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GRADUAÇÃO
Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor Executivo de EAD
William Victor Kendrick de Matos Silva
Pró-Reitor de EAD
Janes Fidélis Tomelin
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi
ISBN 978-85-459-1154-8
LINGUÍSTICA I
SEJA BEM-VINDO(A)!
O advento da Linguística, no início do século XX, mediante o lançamento da obra Curso
de Linguística Geral, de Ferdinand de Saussure, inovou os estudos da lingua(gem) huma-
na, que sempre estiveram presentes, desde a Antiguidade, na pauta dos debates dos
estudiosos interessados em desvendar seus mistérios. No entanto, a partir desse acon-
tecimento, foi possível pensar em um conjunto de disciplinas que compõem o arcabou-
ço das ciências da lingua(gem).
A teoria, no entanto, mesmo sendo básica, é capaz de iniciar (ou mesmo instigar) você
a percorrer, cientiicamente, o mundo da língua, prepará-lo para se dedicar à produção
de novos conhecimentos nesses domínios, bem como pensar a língua longe do senso
comum. E, aqui, é preciso iniciar uma travessia complexa, vislumbrando um desnudar-se
de preconceitos e ousar ir adiante, perante uma ciência que pensa, exclusivamente, a
língua na sociedade e que, por conta disso, não se sujeita icar à sombra de conceitos
cristalizados, como a velha deinição de que no campo da língua somente há dois lados:
o certo e o errado. Estamos diante de algo muito maior e precisamos saber que a nossa
sociedade é líquida (não concreta, ixa, imutável), ou seja, a língua também é luída e nos
acompanha em todos os momentos (bons ou ruins) da nossa vida.
Por isso, precisamos saber um pouco mais sobre ela e seus mistérios e isso será feito no
percurso das cinco unidades que compõem este material que foi feito para você ousar a
pensar a língua, a partir de um mergulho na teoria, mas sem deixar para trás seu conhe-
cimento vivido e adquirido cotidianamente.
A primeira Unidade - O campo teórico da Linguística: conceitos gerais - situará você
a partir da resposta sobre o que é linguística e qual é a sua função social, perpassan-
do uma relexão sobre o seu objeto de estudo - a língua - e as diferenças entre elas, a
linguagem e a fala. Momento em que algumas relexões sobre a(s) gramática(s) serão
suscitadas como convite a se desconstruir de alguns paradigmas, bem como assumindo
postura acadêmica sobre seu papel social e no sistema educacional, especiicamente,
nas aulas de ensino de língua.
Na segunda Unidade - Estudos da linguagem humana: percurso histórico - faremos uma
viagem de retorno pelo túnel do tempo, com parada programada na Antiguidade Clás-
sica, para abordarmos o modo como se conceberam tais estudos e, por conseguinte, os
relexos desses estudos nos dias atuais, em lugares pontuais, como: Egito, Índia, Arábia,
Grécia e Roma. O objetivo maior aqui é não só contar uma história sobre os estudos da
linguagem em tempos tão distantes do nosso, mas também despertar em você algumas
relexões sobre o fato de que a língua sempre foi (e é) uma ferramenta estratégica no
funcionamento social, político, cultural e religioso dos povos. Você já sabe, mas não
custa lembrar que a língua também é um instrumento utilizado nas divisões de classes
e relações de poder.
APRESENTAÇÃO
UNIDADE I
O CAMPO TEÓRICO DA LINGUÍSTICA: CONCEITOS GERAIS
15 Introdução
46 Considerações Finais
53 Referências
54 Gabarito
UNIDADE II
57 Introdução
77 Considerações Finais
85 Referências
86 Gabarito
UNIDADE III
OS ESTUDOS PRÉ- SAUSSURIANOS DA LINGUAGEM:
DA GRAMÁTICA ESPECULATIVA À NEOGRAMÁTICA
89 Introdução
122 Referências
123 Gabarito
UNIDADE IV
FERDINAND DE SAUSSURE: O BREVE SÉCULO XX E A FUNDAÇÃO DA
LINGUÍSTICA
127 Introdução
153 Referências
154 Gabarito
UNIDADE V
OS PRINCIPAIS CONCEITOS
DA LINGUÍSTICA SINCRÔNICA DE FERDINAND SAUSSURE
157 Introdução
188 Referências
189 Gabarito
190 Conclusão
191 Anotações
Professora Dra. Vera Lucia da Silva
I
O CAMPO TEÓRICO DA
UNIDADE
LINGUÍSTICA: CONCEITOS
GERAIS
Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar a ciência da língua e o seu objeto de estudo.
■ Promover relexões sobre a língua dentro da Linguística.
■ Estabelecer a distinção entre linguagem, língua e fala.
■ Conhecer a(s) gramática(s).
■ Reletir sobre as diferenças entre linguagem humana e de outras
espécies.
■ Contextualizar a aplicabilidade da linguística por meio de seus
campos de saberes.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Linguística? O que é isso?
■ Delimitação do objeto de estudo da linguística
■ Linguagem, língua e fala: diferenças conceituais
■ A(s) gramática(s): consensos, dissensos e limites
■ Linguagem humana e de outros animais: a dança das abelhas
■ Ainal, para que serve a linguística?
15
INTRODUÇÃO
Introdução
16 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
LINGUÍSTICA? O QUE É ISSO?
Tais fases são denominadas, por Câmara Júnior (2011), como pré-linguística e
trouxeram contribuições importantes para os estudos linguísticos estudados na
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Rememorando: estamos lidando com uma ciência que tem como objetivo
estudar, cientiicamente, a linguagem humana e que foi, oicialmente, inaugu-
rada apenas no início do século XX, precisamente em 1916, com o lançamento
do CLG, obra que trouxe no seu arcabouço o pensamento póstumo e inovador
do linguista Ferdinand de Saussure (a Unidade IV será dedicada à teoria estru-
turalista saussuriana, que compôs a linguística moderna).
A linguística foi concebida por Saussure, a partir de um projeto amplo, pois
ela faz parte da semiologia (do grego semion, que signiica estudo dos signos/
sinais), um campo de conhecimento que estuda a ciência geral dos signos. Para
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Cunha, Costa e Martelotta (2013), a semiologia não se interessa somente pela lin-
guagem humana, mas por qualquer sistema de signos naturais - fumaça, nuvens
etc. - e culturais - sinais de trânsito, gestos, dança etc. A linguística é um ramo
da semiologia que tem interesse particular em pesquisas voltadas para as lín-
guas naturais: português, inglês, francês, italiano, alemão etc.
Para os autores, o termo “linguagem” é socialmente praticado a partir de uma
multiplicidade de sentidos, diante de qualquer situação de comunicação - lingua-
gem gestual, sonora, visual, artística, de sinais, de programação, escrita, verbal
etc. - produzindo dúvidas no iniciante. Por isso, para se compreender a comple-
xidade da linguagem humana, estudada cientiicamente a partir do século XX,
é preciso depreender suas diferentes vertentes de estudo apresentadas por meio
de métodos e pesquisas diversas que estabelecem diferentes formas de conside-
rar suas unidades básicas de análise.
Apesar de a linguística conigurar-se como uma ciência autônoma, pois
determinou um objeto de estudo e uma metodologia própria para estudar esse
objeto (a língua), não deixou de estabelecer relações com outras ciências, a im
de demarcar o lugar da linguagem na hierarquia de campos do conhecimento,
como: ilosoia, psicologia, ilologia, sociologia etc.
Por isso, sua postura teórica implica, apenas aparentemente, um isolamento
de outras disciplinas, pois tal autonomia se conigura como relativa e isso esta-
belece relações ainda mais próximas e bastante frutíferas com outras áreas do
conhecimento. Isto é:
[...] isso não signiica dizer que a linguística encontra-se isolada das
demais ciências e de outras áreas de pesquisa. Ao contrário, existem
relações bastante estreitas entre elas,o que faz com que, algumas vezes,
seus limites não se apresentem nitidamente. Desse modo, a caracteriza-
ção dessas disciplinas é útil na medida em que permite delimitar mais
claramente o campo de atuação da linguística, contrastando-o com o
de outras ciências (CUNHA; COSTA; MARTELOTTA, 2013, p. 22).
Essa autonomia relativa estabelece relações tanto com outras áreas cientíicas
quanto dentro dos seus próprios limites, provoca discussões internas entre pen-
sadores exclusivos da linguagem humana, resultando em diversas ramiicações de
pesquisas dentro do campo da linguística. Apresentamos as principais ramiica-
ções que compõem o arcabouço teórico, hoje estudado por meio das disciplinas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Aprendemos, até aqui, do que se trata a ciência linguística e algumas das suas rami-
icações (gerativismo, sociolinguística, semântica, pragmática e Análise do Discurso,
que serão estudadas durante o percurso da disciplina de Linguística II), mas ainda
falta uma questão essencial para avançarmos no nosso aprendizado, pois estamos
lidando com uma temática que tem um interesse especíico dentro dos temas relacio-
nados à linguagem humana, fazendo-se necessário apresentar seu objeto de estudo.
Proissão? Linguista.
Os cursos de Letras devem proporcionar aos estudantes a possibilidade de
reletir sobre os fatos linguísticos, por meio de relexões críticas fundamen-
tadas teoricamente. O objetivo é fazer com que o futuro linguista aproprie-
-se de conceitos que o capacite a operar com os fatos da linguagem huma-
na, pelas observações investigativas que permitam ultrapassar as barreiras
do senso comum.
O linguista, ao se estabelecer proissionalmente, elabora diferenças ele-
mentares entre a linguagem e a língua e elege esta como sua ferramenta
de trabalho. Na condição de cientista, observa a estrutura e os aspectos das
línguas naturais, especiicamente, os processos que estão na base de sua
utilização enquanto instrumentos de comunicação.
Fonte: adaptado de Fiorin (2012) e Cunha; Costa e Martelotta (2013).
Já airmamos que a linguística é uma ciência que tem como objetivo central estu-
dar a linguagem humana, manifestada em forma de línguas naturais (português,
inglês, francês, italiano etc.), com o propósito de depreender suas leis, regras e
tendências gerais que regulam seu sistema imanente, ou seja, tais leis, regras e
tendências estão contidas, inseparavelmente, na sua natureza.
A linguística oicialmente inaugurada com o registro do pensamento saussu-
riano no CLG e apresentada, geograicamente, aos pensadores de alguns países
do continente europeu, por intermédio de conferências denominadas Círculos
Linguísticos, apresenta-se, enquanto ciência, com características próprias que
delimita um objeto de estudo. No entanto, é preciso tecer algumas considerações
sobre esse objeto de estudo da linguística, enquanto componente essencial das
pesquisas desenvolvidas pelos linguistas que encontrou, nessa ciência, um lugar
“[...] para uma hipótese, para um ‘ponto de vista’, e a indicação de um objeto e
de um método. Esse objeto é a ‘língua’, componente social da linguagem, que se
impõe ao indivíduo e se opõe à ‘fala’ [...]” (DUBOIS et al., 2001, p. 391).
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tradas nas estruturas, ou centradas em princípios gerais, centradas no
conhecimento linguístico do falante, ou centradas no uso, as diversas
correntes explicitam seus princípios e oferecem suas análises, seguindo
tais princípios.
É por conta dessa airmação que Saussure nomeia a língua como o objeto de estudo
da linguística com o objetivo de tomá-la como norma de todas as outras manifesta-
ções da linguagem, pois, segundo ele, mesmo diante de tantas dualidades, somente
ela parece suscetível de uma deinição que a caracteriza como um sistema de sig-
nos convencional e articulado, ocupando o primeiro lugar no estudo da linguagem.
Delimitamos o objeto de estudo da linguística, pois essa informação é essen-
cial para avançarmos neste campo do conhecimento que tem como objetivo o
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Como estamos tratando de uma ciência que tem por objetivo reletir, cienti-
icamente, sobre a linguagem humana, é necessário estabelecermos algumas
subdivisões tanto para auxiliar na compreensão quanto para didatizar a apresen-
tação de elementos básicos constituintes da linguística e que causam “confusão”
entre os leigos que se apropriam dos referidos termos como algo uniicado
(tomam um pelo outro). Há uma indagação saussuriana que conirma a existên-
cia de outros elementos, além da língua, para a ciência linguística:
Mas o que é a língua? Para nós, ela não se confunde com a linguagem; é
somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao
mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um con-
junto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permi-
tir o exercício dessa faculdade nos indivíduos (SAUSSURE, 1993, p. 17).
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forma bastante ampla, a sistemas
de comunicação, e isso justiica sua
impossibilidade de ser eleita o objeto
de estudo da linguística, pois:
[...] o termo ‘linguagem’ apresenta mais de um sentido. Ele é mais co-
mumente empregado para referir-se a qualquer processo de comuni-
cação, como a [...] linguagem corporal, a linguagem das artes, a lin-
guagem da sinalização, a linguagem escrita, entre outras (CUNHA,
COSTA e MARTELOTTA, 2013, p. 15) .
Isso posto, o conceito de linguagem é mais amplo do que aparenta ser à primeira
vista, pois se refere não somente à linguagem verbal, mas também a todo e qualquer
conjunto de sinais empregados pelo ser humano para estabelecer comunicação, seja
por meio de sinais auditivos, visuais, seja por meio de linguagem corporal ou verbal.
Esses sinais são convencionados por determinada comunidade, a im de permi-
tir o entendimento mútuo ou, em certos casos, também o sentimento de exclusão.
Os autores salientam que, dentro desta concepção teórica, as línguas naturais,
como o português, o inglês, o francês, o italiano etc., são formas de linguagem
pelo fato de constituírem enquanto instrumentos capazes de possibilitar o pro-
cesso de comunicação entre os membros de uma comunidade. Assim, a linguagem
é compreendida como uma habilidade exclusiva dos seres humanos pensada
pelo linguista, enquanto proissional que não está interessado apenas na estru-
tura particular dessas línguas naturais, mas nos processos que fazem parte de
sua base de utilização, enquanto instrumentos de comunicação.
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VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: É PRECISO ELIMINAR PRECONCEITOS
como “errada” e, por conta disso, aqueles que falam e escrevem desse modo, são
vítimas de preconceito) ocorre mediante um retorno histórico à língua latina e
às origens da língua portuguesa. As palavras latinas, como placere, clavu e blandu
foram incorporadas à língua portuguesa como prazer, cravo e brando, justii-
cando, por analogia, os motivos que levam os falantes da nossa língua materna
a enunciar dessa forma.
Outros fatores que podem ser registrados nesta variação são os avanços tec-
nológicos que, em pouco tempo, torna uma palavra obsoleta. Como exemplo,
basta tentar um diálogo com um adolescente envolvendo assuntos sobre disco
de vinil, ita magnética, disquete para perceber que a maioria não tem conheci-
mento sobre o signiicado de tais palavras.
b) Variação diatópica (ou regional): refere-se à região onde o falante nasceu
ou reside, possibilitando variações na pronúncia, na morfologia ou sin-
taxe e no vocabulário (lexical) de um mesmo objeto. Essa variação pode
estigmatizar quando é capaz de distinguir o falante como pertencente à
zona rural ou falares urbanos de pessoas que habitam nas periferias e que
não conseguem ascender socialmente, por não ter acesso à escolarização
e aos serviços públicos básicos. Para Guimarães (2012), o preconceito
não está ligado ao fato linguístico propriamente dito, mas às condições
sociais e econômicas dos falantes. Como exemplo, apresentamos as seguin-
tes situações:
1. Variação na pronúncia: o r retrolexo, considerado caipira, comumente
enunciado por pessoas das zonas rurais de São Paulo, sul de Minas e
do Paraná. Ex: po[ ]ta, ve[ ]de, ma[ ], ca[ ]ta.
