistema representacional, ou seja, nas figuras. Ora, € sob 0 dominio hegemdnico do ideal teérico- epistemologico que toda a cultura ocidental viveu, desde pelo menos 0 século XVil até os dias de hoje, embora atualmente esta hegemonia esteja sendo radicalmente contestada’. Hoje se discute, e os propria textos de Po- lanyi e Feyerabend o atestam, a pertinéncia deste ideal '3.Ver arespoto,ente autos. mas muito especialmente. Rot. R. Pho Sophy andthe mora nature (Prineton Unwersty Press, 1878). Parte para todas as areas do saber e dos fazeres. Nao pretendo reste momento ir tao longe: a questao, todavia, é: sera que 2 supervalorizagao dos conhecimentos explicitos fe entte eles. a dominancia dos conhecimentos teoricos dao conta dos problemas que nos concernem enquanto psicdlogos. produtores de conhecimentos psicalagicos e professores de psicologia? As teorias e praticas na clinica psicologica e psicanalitica Que as praticas psicologicas estejam em uma medi- dda incomum impregnadas de, e orientadas por, conheci _mentos lcites ndo me parece comportar discussao. Bas- la que se veja o papel atribuido as experigncias pessoais do aprendiz. que wao muito além do que ele poderia apren der nos melhores livros e com os melhores professores. Poderiamos designar este conhecimento tacito como um saber do oficfo, de natureza eminentemente artesanal. Como e © que esperar das relacdes deste conhecimen- 10 Lacito, dura e longamente adquitido. com os sistemas representacionais e. em especial, com as teorias? Devemos, creo, comecar por desfazer uma ilusao, mul tas vezes professada ou mantida como ponto pacifico e Obvio. Falo da ilusdo de que seria possivel e necessatio elaborar um conhecinento explicito, objetivo e reflexivo. {ue fosse uma cabal reproducao da experiencia, Penso que realmente necessatio levar a sério a ideia de que a expe- Fiéncia incorporada, o conhecimento tacito ¢ pessoal, entranhado no corpo, nao € totalmente transparente convertivel em teoria, Mas, na direcao inversa, é preciso 0 fazer-se da psicologia tambem se resignar diante do fato de que os sistemas re presentacionais nunca serao totalmente incorporados 8s praticas, melhor dizendo, eles serao sempre compreen- didos de acordo com as possibilidades abertas pelos co- nhiecimeritos subsiclarios, No entanto. creio, também, que seria equivocado dis- Pensar todo esforco de explictacao e desprezar as for mas e modalidades de conhecimentas explicitos. Seria perigoso confiar cegamente no conhecimento pessoal ue, pela sua propria natureza, € muito vulneravel 8 roti- nizacao ¢ a repetitividade, Minha sugestao € que as rela- ‘0es entre conhecimentas Lacitos e conhecimentos ex: Dlicitos. entre expetiéncias e discursos representacionais devem ser mantidas em um otimo nivel de fcrsto. Isso implica ando coincidéncia — ou seja, ateoria nao deveria coincidir com a. "pratica” -, mas implica a pertinencia ‘ou seja. a teoria deveria dizer respeito & “pratica’. O que se poderia ganhar com esta tensao? Para responder essa questao seria necessario. de ini- cio. conceber para os dispositivos representacionais duas fungées relevantes: em primeiro lugar. eles sugerem for. mas de organizacao da experiencia, isto 6, do principio para e fomecem critérios de focalizagao, ajtutando os processos cle configuracao dos fenémenos clinicos: em ‘Segundo lugar. porém. eles padem ter a funcao critica de iesalojar os conhecimentos tacitos impregnacios nas raticas mecanizadas, reintroduzindo nelas 0 espaco do encontro com o inesperado. 