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A algebra medieval, renascentista e moderna oa Tluminura do tivro “As mui ricas horas do duque de Berry”, encomendado em 1.410. Uma das primeiras colegées de problemas na forma de jogos ou enigmas matematicos escritos om latim j& encontrados no mundo ocidental 6 © manuserto atribuido ao monge da Nortimbria, Alcuino de lorque, com o titulo Propositions ad Acuendos Juvenes, ou Proposig6es para Instruir os Jovens, escrito por volta de 800 4.C. (es a L L <= re gee lee od Fal aperay Manuscrito carolingio, cerca de 831 d.C. com Alcuino (em segundo plano) apresentando seu aluno Réibano Mauro (@ esquerda), que earrega nas miles a obra de seu mestre, manuscrito este dedicado ao arcebispo Odgar de Mainz (a direita) ‘Tendo-se encontrado em 781 com o monarca Carlos Magno em Parma, recebe deste o convite para ajudé-o a instruir e reformar corte @ 0 clero de seu reino. Como resultado deste convite, Carlos Magno manda erigit, por volta de 790, a catedral de Aquisgrdo (ou Aachen), na Alemanha, onde viria a ser sepultado em 814, Na entéo capela original (Capela Palatina), o monge Alcutno funda o Palicio-Escola (Aula Palatina), onde eram ensinadas as sete artes liberals: 0 trivio (gramética,ldgica e retérica) e © quadrivio (aritmética, geometia, astronomia © musica) Vista geral atual da catedral de Aguisgrio, ou Aachen: coro gético a esquerda, a Capela Palatina com ctipula ao centro torre d direita, Como © Propositions ad acuendos juvenes foi escrito antes do advento da prensa gréfica, suas cépias eram feitas & méo par cscribas, cujas reprodugées sempre continham pequenas diferencas em relagdo ao original, tanto devido a eros de cépia quanto ‘8 mudangas deliberadas com o intuito de ‘melhorar’ ou atualizar o texto orginal, Por esse motivo, ha verses que contém §3 jogos matematicos, ¢ outros contendo 58, A maioria dos historiadores acredita que o documento original continha 56 problemas € aqueles com 53 séo versées posteriores com defeitos de cépia. Mutos destes problemas eram conhecidos em oulras cuturas mais antigas, mas alguns doles no so encontrados em nenhum manuscrito anterior e talvez tenham sido compostos pelo préprio Alouino. & aribuido a ele a verso mais antiga do problema do fazendeieo, do lobo, da cabra e do repolho, que no original ‘era apresentado nestes termos: Um homem, um lobo, uma cabra eum repolho tem que atravessar um rio|em um pequeno barco, No barco, 0 homem sé pode levar ou 0 lobo, ow a cabra, ow 0 repolho, e ele ndo pode deixar, do lado do rio, 0 lobo sozinko com a eahra, nem a cabra sozinha com 0 repotho, Como fazer esta travessia? Acestrutura retérica deste problema é aquela de um didlogo entre um mestre e 0 seu aluno é tipico na formulagao de questées desde a antiguidade. Rima e cadéncia na forma de enigmas e histérias fomeciam auxilios mneménicos valiosos e faciltavam a tradigao oral de resolugao de problemas. Muitos dos problemas mais antigos eram colocados em verso. Os problemas de Alcuino apresentam claramente um cardter de declamagéo, tipico para o sistema medieval de aprendizagem por habito de repetigao. Os cestudantes medievais eram obrigados a calcular mentalmente a solugdo dos problemas propostos © a memorizar regras & ‘exemplos. Esta solugao depende de preceitos @ de regras féceis de lembrar para resolver problemas semelhantes, sem a necessidade de incluir uma explicaeao. Por exemplo, o problema 26 do Propositiones lida com algebra simples, e usa algarismos _XXVL propositio de cursu cbnks. be, fogb,lpirks Est campus qui habet in longitudine pedes CL. In uno capite stabat canis, et i alo stabatlepus. Promovit namque canis ile post ium, scilicet Leparem currere. Ast ubiille canis faciebat in uno saltu pedes VIII, lepus transmittebat VIL. Dicat, qui velit, quot pedes quotque saltus canis ersequendo, et lepus fugiendo, quoadusque comprehensus est, fecerunt? Solutio, Longitudo hujus videlicet campi habet pedes CL. Due mediam de CL, funt LXV. Canis vero faciebat in uno salt pedes VIII, quippe LXXY ovies duet fiunt DCLXXY, ot pedes leporem conseruendo canis eucurrit, quoadusque eum comprehend dente tenact At vero quia lepus facicbat pedes VI, x uno salty, due ipsos LXXV septies. Tot vero pedes lepus fugiendo peregit, donee consecutus est. ‘Traduzindo para o portugués, temos: 26, Propasigio sobre a perseguiglo do edo e o vio da lebre, Existe um campo com 150 pés de comprimento. Em um extremo havia um cackorro, no outro, uma lebre. O cdo avancou atris [da lebre], ou s8ja, para perseguir a lebre, Mas enquanto 0 edo percorria nove pés por passada, a lebre percorvia [somente} sete. Diga-o, quem desejar quantos pés e quantos saltoso edo levou para perseguir alebre que fugia até que fosse capturada? Solueie O comprimento deste campo era de 150 pés. Tomando metade de 150 faz 75. 0 edo estava cobrindo nove pés por passada, e nove vezes 75 fz 1675. 0 ei correu assim muitos pés perseguindo a lebre até que a capturow com seus dentes tenazes. Ede fato, porque a lee fazia sete péis por passada, pegue 75 sete vezes Isto é, quantos pés a lebre que fugia percorreu antes de ser apanhada O enigma do cio e da lebre. Nio foi possivel identificar se esse manuscrito é 0 original de Alcuino ou se é uma das cépias existentes. AA solugio de Alcuino & engenhosa, porém cifrada, Ainda que se possa resolver este problema com duas equagées e duas Incégnitas, 0 mange percebe que as diferentes faxas de corrida dos animais so a chave para todo o problema: apés x passadas, © cdo percorreu 9x pés de distancia e a lebre 7x pés. Logo, a distancia entre ambos reduzida por 2x pés a cada passada. Para que © cdo capture a lebre 6 necessério que dé 2x = 150passadas, onde 150 pés 6 o comprimento do campo; logo, x 75 passadas. Assim, 0 cdo percorre 9 vozes 75, ou soja, 675 pés © a lebre 7 vazes 75, quer dizer, 575 pés de distancia em 75 passadas antes de ser capturada. Este tipo de problema ja era conhecido na China 2.000 anos antes de Alcuino. © magro curriculo do quadrivioctissico, durante os primeiros séculos da idade média, foi cada vez mais empobrecido para se adaptar a fins educacionais, a propésito, o estudo dos textos religiosos, que utiizava uma matemética quase supérflua. A