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camada social e cultural do indivíduo, há também os seguintes fatores:
1. Escolaridade: quanto maior o grau de escolarização, maior é a proba-
bilidade de fala ou escrita aproximar-se da norma padrão culta. Ex.:
o falante escolarizado diminui a possibilidade de cometer a síncope
da consoante d em verbos no gerúndio (cantano, andano, correno em
vez de cantando, andando, correndo).
2. Faixa etária: por um lado, falamos diferente do modo como nossos
pais ou avós falam e, por outro, do modo como nossos sobrinhos,
ilhos ou netos falam.
3. Gênero: há pesquisas sociolinguísticas voltadas à questão de gênero,
e já se comprovou que homens e mulheres apresentam diferenças
notáveis no modo de se expressarem. De uma forma geral e diante
do mesmo nível de escolarização, as mulheres tendem a obedecer à
norma padrão com mais regularidade do que os homens. Como exem-
plo, elas comumente mantém com mais regularidade o s e o m como
marcas de plural no inal das palavras (as crianças nadam).
4. Proissão e grupos sociais: cientistas (descobrimos que Bauhinia for-
icata - árvore com nome popular de pata de vaca - é uma planta
eicaz para relorestamento de áreas degradadas), policiais (os 3 ele-
mentos roubaram o banco e saíram em fuga) , médicos (infelizmente,
o paciente não resistiu e veio a óbito). Há também marcas linguísticas
- comumente denominadas gírias - de grupos especíicos como suris-
tas, skatistas, fãs de música sertaneja etc. - que se unem por ainidades.
d) Variação diafásica (ou de registro formal e informal): é a alteração do registro
de fala condicionada ao grau de formalidade da situação comunicativa em que
eleito o objeto de estudo oicial desta ciência. Além das distinções aqui registra-
das, é preciso, também, pensar sobre a(s) gramática(s) enquanto instrumento de
ensino de língua materna e estrangeira, mas vislumbradas a partir de conceitua-
ções pertencentes ao senso comum e que precisam ser, urgentemente, desfeitas
por aqueles que atuarão proissionalmente com o ensino de tais línguas.
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Você já parou para pensar que somente as línguas mortas são estáticas, imu-
táveis e petriicadas? Já percebeu que a nossa língua portuguesa brasileira é
lexível, variável e mutável?
(Pedro Celso Luft)
TIPOS DE GRAMÁTICAS
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Segundo o autor, a cultura grega daquele tempo tinha como preocupação ditar
padrões que reletissem o uso ideal da língua grega, por meio da imposição do
dialeto ático, que passou a ser o dialeto oicial da Grécia como consequência da
hegemonia política e cultural de Atenas, conquistada nas guerras contra os persas.
A base dessa gramática fundamenta-se em textos literários de escritores do
passado, negligenciando o tratamento dado ao uso efetivo da língua. Assim, as
características do estado atual da língua são deixadas de lado, apresentando,
no lugar delas, arcaísmos que não se usam na língua atual. Segundo Martelotta
(2013), ela apresenta uma visão preconceituosa do uso da linguagem e, por isso,
não fornece aos estudiosos uma teoria adequada para descrever o funcionamento
das línguas, justiicando, portanto, a ausência de caráter cientíico.
É nessa questão que se pode perceber o caráter prescritivista (prescreve, dita
as regras a serem seguidas) da gramática tradicional, visto que ela se preocupa
mais em elencar exceções, a im de que o falante evite “erros”, resultando em um
conjunto de regras esparsas e complexas. Além disso, ela nutre deinições vagas,
impossibilitando a compreensão dos fatos da língua que, normalmente, resumem
nas tradicionais classes de palavras, fazendo parte dos projetos pedagógicos para o
ensino de língua portuguesa brasileira como um conjunto de regras que devem ser
seguidas (ao menos deveriam, segundo a gramática tradicional). Mas a realidade
cotidiana dos falantes da nossa língua materna apresentam outros resultados, na
produção de regras que, de fato, são seguidas, explicada pela gramática descritiva.
b) Gramática descritiva: a língua, devido ao seu caráter sistêmico, apresenta
regularidade e organização estrutural. Tais características são passíveis
de análise e, consequentemente, de descrição das regras que são segui-
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c) Gramática internalizada: independentemente das regras que devem
(deveriam) ser seguidas pela gramática tradicional e as que são segui-
das e apresentadas pela gramática descritiva, há também as regras que
o falante domina, estabelecida de forma natural e paulatina na memória
dos usuários, por meio das relações sociais com os demais membros da
sua comunidade linguística. Segundo Possenti (1996), é por meio dessa
gramática que os falantes são habilitados a produzir frases compreensí-
veis e reconhecíveis como pertencente a uma língua – no nosso caso, a
língua portuguesa brasileira.
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a) Quais são as propriedades deinidoras da linguagem humana?
b) As outras espécies também possuem capacidade inata de linguagem?
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Predisposição inata, mas precisa ser
como programação genética de ação e
aprendida (aspecto cultural).
reação.
Compõe-se de signos linguísti-
Compõe-se de dados físicos, mediante cau-
cos arbitrários, convencionados
salidade natural e seu conteúdo é global,
e articulados, decomponíveis em
não articulado e indecomponível.
elementos menores.
Quadro 1-Linguagem humana e códigos dos animais
Fonte: a autora.
Por esse motivo, airma-se que as palavras são arbitrárias e convencionais, ou seja,
estabelecidas, mediante uma espécie de acordo, por uma comunidade linguís-
tica. Além das características já apresentadas, a linguagem humana também se
deine como duplamente articulada, sendo, pois, organizadas, simultaneamente,
em dois níveis distintos: o morfema e o fonema. Segundo Benveniste (2005):
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ou partes do corpo. Ressigniicando tal termo dentro do campo da linguagem,
ao airmar que a língua é articulada, signiica que os enunciados produzidos em
uma língua são divisíveis em partes/unidades menores, pois eles resultam da
união de elementos encontrados em outros enunciados.
Vamos exempliicar com a metáfora da locomotiva, por meio do enunciado:
as malas são bonitas. Cada elemento/parte (os vagões da locomotiva) de As-malas-
são-bonitas é autônomo e pode ser retirado ou deslocado para outros enunciados,
dependendo do interesse comunicativo do falante e das regras de formação da sua
língua (neste caso, a língua portuguesa brasileira). Se retirar o elemento -s- de -as-,
-malas-, -bonitas- passa a ser -a-, -m-a-l-a-, -bonita-. Neste caso, a retirada do
elemento -s- fez o enunciado perder sua marca de plural (denominado como desi-
nência de número), passando para o singular. Nesse exemplo, o -s- é denominado
um morfema, pois possui a menor unidade signiicativa da estrutura gramatical
de uma língua, determinando seu estado de plural (mais de um).
Ao observar o adjetivo -bonita-, veriica-se que a vogal -a- é uma desinên-
cia que marca o gênero feminino (bonito, bonita). Neste caso, o -a- de bonita
é um morfema, pois é a menor unidade signiicativa que marca o gênero do
enunciado. O morfema, ao ser identiicado nos enunciados por meio de radi-
cais, vogais temáticas, preixos, suixos e desinências, faz parceria com outro
elemento denominado fonema. Este é deinido, por Martelotta (2013), como inte-
grante da parte fonológica das línguas e é utilizado para formar o corpo sonoro
do vocábulo, possuindo função distintiva, pois, se trocar o som /a/ de -mala- e
acrescentarmos o som -u-, obteremos um novo enunciado (-mula-).
O exemplo capacita-nos a compreender a linguagem humana como dupla-
mente articulada, porque sua manifestação ocorre mediante a união de elementos
menores: o morfema que possui unidades signiicativas mínimas e o fonema (do
grego som, voz) que signiica o menor elemento sonoro capaz de estabelecer a
distinção das palavras (de mala para mula, de pote para bote).
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AFINAL, PARA QUE SERVE A LINGUÍSTICA?
Pensar sobre a língua, a partir da análise de discurso, vai além das regras gra-
maticais e dos estudos das frases, pois se considera sua opacidade e incompletude
capazes de produzir diferentes efeitos de sentidos, diante de enunciados produzidos
por indivíduos (sujeitos) atrelados à história e ao social. Um assunto rico para com-
preender as posições ocupadas pelos seus sujeito e, como exemplo, apresentamos
o enunciado “ocupar”. Apesar da neutralidade (inocência) desse verbo, ele possui
diferentes efeitos se for enunciado por um grupo sem terra ou sem teto, já que para
os proprietários de tais terras ou moradia, o mesmo ato se torna uma “invasão”.
A linguística também oferece subsídios para se estudar a sociedade, por meio
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da sociolinguística, que permite promover uma conluência entre a sociedade que
se serve da língua, sobretudo, a inluência dos fatores sociais sobre ela que “se inte-
ressa particularmente pelos dialetos sociais ou registros, procurando caracterizá-los
e compreendê-los dentro do estatuto social de seus usuários” (BORBA, 1998, p. 80).
Para Bagno (2013), essa disciplina do campo da linguística fornece subsídios
teóricos para eliminarmos os preconceitos cristalizados em nossa sociedade que
também faz da língua um instrumento de manutenção da desigualdade social e
das permanentes lutas de classes. No dizer de Borba (1998), a variante linguística
que empregamos pode tanto nos valorizar quanto nos depreciar e, para exem-
pliicar, ele cita a variante carioca enquanto sinônimo de soisticação chique e o
dialeto caipira (principalmente do sul de São Paulo) como grosseiro.
Tais situações fazem-nos reletir que estudar a diversidade da língua em um
mesmo território (ou mesmo de outros países) também aprimora não só as questões
culturais, mas também as políticas que mantém, veladamente, o analfabetismo fun-
cional tal qual aqui no Brasil, Haiti e em muitas regiões africanas, e a manutenção de
preconceitos em relação a línguas de povos desvalorizados pela cultura capitalista.
Por intermédio da psicolinguística, Borba (1998) airma que se estuda o com-
portamento do indivíduo por meio de sua participação do processo comunicativo,
procurando desvendar suas intenções – sensações, percepções, recordações, pen-
samentos, conceitos. Para o autor:
[...] codiicar, decodiicar, interpretar, responder são atitudes psicoló-
gicas dos usuários do sistema linguístico, e é essa área de atuação da
psicolinguística que abrange, então, os processos ligados à aquisição da
linguagem, ao desenvolvimento da linguagem infantil, à aprendizagem
de uma segunda língua (BORBA, 1998, p. 82).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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ção especíica para um mercado de trabalho que oferece várias oportunidades
de atuação, principalmente, o ofício de professor(a) e/ou pesquisador(a).
Por isso, fez-se necessário desestabilizar o senso comum, na apresentação
de diferenças conceituais entre linguagem, língua e fala, explicitando suas dife-
renças teóricas como fonte de compreensão que, entre outras coisas, tem na
variação justiicativas de que elas não ocorrem ao acaso, imobilizando as causas
inócuas de mais um preconceito que vitimiza milhares de pessoas: o preconceito
linguístico (não esqueçam de assistir ao vídeo do linguista Marcos Bagno, dis-
ponível na leitura complementar).
As gramáticas tradicional, descritiva e internalizada também foram apre-
sentadas no intuito de não só de exempliicar algumas das diversas gramáticas
existentes, mas também desmistiicar discussões que apresentam somente a gra-
mática tradicional como a única fonte de saber dessa língua inerente (exclusiva)
da espécie humana, conforme foi apresentado no tópico que tece diferenciações
entre ela e os códigos de interação emitidos por outras espécies.
Agora que somos detentores desse conhecimento, precisamos ampliar nos-
sas relexões, por meio de um retorno histórico e temporal sobre os estudos da
linguagem humana dos nossos ancestrais e que será apresentado na Unidade II.
O QUE É LINGUÍSTICA?
Eni Orlandi é uma linguista que, ao longo de sua carreira, publicou várias obras para tra-
tar, especiicamente, da língua. Dedicamos o espaço para uma obra que traz importan-
tes elucidações sobre a história da linguística, desde o desenvolvimento do pensamento
linguístico, por meio de abordagens que retratam seus precursores, até a linguística mo-
derna, a sua aplicação, bem como as suas concepções acerca do objeto de estudo que
têm em comum: a língua.
Assim, no primeiro capítulo, a autora discute a necessidade humana de obter conheci-
mento que, por sua vez, ocorre, sobretudo, via linguagem. Por isso, segundo ela, o inte-
resse do homem pela linguagem remonta aos tempos mais longínquos, embora tenha
alcançado status de ciência somente a partir dos estudos de Ferdinand Saussure, com o
advento da Linguística Moderna.
Antes de se ater, contudo, a esse momento em si, a autora destaca obras e autores cujas
contribuições foram decisivas: tratam-se, por exemplo, das gramáticas gerais do século
XVII e das gramáticas comparadas do século XIX, que constituem os alicerces sobre os
quais se assentaram as bases de duas tendências dos estudos linguísticos: o Formalismo
e o Sociologismo.
Já no terceiro capítulo, a autora dá prosseguimento à sua obra destacando como marco
inicial da Linguística Moderna o Curso de Linguística Geral, de Ferdinand Saussure. Den-
tre os principais postulados dessa obra está o estabelecimento de quatro disciplinas que
correspondem, por seu turno, a diferentes níveis de análise: fonologia, morfologia, sin-
taxe e semântica. A partir dessas deinições, Saussure apresenta, também, as chamadas
dicotonomias (língua X fala; sincronia X diacronia; sintagma X paradigma; signiicado X
signiicante). Assim, segundo o estudioso, a linguística deveria se dedicar, primeiramen-
te, ao estudo da Langue, ou seja, da língua, e, por extensão, deveria considerar a sincro-
nia. Deinia-se, então, aquilo que Ferdinand denominou Sistema e que, posteriormente,
foi deinido por seus sucessores por Estrutura.
Orlandi ensina-nos que o estudo das estruturas linguísticas deu origem a outra linha de
pensamento linguístico, que é o Funcionalismo. Essa linha, por seu turno, considera as
funções dos elementos desempenhadas sob qualquer um de seus aspectos.
51
No vídeo indicado, o linguista Marcos Bagno discute questões sobre a língua e suas
variações, o preconceito linguístico e suas consequências sociais. Acesse: <https://
www.youtube.com/watch?v=UbdSNWv9XDQ&feature=youtu.be>.
53
REFERÊNCIAS
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2013.
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vak e Maria Luisa Neri. 5. ed. Campinas: Pontes, 2005.
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CAGLIARI, L. C. Alfabetização & linguística. 10. ed. São Paulo: Scipione, 2001.
CÂMARA JÚNIOR, J. M. História da linguística. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
CUNHA, A. F.; COSTA, M. A.; MARTELOTTA, M. E. Linguística. In: MARTELOTTA, M. E.
