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SOBRE O CONCEITO DE TERCEIROS PARA EFEITOS DE REGISTO (A propésito do AcSTJ-3/99, de 10/7) Pelo Prof. Doutor Miguel Teixeira de Sousa I — Sentido da controvérsia 1. Generalidades O art. 5.°, n.° 1, CRegP estipula que “os factos sujeitos a Tegisto s6 produzem efeitos contra terceiros depois da data do res- pectivo registo”. Como se pode depreender com facilidade, esta norma visa, na sua finalidade especifica, proteger os terceiros, dado que determina que, enquanto os factos nao forem registados, nao produzem efeitos em relaco a eles. Numa primeira impressio, poder-se-ia pensar que a aplicagao do art. 5.°, n.° 1, CRegP nao seria susceptivel de levantar quaisquer problemas. A protecgao que é devida a terceiros que confiaram nos factos registados e que, eventualmente, conformaram a sua con- duta de acordo com a presunco resultante do registo estabelecida no art. 7.° CRegP seria suficiente para levar a concluir que, enquanto os factos nao estiverem registados, eles nunca hes pode- rio ser opostos. Porém, a situagdo nao se apresenta assim tao simples. O conceito de terceiro é necessariamente relativo, pois que alguém s6 pode ser terceiro em relacao a uma determinada reali- 30 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA dade. Por seu turno, a relacdo que se estabelece entre 0 terceiro e a realidade requer 0 recurso a um determinado critério: segundo um critério, um sujeito pode ser terceiro perante uma realidade; segundo um outro, isso pode nao suceder. H4 muito que se estabe- leceu na doutrina uma controvérsia sobre 0 conceito de terceiros para efeitos de registo, ou seja, sobre 0 critério que deve ser usado para definir esses terceiros: a controvérsia trava-se entre uma orientagado que defende um conceito restrito e uma posigao que preconiza um conceito amplo de terceiros (') 2. Concepgao restrita Segundo a orientagao favoravel a um conceito restrito de ter- ceiros, nem todos os terceiros so protegidos pela inoponibilidade dos factos nao registados, ou seja, determinados terceiros podem ser afectados por factos nao registados. A formulagao mais comum desta concep¢ao é a seguinte: terceiros, para efeitos de registo pre- dial, séo apenas aqueles que tenham adquirido de um transmitente comum direitos incompatfveis (7). Quer dizer: apenas entre os adquirentes de um mesmo alienante se pode verificar a oponibili- dade resultante do registo. Desta orientagdo restrita resulta que hd situagdes em que o direito nao registado é oponivel a terceiros e outras em que essa oponibilidade nao se verifica, tudo dependendo dos terceiros que sdo considerados. A situagao de inoponibilidade dos direitos nao registados verifica-se quando 0 terceiro for um outro adquirente do mesmo transmitente. Suponha-se, por exemplo, que A transmite o bem x a B e, depois disso, vende 0 mesmo bem a C; o que resulta daquela orientagdo é que B (primeiro adquirente) nado poderd opor © seu direito a C (segundo adquirente), se este registar o seu direito antes daquele. ())_Nos exemplos fornecidos na andlise deste problema, A é o alienante do bem, B © primeiro adquirente, C o segundo adquirente, D o subadquirente de C ¢ E o exequente. ) Cf. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relago Juridica II (Coimbra 1972), 19; Orlando de Carvatho, Terceiros para efeitos de registo, BFD 70 (1994), 97 ss. SOBRE O CONCEITO DE TERCEIROS PARA EFEITOS DE REGISTO 31 A solugao é diferente se o terceiro nao for um segundo adqui- tente do mesmo bem, mas um outro sujeito. Se o terceiro ndo for o segundo adquirente, jd o direito nao registado lhe é oponivel. Uti- lize-se o exemplo acima citado: 0 direito nao Tegistado de B (pri- meiro adquirente) nao é oponivel a C (segundo adquirente), mas pode ser oposto a um terceiro F (por exemplo, um arrendatério do bem). 3. Concepgao ampla Segundo a concep¢ao ampla de terceiros para efeitos de registo, todos os terceiros que tenham obtido o registo de um direito incompativel beneficiam da inoponibilidade dos direitos ndo registados, ou seja, nenhum desses terceiros pode ser afectado por um direito nao registado (3). Suponha-se, por exemplo, que A vende o bem y a B e que este nao regista a aquisig4o; 0 direito de B nao € oponivel ao credor E que executa o alienante A e que obtém e regista uma penhora sobre aquele bem. I — Evolucao da jurisprudéncia 1. AcSTJ-15/97, de 4/7 A controvérsia sobre 0 conceito de terceiros para efeitos de Tegisto teve, na jurisprudéncia recente, desenvolvimentos absolu- tamente inéditos — e, talvez até, algo draméticos. Depois de uma longa indecisio da jurisprudéncia sobre a orientagéo a adoptar nessa matéria, o Ac. STJ-15/97, de 4/7 (= BMJ 467, 88 = ROA 57 @)_ Cf. Vaz Serra, An. AcSTJ-11/2/1969, RLJ 103 (1970/1971), 159 ss; H. E. Horster, Efeitos do registo — terceiros — aquisigo «a non domino», RDE 8 (1982), 128, ss.; Antunes Varela / Henrique Mesquita, An. STJ-3/6/1992, RLJ 127 (1994/1995), 19 ss.; Carvalho Fernandes, Terceiros para efeitos de registo predial / Acérdio n.