situago no degringolou de vez porque nesse perfodo surgiu um novo problema de relevancia eclesial que foi capaz de manter vivo 0 Interesse em estudos matematicos: 0 comput, ou seja, 0 célculo da data da Pascoa, essencial para a lturgia, porque nela ‘eram baseados outros importantes feriados religiosos. A diffculdade deste célculo decorre do fato de que os resultados do calendério cristo partiam de uma combinagao entre o calendério juliano (baseado no movimento anual da Terra em relagéo a0 Sol) @ o hebraico, este baseado nos ciclos lunares. Embora o célculo dos dias do ano ocorra de acordo com o calendério jullano, 1 data da Pascoa esta associada as fases lunares; assim, em comparagdo com o juliano, essas datas podem variar dentro de limites bem definidos de um ano para o outro. Para calcular a data da Pascoa, portanto, é necessario combinar a duragao do ano civil com a dos meses lunares. Infelizmente, nao hé um niimero inteiro de dias que foregam um valor exato de meses lunares © ‘anos solares, assim como nao existe um ndmero inteiro de meses lunares para dar um valor exato de anos civis. Para combinar as fases da lua com o ano solar em termos de um nimero inteiro de dias @ necessério utilizar um sistema de adaptagies apropriadas. © monge inglés Bede, o venerdvel, fo! quem deu uma solugdo para este problema que ainda hoje é considerado um dos mais clatos @ abrangentes, exposto no panfleto De temporum ratione (A contagem do tempo). A fim de faciltar a execug3o dos célculos necessérios, Bede também demonstrou um método claro e eficaz de calculo digital, ou seja, feito com a ajuda das mos. E um sistema de origem antiga, em que todos os niimeros de 1 @ 9999 podem ser representados com posigées adequadas dos dedos, punhos e bragos. Em particular, 0 célculo digital de Bede & baseado em 14 falanges de uma mao, para que as 28 falanges das duas maos perfacam o ciclo de 28 anos em que se baseia o seu computus. Finalmente, deve-se lembrar de que, naquela época, os numeros eram representados por algarismos romanos e os célculos foram realizados com um ébaco ‘greco-romano, com 0 qual & simples executar a adigao, a subtragéo, a muliplicagao e a ainda mais elaborada divisao. Fragmenta de um manuscrito biblico, posteriar a 1.066 d.C., contendo dois esquemas orbitais eésmicas, aassociados ao De temporum ratione, do monge inglés Bede. De fato, embora o ensino de matematica em conventos e escolas da catedral fosse baseado no quadrivo, na realidade eles censinavam apenas os rudimentos da aritmética e da geometia pratica necessarios a vida cotidiana. Este também 6, no entanto, ‘© nivel de educagao matematica necessario para ler o Propositiones ad Acuendos Juvenes. Os documentos mais antigos do continente europeu que felam de Algebra séo: o ibérico Liber Mahamaleth, que comparilha passagens tanto do De Divisione Prilosophiae(, send posterior a 1.180 6.C., quanto com a regra de trés ou regula del chatana toledana, atbulda com preciso 2 Johannes Hispalensis e escrita por volta de 1.147 «..; 0 Liber algebre, elaborado por volta de 1.145 4.C. pelo arabista inglés Robert de Chester; ¢ um terceiro escrito por volta de 1.170 4.C. pelo tradutor italiano de obras cientificas Gerardo de Cremona, todos os trés do século XII d.C. Passando para o século Xl d. C, vamos encontrar no ano de 1.228 4.0, 0 capitulo de dlgebra do Liber Abbaci de Fibonacci (a primeira edigéo de 1.202 provavelmente era muito semelhante, mas n&o se sabe quao similar). CContemporéneo ao Liber Abbaciteros também o De Numeris Datis, escrito por vola de 7.225 d.C., do estudioso e matematico (possivelmente italiane) Jordarus Nemorarius, ainda que na obra ele evitasse de falar explicitamente sobre algebra, mas 5 x216= z ‘© que nos leva a: A segunda formulagao &: P 8 > BrP Qa 5x 216=P Resolvendo’ 8 2 = 216=P 3 8x72=P? S16 =P? P= 376 =24 Em nosso senso comum este exemplo pade ser visto como dlgebra elementar, mas certamente nfo era entendido como algebra no século XIl, Outro exemplo semelhante no capitulo seguinte do Liber Mahamalethtrata do mesmo assunto, agora com coisas: 4 ly 20+2tes — Dres+3 ‘Onde a palavra latina res significa coisa, ou para a Algebra moderna, o x, De inicio, 6 feito o seguinte arranjo numérico, trabalhando-se com os numeradores de ambas as fragées: a= 1 2 4 20420 (res +3) x22 Resultando: 4 4 Wr 2K Tres + 02s Shires +8 Levando a: 1 20+ 21e5 = 55 res +8 Resolvendo 20-8 = $= res-2 res K 16 12= > res~2 res 16 res 12= Gres 36= 10 res 18 0S Para outros tépicos dléssicos de mu'amalat (lucro e juros, parcerias, etc.), encontramos sucessivas sequéncias de problemas, envolvendo, por exemplo, soma, subtragao e produto de capital ¢ lucro, muitas vezes construidos de acordo com a aplicagéo da tooria das proporgdes. interessante observar que as fragdes so escritas ao estilo de Magrebe, com numerais hindus ¢ linhas para representar as fragées, como se faz ainda hoje. Também sdo abundantes os cAlculos efeluados as margens do texto principal, dentro de molduras retangulares, de modo similar aos célculos nas lousas de argila (as chamadas awha). J8 0 texto de Gerardo de Cremona é uma tradugao flel do manuscrito de al-Khwarizmi, na medida em que nao existe numeros hindus nem linhas de frago, sendo tudo completamente verbal, Robert de Chester utiliza numerais hindus em sua tradugo, mas tirando isso © restante do texto também 6 completamente verbal. Por outro lado, atribui-se ao De Numeris Datisde Jordanus Nemorarius a primeira ocorréncia de uma algebra simbélica; de fato, ele emprega letras na representagdo de niimeros. Observe o exemplo seguir: ‘Se um dado nimero &dividido em dois e se o produto de um pelo outro é dado, eada um deles também seri dado por decorréncia, ‘Seia 0 niimero dado abe dividido em ab ec, ¢ seja 0 produto de ab com e dado por de de modo anélogo seja 0 produto deabe consigo mesmo ‘como e. Entdo o quidruplo de d é tomado, que &f- Quando este & retirado de e, resia g, ¢ este serio quadrado da diferenca entre ab e ¢, Portanto a raiz de g & extraida, ¢ela seré b, a diferenca entre ab ec. E como b ser dado, e ¢ ab também sero dados. E possivel observar que Jordanus nao opera em seus simbolos, pois cada célculo conduz a introdugéo de uma nova