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DUBOIS, J. Dicionário de linguística. São Paulo: Cultrix, 2001.
FIORIN, J. L. Prefácio. In: ______.(Org.) . Introdução à linguística. 6. ed. 2. reimp. São
Paulo: Contexto: 2012.
GUIMARÃES, T. C. Comunicação e linguagem. São Paulo: Pearson, 2012.
LUFT, P. C. Língua & liberdade: por uma nova concepção da língua materna e seu
ensino. Porto Alegre: L&PM, 1985.
LOPES, E. Fundamentos da linguística contemporânea. São Paulo: Cultrix, 2003.
MARTELOTTA, M. E. Conceitos de gramática. In: ______. Manual de linguística. 2.
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ORLANDI, E. P. O que é Linguística. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2009.
NEVES, M. H. M. A gramática: história, teoria e análise, ensino. São Paulo: UNESP,
2002.
POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado das
Letras, 1996.
SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo
Paes e Izidoro Blikstein. 17. ed. São Paulo: Cultrix, 1993.
WEEDWOOD, B. História concisa da linguística. Tradução de Marco Bagno. São
Paulo: Parábola, 2012.
REFERÊNCIA ON-LINE
1
Em: <https://www.youtube.com/watch?v=9LA-8nzO9XE>. Acesso em: 27 dez. 2017.
GABARITO
1.
a) A linguística é uma ciência que tem o objetivo de estudar a linguagem humana.
b) O objeto de estudo da linguística é a língua.
2.
a) Refere-se à linguagem humana, considerando o deslocamento temporal e
espacial, signiica que o falante, de qualquer idioma, consegue se referir ao
momento presente, passado ou futuro. Além disso, ele também consegue se
locomover em diferentes espaços (aqui, lá, na rua, cinema etc.).
b) O ser humano saudável (sem nenhuma patologia) nasce pronto para se comu-
nicar. No entanto, para que tal habilidade seja desenvolvida (apesar da predis-
posição inata), ele precisa estar inserido em uma comunidade com pessoas que
fazem uso prático dessa habilidade, justiicando a transmissão entre as gerações.
c) A arbitrariedade e a convencionalidade é uma característica dos signos lin-
guísticos que justiica a relação não natural (artiicial) e, portanto, convencio-
nal (uma espécie de acordo entre os falantes) entre a forma linguística e o seu
signiicado.
3. Alternativa E.
4. Alternativa D.
5. Alternativa C.
Professora Dra. Vera Lucia da Silva
II
ESTUDOS DA LINGUAGEM
UNIDADE
HUMANA: PERCURSO
HISTÓRICO
Objetivos de Aprendizagem
■ Apontar, cronologicamente, os primeiros estudos linguísticos.
■ Apresentar como os estudos da linguagem ocorreram no antigo
Egito.
■ Compreender o modo como ocorreu os estudos da linguagem na
Índia antiga.
■ Conhecer o método dos estudos da linguagem na Arábia antiga.
■ Compreender o modo como se desenvolveu os estudos da
linguagem na Grécia antiga.
■ Reletir sobre os estudos da linguagem na antiga Roma e estabelecer
relações entre esta e a língua portuguesa de Portugal.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ A linguagem humana no túnel do tempo
■ Os estudos da linguagem no Egito
■ Os estudos da linguagem na Índia
■ Os estudos da linguagem na Arábia
■ Os estudos da linguagem na Grécia
■ Os estudos da linguagem em Roma
57
INTRODUÇÃO
Nesta unidade, faremos uma incursão nos períodos históricos dos estudos da
linguagem, apresentando a forma como os povos antigos, a saber, os egípcios,
hindus, árabes, gregos e romanos, desenvolviam seus estudos sobre a linguagem,
conforme os interesses de cada civilização.
O objetivo principal é iniciar uma relexão sobre os referidos estudos, de
modo a anunciar os preceitos básicos sobre como eles ocorreram e se desen-
volveram, possibilitando a você, aluno(a), o início de um pensamento cientíico
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Introdução
58 UNIDADE II
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A LINGUAGEM HUMANA NO TÚNEL DO TEMPO
sistemas alfabéticos, tendo sido adaptados pelos gregos, chegando aos nossos
dias. Por conseguinte, tais estudos nas diferentes civilizações se desenvolveram
à medida que surgia a necessidade de preservar e descrever a língua, bem como
uniicar os territórios conquistados.
Antes de chegarmos às questões relacionadas às teorias linguísticas moder-
nas, que serão apresentadas nas unidades IV e V, ou seja, para a fase da linguística
propriamente dita, faremos uma incursão nos diferentes períodos históricos deno-
minados como pré-linguísticos, de acordo com Câmara Júnior (2011). Isso se
faz necessário pelo fato de as obras e tratados, criados em tais épocas, apresen-
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tarem grande repercussão e exercerem enorme inluência ainda hoje, tal qual a
gramática normativa prescritivista, pensada, pelos estudiosos da Grécia antiga,
há mais de 2000 anos e que ainda perdura nas aulas de ensino de língua portu-
guesa, apesar dos inúmeros debates em torno da pouca aplicabilidade, diante
das mutações em que passaram o português brasileiro.
Para o autor, o interesse das nações em desenvolver tais estudos justiica-se
na trivialidade da linguagem em nossa vida social, pois as pessoas, já nos primei-
ros anos de suas vidas, começam a falar de um modo tão natural, espontâneo e
inconsciente, quanto o ato de caminhar. No entanto, conforme a sociedade foi se
desenvolvendo e, por conta disso, tornando-se mais complexa, houve necessidade
de registrar acontecimentos, preservar culturas, religiões, estabelecer acordos polí-
ticos etc. Para que isso ocorresse, fez-se necessário inventar a escrita, percebendo:
[...] existência de formas linguísticas, à medida em que eles tentam re-
duzir os sons da linguagem à modalidade escrita convencional. É uma
nova atitude social que faz com o pensamento humano focalize, com
atenção, as maneiras como falamos [...]. Cria-se, desse modo, um novo
clima na vida social em relação à linguagem e seu estudo pode desen-
volver-se através do impacto de fatores sociais e culturais (CÂMARA
JÚNIOR, 2011, p. 16).
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Por isso, os estudos sobre a linguagem sempre fez (e faz) parte da nossa
história e vai sendo reconigurada, conforme as necessidades e evoluções do
momento social. Para exempliicar, basta pensar um pouco sobre a escrita nos
aparelhos eletrônicos, por meio dos teclados, mecanismos de captura de voz etc.
A criação da escrita consequentemente também deu origem à necessidade de
ensiná-la, surgindo inúmeras escolas de escribas, sobretudo no Egito, na Suméria
e na Babilônia, diante da necessidade de se aprender a ler e escrever, bem como
da preservação de aspectos básicos de manutenção da unicidade, nacionalidade,
religiosidade e cultura das civilizações.
Segundo Janson (2015), estamos lidando com questões a serem pensadas
por meio de suposições, pois conforme a maioria dos autores que pesquisam a
temática acreditam, tais estudos sobre a linguagem, provavelmente, originaram-
-se com a invenção da escrita pelos povos sumérios, na Mesopotâmia, em uma
região entre os rios Tigre e Eufrates, por volta de 3.000 a.C. Para o autor, o povo
sumério, antes de desaparecer e serem sucedidos pelos acadianos e estes pelos
assírios, deixou um sistema de escrita denominado cuneiforme (caracteres em
forma de cunha) registrado em tabuinhas de argila e, posteriormente, dissemi-
nados e reconigurados segundo as necessidades sociais dos povos. Ademais, à
medida que as nações iam conquistando outros territórios e tendo contato com
outras civilizações e suas línguas, consequentemente surgiu a necessidade de
desvendar textos desconhecidos, conforme será relatado nos tópicos seguintes.
Segundo Janson (2015), a civilização egípcia, por ser um Estado forte, centra-
lizado e populoso, que controlava parte da região do rio Nilo, disseminava sua
cultura, os monumentos, obras de artes e resquícios arqueológicos. A língua egíp-
cia, e seu registro pela escrita hieroglíica, era um instrumento imprescindível,
utilizado em acordos políticos, econômicos e administrativos do faraó. Outro
fato registrado pelo autor está no empreendimento de construção das pirâmides
que, diante da necessidade de milhões de operários para construí-las e toda uma
logística de gestão dessas pessoas, era essencial falar a mesma língua.
Já temos informações sobre o fenômeno da variação linguística e sua perma-
nente possibilidade de mudanças e fragmentações, conforme foi apresentado na
Unidade I. Fato que faz emergir alguns questionamentos sobre como um Estado
manteve seu povo falando a mesma língua, sem deixar predominar os diversos
dialetos constituintes de todos as nações. Para o autor, a língua falada egípcia
mudou (como todas mudam), mas foi impedida de se subdividir pela homoge-
neidade política do Estado, e a necessidade de uma comunicação uniicada por
todo o país manteve-se por meio do sistema hieroglíico, pois:
[...] aqueles que habitavam o Império do Egito simplesmente tinham
de icar apegados à língua egípcia. Esse país é o primeiro exemplo de
como um povo falando uma língua estabeleceu um grande Estado e o
dominou por muito tempo. A língua e o Estado se tornaram, por assim
dizer, aliados, apoiando-se reciprocamente (JANSON, 2015, p. 67).
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escrita de documentos oiciais. Para a maioria da população analfabeta, além de
pagar os impostos, restava apenas visualizar as “diversas inscrições, em geral glo-
riicando o faraó ou alguma outra pessoa importante, e inúmeros monumentos
funerários. Mas, afora isso, eram raríssimos os textos que o público geral pudesse
ler” (JANSON, 2015, p. 70).
Conforme o registro do autor, a língua egípcia foi oicialmente utilizada
pelo Estado por cerca de 2.700 anos, perdurando até a conquista do Egito por
Alexandre, em 323 a.C. Um acontecimento que deu início ao seu enfraqueci-
mento, em virtude da concorrência com a língua grega. Mas há outras civilizações
que é importante termos acesso, para compreendermos aspectos que inluencia-
ram direta e indiretamente na formação de uma conjuntura sobre os estudos da
linguagem. Como excesso de espaço exemplo, apresentamos a Índia e a Arábia.
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mente formalizada, demonstrando, desde aquela época, uma preocupação com
a linguagem. Essa gramática apresentava um caráter descritivo e se preocupava,
em certa medida, com a variação linguística. Apesar de apresentar um rigor
lógico notável, a sua importância seria apenas considerada por volta do século
XIX, quando a gramática histórico-comparativa estava em seu apogeu.
Pãnini parte do signiicado e do objetivo comunicativo, passando pela mor-
fologia voltada às raízes dos verbos sânscritos, culminando com o tratamento
da sintaxe e preciosas informações sobre a fonética do sânscrito que se encon-
tram diluídas no corpo do texto principal da gramática. As explicações de Pãnini
apresentam-se como breves aforismos (ou sutras), de modo a facilitar a sua memo-
rização, dado que a gramática era voltada para ins rituais. Além de terem sido
revolucionários relativamente à descrição gramatical, os hindus também obti-
veram realizações notáveis no campo da lexicograia e da etimologia.
Outros pensadores hindus, por sua vez, voltaram a sua atenção para a ilo-
soia da linguagem, tratando, inicialmente, dos contos mitológicos e dos textos
religiosos e, posteriormente, dos trabalhos ilosóicos e gramaticais. A língua era,
por eles, reconhecida como a divindade suprema, e a discussão dos problemas
da linguagem era característica comum a praticamente todos os representantes
dos principais sistemas ilosóico-religiosos hindus. Essas ideias, que formaram
a base das tradições linguísticas védicas hindus, espalharam-se muito além das
fronteiras da Índia, muitas vezes atreladas ao budismo, e continuaram sendo
desenvolvidas na Idade Média e na Índia moderna.
Posteriormente, ou seja, com os estudos sobre a linguagem desenvolvidos
pelos comparatistas, durante o século XIX, a língua sânscrita, incluindo-se aí
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conquistadas, sem alterar a palavra
sagrada, respeitando a preservação
do texto original e a pureza da lín-
gua e um interesse extremo pela
fonética. Isto é, um trabalho con-
siderado como a mais importante tarefa nacional, diante das necessidades de
imposição da língua, da cultura e da religião do império árabe às nações inva-
didas e, por conta disso, obrigadas a se submeterem aos costumes do invasor.
Sobre essa questão, argumenta-se que:
[...] nas sociedades conquistadas pelo império árabe começa-se a
aprender a língua, e a escrita árabe torna-se juntamente com o Corão
o objeto de uma sacralização. Já não se escreve apenas para ixar uma
fala: a escrita é um exercício ligado à prática da religião, é uma arte, e
cada povo utiliza o seu estilo ornamental próprio na execução dessas
graias (KRISTEVA, 1969, p. 155).
Uma das ações da política de conquista árabe era substituir as línguas dos povos
conquistados e aplicar a língua árabe nos campos administrativos, comerciais
militares, de icção, ilosóicos e, principalmente, no religioso. Esse interesse
expansionista em disseminar sua língua e religião permitiu, a partir do século
II, a criação das primeiras escolas linguísticas, entre as quais, as mais importan-
tes é de Basra e, posteriormente, a de Cufa.
O registro da primeira gramática árabe é dedicado ao fundador Abu l-Aswad
al-Du’ali, mas foi somente por meio da obra Al-Kitab, redigida por um aluno
de Siibawayhi que se pôde considerar como o primeiro tratado gramatical da
língua árabe de que se tem notícia, datado do século VIII d.C. O que se percebe
no objetivo principal dessa obra é: ensinar o árabe, língua do corão, a outros
povos e também preservar a forma do árabe clássico.
Entre as escolas de Basra e de Cufa, ocorriam constantes debates a respeito
da gramática da língua árabe. Basra apresentava uma visão analogista, com ten-
dências puristas, aderindo às normas clássicas da língua poética e do corão; Cufa,
por sua vez, apresentava uma visão anomalista, admitindo a existência de anor-
malidades, especialmente no campo da sintaxe e enfatizando a língua falada.
Assim, a gramática tinha um objetivo primordialmente pedagógico, pois
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visava a ensinar a língua árabe. Nessa obra, Siibawayhi procura detalhar muitos
fenômenos sintáticos, morfológicos e fonéticos com base nos conhecimentos
desenvolvidos por vários antecessores e contemporâneos. A sua gramática repre-
senta o modelo gramatical para o mundo árabe, da mesma forma como a obra
de Pãnini representa o modelo gramatical para o mundo hindu.
A escrita árabe, segundo Janson (2015), tornou-se tão imutável e estável
quanto o latim e tinha uma autoridade incontestável por ter sido baseada em
texto sagrado, mantendo-se o modelo arcaico ainda nos tempos atuais e provo-
cando problemas por causa da variação oralizada, dialetos locais, neologismos
etc. Sobre essa divergência, o autor faz o seguinte relato:
a situação linguística sem dúvida se transformará. Atualmente, o árabe
clássico escrito está em uso mais geral do que jamais esteve antes, visto
que o letramento se tornou a regra e as sociedades estão mudando. O
padrão escrito não pode permanecer inalterado, mas terá que se adap-
tar aos novos usuários e aos novos tipos de usuários. Já é evidente que
novos registros da língua escrita estão se desenvolvendo nas mensagens
eletrônicas, nos blogs e em outras instâncias (JANSON, 2015, p. 129).