0 espaco da pesquisa. ‘ espaco do pensamento. Assinalo que. em amas as funcées, esta ausente qual- quer pretensao a verdade por parte das teorias: o que Parte cesta em jogo nao 6 sua maior ou menor adequacdo aos seus abjetos. Em ambas as lungoes o que esta implicado tema ver com a eficacia das teorias e nao com a sua ve- racidade. No entanto, nao se trata apenas de introduzir ‘uma dimensao pragmatica na avaliacao dos sistemas te- presentacionais. Ao participar dos processos de focaliza- ‘G80, as teorias estariam colaborando na tarefa de dar in- teligibiidade & experiéncia, engendrando figuras a partir dos elementos dessa experiéncia, Mas, nao se trataria de esperar delas. principalmente, uma orientacao segura para a pratica e de avalid-las pela sua funcionalidade ins trumental. Ao contrério do que dita L. Lewin ~ "Nada ‘mais pratico do que uma boa teoria” -. estou propondo que a segunda funngao da teoria seja a de abrir no cur s0 da agdo 0 tempo da indecissto, o do adiamento da acdo. tempo em que podem emergir novas possibilida des de esculare falar, Para tal, porem, & necessario que a teoria esteja “agindo em silencio” e de forma a “fazer silencio”. aquele silencio que € a condicao primeira de uma verdadeira escuta do novo. E nesta medida que, no ‘campo da clinica psicol6gica, representagoes ¢ conthect _mentos taicitos deveriam conservar-se a uma tespeitosa distancia uns dos outros. E neste sentido que o investi ‘mento em pesquisas eminentemente clinicas e que o in- vestimento em uma formacao intensamente pratica ~ nos treinos ~ devem ser contrabalancados pelo investi- mento em pesquisas eminentemente teoricas e numa formagao teoricamente exigente. Mas, vejam bem: nao se trata de pensar apenas a proximidade e a complemen taridade entre teorias e praticas, mas de pensar suas dis- tancias e diferencas: manter a tensao é deixar que a prat- 0 tazer-se da psicologia ‘ca seja um desafio &teoria e que a teoria deixe que irrom- pam problemas para a pratica’ No entanto, mesmo a distancia a relacio de pertinen- cia precisaria ser sustentada, Aqui se abrem algumas in- dagacoes. Que niveis de representacao estariam mais aptos a desempenhar este duplo e contraditério movi- mento? Como se faciltaria 0 encontro — frequentemente confltivo ~ entre conhiecimentos tacitos e teorias? Creio que as navrativas histovicas e as nanativas draméticas Poderiam constituirse nos dispositives representacionais mais convenientes para operar essa mediacao. Historiais, € todo 0 conceitual elaborado e usado nas historias de {caso e nos relatos de sessao parecem colocar-se no nivel timo de tensao entre Lacito e explicito. No entanto. € Preciso reconhecer que a composicao de narrativas his- toricas e natrativas dramaticas requer um certo talento l- terdrio e um certo exercicio da escrita, E notavel a ausén- Cia desse tipo de preocupacao e de treino nos cursos de formacao de psicdlogo. prejudicando sensivelmente a possibilidade dos profissionais se aproveitarem desses 4.8 datingo opoicae ene conecmenas aioe substianos de {en doe conbecmonte uote’ ‘ocas de ut, cram fea. de oto, caramente nao cine coma oposieo prpostapor reas alles ene dirs ince sce reat ans eos a ens core 85 meapsiologas poten 29 cnpo Go expo No ena bam e verde que a eons daca eto mua nas ponmas 20 Site do oi @ quo as metapsieogas. a0 contra se coiguran ais icamente Como sisters Se epresentag telcos. Sesang. os edescortentuatzados,Taver uma das tudes. area esses ds Sursosmetapseologios ese vicuada extant esetonca doses ‘scureos a quatgue Tenaiva de sesrlagaoplecbiaa a0 camps dae experi tanto do parte como oo eapeuia, Com eo. as Mets $eolgis contiouram decsvarnte pata nant’ atensao so que oe mos alando ene otto e os enplictos, Parte dispositivos representacionais que me parecem indispen- séveis para que Seja propiciada a tensao entre saberes de oficio e teorias acima advogadas. Ora, na auséncia des- ses mediadores, 0 que tende a ocorrer com frequéncia 1a dissociagao nao confitiva entre teorias e praticas. As