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Me MW MN TREVISTA Dalmo: Nossa missao é va- lorizar a vida em todos os seus aspectos ¢, consequentemente, prevenir o suicidio. Essa missio deu ao CVV, ao longo dos seus 53 anos, uma filosofia a que cha- mamos Proposta de Vida, cujo objetivo & oferecer amizade, ouvir as pessoas, compreender seus sentimentos, enfim, estar sempre disponivel para pro- porcionar ajuda nos momentos Ws Dalmo Duque dos Santos Centro de Valorizacao da Vida previne suicidio Dalmo Duque dos Santos é educador, escritor e historiador. Desde 1980, é voluntario membro do Conselho Diretor do Centro de Valorizagao da Vida (CVV) e autor do livro Como vai vocé? (Editora Alianga) sobre os 50 anos do CVV mais graves e dificeis. O CVV 6 uma referéncia na sociedade brasileira como sindnimo de e cuta fraterna ¢ luta contra o sui cidio. Jé fomos tema de minissé- tie da TV Globo (Caso Verdade) e frequentemente emissoras de radio, TV, bem como jornais revistas convidam nossos volun- tarios para compartilhar com o piiblico as nossas experiéncias. Somos produto de um gru- po de jovens alunos de uma Fevereiro de 2015 | Reformador un 2 escola espiritual que se reunia em Sao Paulo para fazer cara- vanas fraternais nos bairros da periferia, com a finalidade de conhecer conversar com pessoas carentes, saber das suas dificuldades e angiistias. Porém, nossa inspiragio veio dos procedimentos educativos contidos no livro Memérias de um suicida, de Yvonne A. Pe- reira. Edgard Armond, entéo secretério-geral da Feesp, viu uma matéria de jornal sobre © Samaritans, de Londres, re- cortou a reportagem e enviou a0 jovem Jacques Conchon, sugerindo que fosse feito algo semelhante. O trabalho foi fundado em 1962 ¢ alguns anos depois jé estavamos tro- cando experiéncias com o Rev. Chad Varah, fundador do pri- meiro trabalho de prevengo do suicidio do mundo. Nesse contato, Chad declarou que fi- cou impressionado com a se- melhanga de procedimentos, até burocraticos, entre o CVV € os Samaritans, fato que ele atribuiu a Deus. Chad havia entrado nessa luta por causa do suicidio de uma menina de apenas 14 anos. Dai perce- bemos que as nossas origens € propésitos eram comuns, como descreveu amplamente o Espirito Camilo Candido Botelho no livro citado. Evo- luimos juntos nesse trabalho e uma década dep passa Reformador | Fevereiro de 2015, rtilhe com o CVV » vocé nao divide com ninguém Ligue 141 Www.cw.org.br mos a ser um servigo univer- sal nao religioso e apolitico, com a finalidade de abranger atendidos e voluntérios de todas as crengas e ideologias. Espiritas e anglicanos unidos numa programa humanitario comum. No final da década de dois mil o CVV, juntamen- te com entidades semelhantes de 40 paises, passou a fazer parte do Befrienders Worlwide (BW), entidade internacional de prevengio do suicidio. So- para oferecer apoio emocio Preece) mos o representante oficial do BW para a América Latina e Caribe. E como funciona? Sao aten- dentes apenas por telefone? Todos somos voluntirios anénimos e treinados perma- nentemente para oferecer aju- da emocional. Cada voluntério oferta um tempo minimo de disponibilidade para ser trei- nado e oferecer ajuda. Ao res- ponder ao nosso chamado para atuar no CVV, 0 candidato pas- sa por processo seletivo para desenvolver habilidades oitivas (saber escutar) e compreens vas (leitura dos sentimentos ‘© emogées). Nesse tempo, ele também aprende os conheci- mentos basicos da prevensao do suicidio, entra em contato com a nossa proposta de vida € depois ingressa num estigio probatério, fase pratica sob a supervisio de um voluntério mais experiente. Nem todos estdo aptos ao voluntariado e por isso tomamos 0 cuidado de diferenciar os que precisam de ajuda dos que precisam ajudar. Os que nao estao aptos apren- dem conceitos importantes para usarem em suas vidas e (08 que ficam vao se aperfeigoar gradual e continuamente para a tarefa de prevencao. Atende- mos presencialmente, por tele- fone e também pela Internet. Nos iiltimos 50 anos, tivemos que acompanhar as mudangas tecnolégicas € descobrir_ em quais meios de comunicagao as pessoas pedem ajuda para aliviar seu sofrimento € as- sim ofertar-lhes nossa ajuda. Recentemente, seguindo uma tendéncia mundial, criamos grupos de apoio aos sobre ventes do suicidio, que sio os familiares e pessoas ligadas afetivamente aos que se mata- ram. Essas pessoas sofrem de forma intensa a perda dos seus entes e muitos também sucum- bem ao suicidio. Esses atendentes ficam num lugar fixo ou existem varios postos de atendimento? Hoje temos 70 postos fisicos, distribuidos em algumas das principais cidades brasileiras; temos o atendimento por chat e também ages sociais de ajuda comunitiria, bem como aten- dimento em eventos puiblicos e catastrofes. Num futuro muito prdximo, nossos atendimentos sero méveis, sem o limite das distancias geograficas, como & a telefonia atual e a Internet, e nossos voluntérios trabalharao com aplicativos para formagao e atuagao em ambiente total- mente cibernético. Quais sio as causas mais recorrentes para a busca ao cvve Praticamente todas as situa- ges conflituosas e que causam dor intima, desespero, isola- mento ¢ solidio, A depressio, cujo efeito descontrolado qua- se sempre leva ao suicidio, tem sido muito recorrente nos ulti- ‘mos