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cientíicas sobre a linguística
dos nossos dias. Por isso, retor-
naremos até a Grécia Antiga,
pois a base da nossa língua
portuguesa brasileira tem sua
origem fundamentada no alfa-
beto grego, posteriormente
ressigniicada pelos romanos (latinos), vindo a ser a língua oicial de Portugal. Fato
que justiica a importância deste tópico, pois, durante muitos séculos, as relexões
ilosóicas dos gregos serviram de base para os estudiosos europeus sistematiza-
rem seus estudos, corroborando, sem dúvida, para o pensamento linguístico atual.
Segundo Kristeva (1969), o sistema de escrita do povo fenício serviu de base
e inspiração para os gregos criarem o seu alfabeto, adaptando a sua língua cujo
diferencial está na inserção das vogais e a designação de um nome para cada
letra (a: alfa; b: beta etc.), qualiicando o povo grego como o primeiro a utilizar
uma escrita alfabética e também como o inventor da gramática como sinônimo
da “arte de bem escrever”.
Weedwood (2002) airma que os gregos atribuíram à língua um lugar de
extrema importância diante das necessidades econômicas, sociais e de um voca-
bulário técnico e conceitual para solucionar os problemas daquela época. Em se
tratando dos estudos da linguagem no ocidente, a autora apresenta Platão como
o primeiro pensador europeu a elaborar relexões sobre esse campo do conheci-
mento que, desde aquela época, foi pensada, pelo ilósofo, como oscilante, móvel
e instável, ou seja, como algo que está em pleno movimento.
escrito por Platão (429-347 a.C), denominado Crátilo. Essa obra pode ser conside-
rada o primeiro tratado sobre a origem e a natureza da linguagem, apresentando
vários questionamentos e controvérsia entre naturalistas e convencionalistas.
Foi um tempo de muitos questionamentos na cidade de Atenas, pois os iló-
sofos pré-socráticos, entre eles Platão, identiicaram duas forças vitais, ou seja, a
phýsis que signiica a natureza, o poder inexorável que governa o mundo visível
e o nómos (ou thésis) que signiica convenção. Pensando exclusivamente sobre
a linguagem “os gregos se perguntavam se a conexão entre as palavras e aquilo
que denotavam provinha da natureza, phýsei, ou era imposta por convenção, thé-
sei” (WEEDWOOD, 2002, p. 25).
Tais questões permearam a obra (Crátilo) produzida a partir do diálogo de três
ilósofos – Crátilo, Hermógenes e Sócrates – que debatiam sobre a especiicidade
da língua. Crátilo sustenta que a língua espelha exatamente o mundo; Hermógenes
defende que ela é arbitrária; e Sócrates considera a posição dos dois. O pensamento
socrático defende que “as palavras são ferramenta: assim como uma lançadeira defei-
tuosa não pode ser usada para tecer, também as palavras precisam ter propriedades
que as tornem apropriadas ao uso” (WEEDWOOD, 2002, p. 25), para questionar
o pensamento de Hermógenes, pois, do contrário, ela não cumpriria sua função.
Nessa obra, Sócrates expressou uma visão comum aos gregos daquele perí-
odo, a de que, em algum tempo remoto, havia um legislador que dera a todas as
coisas o seu nome correto e natural, e de que as palavras imitavam a essência de
seus signiicados. Os naturalistas viam, nas relações entre as palavras e as coisas
às quais elas davam nomes, uma relação de similitude com os fatos do mundo e,
assim, as palavras constituíam, segundo eles, uma imagem exata deste.
Os convencionalistas, por sua vez, procuravam demonstrar que não havia qual-
quer forma de relação entre as palavras e as coisas por elas denominadas, e que as
palavras eram meras criações arbitrárias dos seres humanos. Essas considerações
levaram Aristóteles a defender uma forte relação entre linguagem e lógica, o que
deu origem à tendência de considerar o estudo da gramática como uma disciplina
subordinada à lógica e, por esse motivo, a linguagem passou a ser considerada um
relexo da organização do pensamento humano cujas regras internas estavam subor-
dinadas à lógica. Pelo fato de o pensamento ser considerado hegemônico, a lógica
aristotélica não estava preocupada em descrever aquilo que a linguagem expressava,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ou seja, a forma era colocada em primeiro plano, e o conteúdo em segundo plano.
Sócrates airma que as palavras devem ter sido inventadas por alguém humano
ou divino (um legislador denominado nomoteta), raramente encontrado entre
os humanos. Pelo pensamento platônico, cabia ao legislador:
estabelecer o nome conhecendo a forma ou a matriz ideal da coisa [...].
O nome imposto pelo legislador não se aplica diretamente à coisa, mas
sim através de um intermediário: a sua forma ou a sua ideia [...] por
mais natural que o nome possa ser, ‘a convenção e o uso, de certa ma-
neira, têm de contribuir necessariamente para a representação daquilo
que temos no espírito quando falamos’ (KRISTEVA, 1969, p. 131).
Sócrates apresenta alguns exemplos para explicar a possibilidade dual da língua tanto
ser natural quanto convencional/arbitrária: sôma (corpo) é assim chamado porque é
interpretado como um túmulo (sêma), justiicando, por um lado, o caráter natural da
língua, segundo o pensamento de Crátilo. Por outro lado, o L representa algo como
deslizar, por meio das palavras liparón (liso) e glískheron (viscoso), justiicando, tam-
bém, seu caráter natural e, por conseguinte, as conclusões de Crátilo. No entanto,
o L, em uma palavra que signiica dureza (sklérótés), coloca em dúvida as relexões
sobre a naturalidade plena da língua, justiicando os preceitos de Hermógenes.
Segundo a autora, a pretensão de Platão foi conscientizar o leitor de que há
um elemento de verdade nas duas posições (naturalista de Crátilo e arbitrária/
convencional de Hermógenes), pois há palavras que possuem correções intrín-
secas naturais (phýsis) e há outras em que esse aspecto não é detectado seja por
má formação, seja por terem sido corrompidas pelo tempo e, por isso, são enten-
didas como arbitrárias/convencionais (thései).
Segundo Kristeva (1969), Platão considera tanto o caráter natural quanto o
Segundo Kristeva (1969), coube aos estóicos elaborar uma teoria completa do
discurso, apresentando uma gramática pormenorizada, sem deixar de conside-
rar a ilosoia e a lógica. A Grécia, já no prenúncio da sua decadência, cria os
gramáticos – sábios, mas sem grande estatura intelectual – e professores cons-
cienciosos que ensinavam às novas gerações o difícil idioma de Homero.
Entre os vários mestres da língua, cabe apresentar Dionísio da Trácia (século II
a.C.), um alexandrino e autor da primeira gramática grega, na esfera ilológica da
Escola de Alexandria, uma importante colônia grega instalada no Egito, deinindo-a
como uma arte e um saber empírico da linguagem dos poetas e dos prosadores.
A preocupação desse momento era, predominantemente, literária e estética,
motivada pela intenção de ler as obras clássicas, sobretudo, as de Homero, e as
tornar acessíveis aos estudiosos daquela época. Além disso, diante da preocupa-
ção em preservar o grego clássico, as gramáticas gregas passaram a ser marcadas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
verbo, advérbio, preposição, conjunção e interjeição.
Como já foi dito, a base do que estudamos até hoje foi elaborada pelos gregos.
No entanto, a disseminação dos estudos da linguagem do povo grego somente tor-
nou-se parte da tradição ocidental dominante, por intermédio dos romanos. Para
Weedwood (2002, p. 33):
[...]embora tenham sido os gregos os elaboradores do sistema das partes
do discurso e de vários dos conceitos associados que ainda desempe-
nham um papel essencial na linguística moderna, o trabalho deles não se
transmitiu ao Ocidente por via direta, mas por intermédio dos romanos.
de forma mais aprofundada na próxima seção, que trata dos estudos gramati-
cais sobre a língua latina.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
obra Crátilo de Platão (elaborada no contexto grego) em Roma. Varrão inicia um
debate entre analogistas e anomalistas, tentando fazer uma conciliação entre eles
e esboça uma teoria normativa da linguagem - obviamente herdada dos gregos
– capaz de elaborar uma gramática contendo as regras consideradas corretas, ou
seja, conforme as categorias lógicas do grego, deixando de lado a possibilidade
de elaboração de uma teoria descritiva capaz de descobrir as particularidades da
sua língua materna romana. Seguindo os preceitos dos estóicos, Varrão defende
que a língua não é natural, mas anômala (anomalista) e sua primeira ação foi a
busca pela relação das palavras com as coisas, denominada etimologia.
De acordo com Kristeva (1969), é a segunda parte dos estudos da gramática
de Varrão que nos interessa, pois é nela que está registrado parte das classes de
palavras estudadas ainda hoje. Ele ocupou, neste espaço, das lexões das palavras
(morfologia), distinguindo as palavras variáveis das invariáveis, classiicando-a
em cinco categorias: nomes, verbos e seus tempos – presente, passado e futuro
–, particípios, conjunções e advérbios.
Para a autora, todas as nações passam por situações positiva e negativa e,
quando a Roma daquele tempo começou a fase de declínio, os estudos da lin-
guagem reconiguraram-se, atingindo sua glória por meio de gramáticos tardios,
como Donato (século IV da nossa era). Pela obra De partibus orationis Ars Minor,
o gramático tornou-se célebre na Idade Média, favorecendo um estudo para ins
didáticos e pedagógicos, ao elaborar um verdadeiro tratado de fonética. Entretanto,
a autora airma que é por meio do gramático de Constantinopla Prisciano e sua
obra Institutiones grammaticae que a gramática latina chega ao seu apogeu, pois
foi capaz de adaptar para o latim os ensinamentos dos gramáticos gregos, vindo
Desse modo, a língua era uma aliada íntima do Estado romano e, por isso, propa-
garam por toda a Itália, o latim oicial e falado pelos imperadores, obscurecendo
as diversas línguas faladas pelas classes baixas das províncias e outras regiões
conquistadas da Europa ocidental (hoje: França, Espanha, Portugal etc.), justii-
cando o francês, o espanhol e o português como línguas descendentes do latim.
Uma prova de que a visão prescritivista herdada dos gregos continua pre-
sente nos dias atuais é a descomedida valorização de alguns gramáticos tra-
dicionais pela imprensa em geral, relegando os estudos linguísticos a um
segundo plano, por parecerem, aos olhos de leigos, demasiadamente ino-
vadores, complexos e, até mesmo, reacionários.
Na sociedade, essa forma de pensar transigura-se em preconceito linguís-
tico: aquele que fala diferente é menosprezado, constituindo esta uma das
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mais nefastas consequências do obscurantismo apregoado por muitos
adeptos da gramática tradicional. Desconsiderar a diversidade linguística,
onipresente no fenômeno da linguagem humana, atribuindo-a à ignorância
dos falantes é, além de politicamente incorreto, uma atitude anticientíica.
Fonte: a autora.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações Finais
78 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
latina. Segundo o autor, no início do século XX, houve o domínio e a transferência da tradição
ocidental em direção a todas as outras tradições. A gramática é um exemplo de transferência
dessas tradições – corpo de regras que explica como se constroem palavras para aprender
falar, ler e escrever – deinida como uma técnica escolar destinada às crianças que dominam
mal sua língua ou que se dedicam à aprendizagem de uma língua estrangeira.
Aprende-se a falar a língua quotidiana falando, mas se há um sistema de escrita para uti-
lizá-lo, é preciso, antes, aprendê-lo, e isso determina e redobra a importância do papel
da escrita no desenvolvimento dos saberes linguísticos.
Entre os motivos que agem sobre o saber linguístico, o autor considera a administração
dos grandes Estados, a literarização dos idiomas e sua relação com a identidade nacio-
nal, a expansão colonial, o proselitismo religioso, as viagens, o comércio, os contatos
entre línguas, o conhecimento conexo com a medicina, a anatomia e a psicologia etc.
Ele também destaca o purismo e a exaltação da identidade nacional como fenômenos
quase universais na constituição, espontânea ou por transferência, de tais saberes. As
causas para isso podem ser várias: o aparelho de Estado e a administração, a expansão
de uma religião, a emergência de uma consciência nacional com ou sem uniicação po-
lítica, a dispersão de um povo etc.
Tais causas fortaleceram-se com o movimento renascentista, pois os vernáculos euro-
peus eram gramaticalizados, tendo como base as artes da tradição greco-latina, e a gra-
mática tornou-se a peça-mestra na técnica do conhecimento de língua. O livro impresso,
a exploração do planeta, a colonização e a exploração de territórios iniciam o processo
de descrição da maioria das línguas do mundo. O autor airma que “para um europeu do
século IX, o latim é antes de tudo uma segunda língua que ele deve aprender. A gramáti-
ca latina existe e vai se tornar prioritariamente uma técnica de aprendizagem da língua”
(AUROUX, 1992, p. 42).
Apesar dos protestos contra a imposição do molde latino aos vernáculos, sem essa tra-
dição gramatical, não haveria o que chamamos de linguística, pois foi por meio do latim
que houve o acesso a uma língua de administração, a um corpus sagrado, a uma língua
de cultura, às relações comerciais e políticas, às viagens, à implantação/exportação de
doutrinas religiosas e colonização.
Portanto, a história da gramatização convida a não abandonar totalmente uma concep-
ção cumulativa e progressiva em matéria de história das ciências, em proveito de uma
concepção puramente descontinuísta.
Fonte: adaptado de Auroux (1992).
MATERIAL COMPLEMENTAR
História da Linguagem
Júlia Kristeva
Editora: Edições 70
Sinopse: esse livro é indicado aos interessados em ampliar seus
estudos sobre a linguagem, partindo de uma concepção histórica que
contempla as origens, por meio de metodologias e causas que fizeram
as civilizações antigas se dedicarem a esta temática. A autora debruça-
se em um trabalho primoroso que apresenta as primeiras suposições da
escrita e, por conseguinte, o início de uma reflexão sobre a linguagem
e os seus desdobramentos posteriores. Kristeva, ao traçar a história
das civilizações primitivas e, consequentemente, o seu interesse pelas
questões da linguagem, possibilita a um leitor atencioso, a compreensão
de fenômenos que justificam as bases que solidificaram, em um aspecto
temporal e espacial, a ciência linguística atual, ao retomar povos como
os sumérios, acádios, hindus, gregos, romanos etc. É uma leitura que
exige fôlego e dedicação, pois ela desvia daquele conjunto de obras
que apresenta tais informações amparada em informações rasas, ao se
subdividir em partes que tentam abranger a quase totalidade que tratam
de aspectos gerais do conteúdo como os conceitos de signo, culminando no relato de um panorama
histórico da trajetória da temática, concluindo com a relação da linguagem com outras áreas. Vale a
pena ler a obra.
Comentário: para ampliar seu conhecimento acerca dos estudos históricos da linguagem, sugerimos,
como prioridade, a leitura da segunda parte.
85
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIA ON-LINE
1
Em: <https://www.letras.mus.br/palavra-cantada/881717>. Acesso em: 4 jan. 2018.