praticas, impregnadas de conhecimentos Lacitos valio- sissimos, permanecem imunes aos questionamentos te6- ricos e tendem a gerar arremedos de teorizagdes sem ‘qualquer rigor e sem qualquer eficacia critica. As teoras, por sua vez, atuam frequentemente afastando os psicélo- ‘gos do solo de suas experiéncias, rompendo drastica- mente 0 contato com os conhecimentos tacitos e blo- ‘queando a sensibilidade do profissional a tudo que esta fora de foco. nas franjas da consciéncia. No entanto, nao € preciso que as coisas fiquem assim: a segunda func3o atribuida as teorias —a de instituiro tempo da indecisao lange de embotar, pode favorecer a nossa sensibilidade a0 que se di como conhecimento subsididrio. instau- rando uma permanente oscilagao entre figura efundo, en- tre as vores e os seus siléncios, ou sea, Instaurando um permanente descentramento da escuta em relagao a si ‘mesma: escuta-se o que se oferece como figura e sentido, ‘mas, a0 mesmo tempo, escuta-se também o siléncio que ‘margeia o foco, o virtual que nele reverbera, O que supoe, no exercicio desta escula, uma subjetividade descentrada « capaz de tirar partido do seu proprio descentramento. E dessa oscilagio que podem emergit 0s insights. Em ou tras palavias, as teorias, se bem apropriadas pelo clinico e mantidas em uma tensao otima com o Saher ce oficio, valoriza 0 conhecimento tacito e, em ultima analise. & esta valorizagao o que realmente importa © tazer-se da psicologia Consideracées finais Restaria, agora, concluircolocando algumas questoes acerca das nossas alternativas enquanto praticos, te6- Ficos e formadores. Nao é muito dificil perceber que os curriculos de psicologia estao orientados por concep- ‘Goes das relacdes entre teorias e praticas muito diversas dda que ¢ aqui defendida. S80 concepcdes que ou bem conseivam a antiga distingao entre psicologia basica e aplicada, ou que. na melhor das hipoteses, pensa o biné- mio teoria-pratica apenas a partir do vértice da proximi dade e da complementaridade, emibora as realizacoes fi quem sempre muito aquém do pretendido. Reconhecer 2 dualidade do conhecimento psicologico ~ saber tacito ce pessoal do oficio e conhecimentos subsidicios versus saberes explicitos, tebricos e focais ~ e, mais ainda, re- cconhecer que as relacdes entre esses polos envolvem di ferencas radicais e contfltos, impée estratégias muito di ferentes tanto para o exercicio profissional como para as praticas de pesquisa, como para as atividades de forma- a0. Uma dessas estratégias seria, por exemplo, ade rea- bilitar 0s meios representacionais como as nati his toricas e diamaiticas, entendidos como o terreno proprio fem que praticas e teotias se encontram e podem se desa- fiar. Este € apenas um detalhe ~ muitas outras consequén: cias poderiam ser extraidas. Contudo, este pequeno deta Ihe ja nos imporia uma imensa transformacao tanto na consciéncia que temos de nds mesmos como nos pro ‘cessos formativos em que estamos envolvidas, Parte Referéncias bibliograficas FEYERABEND, P. O conhecimento e o papel das teorias. Adeus 4 razdo. Lisboa: Ed. 70, 1991. POLANYI, M. Personal knowledge. Illinois, University of Chicago Press, 1960. _- The study of man. Ilinois, University of Chicago Press, 1959. RORTY, R. Philosophy and the mirror of nature. Prin: ceton: Princeton University Press, 1979. © fazer-se da psicologia 7 Psicologia e cientificidade: para uma politica do rigor* (Os contextos historicos e o sentido da questao da cientificidade ‘Ao ser convidado a escrever sobre acientificidade da Psicologia. ocorre-me indagar sobre o sentido deste con: vite. Afinal, de onde se arigina esta questao. a que nos re: mete, como deve ser compreendida? ‘Se nos voltarmos para a historia da cultura ocidental vveremos que uma preocupacao obsessiva