° 15/97 do ‘Supremo Tribunal de Justi¢a, ROA 57 (1997), 1303 ss.; I. Pereira Mendes, Estudos sobre Tegisto predial (Coimbra 1998), 155 ss.; fundamental sobre a matéria dos efeitos do Tegisto Predial, cfr. Oliveira Ascensdo, Direitos Reais (Coimbra 1993), 351 ss. 32 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (1997), 1283), acabou por uniformizar a jurisprudéncia num sen- tido favordvel a um conceito amplo de terceiros: “Terceiros, para efeitos de registo predial, s40 todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arre- dado por qualquer facto juridico anterior nao registado ou regis- tado posteriormente”. Através deste critério pode resolver-se a situagao apreciada no ac6rddo. Era a seguinte: o Banco E instaurou uma execucio para Pagamento de quantia certa contra o devedor A; nessa execugao foi penhorada a fracgao de um imével que este devedor transmitira ao terceiro B, mas que este nao registara em seu nome; este terceiro deduziu embargos de terceiro contra aquela penhora. De acordo com a concep¢ao ampla de terceiro perfilhada naquele acérdao — €, portanto, segundo a regra da inoponibilidade a terceiros dos fac- tos nao registados —, a propriedade nao registada do adquirente B nao € oponivel ao Banco penhorante E, pelo que os embargos que aquele deduziu foram julgados improcedentes e a penhora foi man- tida. 2. AcSTJ-4/98, de 18/12 Nao muito tempo depois do proferimento do acima referido acérddo uniformizador de jurisprudéncia sobre 0 conceito de ter- ceiros para efeitos de registo, o Supremo Tribunal de Justiga foi chamado a pronunciar-se sobre se 0 direito 4 execug’o especifica pode ser exercido pelo promitente-comprador depois de 0 promi- tente-vendedor ter alienado o bem a um terceiro. Sobre esta ques- tao, fixou-se, no AcSTJ-4/98, de 18/12 (= RLJ 131 (1997/1998), 240), a seguinte jurisprudéncia uniformizada: “A execugio espe- cifica do contrato-promessa sem eficdcia real, nos termos do artigo 830.° do Cédigo Civil, nao € admitida no caso de impossi- bilidade de cumprimento por o promitente-vendedor haver trans- mitido o seu direito real sobre a coisa objecto do contrato prome- tido antes de registada a acco de execucao especifica, ainda que o terceiro adquirente no haja obtido o registo da aquisigéo antes do registo da acgdo; o registo da acciio nao confere eficdcia real A pro- messa”. SOBRE O CONCEITO DE TERCEIROS PARA EFEITOS DEREGISTO 33 Para melhor se compreender a doutrina do AcSTJ-4/98, ima- gine-se a seguinte situacdo: F, como promitente-vendedor, e G, como promitente-comprador, celebram um contrato-promessa de alienagao do bem x; depois disso, F, 0 promitente-vendedor, aliena este bem a /, que nao regista a sua aquisi¢ao. Segundo a doutrina definida no AcSTJ-4/98, o direito A execucao especifica do promi- tente-comprador G nao prevalece sobre a aquisi¢ao do terceiro /, ainda que a respectiva acgiio seja registada antes do registo desta aquisigao. O problema que esta solugdo comporta — qualquer que seja © seu mérito intrinseco (*) — € 0 de que ela ndo é compativel (como, alids, foi realgado em algumas declaragdes de voto cons- tantes do AcSTJ-4/98) com a nogao de terceiros para efeitos de registo definida pelo AcSTJ-15/97. Na verdade, enquanto, segundo a orientagdo do AcSTJ-15/97, o direito registado prevalece sobre 0 direito no registado de um terceiro, de acordo com a orientago do AcSTJ-4/98, a solucdo € precisamente a inversa: 0 registo da accao de execu¢ao especffica instaurada pelo promitente-comprador nao garante a sua oponibilidade ao terceiro adquirente desprovido de registo. Mais em concreto, pode dizer-se que, enquanto na doutrina do AcSTJ-15/97, o promitente-comprador é um terceiro para efei- tos de registo e, por isso, nao lhe € oponivel o direito nao registado do terceiro adquirente, na orientagdo do AcSTJ-4/98, esse promi- tente nao € integrado nesses terceiros e, por isso, aquele direito nao registado pode ser-lhe oposto. 3. AcSTJ-3/99, de 10/7 3.1. Apresentagaio As solugées conflituantes decorrentes do AcSTJ-15/97 e do AcSTJ-4/98 aconselhavam uma nova tomada de posi¢io do Supremo Tribunal de Justiga sobre a nogao de terceiros para efei- tos de registo. O que talvez nao se esperasse era que a resposta (@)_ Favordvel 4 doutrina do AcSTI-4/98, cfr. Almeida Costa, An. AcSTJ 4/98, RLJ 131 (1997/1998), 244 ss. 34 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA fosse to retumbante: através do recente AcSTJ-3/99, o Supremo revogou, de modo implicito, 0 AcSTJ-15/97 e voltou a preferir uma concepgao restrita de terceiros para efeitos de registo. Neste Novo acérdao, o Supremo Tribunal de Justica definiu que “tercei- tos, para efeitos do disposto no art. 5.