GABARITO
1. Alternativa D.
2. Alternativa E.
3. Alternativa A.
4. Naturalistas: os naturalistas defendiam que a relação entre a palavra e a coisa
designada era natural, ou seja, via na palavra a imagem exata daquilo que ela
representava.
Convencionalistas: os convencionalistas defendiam que a relação entre a pala-
vra e a coisa designada era arbitrária, ou seja, estabelecida como fruto da inven-
ção humana, mediante acordo (convenção), tornando-as incapazes de reletir,
perfeitamente, a realidade.
5. As pistas linguísticas fornecidas pela letra da música gramática e a apresentação
teórica disponível nesta unidade fornecem os indícios de que se trata das 10
classes de palavras pensadas pelos gregos e aprimoradas pelos latinos, ainda
estudadas por nós, nas aulas de língua portuguesa brasileira de qualquer curso
e em qualquer nível. As classes de palavras denominam-se: substantivo, artigo,
adjetivo, numeral, pronome, verbo, advérbio, preposição, conjunção e interjei-
ção e o fato de saber sobre elas de forma isolada e sem a aplicação nos textos,
não é suiciente para dominá-las em situações práticas cotidianas.
Professora Dra. Vera Lucia da Silva
III
OS ESTUDOS PRÉ-
UNIDADE
SAUSSURIANOS DA LINGUAGEM:
DA GRAMÁTICA ESPECULATIVA
À NEOGRAMÁTICA
Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar as vertentes teóricas da linguagem anterior a Ferdinand
de Saussurre.
■ Deinir os objetivos de estudos dessas vertentes teóricas.
■ Apresentar o aparato metodológico e conceitual das teorias do
pré-Estruturalismo.
■ Situar, historicamente, as teorias sobre a linguagem do
pré-Estruturalismo.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Os estudos da linguagem na Idade Média: a gramática especulativa
■ Os estudos da linguagem na Idade Moderna: a gramática geral ou de
Port-Royal
■ Do lado de cá do Atlântico: um passeio pela língua portuguesa
brasileira
■ Os estudos da linguagem na Idade Contemporânea: a gramática
histórica-comparativa e a neogramática
89
INTRODUÇÃO
Introdução
90 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
OS ESTUDOS DA LINGUAGEM NA IDADE MÉDIA:
A GRAMÁTICA ESPECULATIVA
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
OS ESTUDOS DA LINGUAGEM NA IDADE MODERNA:
A GRAMÁTICA GERAL OU DE PORT-ROYAL
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Características que para Cícero
denominava-se como urbanitas
e que, portanto, caracterizava-se
como artiicial, rígida e incapaz de
reletir a vida trepidante e mutável
do povo, permanecendo, por isso,
estável por muito tempo.
O latim coloquial ou corrente
era falado pelas classes inferiores da
sociedade romana (escravos, militares, gladiadores, marinheiros, agricultores,
barbeiros, sapateiros, taverneiros, artistas de circo etc.). Para o autor, essas classes
eram compostas por pessoas que encaravam o lado prático da vida, ou seja, eram:
homens livres e escravos, que se acotovelavam nas ruas, que se compri-
miam nas praças [...], que frequentavam os teatros, a negócio ou em busca
de diversões, toda essa gente, enim, que se passara pela escola, dela só
conservara os conhecimentos mais necessários ao exercício de sua ativi-
dade (COUTINHO, 1976, p. 30).
Foi o latim coloquial que se expandiu livremente, por causa da ruína do Império
Romano e, consequentemente, o fechamento de escolas e o desaparecimento da
aristocracia, passando a fazer parte do idioma comum para diferentes povos. As trans-
formações ocorridas em cada região proporcionaram o que o autor denomina como
o aparecimento de diferentes romances, ou seja, línguas regionais que apareceram
a partir de modiicações do latim e, posteriormente, originaram em várias línguas
neolatinas (ou línguas românicas), entre as quais enfatizamos a língua portuguesa.
Para nós, é importante saber que foi o latim coloquial que deu origem, ou seja, ser-
viu de vestígios para a formação das línguas românicas (de romances), entre as quais
se destacam: francês, italiano, espanhol e português. Esta é oriunda do latim vulgar,
ou seja, dos romanos pertencentes à classe humilde que o introduziram na Lusitânia
(região situada ao ocidente da Península Ibérica, conforme situado no mapa de 1096):
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Figura 1- Mapa da Península Ibérica
Fonte: Blog Passados e Tempos (2012, on-line)1.
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1297, denominando-se como Portugal, cuja fronteira perdura até os dias de hoje.
Coutinho (1976) considera o século XVI (mesmo período que se “descobriu”
o Brasil), como um século de ouro da literatura portuguesa. Como exemplo de
grandes autores, apresentamos os autos de Gil Vicente e as poesias épicas de
Luís de Camões, entre as quais, a mais importante é Os Lusíadas (1572). Foi
nesse período, também, que surgiu a primeira gramática de Fernão de Oliveira,
enquanto obra pensada para disciplinar a língua.
Com o advento do período histórico denominado grandes navegações (ou
expansão marítima), a língua portuguesa fez parte do projeto inicial das des-
cobertas do século XVI, e esse fato interessa-nos porque a língua que falamos
hoje é fruto dos desdobramentos dessa expansão, bem como da dissolução do
Império Romano e da vitória sobre o domínio dos mouros.
Fizemos um breve relato da base histórica de formação da língua portu-
guesa que, segundo Faraco (2016, p. 57) “a partir de meados do século XV [...],
na esteira da expansão marítima de Portugal, sai de suas fronteiras europeias e
se torna uma língua internacional”. Um evento expansionista que culminou na
“descoberta” do Brasil e, portanto, na imposição da língua do grupo colonizador.
Segundo Orlandi e Guimarães (2001), no ano de 1532 (início do século XVI),
começou, efetivamente, o processo de colonização brasileira, e a língua portuguesa,
transportada para o Brasil, começa a ser falada em um novo espaço, estabelecendo
condições para uma prática heterogênea em virtude do contato com as línguas dos
nativos (índios) que viviam na região. A formação da língua portuguesa, no Brasil,
subdivide-se em 4 períodos distintos, considerados pela autora de 1532 até o inal do
século XIX (momento em que o português constitui-se em língua nacional no Brasil):
tade do século XIX. Desde então o Brasil tem seus próprios instrumentos
linguísticos de gramatização, diferentes dos de Portugal. A gramatização
brasileira aparece como um novo elemento constitutivo deste outro espaço
de produção linguística (ORLANDI; GUIMARÃES, 2001, p. 24).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
cialmente imposta”.
O que foi exposto neste tópico é apenas uma noção introdutória sobre a
formação da língua portuguesa de Portugal e sua disseminação que resultou na
formação da língua portuguesa do Brasil, por meio da construção de um saber
sobre ela, bem como da produção de gramáticas que, implicitamente, abre lacu-
nas para reletirmos sobre a história do povo brasileiro com sua língua e suas
variações. Os desdobramentos de tais acontecimentos resultaram em uma ini-
nidade de questões sobre a língua portuguesa brasileira, reletida em diversas
obras produzidas por linguistas e disponíveis a todos que almejam um conhe-
cimento ainado sobre sua língua materna construída por meio de uma iliação
latina oriunda de um conjunto linguístico vindo do indo-europeu, mas com par-
ticularidades contadas pela história da formação linguística do povo brasileiro.
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OS ESTUDOS DA LINGUAGEM NA IDADE
CONTEMPORÂNEA: A GRAMÁTICA HISTÓRICA-
COMPARATIVA E A NEOGRAMÁTICA
Para iniciar este tema, vamos observar o registro das palavras mãe e pai, em lín-
guas diferentes, no quadro seguinte:
Quadro 2 - A transformação da língua
poder investigativo sobre a língua que, até então, nenhuma corrente teórica, pre-
ocupada com as questões da linguagem, havia conseguido.
Segundo Faraco (2005), o marco fundador desse movimento ocorre em 1816,
quando o ilólogo alemão Franz Bopp publicou a obra Sobre o sistema de conjugação
da língua sânscrita em comparação com o da língua grega, latina, persa e germânica,
a qual estabeleceu comparações detalhadas da morfologia verbal de cada uma dessas
línguas e suas correspondências, mediante o grau de parentesco existente entre elas.
Mesmo concedendo à obra de Bopp o título oicial de precursor dos estudos
comparativos, em 1816, não poderia deixar de mencionar o dinamarquês Rasmus
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A partir desse momento, ou seja, início do século XIX, está criado o método com-
parativo que, segundo Petter (2012), preocupa-se com os estudos sobre a linguagem
amparado em um aspecto histórico (diacrônico), ou seja, as transformações ocorri-
das nas línguas ao longo dos tempos, explicando tal fenômeno por meio de tabelas
comparativas. Essa concepção somente mudou com o advento do pensamento de
Ferdinand de Saussure, no início do século XX, que passou a olhar a língua de um
ponto de vista sincrônico, ou seja, a(s) língua(s) passa(m) a ser estudada(s) a partir
da forma em que se encontra em um determinado período especíico do tempo.
Para Faraco (2005), o principal objetivo da linguística comparativa é tra-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tar sistematicamente as semelhanças observadas entre línguas distantes, como
o latim e o sânscrito.
[...] o resultado primeiro do método foi o estabelecimento do parentes-
co entre as línguas indo-européias e a reconstrução hipotética da situ-
ação linguística de estágios ancestrais não documentados, a chamada
protolíngua da família (FARACO, 2005, p. 125).
as línguas do mundo. O autor destaca três teóricos daquele tempo, dado a impor-
tância de suas pesquisas no desenvolvimento de um estudo comparativo entre
as línguas: Willian Jones, Jakob Grimm e Karl Verner.
No inal do Século XVIII, Willian Jones atuava como um alto funcionário na
cidade de Bengala (hoje Bangladesh, na Índia) e, apesar de exercer o cargo de jurista,
também se interessava pelas línguas e culturas do seu país e, por isso, estudava a
língua sânscrita por ser ela uma língua antiga utilizada para ins de erudição e reli-
gião do povo hindu. Durante seus estudos, Willian Jones percebeu que havia certo
grau de semelhanças entre as palavras sânscritas e as línguas da Europa e, impres-
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Assim, devido à grande semelhança que notou, Jones supôs que as línguas que
analisou teriam um ancestral comum. Se, por exemplo, compararmos o verbo ser/
estar em latim e em sânscrito, o motivo dessa suposição logo se torna explícito:
Quadro 05 - O verbo ser e estar
SÂNSCRITO LATIM
as-mi s-um
as-i es
as-ti es-t
s-mas s-umus
s-tha es-tis
s-anti s-unt
Fonte: Beekes (1995, p.15).
Apesar de, na época, a sua hipótese não ter sido explorada de forma mais aprofun-
dada, Willian Jones constituiria, mesmo que de maneira indireta, o fundamento
para o movimento que, posteriormente, seria conhecido como linguística his-
tórico-comparativa. A concepção saussuriana sobre esse assunto airma que se
trata do terceiro período dos estudos sobre a linguagem humana, pois:
[...] descobriu que as línguas podiam ser comparadas entre si [...]. Em
1816, numa obra intitulada Sistema de conjugação do sânscrito, Franz
Bopp estudou as relações que unem o sânscrito ao germânico, ao gre-
go, ao latim etc. Bopp não era o primeiro a assinalar tais ainidades e
a admitir que todas essas línguas pertencem a uma única família; isso
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tinha sido feito antes, notadamente pelo orientalista inglês W. Jones
[…]; algumas informações isoladas, porém, não provam que 1816 já
houvessem sido compreendidas, de modo geral, a signiicação e a im-
portância dessa verdade. Bopp não tem, pois, o mérito da descoberta
de que o sânscrito é parente de certos idiomas da Europa e da Ásia, mas
foi ele quem compreendeu que as relações entre línguas ains podiam
tornar-se matéria duma ciência autônoma (SAUSSURE, 2012, p. 32).
anunciando uma nova fase dos estudos comparativos, vindo a se concretizar no ano
seguinte (1787), com o advento dos neogramáticos. Esse pesquisador não se con-
tentou em somente registrar as exceções, mas em desvendar suas regularidades nas
diversas línguas. O mistério foi desvendado quando Verner veriicou a posição do
acento tônico em uma das sílabas de algumas palavras analisadas, ou seja, ele notou
que a palavra irmão em sânscrito bhrátar e em grego phráter era acentuada na pri-
meira sílaba, enquanto a palavra pai pitár e patér era acentuado na última sílaba.
Assim, por maior que seja a separação e a diferença cultural, histórica e lin-
guística, é possível enunciar regras que explicam tais diferenças, sendo possível,
também, estabelecer comparações. Para exempliicar, veja os numerais em dife-
rentes línguas indo-europeias e observe as semelhanças:
Quadro 07 - Os numerais na trilha do tempo
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comparativo. Todo método de pesquisa de qualquer área desperta tanto o lado
daqueles que concordam quanto daqueles que discordam e, não foi diferente
em relação ao comparativismo que não ocorreu sem uma ininidade de crí-
ticas. Uma delas se justiica no fato de Franz Bopp ter se preocupado apenas
em comparar línguas de diferentes famílias e situadas em períodos bastante
heterogêneos, visando a estabelecer as relações de parentesco entre elas. Por
vezes, isso causava distorções teóricas, pois comparar um estado sincrônico
de uma língua que está situada 2000 anos atrás com o de uma língua que está
situada a apenas 500 anos não poderia levar a conclusões seguras sobre a lín-
gua da qual se originaram.
Devido a esse fato, a gramática comparada não passou incólume ao crivo de
alguns estudiosos da época. No que diz respeito a essa questão, ressaltamos que:
[...] o primeiro erro, que contém em germe todos os outros, é que nas
investigações, limitadas, aliás, às línguas indo-europeias, a Gramática
comparada jamais se perguntou a que levavam as comparações que
fazia, que signiicavam as analogias que descobria. Foi exclusivamente
comparativa, em vez de histórica. Sem dúvida, a comparação constitui
condição necessária de toda reconstituição histórica. Mas por si só não
permite concluir nada. A conclusão escapava tanto a esses comparatis-
tas quando consideravam o desenvolvimento de duas línguas como a
um naturalista o crescimento de dois vegetais (SAUSSURE, 2012, p. 34).
Dentro dos conceitos e com autores que caracterizam os estudos históricos com-
parativos do século XIX, a tendência que predominava naquela época se pautava
em métodos de comparações das línguas ao ciclo de vida das plantas e dos ani-
mais, ou seja, elas nascem, crescem e morrem. Segundo Martelotta (2013), essa
concepção explica o fato de línguas antigas, como o latim, por exemplo, desapare-
cerem, deixando outras línguas como supostas ilhas (português, espanhol, italiano,
francês etc.). O autor salienta que, em um determinado momento, tais considera-
ções justiicavam uma:
[...] concepção de que as línguas mudam em direção a uma espécie de en-
velhecimento ou deterioração foi combatida por uma segunda geração de
comparatistas [...] que propuseram uma visão de mudança uniformitária, ou
seja, circular, constante e não degenerativa (MARTELOTTA, 2013, p. 51).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
como exceções. No entanto, o linguista dinamarquês Karl Verner (1846-1896),
ao estudar a mudança das consoantes do indo-europeu para o germânico, notou
que o acento desempenhava um importante papel nessa mudança. Isso lhe pos-
sibilitou explicar o motivo de algumas transformações das oclusivas surdas /p/,
/t/, /k/ do indo-europeu nas fricativas sonoras /b/, /d/, /g/ no germânico. Desse
modo, as aparentes exceções constatadas pelos comparatistas eram, na verdade,
apenas a manifestação de uma mesma lei de transformação, aplicada de maneira
não uniforme e efetivada em ambientes fonemáticos diferentes.