com a prod= G80 de crencas valida emerge no inicio da Idade Moder. na, no século XVIL Foi a partir dai que conhecer conver teu-se no mais digno problema da flosofia: desde entao. procurar fundamentos seguros para 0 conhecimento € regras confiaveis para a sua producao ¢ avaliacao veio 2 ser a questao central do Ocidente. * Text elaborado sob encomenda do Conseina Festa de Psicologia © ‘onginalmente puteado no Jornal do Federal, Parte A centralidade desta questao decorre, sem duvida, docontexto cultural ~ politico, rligioso, artistic e etico ~ caracteristico do final dos séculos renascentistas, Um Universo tremendamente ampliado e diferenciado, uma proliferacao de perspectivas existenciais. uma abertura inusitada no leque das possibilidades, a eclosao de con- fltos, ameagas, indecisdes, misturas, desamparo e deso- rientagao geraram uma perda substancial de confianga nas crengas e costumes transmitidos pela tradicao'. Emer- ‘gem neste contexto e, em grande medida, er reagdo a cele indmeras tentativas de reforma cujo sentido profun- do € 0 que S. Toulmin chamou de politica da certeza s8o tentativas de reordenar o mundo de forma a criar ccondig6es mais ou menos estavels para a vida em soci dade. A reforma do pensamento que levou a criagao da filosofia e da ciéncia madera participa com destaque deste projeto”. A trajetéria de Descartes, um dos funda dores da maderidade filoséfica, tal como tracada por A. Koyté, revela claramente a insercéo do filésofo num ambiente dominado pelo ceticismo, mas mostra tam- bem, em seguida, como Descartes converte a duvida cé- tica na duvida metédica, A primeira desfaz as crengas nao deixando muito em seu lugar, sendo os habitos ¢ as conveniéncias, além, certamente, de uma benfazejafole- rancia diante das variacées e das diferencas. Contudo, esta tolerancia ~ este antidogmatismo -, embora indis- pensavel para a constituicao da modernidade, nao da a inguém, por si mesma, a seguranca e as garantias ne- 1. Vara propésito Figveedo, LC. A invengo do psiclogo ~Quaro sé ‘hoe de subjetvagad (1500-1900) (EscutatEGue 1882). 2.Ver a propésto Tulmin, &. Cosmepols. The hidden agonda of moder iy (The Chieag Univraty Press, 1090, 0 fazer-se da psicologia cessérias para enfrentar a angiistia gerada pelo mundo de ponta-cabeca. Jé a segunda forma de duvida - a duvida metédica — 6 exercitada de forma a destruir as crencas sem fundamento, mas isso com o objetivo de descobrir final- mente fundamentos firmes e absolutamente indiscuté: veis sobre os quais construir conhecimento verdadeiro? (Ora, a modemidade instaurou uma “tradicdo do novo’ ‘em todos os planos da existéncia ela vai se caractetizar pela forca das tendéncias & abertura, a diferenciacao, a proliferacao de perspectivas e angulos, & acelerada ino- vacdo em termos de costumes, valores e diregées, Em contrapartida, porém, assisti”emos permanentemente & revitalizacio de ensaios de reordenamento, de disciplina- mento, de restrico. Estes ensaios foram sempre novas lencamagdes do que Toulmin chamou de politica da cer- teza, gerando dispositivos establizadores, reassegurado- res, capazes de garanti,fundar e justficarracionalmente ‘modos de viver e modos de pensar. Este tem sido o lado “civilzador" da modernidade. A procura obsessiva de ci entificidade esteve sempre historicamente associada e subordinada & politica da certeza. ‘Ao final do século XIX e no inicio do século XX, ge- rou-se uma conjuntura em que, mais uma vee, a politica da certeza esteve na ordem do dia. Conflitos intra e inter- nacionais, crises existenciais e crises coletivas (econdmi- ‘cas, sociais) convergiam para a demolicao das expectati- vas otimistas de progresso e de harmonia assegurados pela razdo e pela ciéncia. Em acréscimo, no campo estri- to da filosofia, o projeto