° do Codigo do Registo Pre- dial, so os adquirentes, de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompativeis, sobre a mesma coisa”. Note-se que, segundo se julga, foi a primeira vez que o Supremo utilizou a faculdade de revogar jurisprudéncia anteriormente fixada que Ihe é conferida pelo art. 732.°-A CPC. Convém transcrever algumas passagens em que, no referido AcSTJ-3/99, o Supremo Tribunal de Justiga procura justificar a inversao da sua posi¢do sobre a nocio de terceiros para efeitos de Tegisto. Afirma o Supremo: “Sem diivida, o acérdao unificador (“assento”) acima transcrito [isto é, o ACSTJ-15/97] recolhe plenamente a inten- ¢4o expressa no jé referido art. 1.° do CRP: publicitar a situa- ¢4o juridica dos prédios, para alcangar seguranca no comér- cio juridico imobilidrio. Essa é, porém, uma meta ideal que 0 presente estado legislativo nao permite alcancar. E que a seguranga resultante de um acto que a generalidade das pes- soas nfo assimila bem, sobretudo desconhece, ou conhece vagamente, [...] € contrariada pela inseguranca e intranquili- dade do reverso da situacao: apés se comprar, pagar e cum- prir a formalidade, essa sim, ritologia bem assimilada e inte- grada no acervo cultural das populacdes, consubstanciada em escritura no notdrio, depara-se, surpreendentemente, com 0 objecto da compra pertencer a outrem, por efeito (constitu- tivo) de um registo, com a agravante de poder perder-se o valor do prego escrupulosamente pago. Quer dizer: a doutrina do ac6rdao unificador, radical e provocatéria, intrinsecamente apelativa de uma esperada actuagao urgente por parte do legislador, complementar-se-ia desta forma prontamente interventiva, assim se colmatando os inerentes e intolerdveis inconvenientes. O acérdio foi subs- crito na convic¢ao [...] de que os érgaos legislativos se move- riam naquele sentido. As desvantagens desvanecer-se-iam, por exemplo, legislando-se de forma a tornar o registo obri- SOBRE O CONCEITO DE TERCEIROS PARA EFEITOS DE REGISTO 35 gatorio e a estabelecer-se a obrigatoriedade de imediata comunicagao pelo notério ao conservador do registo predial, de que uma escritura piblica acabara de ser celebrada. J& muito tempo decorreu e nao se vislumbra qualquer intengdo legislativa. [...] [...] Deste modo, afigura-se, para 44, imperativo repensar a doutrina expendida no referido aresto e considerar os seus efeitos praticos [...]. E depressa. Com efeito, tem-se assistido a uma auténtica corrida ao registo de penhoras e a precedente caga da inexisténcia de registo de escrituras publicas de trans- feréncia de propriedade, por vezes conhecendo, o registador, perfeitamente a venda anterior. [...]” (5). 3.2. Consequéncias Para além do que se possa pensar sobre a afirmada insensibi- lidade da populag&o perante as vantagens do registo predial e sobre as esperan¢as depositadas pelo Supremo numa rdpida intervengao do legislador no regime do registo predial — esperangas que teriam estado subjacentes ao AcSTJ-15/97 € que, nao tendo sido correspondidas, estiveram de novo presentes no recente AcSTI- -3/99 —, a verdade € que este acérdao acaba por inverter 0 sentido da jurisprudéncia em claro desfavor do credor exequente. Supo- nha-se o seguinte exemplo (alids, correspondente a situagdo con- creta apreciada no AcSTJ-15/97 e no AcSTJ-3/99): A aliena o bem xa B, que nio regista a aquisicao; E instaura uma acco executiva contra 0 alienante A e, conhecendo o tegisto daquele bem em nome deste executado, nomeia-o a penhora; dado que E nao é conside- tado, segundo a doutrina do AcSTJ-3/99, terceiro Para efeitos de registo, 0 direito do adquirente B, ainda que nao registado, é-lhe oponivel, ou seja, este adquirente pode deduzir, com garantia de €xito, embargos de terceiro contra a penhora. Em conclusao: 0 cre- dor E est4 impedido de penhorar um bem que, devido a inércia de Bem promover o registo, ainda se encontra registado em nome do executado A. ©) DR, LA — 10/7/1999, 4359. 36 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Importa ainda acrescentar que, segundo a orientago definida no AcSTJ-3/99, s6 os adquirentes de boa fé de um mesmo trans- Mitente sao terceiros para efeitos do disposto no art. 5.