Ao contrário dos comparatistas que sustentavam uma concepção naturalista de
língua fundamentada no evolucionismo darwiniano, os neogramáticos, movidos
por uma concepção positivista, defendiam a importância da consideração da lín-
gua atrelada aos falantes, introduzindo, dessa maneira, uma orientação psicológica
subjetivista no tratamento dos fenômenos responsáveis pela mudança linguística.
Assim, paulatinamente foi se abandonando a ideia de língua como organismo vivo.
Os linguistas de então procuraram mostrar que as línguas não poderiam ser con-
sideradas organismos vivos, pois estavam intimamente ligadas aos seus falantes.
Além disso, a tradicional divisão em famílias e a sua esquematização na forma de
árvores e ramos, ideia herdada da botânica, passou a ser considerada problemática,
pois, no caso de línguas antigas, não era possível determinar os seus dialetos e varia-
ções regionais, pois eram sumariamente desconsiderados, no método comparativo.
Diferentemente de seus predecessores, os neogramáticos visavam a desven-
dar as regras que regem a mudança nas línguas, opondo-se, dessa maneira, aos
pressupostos histórico-comparatistas, que tinham por objetivo apresentar as
latim português
clamare chamar
clave chave
plenu cheio
plicare chegar
Fonte: a autora.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
em determinada palavras, estabelecendo uma espécie de quebra dos padrões
gramaticais postos que as pessoas estabeleciam entre palavras distintas, a par-
tir da identiicação de semelhanças. Vamos ver um exemplo sobre esse caso:
Quadro 9 - Analogia das palavras
latim português
stēlla estrela: o r foi adquirido por analogia/inluência da palavra astro.
forestis floresta: o l foi adquirido por inluência da palavra flor.
Fonte: a autora.
LATIM PORTUGUÊS
Plaga Praia
clauum cravo
Fonte: a autora.
pelas leis fonéticas, em português deveria ser chavo, em vez de cravo. Este é um
dos exemplos explicativos de um caso de relatividade da lei, por ser introdu-
zido tardiamente (relatividade no tempo) ou mesmo por pertencerem a um falar
meridional do território português (relatividade no espaço). Em se tratando de
relativismo linguístico, é oportuno registrar a airmação de Câmara Júnior (1980)
sobre a impressão de que em todos os vocábulos (palavras) ocorre a impressão
de que os elementos fonéticos parecem achar-se nas mesmas condições, mas
que, na verdade, muitos escapam à lei.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresentamos, nesta unidade, de forma sistemática, uma introdução aos estudos gra-
maticais, partindo da Idade Média e chegando ao im do século XIX. Primeiramente,
tratamos da gramática especulativa, no contexto histórico medieval, para que você
seja capaz de compreender as diferentes concepções de estudos sobre a língua que,
nesse período, era pensada como algo que pudesse reletir, tal como um espelho, a
realidade entre a palavra e o objeto designado. Contudo, não há teorias deinitivas,
e isso justiica um novo pensamento a respeito da língua, como os estudiosos que
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
desenvolveram a gramática de Port-Royal, que passaram a pensar em uma língua
perfeita e sem ambiguidades, uma espécie de ilusão acadêmica que não deu conta
de explicar o caráter heterogêneo, variável e constantemente mutável da língua.
Posteriormente, vimos como os comparatistas do século XIX criaram méto-
dos de comparação entre as línguas naturais existentes, a im de comparar graus
de semelhanças entre elas, vislumbrando a reconstrução da língua-mãe (a indo-
-européia) de todas as línguas estudadas por eles. No entanto, todas as teorias
sempre despertam o lado crítico de outros estudiosos, seja para concordar, dis-
cordar ou mesmo remexer nos resultados para continuar um pensamento sobre
a língua que jamais poderá estagnar, dado sua característica de sempre estar em
processo de mudança. Motivo pelo qual surgiram os neogramáticos, estabele-
cendo teorias consistentes capazes de explicarem as semelhanças e mudanças
ocorridas nas línguas, deixando um importante legado para um estudioso inquieto
que surgiu no início do século XX e transformou os estudos, até então desen-
volvidos, com sua capacidade intelectual capaz de revolucionar os estudos da
linguagem humana. Vamos conhecer Ferdinand de Saussure?
histórico-comparativo neogramático
O marco oicial dos estudos históri- O movimento neogramático surgiu
cos comparativos da língua ocorre em 1878, por intermédio de um
1
em 1808, com Fredrich Von Schele- grupo de jovens estudantes na
gel. universidade alemã de Leipzig.
O método histórico-comparativo A principal característica do
deine-se pela busca de classiicar as movimento neogramático é o
línguas conforme seu grau de seme- fortalecimento do método histó-
2
lhança. Ademais, conigura-se como rico-comparativo, principalmente
o primeiro ensaio cientíico dado à por concordarem com a relação da
língua. língua com as plantas.
O objetivo central dos neogramá-
O objetivo central dos comparatistas
ticos era estudar as línguas vivas e
era descobrir as semelhanças entre
3 investigar as mudanças ocorridas
as línguas, mediante classiicações,
ao longo do tempo, por meio do
até chegar na língua-mãe.
falante.
Leis fonéticas, analogia e relativismo Os neogramáticos consideravam
são métodos de estudos dos compa- como exceções todas as alterações
4 ratistas para explicar os fenômenos que escapavam de uma regula-
que escapavam de uma regularidade ridade sistemática nas línguas
sistemática nas línguas. estudadas.
Vamos ampliar nossa base teórica? Neste vídeo, o linguista Marcos Bagno apresenta algumas
reflexões sobre a língua portuguesa brasileira e a dificuldade em romper com uma tradição
de ensino ainda pautada na gramática tradicional.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=i3j6vRaklQg>.
Material Complementar
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS ON-LINE
1
Em: <http://passadosetempos.blogspot.com.br/2012/04/guerra-da-reconquista-
-e-formacao-de.html>. Acesso em: 4 jan. 2018.
2
Em: <http://publicadosbrasil.blogspot.com.br/2016/11/qual-origem-da-lingua-
-portuguesa.html>. Acesso em: 4 jan. 2018.
123
GABARITO
1. Alternativa A.
2. Alternativa A.
3. Alternativa B.
4. Alternativa C.
5. Alternativa C.
Professora Dra. Vera Lucia da Silva
IV
FERDINAND DE SAUSSURE:
UNIDADE
O BREVE SÉCULO XX E A
FUNDAÇÃO DA LINGUÍSTICA
Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar a teoria estruturalista e o seu pensador Ferdinand de
Saussure.
■ Compreender a base teórica do Estruturalismo, seus desdobramentos
e repercussões.
■ Mediar uma análise crítica sobre a obra Curso de Linguística Geral
(CLG) e elaborar uma apresentação da teoria da língua desenvolvida
por Saussure.
■ Reletir sobre os desdobramentos da teoria estruturalista em
diferentes espaços geográicos.
■ Descrever o processo histórico da inserção da Linguística em
território brasileiro.
■ Preparar teoricamente para a posterior explicação da teoria da língua
por meio das dicotomias.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Ferdinand de Saussure: sinopse biográica
■ História e desenvolvimento do Estruturalismo: o corte Saussuriano
■ O curso de Linguística Geral (CLG): (in)certezas sobre um apócrifo
■ Expansão do Estruturalismo: Europa e América
■ Jovem Linguística à brasileira: breve percurso histórico
■ Um mergulho nos conceitos teóricos Saussurianos
127
INTRODUÇÃO
dêmica para situar você sobre o responsável por toda a evolução que ocorreu em
relação aos estudos da língua, no início do século XX. Isso posto, produziremos
um tópico exclusivamente dedicado à compreensão do movimento estruturalista
fundado por Saussure, no contexto europeu daquela época, sem deixar de fazer
uma menção crítica à obra denominada Curso de Linguística Geral (CLG), por
ser considerada a “bíblia” de qualquer estudante da área de Letras que vislum-
bra ir além da apresentação básica dessa disciplina.
Como o movimento ultrapassou as fronteiras da Europa, abordaremos, tam-
bém, as especiicidades da inluência do Estruturalismo saussuriano, não só em
outros países da Europa, mas também no continente norte-americano (Estados
Unidos), por meio da apresentação dos principais autores. O Brasil não icará à
margem, por meio de uma contextualização que vai da instalação das principais
universidades, bem como da posterior obrigatoriedade da disciplina em todos
os cursos de Letras oferecidos em qualquer parte do país e também dos princi-
pais autores que colaboraram tanto para sua efetivação inicial, quanto para os
desdobramentos posteriores.
A leitura atenta desta unidade é de extrema importância, pois ela é a porta de
entrada para se compreender os mecanismos teóricos que fundaram a Linguística
e, além disso, é também uma preparação para adentrarmos nas famosas dico-
tomias saussurianas, apresentadas na Unidade V deste material de estudo, para
fecharmos nossa discussão nesta fase do curso.
Introdução
128 UNIDADE IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
FERDINAND DE SAUSSURE: SINOPSE BIOGRÁFICA
sobre as línguas. Em 1874, começa a estudar sânscrito e seus trabalhos lhe ofe-
recem um passaporte para fazer parte da Sociedade de Linguística de Paris, em
1876. Nesse mesmo ano, matricula-se na Universidade de Leipzig (Alemanha),
em um ambiente permeado por relações difíceis com as celebridades da gra-
mática histórico-comparativa. As tensões acadêmicas e intelectuais enfrentadas
pelo autor, segundo Normand (2009), talvez tenha sido por conta das suas ideias
novas demais para serem ouvidas ou ainda por ser um verdadeiro desbravador
das teorias comparatistas, conforme salienta Depecker (2012).
Sua frequência nas aulas sobre linguagem não era assídua, devido à redação
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de um livro que, em 1878 (21 anos), fora lançado com o nome de Memória sobre
o sistema primitivo das vogais das línguas indo-europeias. Dois anos depois, em
1880, defendeu sua tese de doutorado intitulada Do emprego do genitivo absoluto
em sânscrito.
Em 1891, inaugura a disciplina (também chamada de cadeira) de história e
comparação das línguas indo-europeias, na Universidade de Genebra, onde per-
maneceu atuando até a sua morte (observe que Saussure também lidava com os
estudos históricos comparativos). Vale ressaltar que durante sua estadia em Paris
– entre 1880 - 1891 – ministra aula de gramática comparada do grego e do latim.
Outro momento importante ocorreu em 1906, quando a Faculdade de Letras
de Genebra delegou a Saussure a disciplina de Linguística Geral e, a partir desse
momento, por conta das suas funções e das necessidades do programa, cria o Curso de
Linguística Geral. É importante registrar que tais cursos ocorreram em três momen-
tos, com duração de um semestre: Curso I, em 1907; Curso II, entre 1908 e 1909; e
Curso III, entre 1910 e 1911. No ano de 1912, Saussure ministra seu último curso de
gramática comparada, suspendeu suas aulas, por motivo de doença, vindo a falecer
em fevereiro de 1913, aos 56 anos de idade, deixando um rastro de ideias inovadoras.
Em 1916, três anos após a sua morte, os colegas e alunos de Saussure Charles
Bally, Albert Sechehaye, com a ajuda de Albert Riedlinger, reconstruíram a teoria
apresentada nos referidos cursos de linguística geral, a partir das anotações feitas pelos
estudantes participantes. Esse grande empreendimento resultou na obra denominada
Curso de Linguística Geral, o famoso CLG, causador de dissensos e consensosen-
tre os linguistas que se declararam apaixonados pelo mestre genebrino, aquele que
silenciava auditórios durante a apresentação da sua ousada teoria da língua.
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HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO DO
ESTRUTURALISMO: O CORTE SAUSSURIANO
particular obtém o seu valor a partir de sua posição na estrutura. Tais concepções
izeram parte da revolução linguística promovida por Saussurre, que considerou a lín-
gua por ela mesma, ou seja, destituída da sua dimensão histórica, analisando-a pelo
aspecto sincrônico (em um período especíico, sem se preocupar com a sua evolu-
ção ao longo do tempo). A língua, a partir desse momento, é um sistema articulado
que tem suas partes arranjadas sistematicamente e os seus elementos (fonemas, mor-
femas, palavras etc.) são validados pelas oposições entre tais elementos amparados
pela estrutura, ou seja, a diferença é o seu princípio de unidade.
Na concepção estruturalista, a língua é um sistema de relações, ou seja, um
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conjunto de elementos (fonemas, morfemas, palavras etc.) ligados uns aos outros.
Cada elemento somente tem valor se estiver relacionado, seja por equivalência,
seja por oposição, com os outros elementos que estão interligados. Com todas
essas ideias borbulhando, Saussure – diante da sociedade do começo do século
XX e das teorias dos comparatistas e dos neogramáticos que já não conseguiam
suprir a efervescência de um momento histórico desaiador para a humanidade
– tratou de conceber uma ciência especíica para a língua, deinindo-a como seu
objeto, bem como instigando seus alunos e pesquisadores de outras áreas a rele-
tir sobre ela. Saussure busca:
[...] deinir o campo da linguística, colocando-se desde o começo na
prática da língua, naquilo que consiste a experiência cotidiana de qual-
quer locutor. Para tanto, é necessário afastar-se, a princípio, o conjunto
constituído pela massa de saber gramatical (comparativo e histórico) e
dos comentários acumulados pela tradição [...]. Trata-se de descobrir a
especiicidade desse saber da língua, deixando de lado o saber sobre a
língua (NORMAND, 2009, p. 45).
interna dos seus elementos, ou seja, todas as questões extralinguísticas são aban-
donadas no estudo da língua: são escamoteadas, por exemplo, as relações da
língua com a sociedade, a cultura, a distribuição geográica e a literatura. Por
isso, Saussure deiniu a língua como um sistema, pois seu objetivo principal era
analisar, detalhadamente, como ele se estruturava, procurando encontrar e tor-
nar explícitas as leis internas que regiam a organização dos seus elementos.
Saussure subdividiu os estudos da língua em diacrônico e sincrônico. O pri-
meiro considera a dimensão histórica da língua e as transformações nela ocorridas
ao longo do tempo, e o segundo concentra-se em um período bastante especí-
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constituíam, por assim dizer, a fundamentação da gramática tradicional, foram
sumariamente rejeitados como modelos de descrição gramatical por apresenta-
rem conceitos vagos e inaplicáveis em línguas com estrutura gramatical diversa,
como a pertencente ao ramo das línguas indo-europeias.