letra. Logo, ‘© que Jordanus inventou fol a representagao simbélica de um algoritmo, Uma pagina do “Manuscrito Jerba” de ibn al-Haim. Observe a farta quantidade de céculos marginais ao redor do texto principal. O Liber Mahamaleth possui essa caracteristica ‘A notagao de Magrebe persiste em um texto andnimo escrito por volta de 1.300 que contém uma segao denominada Qualiter figurentur census, radices et dragma (Como sao representados os censos — x’, raizes ~ x e dragmas - inteiros neste caso). Nosse manuscrite, conso é escrito coma ¢, raiz coma F e dragma coma d ou apenas um niimero, como se pode abservar abaixo: A esquerda: trecho do manuscrto andnimo datado por volta de 1.300, Lyell $2, Bodleian Library, Oxford. A direita a tradugio deste trecho; observe como eram escritos os numerais 4 eS ness texto. Se um elemento da equacao é negative, um ponto & colocado abaixo dele. Os simbolos aritméticos so escrtos abaixo dos cosficientes, ao estilo de Magrebe. As linhas verticals, da esquerda para a direita, so traduzidas e representadas pelas seguintes equagées: 2.censos menos 3 raizes 2 V3 2 censos menos 4 dragmas 2x? =4 5 raizes menos 2 censos V5-2x? 5 raizes menos 4 dragmas \5-4 Fora desta sogao essa notagao nao 6 utlizada, 0 que indica que seja algo que o autor do texto aprendeu alhures © que, como ele afirma, faciita 0 ensino do célculo algébrico. Existem ainda referéncias nao apenas a operagbes de soma e subtragao, mas também de multipicacao, estabelecendo neste iltime caso apenas as muliplicagées de coisa com colsa (x x x) @ de coisa com niimero (x x 2, por exemplo). Trattato di praticha d'arismetriche, de Benedetto da Firenze. A imagem mostra a pigina 114, que contém wm trabalho em aritmética mercantil, com uma discusséo da regula del chataina (em vermelho), ow regra da cadeia, usada no cdilculo de taxas de cambio. ‘A notagao algébrica se apresenta com poucas alteragées por volta de 1.460 quando Benedetto da Firenze, ou Maestro Benedetto, conclui seu trabalho intitulado Trattato di praticha d'arismetriche, um volume de 500 paginas dos quais: +O capitulo Xitl contém uma introdugao do autor sobre a algebra, comegando com um excerto de 23 linhas de uma tradugio de 1.250 de Guglisimo de Lunis (agora perdida), de al-Khwarizmi , seguido das bem conhecidas nomenclaturas para as seis poténcias fundamentais de uma incégnita - acompanhada de suas provas geométricas — tais como as que sequem: censo = x? cubo = x? censo di censo = x* +O capitulo XIV apresenta uma sequéncia de 140 problemas numéricos derivados de um manuscrito perdido denominado Trattato ai Praticha, escrito pelo mestre florentine Biagio, falecido por volta de 1.340. Vinte e oito destes problemas sao mercantis, Os demais so teéricos, todos conduzindo a equacdes algébricas pertencentes a tipos solucionados por Benedetto nos exemplos fornecidos no capitulo Xill ‘+ Finalmente, 0 capitulo XV contém uma tradugao para 0 italiano do capitulo de algebra do Liber Abacide Fibonaci Aadiclonado de “alguns esclarecimentos, especificagio das regras em relacdo aos casos apresentados no capitulo XII e a complenude dos cileulos, que o antigo mestre geralmente negligenciava, indicando apenas os resultados”, bem como uma colegao de problemas copiados de um tratado algébrico escrito por volta de 1.380, pelo algebrista italiano Anténio de Mazzinghi © simbolismo algéerica de Benedetto pode ser resumido a isto: usa um simbolo parecido com p ou ¢ para conso, e a raiz & abreviada no texto corrente com o simbolo: Interessante observar que Luca Pacioli praticamente fez uma cépia literal do método de solugdo algébrica de De Mazzinghi em seu Summa de arithmetica geometria proportion! et proportionafta, escrito em 1.494, sem grandes alteragdes na notacao algébrica adotada, Por outro lado, na Franga, 0 matemético Nicolas Chuquet escreveria dez anos antes do Summa (1.484) 0 seu manuscrito Triparty en Ja science des nombres, que no foi publicado enquanto estava vivo; a maior parte dele, porém, foi copiada sem atribuigao da autoria por outro matematic francés, Estienne de La Roche, em seu livro /Arismetique, de 1.520, Esta obra apresenta uma notagao algébrica diferente das anteriores, ao utlizar-se de expoentes: Na tlm linha da imagem acima, teros R4S4f.R?.980. Cua transcrigéo para a nomenclatura atual resulta 54+ 580 Uma profusdo de experiéncias notacionais matematicas surgiria a partir do século XVI, como é 0 caso do uso de mais de uma incégnita em expressées algébricas, tal qual na obra Practica arithmeticae et mensurandl singularis( 1.639) do matematico italiano Girolamo Cardano, indicada abaixo. Fragmento do Practica Arithmeticae, de Girolamo Cardano. (© texto original de Cardano, indicado na figura acima, ¢ sua respectiva notagao algébrica moderna, so as seguintes: Tco.zequales151.p.27.qua T= 1514219 lal 10co.2equales1018.p.18.qua lox = 1018 + 18y 7 co.cequales21 4/7.p.3 617 qua b uate . au x=214/7+3 6/7y bl 1 co.eequales101 4/5.p.1 4/5.qua x= 101ais+14sy 80 8/3Seequalia2 2/35qua. 80 8/35 = 2 2/35y [cl 35 35 2008.2equalia 72.qua. [a] 39. Valor qua. Em [a], Cardano inicia 0 calculo apresentando duas equagdes com as duas incégnitas x e y. Em [b], cada equagdo é dividida pelo respective niimero que multplica a incégnita x. Em [c], as duas equagées séo igualadas em x, isolando-se © somando-se os numeros a esquerda da equagio e, do mesmo modo, isolando-se e somando-se as varidveis em y A direita, Na linha abaixo, 0 numero 36 indica que ele sera multiplicado em ambos os lados da equagio, de modo a eliminé-lo dos denominadores. Finalmente, em [d] temas uma equago linear em y e seu respectivo valor na linha abaixo: 39. Por outro lado, para a nomenclatura adotada por Stifel,indicada na figura abaixo, a linha destacada em amarelo contém as letras A e B para defiir as incégnitas, do mesmo modo como definimos x e y. gn aby pronation his Volo totale rast. Waal nfo oa 4 : ae rane BRR ARs, quantum 134 in fe sagpembpla actin 1a, facit,quantam 12243 infes Fragmento do Arithmetica Integra, de Michael Stife. O texto é 0 seguinte: Volo multplicare 2A in 98, lunt 27AB, hoc est, 27 mutilicatae in 18. E na linha destacada em azul, temos 2sp fazendo as vezes de 2y% ¢ 4Az fazendo as vezes de 4x2, O texto 