moderno — o projeto civlzador, 2.Ver props Koy, A As consaptes str DescaesPresen a. 1901. Parte discipinador e fundacional ~ encontrava opositores do peso de Bergson, dos pragmatstas americanos, de E. Mach, €, antes de todos e maior que todos, de F. Nietsche, Estes autores iam muito além da descrenca ou da des cconfianga. Todos eles apontavam de uma forma ou de ‘outa para a nossa fnitude: nossa organizacéo biolagica €enossos interesses Vilas, nossa insercao histrico-cultu- ral € 0850s interesses politicos, nossos desejos, nossos afetos, nossos vieses, etc. dissohiam a crenca num co ‘nhecimento objetivo, unversalmente vélido, desinteres sado, neutro, dsttudo de qualquer coloragdo “subjetiva™. A razio, a ciéncia e a tecnologia dela derivada pareciam fracessar na tarefa de ordenar © mundo numa forma consensual e de colocé-o a disposicdo de todas os ho- ‘mens para seu uso e para o seu proveito,eliminando to- os 05 confltos e todas as dssensbes Em resposta a este ambiente € que vao emergir pro- postas como as do logicismo, asda fenomenologia hus- serliana e, um pouco mais tarde, as do positvismo légi- co. Em que pesem suas espeeificidades, todas tém em comum a meta de restaurar um campo de certezas,res- tabelecendo a confianca em fundamentos e em regras universalmente aceitas. Conforme se pode claramente apreciar em alguns textos de Husserle no proprio mani- festo dos neopostivistas do Circulo de Viena, a pretenséo ndo se restringe ao campo do conhecimento clentifco: estes fl6sofos trabalham com a esperanca de estarem salvando a humanidade-particularmente a humanidade ‘supetior” do Ocidente e, mais ainda, a humanidade eu- ropéie — da barbarie a que seriamos levados pelo ceticis- mo e pelo irracionalismo, © fazer-se da psicologia Pois bem. as relacdes das psicologias “cientiicas” nas ccentes com este quadro sao extremamente complexas € dificeis, 0 que faz com que a questao cla cientificidade da psicoiogia se tenha inctustado em nosso campo de uma maneira extremamente perturbadora, Na verdade. fem parte. esta questao € vivida por muitos como se nao tivesse nada a ver conosco, enquanto é por outros vvida como uma exigéncia inevitave A razao desta posigao problematica da quiestio da ci: entificidace no campo da psicologia é que as psicologias hhascentes estao entre os fatores que punham e continua Pondo em questa o projeto epistemolagico modemno e, 7 entanto, continuaram por muito tempo deixando-se regular pelos padrées impostos por ele. Neste projeto, o sujeito ~ 0 sujeito co conhecimento E quase um semideus que. a0 se autoimpor a disciplina do método, eleva-se por sobre suas limitagdes hurma- has para alcancar uma pureza idealizada. Apenas neste estado de graca e putificacao metédica © homem pode- ria conhecer. No entanto, as psicolagias nascentes, em ‘maior ou menor medida, iro contrapor-se a esta con- ‘cepcao otimista, a esta esperanca de que o método cien- tfico transforme homens singulares de carne, 0350s, er- vos, instintos, impulsos, afetos, emogdes, etc. em con- templadores impavidos, neutros e objetivos do mundo tal como ele é. Em outras palavras, as psicologias natu- ralizando, historicizando e singularizando o sujelto hu: ‘mano, concebendo-o como um ser biol6gico inscrito na natureza e como um ser cultural e psicolégico, acumula- vam elementos contrérios & crenca na universalidade e 1a objetividade da ciéncia, na neutralidade e na universa- lidade da raxao. Nao € outro 0 motivo pelo qual Husser! Parte assestou stias baterias contra 0 “psicologismo” e contra © “historicismo": se todo conhecimento é humano, de- masiadamente humano, marcado pela nossa organiza- do biologica, pela nossa insercao historica e pela nossa singularidade. a ciéncia perde a sua posicao superior. a sua autonomia, a