Esse posicionamento teórico e metodológico deveu-se ao esforço dos estru-
turalistas em oferecer maior rigor e objetividade cientíica em suas análises, pois
procuravam analisar as línguas e oferecer descrições de seu sistema e funcio-
namento sempre circunscritos em determinada comunidade linguística e em
determinada época. Essa forma de considerar os fatos teve um papel decisivo no
ensino de línguas, porque, antes do Estruturalismo, apresentava-se aos alunos
apenas a língua literária; a partir da conjuntura estruturalista, passou a utilizar-
-se a língua falada, em diferentes registros de fala. Assim, além de oferecer ao
aluno um contato com a língua em seu uso real, a gramática estrutural procu-
rava, também, apresentar uma descrição da língua falada que tivesse, de fato,
utilidade para o aluno como instrumento de comunicação.
Após essa breve apresentação, retomamos o título deste tópico para explicar
a que se refere o conceito “corte saussuriano”. Segundo Silveira (2016), a expres-
são signiica uma nova posição teórica em relação aos estudos da língua, pois
coloca em xeque tudo o que fora dito antes, e é a partir desse corte que começa
uma nova história nesse campo do conhecimento. Obviamente que ele não icou
imune às críticas e ressigniicações que começaram logo após o lançamento do
CLG e o registro das ideias ainda incompletas de Saussure e, apesar da arena con-
lituosa que essa obra sempre provoca, ela ainda continua na linha de frente dos
estudos linguísticos, conforme relataremos, brevemente, a seguir.
Já sabemos que Saussure lançou uma ciência, rompendo com os estudos ante-
riores, denominando-a como linguística sincrônica (ou estática), bem como
estabeleceu um pensamento rigoroso sobre ela. Sabemos, também, que o CLG
é o marco oicial do lançamento do Estruturalismo no continente europeu e
nele está registrado a teoria básica e elementar do pensamento saussuriano. No
entanto, como nos demais segmentos, no campo cientíico também há divergên-
cias teóricas entre pensadores, questionamentos sobre resultados de pesquisas e,
acima de tudo, debates fervorosos que dividem os grupos em discordantes, con-
cordantes ou com opiniões parciais entre as duas posições. Situações que não
deixam de ser favoráveis e positivas para o campo cientíico, pois é no entremeio
dos burburinhos acadêmicos que as pesquisas avançam.
Sobre ao CLG, um campo fértil para tais incertezas foi gerado em relação a
sua autoria, pois como já registramos, seu lançamento ocorreu em 1916, ou seja,
três anos após a morte de Saussure (1913), mediante compilação das anotações
feitas por dois alunos – Charles Bally e Albert Sechehaye – a partir de três cur-
sos que o mestre genebrino ministrou, entre 1907 e 1911, na Universidade de
Genebra. Essa obra contém os conceitos teóricos fundamentais do Estruturalismo:
a língua como um sistema articulado e interconectado entre si.
Apesar da importância da obra sobre os fundamentos teóricos da ciência
linguística, é sobre sua autoria que está o impasse sobre a legitimidade de tais teo-
rias e até que ponto pode-se considerar sua veracidade cientíica. Uma questão
que gera muitos debates, resultando na produção de uma ininidade de produ-
ções acadêmicas entre os que concordam e aceitam o que está registrado na obra e
aqueles que questionam a originalidade da teoria apresentada. Independentemente
dos resultados dessas intrigas acadêmicas, o CLG continua sendo o principal
registro da teoria saussuriana e o grande causador dos desdobramentos que resul-
taram em um leque de teorias linguísticas hoje disponíveis a todos que almejam
desenvolver pesquisas na área. Mas isso não impede que ele seja alvo de discus-
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sões, até hoje, nas mesas redondas e simpósios promovidos pelas instituições de
ensino. Sobre esse aspecto, é salutar airmar que:
[...] as questões e controvérsias levantadas desde o aparecimento do
Curso foram retomadas e tornadas mais complexas ao longo de sua
publicação [...]. Assim, a preocupação em compreender uma teoria e
avaliar seu lugar na história da linguística foi, muitas vezes, recoberta
pela obsessão de autenticidade, a busca do “verdadeiro” pensamento de
Saussure (NORMAND, 2009, p. 109).
O ESTRUTURALISMO EUROPEU
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Apresentaremos as características básicas de cada um, a seguir:
a) Círculo Linguístico de Praga (1926): segundo Ilari (2011), esse movi-
mento linguístico ocorreu entre o período das duas grandes guerras e
trouxe grandes contribuições para a teoria linguística pós-saussuriana.
Dentre os linguistas mais importantes que participaram dessa escola,
registramos o russo Nikolay Trubetzkoy e Roman Jakobson.
Trubetzkoy foi o criador da fonologia – ciência que se ocupa da produção dos
sons da linguagem humana e de suas características –, por meio da obra Princípios
de fonologia, trazendo signiicativas contribuições para o desenvolvimento desta,
sem deixar de assinalar sua importância no sistema da língua já apresentado por
Saussure; posteriormente, suas ideias a respeito do conceito de função na língua
dariam origem à vertente funcionalista da linguagem que tem André Martinet
como seu teórico principal.
Outro teórico importante desse Círculo é Roman Jakobson que, segundo
Guimarães (2012), é conhecido pela sua famosa teoria da comunicação humana,
representada pelos seguintes elementos: a) mensagem; b) emissor ou remetente; c)
receptor ou destinatário; d) código; e) canal ou contato; f) referente ou contexto.
Pensando ainda sobre o processo de comunicação entre os humanos, Jakobson
criou, também, as funções da linguagem que se subdividiram-se em: a) referen-
cial ou denotativa (ex.: comunicação empresarial); b) emotiva ou expressiva (ex.:
interjeições: ai, puxa, tomara); c) conativa ou apelativa (ex.: anúncios publicitá-
rios); d) função metalinguística (usa-se a linguagem para falar sobre ela mesma.
Ex.: professora o que é verbo?); e) poética (ex.: provérbios, poesias, slogans).
lógico, como elas se estruturam, por meio de descrição das línguas que
prioriza as relações entre as unidades. Ademais, foi por meio da glosse-
mática que Hjelmslev aprofundou os conceitos de forma e substância de
Saussure, deinindo a língua como forma (fonema) e não como substân-
cia (sons da língua), chegando aos elementos de expressão e conteúdo.
O ESTRUTURALISMO NORTE-AMERICANO
línguas greco-latinas, pois, segundo essa orientação, cada língua tem uma gramática
própria. No entanto, segundo o autor, os estruturalistas americanos não se reco-
nheceram como discípulos de Saussure, tendo como seu representante intelectual
Leonard Bloomield, considerado o consolidador do Estruturalismo americano, a
partir da publicação de seu livro Language, no ano de 1933.
Bloomield introduziu uma nova forma de considerar os fatos linguísticos que
poderia ser descrita como um sistema indutivo para evitar resultados por meio de
intuição pessoal e considerou, também, o método mecanicista de estímulo e res-
posta, introduzindo, desse modo, concepções da psicologia behaviorista em sua
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teoria. Portanto, ele considerava que a língua deveria ser estudada a partir de aspec-
tos empíricos observáveis, rejeitando tudo o que estivesse fora desses domínios.
Segundo Costa (2013), seu método pautou-se em combinações de unidades
que partiriam dos fonemas para chegar aos morfemas, resultando nas palavras
que chegariam às frases, guiadas por leis próprias do sistema linguístico. Essa
ideia se explica pelo seguinte exemplo:
a) Fonema: o / a/l/u/n/o / k/õ/p/r/o/u /u/ l/i/v/r/o.
b) Morfema: o / alun/o / compr/ou / um / livr/o.
c) Palavras: o / aluno / comprou / um / livro.
d) Sintagmas: o aluno / comprou um livro.
e) Frase: o aluno comprou um livro.
Apresentamos também, um exemplo da nossa língua materna para explicar o
fato de que a língua é regida por leis próprias: qualquer falante sem nenhuma
patologia jamais produzirá a seguinte frase: “Linguística aluno de gosta estudar
o”, ou seja, pela sequência incompreensível, descobrimos que quando falamos
obedecemos à seguinte ordem: sujeito + verbo + complemento. Então: “o aluno
gosta de estudar Linguística”. Essa é a lei própria interna que rege o sistema lin-
guístico da nossa língua materna.
dade a sua maneira e, desse modo, ela conigura o pensamento das pessoas que
a falam. Isso signiica que pessoas que falam línguas diferentes, veem o mundo
diferente também. Outro aspecto está no fato de que os modelos linguísticos
estão relacionados aos modelos sociais e culturais, e isso se sobrepõem nas dis-
tinções gramaticais e lexicais obrigatórias de uma língua.
Zellig Harris foi outro teórico importante da corrente americana que, em um
artigo intitulado Distributional Structure (distribucionalismo), toma ao pé da letra
o conceito de que “a análise da língua não deve contar com qualquer informação
prévia e evita, por isso, considerar o sentido; nessas condições, quando a aná-
lise começa, o linguista dispõe apenas de um corpus” (ILARI, 2011, p. 78). Vale
ressaltar que este corpus tratava-se de textos orais gravados que seriam segmen-
tados e estudados posteriormente, e o fato de desconsiderar o sentido culminou,
nos anos 60, a uma série de estudos que originaram nas teorias do sentido e que,
hoje, compõe um rol de disciplinas no currículo dos estudos linguísticos (para
exempliicar, citamos a análise do discurso que será estudada em Linguística II).
As conclusões a que chegaram os linguistas americanos devem-se, evi-
dentemente, ao estudo das línguas ameríndias, que apresentam um sistema
morfossintático bastante diverso daquele com que os linguistas europeus esta-
vam acostumados. Além disso, tais línguas situam-se num contexto físico, social
e cultural bastante peculiar, o que, muitas vezes, é reletido nas línguas analisadas.
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revolução cientíica, atingindo o Estruturalismo americano, com a teoria ge-
rativista que defende o fato de que a língua faz parte do nosso mecanismo
biológico, portanto, ela é inata, e isso faz cair por terra o princípio behavio-
rista de estímulo e resposta de Bloomield.
Fonte: adaptado de Ilari (2011).
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Universidade do Brasil, icando neste ofício até a sua aposentadoria (em 1969); a
promoção e o reconhecimento somente aconteceu no inal da sua vida, ou seja,
o professor nunca alavancou na sua carreira de linguista, e isso signiica a pouca
atenção dada à disciplina que, durante a elaboração dos projetos pedagógicos,
sua extinção do currículo era sempre proposta.
Essas poucas linhas são capazes de nos fazer perceber a diiculdade e a resis-
tência em implantar a disciplina no sistema de ensino brasileiro, e hoje ela é tão
importante que faz parte, obrigatória, de todos os Cursos de Letras, desde 1962,
quando ocorreu uma reorganização pedagógica e curricular no país. Apesar
de todos os problemas internos ocorridos com a implantação da disciplina no
Brasil, Saussure e sua teoria estruturalista foram bem recebidos, por meio do
CLG, pois, segundo Silveira (2016), sua importância epistemológica foi logo reco-
nhecida pela comunidade de linguistas em todo o mundo e também no Brasil,
antes mesmo de sua tradução.
Resumindo, foi por meio da obra Princípios de Linguística Geral que Mattoso
apresentou Saussure aos brasileiros pela primeira vez e, diante da apresentação
sobre a disciplina no território brasileiro, registramos a seguinte pergunta: “qual
é o balanço total da ‘herança’ saussuriana na linguística brasileira”? Hoje, ela está
concretizada e em contínuo processo, por meio de uma ininidade de pesqui-
sas desenvolvidas nas áreas da enunciação, semiótica, Análise do Discurso etc.
Os dados apresentados sobre a implantação da Linguística no Brasil são pou-
cos elucidados e sempre silenciados na maioria das produções cientíicas que têm
por objetivo contar-nos as diiculdades da sua efetivação no território brasileiro.
Talvez, o objetivo seja meramente relatar o processo, elencar obras e autores, mas
sabemos que há questões de outra ordem que também inluenciam nos estudos
sobre a linguagem humana. Isto é, em relação à língua também há interesses
de classes (geralmente, quem decide é a elite dominante de cada época) e, con-
forme já foi relatado, em algum lugar das relexões que estamos tecendo nesse
material, a língua também é instrumento de interesses políticos e econômicos,
ou seja, a língua também faz parte desse emaranhado em que a lutas de classes
é constante, justiicando tanto um Saussure, quanto uma linguística à brasileira
(e não europeia ou norte-americana).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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bém foi o pivô de uma série de discussões teóricas, nem sempre em concordância
umas com as outras, sobre a veracidade das suas informações.
Conforme vimos pela leitura desta unidade, saímos do reduto geográico
embrionário, em que movimento desenvolveu-se, ou seja, o europeu, e apre-
sentamos suas especiicidades nos Estados Unidos da América e seus principais
teóricos (Sapir, Bloomield e Harris) que, assim como os pensadores pós-saus-
surianos europeus (Trubetzkoy, Jakobson, Hjelmslev), deram início às correntes
linguísticas que estudamos hoje (gerativismo, funcionalismo, sociolinguística,
pragmática, análise do discurso etc).
Elaboramos um breve relato sobre o início, não sem diiculdades, dos estudos
linguísticos no Brasil e, entre tantos pensadores importantes, elegemos Joaquim
Mattoso Câmara Júnior para representar a classe que contribuiu para o acervo
que temos hoje, bem como o lugar de excelência da Linguística nos cursos de
Letras e áreas ains.
Além do que já expomos, o grande objetivo desta unidade foi instigar você
a conhecer a teoria, propriamente dita, de Ferdinand Saussure que será o objeto
de estudo a ser desenvolvido na próxima unidade deste material. Portanto, ica
registrado, aqui, o convite para um mergulho no mar das dicotomias, ainal,
como o próprio mestre genebrino comparou: a língua não é um barco no esta-
leiro ou ancorado no cais. A língua é um barco lançado ao mar.
2. Saussure, ao airmar, no CLG (1995, p. 271), que “a Linguística tem por único e
verdadeiro objeto a língua considerada em si mesma e por si mesma”, promove
uma revolução nos estudos existentes sobre a língua e passa a desenvolver
uma teoria da língua. Tendo como base, o material de estudos, as aulas concei-
tuais e as discussões da aula ao vivo, explique, com suas palavras, o fato de a
língua ser estudada por si mesma.
148
Este vídeo trata da vida e da obra do linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913), cujas
elaborações teóricas permitiram o desenvolvimento da linguística como ciência. Além das
informações biográficas, ele também apresenta as dicotomias e as explica com exemplos.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WiURWRFcQsc>.
153
REFERÊNCIAS
1. Alternativa E.
2. O fato de Saussure considerar a língua como o único objeto de estudos da Lin-
guística e somente estudada por si mesma (caráter imanente) signiica que ele
não considerou os fatores extralinguísticos para pensar a sua teoria (a cultura, os
acontecimentos sociais, históricos etc.). Tais fatores justiicam-se na elaboração
de uma teoria que a considerava enquanto uma estrutura, ou seja, sistema em
que as partes estão relacionadas com o todo.
3. Alternativa C.
4. Alternativa C.
5. Alternativa A.
Professora Dra. Vera Lucia da Silva
OS PRINCIPAIS CONCEITOS
V
UNIDADE
DA LINGUÍSTICA SINCRÔNICA
DE FERDINAND SAUSSURE
Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar as deinições da palavra dicotomia e sua especiicidade
no contexto estruturalista da teoria de Ferdinand de Saussure.