° CRegP (°). Esta exigéncia de boa fé parece significar que, se o segundo adqui- rente conhecer a primeira alienagao e, apesar disso, tiver celebrado © negocio e registado o seu direito, 0 direito nao registado do pri- meiro adquirente lhe é oponivel. Deste modo, o segundo adqui- rente que est4 de mé fé nao goza de qualquer Pprotec¢ao registal, pelo que, ao contrario do que sucederia se estivesse de boa fé, 0 direito nao registado do primeiro adquirente é-Ihe oponivel. IH — Situacées concretas 1. Enunciado Tragados os termos da controvérsia, € necessdrio tentar resol- ver os problemas que a ela estdio subjacentes. Na busca do conceito de terceiros para efeitos de registo, parece aconselhavel comegar Por considerar as situagdes concretas que importa resolver. Em vez de tentar construir as situagdes que correspondem aos regimes legais, parece preferfvel comecar por delimitar as situagdes com relevancia neste dominio e sé depois procurar a respectiva solugdo legal. Assim, so duas as situagdes mais importantes que importa considerar: — aquela em que houve a alienagdo de um bem para um adquirente que nao regista a sua aquisigao e em que o terceiro actua com base na presuncio resultante do registo a favor do alie- nante; — aquela em que se verificou uma dupla alienagao do mesmo bem, realizada pelo mesmo transmitente, a dois sujeitos distintos. Por sua vez, esta ultima situagao pode dividir-se em duas sub-hipéteses: aquela em que o bem transmitido ainda se encontra na titularidade do segundo adquirente e aquela em que o segundo adquirente jd 0 alienou a um terceiro. (°) Sobre a exigéncia da boa f& na aquisicao através do registo, cft. H. E. Horster, RDE 8 (1982), 134 ss.: Oliveira Ascensdo, Direitos Reais 5, 377; Carvalho Fernandes, ROA 57 (1997), 1309 s. SOBRE 0 CONCEITO DE TERCEIROS PARA EFEITOS DE REGISTO 37 As duas referidas situagées iniciais apresentam, entre si, uma diferenca muito importante. Quando apenas houve uma alienacao € 0 terceiro usa, em seu beneficio, a presuncdo registal a favor do alienante, nao ha qualquer invalidade substancial, mas apenas uma desconformidade do registo com a situagdo real: 0 bem encontra- ~se registado em nome do alienante, mas, por forga do principio da transferéncia consensual do dominio consagrado no art. 408.°, n.° 1, CC, ele ja pertence ao adquirente. Pelo contrério, quando houve uma dupla alienagao, verifica-se a invalidade substancial da segunda alienagio, porque esta, por imposigao daquele mesmo principio, € uma venda de bens alheios e, por isso, é nula (art. 892.° CC). 2. Situagdes com invalidade substancial 2.1. Dupla alienacdo com subtransmissao a. A dupla alienaco de um bem seguida da sua subtrans- missao pelo segundo adquirente é tegulada pelo disposto no art. 291.° CC (’). E desta situagdo concreta que é aconselhdvel Partir, nao s6 porque ela é a tinica que se encontra completamente regulada na lei, mas também Porque, sendo, em comparacio com as demais, a situagdo mais complexa, dela podem ser tiradas algu- mas ilagdes para a solugdo de outras hip6teses mais simples (*). ©) Nao cabe no mbito deste trabalho discutir a delimitagdo entre a hipotese pre- vista no art. 291.° CC e aquela que esté prevista no art. 17.°, n.° 2, CRegP. So duas as Orientages que tém sido defendidas: — segundo uma, 0 art. 291.° CC respeita as “des- conformidades substantivas” e o art. 17.°, n.° 2, CRegP a “uma desconformidade que foi criada pelo proprio registo” (cfr. Oliveira Ascensdo, Direitos Reais 5, 371; Carvalho Fer- nandes, ROA 57 (1997), 1312 s.); ~ segundo uma outra, o art. 291.° CC $6 é aplicdvel quando 0 terceiro de boa fé ndo tenha agido com base no registo, ou seja, quando 0 nego- cio nulo ou anulével nao tiver sido registado (cfr. Menezes Cordeiro, Direitos Reais | (Lis- boa 1979), 384; 1. Pereira Mendes, Cédigo do Registo Predial ° (Coimbra 1997), 109). ©) Nao se deve ficar com a ideia de que o art. 291.° CC s6 se aplica as situagdes de dupla alienagao, pois que esse preceito também € aplicével aos casos de alienagio Sucessiva. Suponha-se que P transmite o bem x a Q e que este o retransmite a R; a nuli- dade ou anulagio do negocio entre Pe Q nao afecta o direito de R, se este se encontrar nas Condigdes do art. 291.°, n.° 1, CC e se a respectiva acgao for proposta depois de esgotado © prazo referido no art. 291.°, n.° 2, CC. 38 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Imagine-se que A vende o bem x a B, que nao regista a aqui- sigdo; depois disso, A vende o mesmo bem a C, que regista a aqui- sigdo e que o retransmite a D, que também regista a sua aquisicao. Do art. 291.°, n.* 1 e 2, CC resulta a seguinte solugdo para este caso concreto: a declaracao de nulidade da segunda alienagao entre Ae C (declaracao que se fundamenta no facto de ela ser uma venda de coisa alheia, art. 892.