sua “racionalidade’ No entanto. grande parte das psicologias que se fo- ram elaborando durante estas décadas continuavam ase apresentar como “cientificas”. de acordo com os mes- 'mos padres que elas voluntaria ou involuntariamente ajudavam a contestar. Esta afirmacao ¢ particularmente cevidente no caso da psicanalise freudiana em que a cons- cigncia e a vontade soberana. que sao pressupostas na imagem de homem da flosofia moderna, sio radical ‘mente contestadas: contudo, também a psicologia expe- imental comportamentalista acabou se dando conta do seu potencial citico em relagao ao projeto epistemologi ‘co moderno que. de outro lado, continuava quase sem- pre allhe servir de guia e padrio, Uma das mais extraordi- arias contribuigdes ce B.F. Skinner foi exatamente a de problematizar a propria nocao de conhecimento a patir da filosofia que elaborou, 0 comportamentalisine radi- cal: desta problematizacao emerge uma proposta episte mologica que se afasta significativamente daquela de- senvolvida pela filosolia modema, baseada no sujeito Purificado do conhecimento como contemplador objeti vo da realidade, para se aproximar das posicoes prag ‘maticas e neopragmaticas (Dewey. James, Wittgenstein, Rorty). Todas as psicologias “cognitivas”, desde a Psico logia da Gestalt até os desenvolvimentos mais recentes (construtivismo. construcionismo social narralivismo). acabam desembocando tambem numa epistemologia 0 fazer-se da psicologia =o renovada em que as relacoes do “sujeito” com seus “ob- {etos” perdem totalmente o carster de copia contempla- tiva da realidade. De uma forma ou de outra, cogritivis- tas e comportamentalistas radicais terminam abracan- do alguma forma de perspectivismo. para usar 0 termo nietzscheano. No campo psicanalitico, o perspectivismo também chegou muitas vezes a ser explicitado teori camente mediante redescricées construcionistas (Vider- ‘man), narrativistas (Spence) e pragmaticas Wurandir Frei re Costa) da psicanalise*; contudo, mesmo sem qualquer explicitacao, um certo perspectivismo ja esta presente na propria pluralidade das visadas que hoje compoem o ter- reno da psicanalise e¢ aceita e reconhecida como legit ma. Ora, se ha muitas perspectivas em confronto ou se ccomplementando, se ha muitas verses aceitaveis, se ha muitas descricdes possiveis, se os interesses vitais e/ou hist6rico-psicol6gicos condicionam o campo dos sabe- res, e as praticas estao inevitavelmente impregnando as teofias, ja nao faz sentido esperar da ciéncia uma unani- Imiidacde e uma salvagsto em termos da reordenacao con sensual do mundo. Na verdade, ja nao faz mais sentido falar em ciéncia com C maitsculo. , no entanto, parece que em grande medida é isso que ainda se espera dela, mesmo entre os que deveriam abrir mao desta esperanca para serem consistentes. Tal vez a conservacao de uma unidade, ainda que ficticia, seja ainda um recurso estrategico destinado a defender o 4.Vor aproposto Viexman.. A consinieao do espa analiico Exo 10 Sere The ean eta Towa nag han ge in payenonnalyis(W_ Novton & Company. 1987) Free Cost, {0g esesarcoes aa pscanaise -Ensnos pragnaticos (elie Du mata. 1980, Parte re ‘campo das psicologias daqueles que, de fora, o desqual ficam. A retomada da questao da cientiicidade entre 08 Psicologos estaria, assim, inserida numa problemetica po- ltica, a das relacdes das psicologias com seus eventuais detratores. A consequéncia, porém, € que se abe, assim, luma espécie de ferida que nao cicatriza nunca, fazendo ‘com que os psicdlogos gastem boa parte de suas ener: clas para tata, E verdade que algumas escolas procuraram, desde ‘seus inicios, assumir de forma mais explicita a sua inde- pendéncia em relacdo a0 projeto filosofico moderno, hhunciando & pretensao, & universalidade, a