6 0 seguinte: Volo muitplicare 2ep in 4A, funt BepAs, hoc ost, Bzp mutiplicatiin 1 Ay. Entao, na linha destacada em amarelo, em lgebra moderna, Stifel estar estabelecendo a seguinte regra mulilicativa ‘Ao mulilicar 3x com 9y faz-se 27xy, que 6 27x multiplicad por y. E nalinha destacada em azul, Stfel estabelaceria a seguinte regra multiplicativa em Algebra moderna: ‘Ao multipicar 2y? com 4x? faz-se ay°x°, que é By’ multiplicado por 1x2. Percebe-se claramente certa ambiguidade de Michael Stfel no uso e aplicagao das mesmas varidvels com simbolos diferentes, pois na primeira frase B seria y e na segunda frase ep toma-se y*; de modo andlogo, A na primeira frase seria o nosso x e na ‘segunda frase Ay toma-se © seu quadrado (x2), Outro matematico que desenvolveu uma curiosa nomenclatura algébrica fol o italiano Francesco Ghaligai em sua obra Pratica d’Arithmetica, de 1.552. Duas paginas do livro Pratica d'Arithmetica, de Francesco Ghaligai. Observe na figura acima, a esquerda, a simbologia por ele adotada para designar as poténcias de uma incégnita: a abreviagio n® para niimero, um estranho simbolo que fica entre um zeta @%) € um sigma (s) gregos para cosa(colsa, ou 0 nosso x), seguido de um quadrado para censo (ou x*), dois quadrados alinhados horizontalmente para cubo (ou x) assim ‘sucessivamente para outras poténcias: relato para x°, pronico para x7, tromico para x"' e dromico para x"%, Note que as poténcias definidas com simbolos especificos sdo todos nimeros primos. Na pagina a direita Ghaligal ilustra o uso de sua notagdo para calcular poténcias de 2, sequencialmente, até a décima-quinta poténcia, Em 1.553 surge a primeira obra sobre ‘Algebra em alemao: © Die Coss, cujo autor — Christoff Rudolf (1.499 a 1.545) - desenvolveu uma notagao algébrica onde um dos ‘simbolos por ele idealizado tornou-se um padrio na linguagem matematica modema, que é o simbolo de ralz, ~~ Leemplum gvon Jar. Addie die quadrat facit 34 _ Multiple 9 mers. fact 2256 Reena Sr ences quadrata aus goo Foe von bleyben 4. Daraufs radix risen bie Be vil bleybt warn ich fubtrabir von J25, d1¢ #Lzempla von Communicantens 118 von dso « facit Js ‘Trem Vs von Jizs. finit J2o Fragmento do Die Coss, de Christoff Rudolff. com o simbolo de raiz quadrada. ae $8 = 6 Observe o contetido do texto destacado pelo retangulo rosa VIR von V30 « facit VB ‘Traduzindo para a Algebra moderna, temos: V50-VIR=V8 ‘A explicagao dada por Rudolf, apresentada no pardgrafo acima do exemplo dado, demonstra um cutioso método para efetuar a subtragao entre raizes quadradas. Para chegar ao resultado deste exemplo, primeiro ele soma o contetido das raizes: 50+ 18 = 68 Em seguida, ele multiplica 0 contedde das raizes entre si 5018 = 900 Na etapa seguinte, ele multiptica 900 por 4 900 «4 = 3600 ‘Agora, ele extrala raiz quadrada deste novo numero: ¥ 3600 = 60 Depois, ele subtrai 60 do resultado da soma dos contetidos originals das ralzes, que 6 68: 68-60 = A raiz quadrada de 8 constitui a subtragao entre V/50 © V18. De fato: 50 =7,071067, VIB =4,242640. 828427... = V 50 -V 18 UOUIMULTO LEGAL ESSE METODO DE SUBTRATR RAIZES! Apesar de muito interessante, infelizmente nem sempre se consegue obter quadrados perfeitos com este método... Rudolf também aborda em Die Coss a solugdo de problemas algébricos quadraticos utilizando o método da completude do quadrado, cconforme ilustrado abaixo. Note a vigorosa influéncia arabe na matematica européla em plena Renascenca, mesmo apés mais de 700 anos da publicagdo da memoravel obra Al-Kitab al-muhtasar fi hisab al-gabr wa--mugabala, de al-Khwarizm Derandernondrafhid Fol. 60 SS alfo in wie a 08 %— oot § cits 20,8 Dei muteis plicit A in D wit mule w Bin fotompe ee da vongnug ane geryst. Fragmento do Die Coss contendo solugdo algébrica pelo método da completude do quadrado, ‘A-exemplo de seu conterraneo Michael Stifel, 0 alemio Rudolff também utiliza o simbolo y para descrever a incégnita xe 33. para descrever 0 x2. A direita do quadrado observa-se a seguinte equacao: 208s ~ ly sind gleych 9216 Que na notagao algébrica moderna indica uma expresso quadratica, obtida através da multiplicagao entre as partes que compdem quadrado, algo diferente da técnica de al-Khwarizmi (208 - x) « 1x = 96 «96 = 208x—x? = 9216 De fato, © matematico nomeia essa técnica de solugio da completude do quadrado (sem nenhuma modéstia) de Regra Cristéfora, Em 1.559 6 a vez de 0 matemético francés Jean Buteo langar seu livre Logistica com uma nomenclatura algébrica propria e expresses com mais de uma incégnita Fragmento do Logistica, de Jean Buteo. No retangulo verde destacado acima, a primeira linha esté assim representada: 3A, 12B, 3C [96 ‘Que em notagio moderna poderia ser expressa como: 3x4 [y+ 32-96 A virgula representa, para Buteo, o sinal aritmético da soma. A segunda linha em notagae modema fica Bxt+y+7=42 Um trago longo indica que outra operagao aritméltica serd executada entre as duas expressées: subtrag3o que, entretanto, néo & indicada por nenhum sinal aparente, Para além da propria explicago de Buteo no texto & esquerda, o resultado indicado na terceira linha 6 auto-explicativa, pois indica que a primeira expressao fol subtraida da segunda, restando: lly +22= 54 Vejamos a sequéncia completa do exercicio proposto: 3A, 12B, 3C [ 96 ax+ Lay +32=96 lal 3A, 1B, 1C [ 42 Sxtytz=42 11B .2C [ 54 lly +22= 54 [b) 3A..3B.15C [ 120 3x+3y 4 152= 120 [cl 3A.1B. 1 [ 42 axtyt2=42 2B. 14C [ 78 @ ly+22=54 22B . 