° CC) nao prejudica os direitos adquiridos por D, excepto se a acgiio de declaracao de nulidade for proposta e tegistada dentro dos trés anos posteriores a sua aquisigao. Suponha-se agora que, utilizando o mesmo exemplo, E ins- taura uma execug4o contra 0 subadquirente D e que é nomeado a penhora o bem que este adquiriu de C. B, 0 primeiro adquirente do bem, s6 pode embargar de terceiro se os embargos forem deduzi- dos e registados no prazo de trés anos a partir da aquisigao de D. 5. Nerificados os resultados obtidos pela aplicagaio do art. 291.° CC as situagdes de dupla alienago seguida de subtrans- missdo, importa compard-los com aqueles que resultariam da apli- cagdo a essas mesmas hipéteses da doutrina definida no AcSTJ- -3/99, Recorde-se que, segundo ela, apenas 0s adquirentes, de boa fé, de um mesmo transmitente podem ser considerados terceiros Para efeitos de registo. Para efectuar essa comparacao, utilize-se de novo o tiltimo exemplo: como o primeiro adquirente B adquiriu do primitivo alienante A e como o subadquirente D adquiriu do segundo adqui- tente C, o primeiro adquirente e o subadquirente nao sao, segundo a concep¢ao restrita definida no AcSTJ-3/99, terceiros entre si, pois que nao possuem um transmitente comum. Sendo assim, ha que concluir que, segundo esta orientagio jurisprudencial, o direito do primeiro adquirente B, ainda que nao registado, deveria ser opo- nivel ao subadquirente D. A contradicao entre as solugGes ndo poderia ser mais patente: © art. 291.°, n.° 1, CC impée, como regra, a prevaléncia do direito do terceiro subadquirente D sobre 0 direito nao tegistado do pri- meiro adquirente B; 0 conceito de terceiros adoptado pelo AcSTJ- -3/99 determina a prevaléncia do direito nao registado do primeiro adquirente B sobre o direito registado do subadquirente D. Posto isto, impde-se a conclusao de que, sob pena de manifesta contradi- SOBRE O CONCEITO DE TERCEIROS PARA EFEITOS DEREGISTO 39 ¢40 com 0 direito positivo, a orientagao definida pelo AcSTJ-3/99 nao pode ser aplicada aos casos de dupla alienagdo seguida de transmissao efectuada pelo segundo adquirente. 2.2. Dupla alienacio sem subtransmissio a. Suponha-se que A transmite o bem x a B, que nao regista a aquisi¢ao; depois dessa alienacdo, A volta a alienar esse mesmo bem a C, que regista a sua aquisigdo. Perante esta situago de dupla alienagao, a primeira pergunta que se coloca é a de saber se ela nao deve merecer uma solucio idéntica Aquela que se extrai do art. 291.° CC para 0 caso de dupla transmissio seguida de suba- lienagao pelo segundo adquirente. Embora o tema mereca uma andlise mais aprofundada do que aquela que € possivel realizar neste momento, parece existirem bons argumentos que justificam a necessidade de encontrar uma solugaio harménica para ambas as situagées (9). O principal argumento é aquele que pode ser retirado do art. 291.°, n.° 2, CC, que estabelece que os direitos do terceiro subadquirente (D) nao sao reconheci- dos se a acg%o de declaragao de nulidade da segunda transmissao (entre A e C) for proposta e registada pelo primeiro adquirente (B) dentro dos trés anos posteriores 4 subaquisi¢ao do terceiro (D). Ora, se o primeiro adquirente pode impugnar a segunda transmissao € a subtransmissao dentro desse prazo, nao é patente o motivo que impede que, se o bem ainda nao tiver sido retransmitido pelo segundo adquirente, 0 primeiro adquirente possa impugnar a segunda transmissao. Se o argumento procede, entdo 0 regime defi- nido no art. 291.° CC deve ser aplicado, por analogia, aos casos de dupla alienacao sem retransmissio pelo segundo adquirente. O problema é que, se esta solugao é aceitavel, também ela é incompativel com a doutrina definida no AcSTJ-3/99. Basta veri- (©) O problema é da mesma ordem daquele que respeita & harmonizagio entre o Prazo durante o qual, segundo 0 disposto no art. 291.°, n.° 2, CC, os direitos do terceiro adquirente ainda podem ser afectados pela nulidade ou anulagao de um negécio anterior € a imediata consolidagao desses direitos, por falta da previstio de qualquer prazo, na hip6- tese paralela do art. 17.°, n.° 2, CRegP; sobre o problema, cfr. Oliveira Ascenséo, Direitos Reais 5, 372 (aplicago analégica daquele prazo a esta tiltima hipétese), 40 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA. ficar que, enquanto, de acordo com esta Ultima, o direito registado do segundo adquirente (C) prevalece sempre sobre 0 direito nao registado do primeiro adquirente (B), a aplicacao anal6égica do pre- ceituado no art. 291.° CC permite que o primeiro adquirente (B) possa impugnar a segunda aquisicao dentro dos trés anos subse- quentes a este negdcio. b. Se nao se aceitar a aplicagao analégica do regime do art. 291.