objetividacle, & $_ssaaG.a.sCsésés ca €, pottanto, s6 existe atividades cientificas quando ha uma rede de interesses mantendo toda uma coletivi- dade engajada na pesquisa e na discussiio dos proble- ‘mas “interessante Ao colocar os interesses em jogo, porém. |. Stengers esté preparando-se para um outro redimensionamento ainda mais profundo da questo da cientificidacde: 0s in teresses dos cientistas no so “puros', eles se articulam ‘com os interesses de outros agentes sociais ~ naa cienti ficos ~e, entre si estabelecem relacdes de forga, Este € um momento de violencia inevitavel: ao contrario do que poderia ocorrer no confronto entre proposigées ou cren- ‘cas que pudessem ser consideradas superiores ou inferi res em funcao de serem mais ou menos verdadeiras, 05 interesses pocem ser fortes ou fracos, mas nao verdadei- 08 ou falsos. A afirmacao e o dominio de um interesse, ‘mobilzando uma comunidade de pesquisadores, impli- cam assim uma verdadeira politica cognitiva, No entanto, os conceitos, métodos e instrumentos ‘que afirmam e desenvolvem um interesse nao se desti nam apenas aos interlocutores efetivos ou potenciais; ha sempre um terceiro envolvido € & este envolvimento que faz das atividades cientificas algo mais que um didlogo mais ou menos aberto entre cientistas. Diz I. Stengers: Defini um conceito cientifico como tendo sempre uma ddupla face, uma voltada para os fendmenos cujo exame ele organiza, e uma voltada para os cientistas”. Adotando ‘essa posicao, a autora afasta-se tanto da crenca de que na ciéncia haja algo como uma relacao sujeito-objeto nao mediada socialmente (que era a crenca dominante na epistemologia moderna regida pelo ideal da objetivida de}, como da crenca de que na atividade cientifica preva- lecem incontestadas as relacdes sociais entre os cients. Parte eel tas, Isto, por exemplo, parece fazer parte do pensamento de R, Rorty quando sugere a “solidariedade” para substi- tuir a “objetividade” como valor minimo em uma comu: nidade cientifica’. Esta exclusdo da objetividade parece resultar numa eliminagao de tudo 0 que nao pertence ao ‘campo das crencas e das falas com que os cientistas en: twetem seus didlogos. Em oposicao aisso, a dupla referéncia ~ aos fenéme- nos e aos interlocutores tal como proposta por Sten- gers proporciona uma saida bem mais nuancada do ve- lho esquema sujeito-objeto, A questao sera a de enten- dermos corretamente como este terceiro, 0 fendmeno estudado, entra nas relacées de forca. Continuemos com as palavras da autora: ‘Trata‘se, efetivamente, para os cientistas, de constituir 0s fendmenos em atores da discussio, ito €, nao somentefazé-los, mas favé-os falar de uma maneira que todos (08 outros clentistas interessados sejam le vvados a reconhecé-los como testeriunhos cconfidveis[..]. Toda a questao, de fato, de inventar, de produzir estes testemu ‘nhos confiaveis (p. 23, gtifo meu). Trata-se, enfim, de dar voz aos fendmenos; mals que isso, trata-se de ensinar os fendmenos a falar numa lin- ‘gua que seja entendida pelos colegas. Quando um grupo de fendmenos adquire 0 estatuto de festemunho confid- veel, di-se, segundo a autora, a instauracso de uma cién cia dura; os testemunhos que, provisoriamente, serao 7.Ver a propos Rony, Solar or cbc’: Objectiviy. rea- ‘am and vu - Phiosopical Papers, vl {Cambridge Unwory Poss, {99th 0 tazer-se da psicologia aceitos pacificamente por todos convertem-se em “ca as pretas” que a ninguém. a0 menos durante um tem Po. ocorre abrir, jé que ndo ha aparentes motivos de desconfianca. Caixas-pretas sao, assim, conjuntos de elementos da experiéncia que, para efeitos praticos, sdo tomadas pela comunidade como evidéncias. Mesmo que num nivel metatecrico saibamos que estas evidén

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