154C [ 858 22y + 1542 = 858 lel 228 .4C [ 108 22y + 4z= 108 150¢ [ 750 1502 = 750 ft Em [ale (c] quatro expressdes algébricas com trés incégnitas so apresentadas. Em [b] temos o resultado da subtragio das duas ‘expressbes indicadas em [al; de modo andlogo, [d] 6 0 resultado da subtracao das expressGes indicadas em (c]. Em [e], a primeira expressao 6 o resultado obtido em [a] multipicado por 11 @ a segunda expressdo 6 o resultado obtide em [b] multiplicado por 2, Em [f] as expressdes indicadas em [e] S80 subtraldas, Observe que 0 método utllizado por Buteo visa eliminar as incégnitas até que reste apenas uma (neste caso, a variavel 2), cujo valor passa a ser conhecido, Substituindo-se o valor de z em qualquer uma das expresses indicadas em (b] ou (d] permitié encontrar o valor de y. Finalmente, subsiituindo-se ze y em {qualquer uma das quatro expresses indicadas em [a] ou [c] permitira encontrar 0 valor de x, tal como aprendemos até hoje na ‘escola, Observe no texto original que a virgula 6 substitulda por um ponto para indicar somas, como se pode observar no Conjunto de equagées de [c] a [e]. E mais provavel que isso se deva a uma falha de atengo do tipégrafo que algo intencional da parte de Jean Buteo; naquela época a impressio de livras era algo ainda recente e erros tipagrétficos eram muito comuns & constantes. Outro matematico que também se ulliza de nomenclatura prépria para descrever equagdes quadraticas e cibicas 6 0 portugués Pedro Nunes em sua obra Libro de algebra en arithmetica y geamotria, de 1.567. O matemitico portugués Pedro Nunes. DESTA OBRA, 23 facaremos el menor numero del mayor, fifue- rentdefiguales,y lo que reftare feralo que vale la - stima. La qual fera nombrada como la mayor quantidad,de que la menor fe faco, ¥ fi fueren’ wales,la stima fera vna gifra. La palabra mas le elcriue affi p. y la palabra menos affi m.y ter. nemos en lamemoria,q aun que no feexplique efta palabra mas,como no fe declarare q es me~ no$, luego fe entiende que es mas. Exemplo defta 35.p. 10. co- p. 4. ce. Regla . ish 12. CO. e 9.0. Stima 75. p. 22. CO. p. 11, Ce Otroexemplo 30. P- 150 C0. Bo 2» Ces 1h, 3. cu, . §o.m. 13. CO.m, 5. CG, My 2 Cle Stima 110. p. z. CO. m. 5.Ce, ms 5, Cue Fragmento do "Libro de algebra en arithmetica y geometria”, de Pedro Nunes, soma de polindmios no fragmento indicado na figura acima, tanto na linguagem de Nunes quanto Exemplo — desta 35,f.10.c0.f.4.ce 35+ 10x+4x? 40,p.12.c0.j.7.ce 40+ 12x + 7x? Re. fal gra Soma ~ - 15.f.22.c0.p.11.ce 7S + 22x + 11x? Outro . 5 exemplo 30p.15.c0.p.2.ce.fi.3.cu 30-4 15x-42x? 3x3 80.f8.13.00.18.5.ce, 1.2.00 80 13x= 5x? = 23 [b) Soma 110.5.2.¢0. 11.3.8. 1.5.cu. 110+ 2x—3x? = 5x? vagdes olibicas em que ha termos positives & os sinais aritmet Ysifueren yguates, la suma sera una cifra ‘Que em portugués se traduz por: E se forem iguais, a soma seré uma cfra Aqui, cifra @ a antiga denominagao em portugués para o numeral zero! Em 1.572 6 a vez de o italiano Rafael Bombelli publicar ‘sua obra, 0 L’Algebra opera, onde inova na notagdo algébrica para descrever as incégnitas e suas respectivas poténcias. FE | Hea pa aes enienne ii Fragmento da obra L'Algebra opera, de Rafael Bombelli. A expresso matematica destacada pelo retangulo vermelho &: La p.R.q.8.p.3.p.3.p.R.q.8. Eguale a 23.p.R.q.8. Cuja notagao, traduzida para a moderna, resulta: xP eV Be + 2x34 VE Observe esta simbologia ‘Aqui, o niimero 1 representa o inteiro que € multipicado pela incégnita. E 0 numero 2 corresponde & poténcia da incégnita, ou sea, trata-se de 1x2. Veja este outro exemplo: Neste caso, 0 niimero 8 representa o inteiro que € multiplicado pela incégnita, E © niimero 1 representa a poléncia desta incégnita, ou seja, trata-se de 8x. Semelhante a nomenclatura de Nunes, p coresponde 20 sinal aritmético da ‘soma, m corresponde ao sinal aritmético da subtragao e R.q corresponde @ raiz quadrada (quando Bombelitrabalha com ralzes ‘cdbicas, © simbolo muda para R.c). Em 1.585 oulra obra matematica com uma notagdo algébrica peculiar 6 publicada: © L’arthmétique, do flamengo Simon Stevin, semelhante a adotada para poténcias em fragbes e devidamente descrita em outra obra de sua autoria nesse mesmo ano, 0 De Thiende, tema este jé abordado no capitulo Os nimeros racionais emnotacao decimal, no terceiro volume desta série, Fragmento da obra L'arithmétique, de Simon Stevin. Na caixa marrom em destaque na figura anterior, temos: Ergo 1 @-6 © H12 © -8, seront egales a 12 © -392. ‘Que traduzindo para a notagao algébrica modema, fica 3 6x2 + 12x-8 = 12x +392 Nota-se nesta nomenclatura 0 uso consolidado dos sinais aritméticos da soma e da subtrago, com a incégnita ¢ suas poténclas, representadas por nlimeros dentro de circulos. Porém, em 1.591 surgiré uma obra que mudaré os rumos da matematica, pelas mos do matematico e advogado francés Francisco Vieta (no original: Francois Viste), inltulada in Artem Analyticem Isagoge (Na arte analitica) O matemético e advogado francés Francisco Vieta A arte analitica de Vieta compreendia trés etapas: a primeira, denominada zetética — que se traduz por um método de investigagao ou conjunto de preceitos para a resolugao de um problema, seja ele malematico ou geomeétrico ~ é transcrito neste novo sistema simbélico ou semitico, por Vieta designado logisticae speciosailogistica bela), na forma de uma equagao. A ‘segunda etapa, denominada poristica - que se traduz pelo problema que tem por solugao uma verdade que se tira do proprio. ‘enunciado ~ as equagées previamente estruturadas so transformadas de acordo com regras em formas canénicas. Finalmente, na tercelra etapa, denominada exegética ~ que se traduz por um comentério ou dissertagao para esclarecimento ou minuciosa interpretagao de um texto ou uma palavra ~ uma solugéo para 0 problema é encontrada com base nas equagdes derivadas previamente das regras canénicas. Como o préprio Vieta enfatiza, nesta terceira etapa o analisia tornase 0 gedmetra, “executando uma vendadeira construcdo” ou 0 aritmético, “solucionando numericamente qualquer poténcia [algébrica]". Vieta ‘ensinou sua arte em olto ensaios publicados entre 1.591 e 1.631, agregando-os em um Unico volume, © Opera Mathematicao (As Obras de Matematica), em 1.646, Tanto na introdugao do In Artem Analyticem, quanto na dedicatéria que a precede, Vieta destaca a estreita conexéo entre a sua arte © os trabalhos gregos classicos, destacando-se o conceito do método analitico aplicado & geometria, como delineado por Papus em seu sétimo livro da obra Coleco Matematica, 0 tratamento de problemas aritméticos estabelecido por Diofanto, usando letras tanto para incégnitas quanto para suas poténcias, em seu Artmética, e ainda fa teoria geral de proposigées de Eudoxo, como apresentado no Livro V do Elementos, de Euclides. Vieta visava fornecer um método geral de solugéo tanto para os problemas artméticos abordados por Diofanto quanto para os problemas geométricos discutidos por Papus; observe abaixo este fragmento do Opera Mathematicas: Exemplam i quadrats. Poverty A oad. + Bia A 2. gan plano: quonam peta cheatcarm Re fine, Sian 5 dcatam adfedum fabluete, omeino equiias plaineticaett alondere efi. clue. temaffeQio ila adfirmata,itaque plalina fat per additionems femidis co¥ficientisfabla- tere, prout conditio quadeati, que poteftaseft rationis duplicate expolcit. Na primeira linha, temos a Seguinte equagéo: A quad. + Bin A2, wquariZ plano A logistice speciosa que Vieta introduz em sua arte analitica faz uso de dois diferentes tipos de letras malisculas: vogais para incégnitas e consoantes para pardimetros conhecidos do problema. Assim, 0 termo A quad.corresponde ao nosso x2. O termo B Jin A 2 pode ser traduzido como 2Bx, onde B assume um valor conhecido a prior. O termo asquari equivale ao sinal aritmético de igualdade (=), Por fim, a consoante Z seguida da palavra indicativa da espécie (plano) possui fungao especifica na arte de Vieta: ‘como exigido pela lei da homogeneidade, em que “termos homogencos devem ser comparadas ene si", a palavra serve para lembrar © analista de que, se na titima etapa de solugio de um problema (exegética) ele se tomar um geémetra, a consoante Z deverd ser substitulda pela magnitude correta, © que significa dizer que somente uma figura plana (por exemplo: um quadrado, ou um {riangulo) poderé substituir plano; de modo andlogo, o parametro B seria um comprimento. Por outro lado, se o analista tomar-se um aritmétice, qualquer niimero poderd substiuir as consoantes B e Z. Algebricamente falando, a expresso de Vieta seria {ranscrita em notagae medema como: x? +2Bx AA diferenca, para nés, 6 que nao importa se a expressao algébrica acima estard lidando com geometria ou aritmética, pois ola se presia igualmente bem a ambas. Observe este outro exemplo: EQVATIONVM ug a ‘Exemplam ia cxbe. Re ‘A cuba: + Bio A. Dy in Ay: nate ets i. Pretimntedngnipucremtiguueen orem ce Wanleve eda eh sem sds le ani aretha Na primeira linha, temos a equagao Acubus+ Bin A quad.3+ D plano in A, equari Z solide Aqui, temos a vogal A operando como incégnita, as consoantes B, De Z como valores conhecides a priori e, no geral, uma ‘expressao ctibica, que em notagSo algébrica modema poderia ser transcrita como: x0+3Bx? +Dx=Z Mais uma ver, a logistice speciosa de Vieta estabelece que, se 0 problema for geométtico, B serd um comprimento, D sera uma area @ Z seré um volume; por outro lado, se 0 problema for aritmético, B, D ¢ Z sero to somente nimeros. A logistice speciosa, por assim dizer, no € uma linguagem matemética estritamente falando, mas sim um célculo néo interpretado, uma fetramenta para encontrar respostas onde nem os problemas nem suas solugdes podem ser formulados. Vieta conclu seu raciocinio afimando que “A arte analitica reivindica para si mesma o maior problema de todos, que ¢ resolver qualguer problema’. Mas 0 matematico que traria a somiética matematica para um novo e superior patamar foi o francs René Descartes, com sua obra Discours de la méthode (Discurso sobre o método), publicado em 1.637 em conjunto com outras tr8s obras (A Dioptria, Os ‘Meteoros e A Geometria), © cuja inspiragao para elaboré-a teria tido inicio a partir de certos fatos ocorridos em 10 de Novembro de 1.619, assim narrados por Descartes: “Durante a noite tive trés sonhos consecutives, que julguei sé poderem ter sido inspirados por um poder superior. Tendo caido no sono, “Imagine ter visto fantasmas e fiquelaterrorizado por tais aparigSes, Vieme andando através de ruas ¢fiquei tio horrorizado pelas visbes que tive de me curvar para o lado esquerdo para aleancar meu objetivo, pois sentia uma grande fragueza do lado direito,sendo incapaz de manter- ‘me em pé. Envergonhado por ter de caminkar dessa forma, fiz grande esforco para endireitar-me, mas fi apanhado violentamente por unt ‘vento, como um redemoinho, que me fez girartrés ou quatro vezes sobre meu pé esquerdo. Nao fo isso, no entanto, 0 que me assustou mais. Eu ‘achava tio dificil avancar que tinka medo de cair a cada passo até que, percebendo abertos {os portdes} de um colégio em meu caminho, ‘entre, procurando refigio ¢ auxilio em minha aflcdo. Esforcei-me para alcancar a capela do colégio, onde meu primeiro pensamento foi rezar; todavia, percebendo que havia passado por um conhecido sem havé-lo cumprimentado desejei, por polides, voliar para fazé-, (Tlentando fazé-o, no emtanio} fui atirado para tris com violéncia pelo vento, que soprava através da igreja. No mesmo instante notei outro Ihomem na patio do colégio, que me chamou delicadamente pelo mew nome e me informou que, se eu estava & procura da St N, ele tnha algo ‘Para mim. Tive a impressdo de que tal objeto seria wm melio que havia sido trazido de algum pais exético. Grande foi meu espanto quando reparei que 0 povo que havia se aglomerado em torno do homem para conversar enire si era capas de manter-se firmemente em pé enquanto ce, no mesmo local, tna que caminkar curvado ¢ de modo irregular, ainda que o vento, que havia ameacado derrubar-me por virias vezes, tivesse enfraguecido consideravelmente. Neste ponto acordei, sentindo uma angistia definida. Eu temia que ela fosse 0 efeito dos maus cespiritos, determinados a desviar-me do caminho, Imediatamente, deitei-me sobre meu lado direito, pois havia sido sobre lado esquerdo que ‘ume livre apareceu, 120 novo para mim quanto o primeiro,e de origem igualmente desconkecida. Notei que era uma colegao de poemas de diferentes autores, intitulado Corpus latinorum. Fiquel curioso para saber 0 conteido, ¢ ao abrir o livro meus olhas cairam sobre a linha "Quod vitae sectabor iter?” (Que caminko seguirei eu na vida?). Ao mesmo tempo, vium homem a quem ndo conhecia, que me mostrow um ‘poema comecando com as palavras “Est et non” (Sim e nao), exaltando sua exceléncia. Respond que conhecia o pooma, que estava entre o: ldilios de Ausénio (poeta e politico romano}, ¢ estava incluido na grande coletinea que estava sobre a mesa. Quis mostré-lo ao homem e comecei a virar as paginas, gabando-me de conhecer-hes perfeitamente a ordem e 0 arranjo. Enquanto procurava, 0 homem perguntowsme onde havia conseguido o livro, Respondi que ndo seria capaz de dizer onde o havia conseguido mas que, um segundo antes, tvera outro livro ‘em minhas mos, que acabara de desaparecer, sem que soubesse quem o hava trazido ou levado embora. Mal terminara de falar quando 0 livro reapareceu no outro lado da mesa, Yerifiguei, no entanto, que o dicionéria néo mais estava completa, embora antes parecesse sé-lo, Enquanto isso, encontrei Ausénio na antologia de poetas; mas, sendo incapas de encontrar o poema comecando por “Est et non", disse ao Ihomem que conhecia um poema ainda mais bonito do mesmo autor comecando por “Quod vitae sectabor iter?” O homem pediume para vé-~ 1, € eu estava diligentemente procurando por ele quando me deparei com alguns pequenos retraios de gravuras em cobre que me fzeram maravithar-me ante a beleza do livro; todavia, néo era a mesma edigio que eu conhecia. Nesse panto, homem ¢ livros desapareceram ¢ sumiram dos olhos de minha mente, mas ndo desperte O mais notivelé que, em divida se essa experiéneia inka sido wm sonho ou uma visi, do somente decidira, ainda adormecido, que se ratava de um sonho, como também o interpretara antes de acordar. Conclui que 0 dieionério significava a conexdo entre todas as ciéncias e que toda a colegdo intitulada Corpus Poetarum apontava particular e claramente para a intima unido entre filosofa e sabedoria, pois pensei ndo haver surpresa na descoberta de que os poctas, mesmo aqueles ewja obra parece ser um tolo ‘pastatempo, producem pensamentas muito mais profundos, sensatas € melhor expressos do que as encontvades nos escritos dos flésofas Arribui essa maravitha & divina qualidade do entusiasmo e ao poder da imaginaso, que permite é semente da sabedoria (existente nas mentes de todos os homens como as centelhas de fogo na pederneira) germinar muito mais facilmente e mesmo com maior esplendor do que a razdo” dos filisofos. Prosseguindo com a interpretagito em mew sono, conclul que © poema sobre “que caminho seguirel eu na vida", comecando com "Quod vitae sectabor iter”, apontava para o sélido consetho de um sibio, ou mesmo para a Teotogia Moral. Ainda em diva sobre se estava dormindo ou meditando, acardei pacificamente e com os olhos ahertos continuei a interpretar mew sonko, dentro do mesmo espirito. Os poetas representados na colecdo de poemas interpretei como a revelagao eo entusiasmo que me haviam sido concedidos. O poema ‘Est et non” que &-0 "Sim e nto” de Pitigoras, entendi como sendo a verdade e o erro de todo conkecimento humano e da ciéncia profana Quando vi que todas estavam to satsfatoriamente se conformando aos meus desejos, ousel acreditar que era 0 espirto da verdade que desejava, através desse sonko, revelar-me os tesouros de todas a cigncias. Nada mais havia a ser explicado a nao ser os pequenos retratos em cobre que encontrara no segundo livre, os quais ndo mais procurei elucidar depois de receber, no dia seguinte, a visita de um pintor italiano.” © caminho flosético percorrido por Descartes & longo e inicia-se, simbolicamente, com os flésofos gregos pré-socraticos, assim enominados naturalistas ou fl6sofos da natureza, pols buscavam o principio das coisas (arché) nas marifestagées fisicas (physis) como realidade primeira, orgindriae fundamental. Ao observarem que a aparéncia (phainémena) das colsas mudava, 30 se questionarem sobre o que @ coisa que muda realmente 6, concluitam que seria a substéncia: 0 principio das coisas que ppermanece imutével, mesmo na mudanga, aquilo que realmente existe. Faziam parte desse grupo: ¥ Tales de Mileto, para quem 0 arché seria a Agu: ¥ Anaximandro de Mileto, discipulo e sucessor de Tales, para quem nosso mundo seria apenas um entre uma infinidade de mundos que evoluiam e se dissolviam em algo que ele denominava ilimitado ou infnito (e cujo elemento basico, portanto, talvez nao fosse algo tao simples quanto a gua); ¥ Diégenes de Apolénia, para quem o Gnico principio primordial seria o ar, buscando explicar os mais variados fendmenos a partir del ¥ Demécrito de Abdera, que acreditava que todas as coisas seriam formadas por uma infinidade de ‘pedrinkas mimisculas, invisiveis, cada uma delas sendo eterna, imutavel eindivisivel", 88 quais denominava Stomos; ¥ Parménides de Elgia, para quem “nada nasce do nada nada do que existe se transforma em nada" @ que as transformagSes ‘que se podiam observar na natureza nao seriam mudangas reals, mas aparentes; Y Entre outros flésofos, tais como: Anaximenes de Mileto, Herdclto de Efeso, Empédocies de Agrigento e Xendfanes de Coléton, Para este grupo, a apreenséo, o estudo @ 0 entendimento do principio das coisas flavam-se nos sentidos, excecéo feita a Parménides, que passou a confiar mais na razéo como fonte priméria de nosso conhecimento do mundo, dando origem 408 racionalistas. Uma ruptura com este viés filoséfico surge com Plato, dliscipulo de Sécrates, para quem 0 niimeno (ou realidad superior), que é abstrato, no material — porém substancial — elemo e imutavel, é que seria dotado do maior grau de realidade endo o mundo material, mutével, conhecido por nés através das sensagées. Haveria assim um mundo das idéias, que conteria a forma pura @ essencial de todas as coisas do mundo material, dos objetos comuns (coisas ou seres), que herdam os atributos — forma e esséncla ~ de mado rudimentar e inferior, segundo esse principio, somente o estudo das formas no mundo das idéias (residindo no mundo inteligivel, fora do tempo e do espago e néo no mundo sensivel ou material) levaria o individuo ao conhecimento verdadeiro. Para ilustrar alguém que alcance a luz da verdade através do conhecimento, libertando-se da ‘escurido da ignordncia em que se encontra aprisionado, Platdo faz uso da alegoria da caverna, descrito no Livro VII de sua obra A Republica, assim descrita: [No interior da caverna permanecem seres humanas, que nasceram e eresceram ali, Ficam de castas para a entrada, acorrentadas, sem poder ‘mover-se,forcados a olhar somente a parede do findo da caverna, sem poder ver uns aos outros ow a si préprios. Atris dos prsioneiros ha uma fogueira, separada deles por uma parede baixa, por detris da qual passam pessoas carregando objetos que represeniam "homens e outras coisas viventes". As pessoas caminham por detras da parede de modo que as seus corpos nao projetam sombras, mas sim os objetos que carregam. Os