° CC a dupla alienagao do mesmo bem sem retransmissao pelo segundo adquirente, entdo é claro que a doutrina do AcSTJ- -3/99 se aplica, sem qualquer divida, a essa situag4o. O primeiro e 0 segundo adquirente adquirem de um mesmo transmitente direi- tos incompativeis, pelo que esses adquirentes sao, segundo a dou- trina daquele acérdao, terceiros entre si e, Por isso, entre eles pre- valece o direito que primeiro for registado. Dentro daquele pressuposto de nao aplicagdo do regime do art. 291.° CC, é efectivamente indiscutivel que o AcSTJ-3/99 solu- ciona as situagdes de dupla alienagdo do mesmo bem, garantindo a prevaléncia do direito registado do segundo adquirente sobre o direito nao registado do primeiro. Mas isto ndo resolve os proble- mas, antes € a origem deles, como se passa a explicar. Nas situagdes de dupla alienagao, a segunda alienacao é nula, dado que é uma alienagdo de bens que j4 nao pertencem ao pri- meiro adquirente (cfr. art. 892.° CC). Por isso, s6 a prioridade do registo do segundo adquirente perante 0 do primeiro adquirente garante que, apesar da invalidade substancial da sua aquisicao, 0 seu direito possa prevalecer sobre o do primeiro adquirente. Por outras palavras, s6 a fungao atributiva que, nesse caso, o registo realiza a favor do segundo adquirente assegura a prevaléncia do direito deste sobre o do primeiro adquirente. Do exposto pode concluir-se que a concep¢io restrita de ter- ceiro definida no AcSTJ-3/99 explica as situagdes em que 0 registo preenche uma funcao atributiva. Para verificar se isto é suficiente € coerente, importa considerar a tiltima das situagdes acima defini- das: aquela em que houve uma tnica alienagéo do bem e em que o credor do alienante nomeia a penhora o bem alienado. SOBRE O CONCEITO DE TERCEIROS PARA EFEITOS DE REGISTO 41 3. Situagées sem invalidade substancial 3.1. Doutrina do AcSTJ-3/99 Suponha-se que A aliena o bem y a B, que, no entanto, no regista a sua aquisi¢4o; confiando no facto de o bem alienado ainda se encontrar registado em nome do alienante A, o credor E instaura contra este uma execugdo € nomeia a penhora aquele bem. Perante esta situagdo, coloca-se o problema de saber se o adquirente B se pode opor a penhora do bem que adquiriu, mas n3o registou, mediante embargos de terceiro. Segundo a doutrina definida no AcSTJ-3/99, esta pergunta merece uma resposta inequivoca: dado que o credor penhorante E nao € um adquirente do bem e, por isso, nado pode ser considerado terceiro para efeitos de registo, é-Ihe oponivel 0 direito nao regis- tado do adquirente B e, portanto, os embargos que este deduziu devem ser julgados procedentes. Isto significa que o direito nao registado do adquirente B prevalece sobre a penhora registada do exequente E. Importa ponderar esta solugao. 3.2. Apreciacio geral a. A anélise da solucao dada pela doutrina do AcSTJ-3/99 a situacdo em que é nomeado a penhora um bem que j4 fora trans- mitido pelo executado, mas que o adquirente ainda nio registara, requer o enunciado de algumas premissas. A primeira delas res- peita 4 necessidade de esclarecer quem so os terceiros entre os quais se verifica 0 conflito na situagio em que, na execucao pro- posta pelo credor E contra o alienante A, € nomeado a penhora o bem que este j4 transmitira a B. Terceiros sfo, neste caso, o credor exequente E, que registou a sua penhora, e o adquirente B, que no registou a sua aquisicao. Portanto, o que interessa verificar & se entre estes sujeitos se verifica a oponibilidade assente no registo. Saber se o exequente E pode ser considerado um terceiro para efeitos de registo é, no fundo, definir a sua posigéo perante o ter- ceiro B que, antes da penhora, adquiriu o bem mas nao registou a Sua aquisigdo; s6 reflexamente daf resultam consequéncias para a Posigao desse exequente perante o executado A em nome de quem se encontra registado o bem penhorado. Mas é precisamente este 42 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA efeito reflexo que é essencial para os interesses do exequente, pois que € ele que define se o bem alienado pelo executado pode res- ponder pela divida exequenda. Também importa esclarecer que o registo pode cumprir duas fungdes completamente distintas. Nos casos em que, apesar de a aquisi¢ao do direito ser invdlida, ele permite fundar a oponibili- dade desse direito a um outro adquirente, o registo realiza uma fun- ¢4o atributiva, pois que ele atribui o direito a quem, segundo os cri- térios substantivos, ndo poderia ser considerado seu titular. Pelo contrdrio, nas hipdteses em que a aquisigao do direito nao padece de qualquer invalidade, o registo realiza apenas uma funcao con- solidativa ou confirmatéria, pois que ele serve apenas de meio de fortalecer o direito registado com a presungo da sua titularidade a favor do sujeito inscrito. Deve ainda acrescentar-se que esta fungdo consolidativa € a regra e que, como bem se compreende, aquela fun¢ao atributiva é excepcional. O registo da penhora a favor do exequente é um dos casos em que o registo realiza a sua funcao confirmatéria. Portanto, a eficd- cia da penhora nao depende do seu registo, mas obtém através deste a oponibilidade a terceiros (cfr. art. 838.