anos, Ela vem se tornando uma epidemia em escala mun- dial, atingindo indiscriminada- mente todos 0s tipos de pessoas. E como se fosse 0 efeito de uma grande crise existencial seme- Ihante as mudangas que ocor- rem nos ciclos biolégicos e geo- l6gicos e que nos forcam a um doloroso proceso de adapta- do. Atualmente a depressio é a principal causadora do suicidio. Nio oferecemos tratamento, po- rém nossa disponibilidade para ouvir alivia 0 sofrimento das pessoas nas horas mais criticas € 08 ajuda muito a que mudem de ideia e também busquem outras formas de auxilio. Um detalhe muito importante: se a pessoa insistir em se matar, co- municamosa ela a nossa tristeza e discordancia, porém respeita- mos essa escolha, por questio de livre-arbitrio. Essa_postura ética, que reflete nossa profunda crenga no ser humano, apesar de parecer contraditéria, tem sido a principal causa da nossa credibilidade e também da mu- danga de atitude de muitos com predisposicio ao suicidio. Voces tém dados ou estatis- ticas de profilaxia do suicidio? © suicidio & considerado doenca mental e assunto de satide pitblica na maioria dos paises. No inicio da década de 1970, 0CVV criowa Comunida- de Terapéutica Francisca Jilia, em Sao José dos Campos, para amparar doentes mentais sem recursos, Muitos deles haviam tentado 0 suicidio em suas tra- jetdrias de sofrimento psiquico. Nas atividades dos postos fisi- cos ¢ virtuais trabalhamos com dados internos que nos infor- Fevereiro de 2015 | Reformador 1B 76 4 mam 0 perfil e as caracteristicas das pessoas que nos procuram; € também nos monitoramos, como fonte de conhecimento, pelos dados do Ministério da Saiide e da Organizagio Mun- dial de Sade (OMS). 0 CVV faz cerca de um milhio de aten- dimentos por ano e sabemos que no Brasil uma pessoa mor- re, vitima de suicidio, a cada 45 minutos e, a0 menos, outras 60 tentam tirar a propria vida por dia. No mundo, uma pessoa se mata a cada 40 segundos. Uma pesquisa da Unicamp mostra que 17 % dos brasileiros ja pen- saram_seriamente em cometer suicidio no decorrer de suas vi- das. De todos 03 casos, mais de 90 % poderiam ter sido evita- dos. Quem tenta suicidio quase sempre pede ajuda, diza mesma pesquisa, Apesar da seriedade do assunto, o suicidio ainda & um tabu na sociedade brasileira, © que dificulta a sua prevengao. O CVV acredita que uma forma importante de se evitar novos casos € conversar abertamente sobre o assunto, para derrubar mitos ¢ quebrar tabus, Em lu- gares onde hi prevengao e aber- tura para falar sobre suicidio os casos diminuem estatistica- mente, Houve um caso em que as autoridades puiblicas de uma cidade reconheceram e certi- ficaram a agio do CVV como responsivel direto pela queda do mimero de suicidios. Reformador | Fevereiro de 2015, Como os espiritas em geral podem ajudar 0 CVV? A historia do CVV esta es- treitamente ligada & vocagio da caridade aos que sto margina- lizados e incompreendidos pela sociedade. Suicidas e doentes mentais ainda sio discrimina- dos ¢ vistos como seres fracas- sados, pecaminosos e amaldi- oados. No final dos anos 1960, © criminoso mais procurado e temido de Sao Paulo recorreu a0 CVV para falar sobre sua solidio e sua angiistia antes de ser morto pela policia. Queria conversar com o voluntario que tinha dado uma entrevista para tum jornal, falando do respeito e do amor que devemos ter pelas pessoas que esto desesperadas. 0 “fascinora’, como era chama- do pela imprensa na época, foi a0 posto, desabafou e depois desapareceu na noite fria da capital paulista. Outra infor magio importante para os dit cipulos de Allan Kardec: nossos fundadores ¢ pioneiros foram estimulados também por uma mensagem spiritual de dois poetas suicidas (Francisca Jillia € Batista Cepelos), pela psico- grafia de Chico Xavier, exortan- do a urgéncia de tal tarefa. Essa ajuda dos espiritas é muito va- liosa e, talvez, nem seja preciso dizer os motivos. Mesmo sendo hoje um trabalho independente ¢ laico, guardamos no coragio essa tradigao espiritual dos nos- 0s pioneiros. O suicidio, como fendmeno de massa, éuma forte ameaga ais bases da civilizagio, que 60 convivio e a continuida- de dos valores humanitarios de todos os povos. Os danos psico- légicos e sociais causados pelo suicidio nas familias e no entor- no social do suicida sio incal- culiveis. No século XXI, com as graves mudangas em curso, a tendéncia & de agravamento. Cada um dos centros espiritas do Brasil e do Exterior, inde- pendentemente da abordagem doutrinéria, pode organizar um pequeno niicleo de agdo pre- ventiva do suicidio, difundin- do informagoes e organizando grupos de apoio emocional. Es- sas ages podem ser feitas nos moldes do trabalho fraterno do CVV, que busca ter Emissérios da Vida em todas as localidades € niicleos humanitérios: cen- tros, igrejas, clubes de servico, sindicatos, associagdes, escolas, tudo sem vinculos religioso e politico, porém unidos na su- blime tarefa de valorizar a vida. Como todos os demais voluntirios, os espiritas tam- bém podem atuar nos postos e nas suas préprias residéncias, pelo chat, e para isso basta se inscreverem, Temos progra- ‘mas de treinamento, literatu- ra, cartilhas, apostilas, cursos, enfim, tudo 0 que for preciso para que as pessoas nao desis- tam de viver. =

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