prsioneiros nio podem ver o que se passa atrds deles e véem apenas as somibras que so projetadas na parede em frente a eles. elas paredes da caverna também ecoam as sons que vém de fara, de mado que os priionetros, assaciando-os, com certa razio, ds sombras, ensam ser eles as falas das mesmas. Desse modo, 0s prisioneiros julgam que essas sombras sejam a realidade. Imagine que um dos prisioneiros sejalibertado ¢ forcado a olhar o fogo e os objetos que faziam as sombras (uma nova realidade, um conhecimento novo). A luz Iria ferir os seus olhs e ele ndo poderia ver bem. Se Ihe disserem que o presente era real e que as imagens que anteriormente via ndo 0 eram, cle néo acredtaria. Na sua confusio, o prisioneivo tentaria voltar para a caverna, para aguilo a que estava acostumado e podia ver. Caso ele devida voltar & caverna para revelar aos seus antigos companheiros a situagdo extremamente enganasa em que se encontram, os seus olhos, ‘agora acostumados @ lz, ficariam cegos devido a escuriddo, assim como tinkam ficado cegos com a luz. Os outros prisioneivos, ao ver ist, conctuiriam que sair da caverna tinha causado graves danos ao compankeiro e, por isso, nao deveriam sair dali nunca. Se o pudessem fazer ‘matariam quem tentasse tiré-los da caverna. O mito da caverna, de Platao. Platdo nao buscava as verdadeiras esséncias na simples physis, como o fizeram Tales, Anaximandro, Didgenes, Demécrito & seus seguidores. Sob a infuéncia de Sécrates, ele buscava a esséncia das coisas para além do mundo sensivel. E 0 personagem da caverna, que por acaso se liberte correrd, como Sécrates, 0 risco de ser morto por expressar seu pensamento ‘em querer mostrar um mundo totalmente diferente, de possibilidades muito mais amplas. SER OU NAO SER ESA questio! 0s conceitos de Plato sobre a esséncia das coisas sera contestado por seu notério discipulo, Aristételes, através de uma série de tratados escritos no século IV a.C, e organizados em quatorze livros pelo flésofo grego Andrénico de Rodes no século 1 a.C. Foi Andrénic, inclusive, quem chamou esse conjunto de Metafisica. Aristételes desenvolve um trabalho que busca conciliar a substincia fisica dos naturalistas pré-socraticos com a substancia imaterial de Plato, 20 propor que a matéria participa da ‘substancia, do mesmo modo que a madeiranecessita da forma mesa para que a forma substancial mesa (composigao de matéria €@ forma) possa exist. Por outro lado, a forma substancial no esgota em si a substancia; por exemplo, mesmo que o objeto mesa deixe de existr, persstiré sua idéia, 0 que permite que existam ou que se fagam outras mesas; 0 concelto esté deserito abaixo Dai, a0 defnir a natureza de uma casa, os que a descrevem como pedras,tjolos e madeira, descrevem a casa em poténcia, jd que essas coisas sdo sua matéria; os que a descrevem como “recipientes para conter utensilios e corpos”, ou alguma outra coisa, com idéntico objetivo, descrevem a casa em ato, ou seja, sua realdade. Entretanto, 08 que combinam essas duas definigdes, descrevem um tercero tipo de substdncia, «aque & composta de matériae forma. Uma forma substancial estaria assentada em quatro causas primérias: ¥ Causa material: a matéria de que uma coisa ¢ felta, ou seja, a matéria na qual consiste a forma substancial. No exemplo da casa, a matéria de que é feita sto pedras, tijolos e madeira: ¥ Causa formal: é a forma da coisa, ou seja, uma forma substancial define sua esséncia pela sua forma. A casa em si define ‘sua forma; ¥ Causa eficiente: ¢ a origem da coisa, aquilo ou aquele que tornou possivel a forma substancial. A construgao da casa ¢ o que a tora possivel ¥ Causa final: é a razo de uma coisa exist a fnalidade da forma substancial. A finalidade da casa é servir de recipiente para cconter utensilios © corpos. Para Aristételes, na natureza todas as formas substancials movem-se em dire¢do a um fim, tenham disso ciéncia ou nao; seguindo essa linha de raciocinio, quando uma flecha é arremessada contra um alvo, o alvo tora-se a causa final da flecha. Muito embora a flecha no conheca a causa final, um agente inteligente dotado de vontade a conhece, tornando-se por isso mesmo a causa oficiente do arremesso da flecha. Por toda a idade média, as hermenéuticas platdnica e aristotélica formaram a base dos estudos cientificos @ principalmente religiosos, destacando-se a metafisica patristica (dominante entre os séculos Il e VIII 4.C.} tendo como principal infuéncia 0 conjunto da obra de Santo Agostinho ~ de viés platdnico — @ uma segunda fase, com 4 metafisica escoldstica(dominante entre os séculos IX XV .C.) tendo como principal influéncia 0 conjunto da obra de Tomas de Aquino — de viés aristotélico - em que ambas buscavam provar filosoficamente a existéncia de Deus. Portanto, é no final do periodo da ainda vigorosa metafisica escoléstica que Descartes apresenta sua obra cientifico-flosética, fazendo forte oposigio a0 pensamento aristotélico em dois pentos fundamentais: ¥ Rejeigo as formas substanciais como princfpios interpretativos na fisica ¥ Negagao da tese de que todo o conhecimento deve provir da sensacao. ARREW ATE QUE ENF CHEGANOS AO PONTO! Uma forma substancial era pensada como um principio imaterial da organizago material, esultando em uma coisa espectfica de um determinado tipo. Considere, por exemplo, 0 passaro denominado andorinha: o principio imaterial, ou ideia, do ser andorinha une-se ao principio material de modo a organizé-la, pela causa eficiente, para ser a coisa do tipo andorinha. Quaisquer que sejam os altibutos que uma andorinha tenha em virtude de ser esse tipo de coisa sdo explicados pela causa final ou razéo de ser de uma andorinha, Assim, poder-sevia afirmar que a razdo de ser de uma andorinha é a causa dima que Ihe di a habilidade de voar, o que significa que uma andorinha voa pelo fato de ser uma andorinha; ainda que isto seja verdadeiro, esse pensamento néo acrascenta nada de novo ou de Util sobre estes passaros. Outra razdo para Descartes rejeitar as formas substanciais © as causas finals para 0 estudo da physis era sua crenga de que ‘essa nogées eram 0 resultado da confusdo dos conceltos de corpo e de mente, aplicando-os na acdo da

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