°, n.° 4 1.4 parte, CPC). 6, Como ja antes se referiu e acaba de ser comprovado pela andlise da situa¢do de alienagao simples, a doutrina do AcSTJ-3/99 justifica a oponibilidade dos direitos registados quando 0 registo realiza uma fungio atributiva, mas, ao aceitar que 0 direito nao registado do adquirente B possa prevalecer sobre a penhora a favor do credor E, contraria a oponibilidade a terceiros dos direitos regis- tados. Esta conclusdo nao pode deixar de ser considerada surpre- endente, pois que a concepgdo restrita defendida naquele acérdao mostra-se compativel com o efeito atributivo do registo, mas é insusceptivel de ser aplicada quando 0 registo realiza a sua normal fun¢ao de confirmagio dos direitos registados. Uma orientagdo que € incapaz de explicar a situago normal nao parece aceitavel. Antes do mais, a concepgao restrita de terceiros implica uma interpretacao restritiva do art. 5.°, n.° 1, CRegP. O problema niio é tanto que apenas em relacdo a certos terceiros a oponibilidade do direito dependa do seu registo, mas mais que esses terceiros sejam SOBRE O CONCEITO DE TERCEIROS PARA EFEITOS DEREGISTO 43 somente aqueles contra os quais 0 registo Produz um efeito atribu- tivo. Ora, seria estranho que 0 art. 5.°, n,° 1, CRegP s6 previsse a oponibilidade fundada no registo atributivo e descurasse aquela que resulta da fungo consolidativa do registo. Quando o art. 5.°, n.° 1, CRegP refere a oponibilidade baseada no Tegisto nao pode estar a aludir apenas ao registo atributivo e a esquecer 0 registo consolidativo. Isto também é confirmado por uma outra circunstancia. O art. 7.° CRegP estabelece que 0 tegisto definitivo constitui pre- sungao de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, sendo claro que, perante o disposto no art. 8.°, n.° 1, CRegP, essa pre- sun¢o pode ser ilidida pela prova do contrério, ou seja, é uma mera presun¢ao iuris tantum. Assim, quando se pergunta qual é a forga da oponibilidade fundada no Tegisto, a resposta é a de que ela € a que corresponde a essa Presungao ilidivel. Esta resposta nao vale, contudo, quando o registo realiza uma fungao atributiva, por- que, nesse caso, nao se presume que 0 titular inscrito é titular do direito, antes se considera que ele é efectivamente © seu titular. Assim, se se preferir uma Concepgao restrita de terceiros — orien- tagdo que, como acima se referiu, s6 admite a oponibilidade fun- dada no registo atributivo —, é-se levado a uma conclusao deveras estranha: a de que o art. 7.° CRegP atribui um valor ao registo que nunca pode coincidir com a oponibilidade estabelecida no art, 5.9, n.° 1, CRegP ou, noutras palavras, a de que a oponibilidade defi- nida neste ultimo preceito nada tem a ver coma presuncio estabe- lecida naquele primeiro. 3.3. Apreciagao especifica a. No caso especifico da penhora, um conceito restrito de terceiros como 0 que foi perfilhado pelo AcSTJ-3/99 mostra-se dificilmente conciliével com a oponibilidade a terceiros da penhora registada que se encontra definida no art. 838.°, n.° 4 1.2 Parte, CPC. A ser aceite aquela concepgdo restrita, era como se este preceito estipulasse que a penhora registada é oponivel a ter- ceiros desde a data do seu registo, excepto em relagdo ao adqui- Tente do bem que o nao registou. 44 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA E ainda preciso nao esquecer que a verdadeira questo que importa resolver € a protecg’io que devem merecer os interesses conflituantes do credor que registou a penhora sobre um bem e do adquirente que nao registou a aquisicdo desse mesmo bem. Nesta circunstancia nao parece excessivo que a harmonizagao destes interesses conflituantes seja realizada através do sacrificio do direito nao registado e da prevaléncia da penhora do credor exe- quente. Desta solugdo sé ha que excepcionar o caso em que este credor tenha agido de mé fé, isto é, tenha nomeado a penhora o bem sabendo que este, apesar de ainda se encontrar registado em nome do executado, ja por este tinha sido alienado a um terceiro, Porém, ha que acrescentar que, havendo um registo a favor do exe- cutado, nao é facil provar a ma fé do credor penhorante. Alias, a mesma solugdo vale para o caso em que, em vez da penhora, é constituida sobre o imével ainda registado em nome do adquirente uma hipoteca judicial (cfr. art. 710.2, n.° 1, CC). Tam- bém esta hipoteca deve ser oponivel ao adquirente que nao regis- tou a sua aquisigao. b. Jé acima se referiu que a concepcio restrita de terceiros para efeitos de registo é incompativel com a Ppresungao iuris tan- tum prevista no art. 7.° CRegP, pois que o valor que essa concep- ¢ao atribui ao registo nunca coincide com esta presun¢do. Mas, no campo especffico dos embargos de terceiro, nao se ficam por aqui as dificuldades de compatibilizagao daquela concepgao restrita com a lei. De acordo com 0 disposto no art. 824.°, n.° 2, CC, a venda executiva importa a extingdo dos direitos reais de g0zo segundo o seguinte esquema: — dos direitos que esto sujeitos a registo, extinguem-se todos aqueles que tenham sido registados depois da penhora ou de qualquer arresto ou garantia feita valer na execucao; — dos direitos que nao estiio sujeitos a Tegisto, extinguem-se aque- Jes que se tenham constitufdo depois da penhora ou de qualquer arresto ou garantia. Por outras palavras: se o direito real de gozo estiver sujeito a registo, ou seja, se a sua oponibilidade a terceiros depender do Tegisto, ele s6 subsiste apés a venda executiva se tiver sido registado antes da penhora ou de qualquer arresto ou garantia. Direitos registaveis, mas niio registados, nao sao oponfveis 4 venda SOBRE O CONCEITO DE TERCEIROS PARA EFEITOS DE REGISTO 45 executiva, mesmo que se tenham constitufdo antes da penhora, arresto ou garantia. Posto isto, é facil descortinar a contradigao entre a concepgiio restrita de terceiros para efeitos de registo e 0 disposto no art. 824.°, n.° 2, CC. E que aquela concepgdo permite a dedugio de embargos de terceiro com base num direito que, por nao se encon- trar registado, se extingue com a venda executiva. O direito nao registado do terceiro seria entio simultaneamente oponivel a penhora e nao oponivel a venda executiva. Sabendo-se que a penhora visa permitir a venda executiva do bem penhorado, fica por explicar como é que um direito pode ser posto ao acto prepa- ratério (ou seja, 4 penhora) e ndo ao acto final (isto é, 8 venda exe- cutiva). Note-se ainda que, segundo o disposto no art. 824.°, n.° 2, CC, os direitos que se extinguem com a venda executiva sio aque- les que nao estdo registados no momento da penhora, arresto ou garantia. Portanto, o que conta, para efeitos da eventual extingao do direito através da venda executiva, é 0 momento em que o bem € penhorado ou arrestado ou é objecto de uma garantia, 0 que reforga a ideia de que o que nao é relevante no momento da venda também nao pode relevar no momento da penhora. Ou, noutros ter- mos: 0 direito nao registado que se extingue com a venda execu- tiva no pode fundamentar qualquer oposi¢o a penhora, incluindo Os embargos de terceiro (!%), c. A incompatibilidade da concepgio restrita de terceiros com a eficdcia extintiva da venda executiva torna-se ainda mais patente se o terceiro, em vez de deduzir embargos, instaurar uma acgao de reivindicagao (cfr. art. 1311.°, n.° 1, CC). Ao contrério dos embargos de terceiro (cfr. art. 356.° CPC), a propositura da acgao de reivindicagao nao implica qualquer suspensao da exe- cugao em relagao aos bens penhorados. Daf que possa acontecer que esses bens venham a ser vendidos durante a pendéncia da rei- vindicacao e que, se o direito do reivindicante nao tiver Tegisto anterior & penhora, ao arresto ou A garantia, esse direito se extinga () Cfr. M. Teixeira de Sousa, Acgio executiva singular (Lisboa 1998), 303. 46 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA na sequéncia dessa venda (cfr. art. 824.°, n.° 2, CC). Quer dizer: a admitir-se que o terceiro pode reivindicar os bens penhorados com base num direito nao registado, ter-se-ia que concluir que a accao de reivindicagao se deveria extinguir, por inutilidade superveniente (cfr. art. 287.°, al. e), CPC), apds a venda executiva, porque entre- tanto se extinguiu com esta o direito do reivindicante. Nao vale a pena dizer muito mais sobre uma concepgdo de terceiros para efeitos de registo que conduz a admissibilidade de uma acgao de reivindicagao que sé poderd estar pendente até a rea- lizagao da venda executiva e que se extinguiré necessariamente por efeito desta Ultima. Isto prova, uma vez mais, que 0 direito que se extingue com a venda executiva — nomeadamente, 0 direito nao registado — nao pode servir de base a oposi¢fo a penhora. IV — Conclusées A critica acima realizada ao conceito de terceiros para efeitos de registo perfilhada no AcSTJ-3/99 mostrou — segundo se espera — a incompatibilidade dessa concepgio com alguns aspectos fun- damentais do direito registal e material. Mas, mais do que acentuar essa incompatibilidade, o que, em jeito de conclusao, importa real- gar € que uma concepgio restrita de terceiros descura completa- mente uma das fungées essenciais do registo: a de proteger os inte- tresses de terceiros de boa fé.

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