■ Compreender a dicotomia língua e fala.
■ Reletir sobre a teoria do signo linguístico e a dicotomia signiicante e
signiicado.
■ Explicar e exempliicar a dicotomia diacronia e sincronia.
■ Conhecer, na prática, a dicotomia sintagma e paradigma.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ O movimento teórico de Ferdinand de Saussure: as dicotomias
■ A dicotomia língua e fala
■ A teoria do signo linguístico e a dicotomia signiicado e signiicante
■ A dicotomia diacronia e sincronia
■ A dicotomia sintagma e paradigma
157
INTRODUÇÃO
Introdução
158 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O MOVIMENTO TEÓRICO DE FERDINAND DE
SAUSSURE: AS DICOTOMIAS
OS PRINCIPAIS CONCEITOS
159
instituições de ensino que se dispõem a ofertar cursos que têm como objetivo
pensar sobre a língua(gem).
Portanto, precisamos avançar um pouco mais sobre o legado deixado por
esse pensador que desaiou o pensamento vigente do seu tempo e ousou ressig-
niicar as teorias existentes sobre a língua, mergulhando nas suas inquietudes
para repensar o que não mais era adequado para um início de século com tan-
tos acontecimentos previstos, conforme alguns que relatamos a seguir:
a) Einstein e sua teoria da relatividade (1905);
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
a teoria da língua deixada pelo mestre, pois é nesse retorno que compreendere-
mos a essência de uma teoria viva nas correntes da Linguística estudadas hoje.
A maioria dos autores, principalmente aqueles que se dedicam a escrever para
alunos das séries iniciais, apresentam a teoria saussuriana por meio das deno-
minadas dicotomias. Antes, porém, precisamos compreender o signiicado do
termo para, em um segundo momento, visualizar seu funcionamento. Se izermos
uma busca simples na internet sobre o que signiica dicotomia, encontraremos
vários dicionários que, de um modo geral, apresentam as seguintes deinições:
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Dicotomia:
1. Origem: do grego dikhotomía e signiica divisão em dois;
2. Oposição entre duas coisas;
3. Para a botânica: divisão de hastes em ramos bifurcados;
4. Para a lógica: divisão de um conceito em dois outros que abrangem toda
a sua extensão;
5. Método de classiicação em que cada divisão inclui, no máximo, dois
elementos.
Fonte: adaptado dos dicionários Aulete (2017, on-line)1 e Priberam (2017, on-line)2.
Apesar do efeito vago que os verbetes produzem para um leitor ainda leigo no
assunto, por meio deles já é possível captar que se trata, grosso modo, de elemen-
tos que passam por um processo de divisão bipartida. A fórmula básica é: o um
se transforma em dois e, baseando-se nessas deinições gerais, podemos ressig-
niicá-las, segundo o princípio saussuriano, de que as dicotomias estabelecidas
por Saussure formam pares opositivos, que não são excludentes, mas comple-
mentares. Assim, a língua sempre é uma entidade bipartida, um objeto duplo,
comportando duas unidades complementares, ou seja, embora no CLG não haja
nenhuma menção explícita da palavra dicotomia, no início da obra, o leitor é
alertado de que “o fenômeno linguístico apresenta perpetuamente duas faces
OS PRINCIPAIS CONCEITOS
161
que se correspondem e das quais uma não vale senão pela outra” (SAUSSURE,
1995, p. 15). Desse modo, faz-se necessário ampliar a compreensão do termo,
para além do que os dicionários registram, pois:
[...] é assim que se costuma chamar os quatro pares de conceitos, que
fazem uma síntese das propostas de Saussure para a criação de um
novo objeto teórico para a Linguística. A palavra dicotomia deriva do
grego dichotomía, que quer dizer “divisão em partes iguais”. Não se deve
pensar, no caso de uma dicotomia presente no texto saussuriano, que
se trata de algo que é dividido em dois, deve-se pensar de outro modo.
Uma dicotomia em Saussure diz respeito a um par de conceitos que
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
cado Arbitrariedade
SIGNO LINGUÍSTICO e Princípios do signo e
cante Linearidade
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Fonte: adaptado de Carvalho (1997).
OS PRINCIPAIS CONCEITOS
163
Nessa conjuntura teórica, Carvalho (1997) nos diz que a língua, enquanto
acervo, guarda uma experiência histórica que vai se acumulando pelo povo. Por
isso, ela é considerada essencial para os estudos linguísticos, independentemente
do indivíduo e se conigura no nível psíquico como:
[...] um tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos
pertencentes, à mesma comunidade, um sistema gramatical que existe
virtualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros dum
conjunto de indivíduos, pois a língua não está completa em nenhum,
e só na massa ela existe de modo completo (SAUSSURE, 1995, p. 21).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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momento, era preciso escolher um dos dois caminhos, pois era impossível trilhá-
-los simultaneamente e, mesmo admitindo que era da língua que ele ia cuidar,
não deixaria de pedir “luzes ao estudo da fala, esforçar-nos-emos para jamais
transpor os limites que separam os dois domínios” (SAUSSURE, 1995, p. 28).
O mestre genebrino, entretanto, não nega a interdependência da língua e da
fala, pois as consideram como estreitamente ligadas: a língua é necessária para
que a fala seja inteligível e produza efeitos. A fala é necessária para que a língua
se estabeleça, pois, historicamente, vem antes e faz evoluir a língua, porque são as
impressões recebidas ao ouvir os outros que modiicam nossos hábitos linguísticos.
Diante da bifurcação (língua e fala), Carvalho (1997) airma que Saussure
seguiu o caminho da língua, justamente porque ela é sistema e superior ao
indivíduo (supra-indivíduo). Dessa forma, todos os elementos linguísticos são
estudados a partir de relações com outros elementos do sistema, ou seja, “um
sistema do qual todas as partes podem e devem ser consideradas em sua solida-
riedade sincrônica” (SAUSSURE, 1995, p. 102).
Saussure, na tentativa de se fazer entender por seus alunos, usava, metaforica-
mente, o jogo de xadrez para explicar sua teoria, e nós também utilizaremos aqui.
Veja: as peças de um jogo de xadrez – rei, rainha, torre, bispo, cavalo e peão – são
deinidas conforme sua função no jogo e as regras dele. Carvalho (1997) explica que a
forma das peças, a dimensão e o material utilizado não têm importância, ou seja, são
puramente físicas e acidentais e, portanto, irrelevantes para para o funcionamento do
sistema (= jogo de xadrez). Se por acaso você perdeu uma peça, não tem problema,
pegue um objeto qualquer (uma tampinha de garrafa, por exemplo) e continue seu
jogo, desde que atribua a mesma inalidade (o mesmo valor) da peça perdida.
OS PRINCIPAIS CONCEITOS
165
LÍNGUA FALA
social individual
homogênea heterogênea
sistemática assistemática
abstrata concreta
constante variável
duradoura momentânea
conservadora inovadora
permanente ocasional
psíquica psico-física
essência existência
fato social ato individual
unidade diversidade
indivíduo subordinado indivíduo senhor
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TEORIA DO SIGNO LINGUÍSTICO E A DICOTOMIA
SIGNIFICADO E SIGNIFICANTE
OS PRINCIPAIS CONCEITOS
167
signo linguístico não une um nome a uma coisa, mas um conceito a uma ima-
gem acústica. Nessa perspectiva, a língua não é uma nomenclatura determinada
pelas coisas do mundo, mas um princípio de classiicação que determina as
coisas do mundo, conforme será desenvolvido na explicação da dicotomia sig-
niicado e signiicante.
Fiorin (2012) airma que o signo linguístico deine-se como uma entidade de
duas faces, em que uma reclama a outra, à maneira do verso e do anverso de uma
folha de papel, ou seja, estamos tratando de duas faces inseparáveis, o signii-
cado (conceito) e o signiicante (a imagem acústica). É importante lembrar que
“o signo é a união de um conceito com uma imagem acústica, que não é o som
material físico, mas a impressão psíquica dos sons, perceptível quando pensa-
mos numa palavra, mas não a falamos” (FIORIN, 2012, p. 58).
E o autor continua seu esclarecimento:
A imagem acústica/gatu/ não evoca um gato particular, mas a ideia ge-
ral de gato, que tem valor classiicatório. Na criação desse conceito, a
língua não leva em conta as diferentes raças, os tamanhos diversos, as
cores várias, etc. Faz abstração das características particulares de cada
gato, para instaurar a categoria /felinidade/. O signiicado não é a rea-
lidade que ele designa, mas sua representação (FIORIN, 2012, p. 58).
Significado
(Conceito)
Significante
(Imagem acústica)
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Gato
Figura 2 - A dicotomia signiicado e signiicante
Fonte: a autora.
O signiicante refere-se aos fonemas /g/, /a/, /t/, /o/, ou também à sua forma escrita,
e o signiicado abrange o conceito de gato, constituindo uma imagem mental
deste. Assim, quando ouvimos ou lemos gato, nos vêm à mente o animalzinho de
estimação em si. Em relação ao signo linguístico, precisamos compreender que,
para Saussure, a língua é um sistema de signos que se compõe por uma entidade
psíquica de duas faces denominadas conceito (signiicado) e imagem acústica
(signiicante), unidos em nosso cérebro pela associação. Não podemos esque-
cer que a imagem acústica não é o som material físico, mas o correlato psíquico
desse som, ou seja, aquilo que nos evoca um conceito. O exemplo dessa expli-
cação está na nossa capacidade de recitar um poema sem mover a boca e sem
emitir som, mostrando sua natureza psíquica.
OS PRINCIPAIS CONCEITOS
169
Além da base explicativa que deine o signo linguístico, ainda precisamos reletir
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Esse questionamento já foi debatido na Unidade II, sobre a disputa entre conven-
cionalistas e naturalistas, quando apresentamos os estudos linguísticos na Grécia
Antiga. A questão da arbitrariedade do signo linguístico desenvolvida por Saussure
justiica-se no fato de que não há livre escolha do signiicado pelo falante, mas no
que foi estabelecido por um grupo de falantes e, portanto, está consagrado, pois
“todo meio de expressão aceito numa sociedade repousa em princípio num hábito
coletivo ou, o que vem a dar na mesma convenção” (SAUSSURE, 1995, p. 82).
O mestre genebrino, ao estabelecer que não cabe ao indivíduo trocar coisa
alguma em um signo, signiica que não depende da livre escolha de quem fala,
pois o signiicante é imotivado, arbitrário em relação ao signiicado, ou seja,
não há nenhum laço natural com a realidade. Saussure exempliica a arbitrarie-
dade com a ideia de mar, pois ela não está ligada com a sequência de sons m-a-r
que lhe serve de signiicante e que poderia ser representada por outra sequência
qualquer. A prova disso está nas diferenças entre as línguas, pois o signiicado de
mar, em Português Brasileiro, apresenta signiicantes diferentes em outras lín-
guas: mer, em francês, sea, em inglês. Então, conforme salienta Fiorin (2012),
o que comprova a arbitrariedade do signo é a diversidade das línguas, demons-
trando que ele é uma criação humana e, portanto, cultural.
Saussure, entretanto, subdivide a arbitrariedade do signo linguístico em:
a) arbitrário absoluto (imotivado/sem vínculo natural) e b) arbitrário relativo
(motivado). O primeiro explica-se pelo numeral dez e nove, pois a relação entre
o signiicado e o signiicante é totalmente arbitrária, pois não há nada que jus-
tiique essa denominação, a não ser a convenção estabelecida pela comunidade
linguística. Já o arbitrário relativo evoca termos que o compõe, porque enquanto
dez e nove servem como exemplo de signo arbitrário absoluto, dezenove está rela-
cionado a dez e nove, pois é das partes que se chega ao todo. Carvalho (1997)
apresenta outros exemplos da arbitrariedade relativa: preixos (in + feliz = infeliz),
suixo (per + eira = pereira), preixo e suixo (in + feliz + mente = infelizmente).
A linearidade do signiicante, como o próprio nome sugere, representa “uma
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extensão” e essa extensão “é mensurável numa só dimensão (SAUSSURE, 1995, p.
84). Isto é, a linearidade é uma linha, e todo o mecanismo da língua é dependente
desse princípio visualizado imediatamente pelo registro dos sinais gráicos, na escrita.
Segundo Carvalho (1997), os elementos de um enunciado linguístico são
diferentes entre si, limitados, independentes, sem variações e exempliica: “Ou
pronunciamos ‘faca’ ou ‘vaca’. Não existe um meio termo entre /f/ e /v/, que são,
assim, unidades discretas, separáveis, descontínuas” (CARVALHO, 1997, p. 47).
Por isso, tais unidades são emitidas sucessivamente, pois somente emitimos um
fonema de cada vez linearmente (f-a-c-a). Isso signiica que tais unidades não
se caracterizam como concomitantes, coexistentes e simultâneas, pois ou fala/
escreve faca ou vaca e jamais se poderá enunciar as duas palavras ao mesmo
tempo, no eixo paradigmático ou sintagmático.
OS PRINCIPAIS CONCEITOS
171
A NOÇÃO DE VALOR
Saussure (1995, p. 139), ao airmar que “na língua só existem diferenças”, desen-
volveu a interpretação de que cada signo linguístico encerra-se nele mesmo, sem
nenhuma relação com os demais signos. Isto é, cada elemento é diferente dos demais
elementos em que está relacionado, e foi a partir disso que ele criou a noção de valor.
Fiorin (2012 e 2013) salienta que é preciso considerar o signo linguístico em
seus contornos, a partir da relação com outros signos, justiicando a teoria do valor,
pois é partir dela que Saussure deine o signo pelo lado negativo, ou seja, pela pre-
missa de que um signo é o que os outros não são (um signo vale o que o outro não
vale) e o que importa na língua são as diferenças existentes entre conceitos e sons.
Para exempliicar: a questão do valor, em relação ao gênero na língua portuguesa
brasileira, justiica-se pelo acréscimo do -a- átono inal à forma masculina, a subtra-
ção da vogal -o- e o acréscimo de -a- (guri + a = guria, menino - o + a = menina) e
na lexão de número, acrescenta-se um -s- (menino + s = meninos). Observe mais
um exemplo: “Em Português, diferenciamos homem e mulher: o primeiro vocábulo
signiica não só ‘indivíduo do sexo masculino’, mas também ‘ser humano’, enquanto
o segundo denota apenas ‘indivíduo do sexo feminino’” (SAUSSURE, 1995, p. 59).
O substantivo terra, em Português, corresponde, na língua inglesa, a: land (terra
cultivável), ground (terra, chão) e Earth (o planeta Terra). Desse modo, Marte está
em relação com o português terra, mas não está com o inglês land.
Fazendo alusão ao jogo de xadrez, Saussure (1995) explica que uma posi-
ção de jogo corresponde a um estado da língua. O valor das peças depende da
sua posição no tabuleiro e da relação de oposição com as outras peças do jogo.
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A DICOTOMIA DIACRONIA E SINCRONIA
OS PRINCIPAIS CONCEITOS
173
Essa forma de considerar o estudo das línguas representou uma ruptura com
as vertentes teóricas predecessoras, que objetivavam, única e somente, o estudo
histórico e comparativo das línguas. Saussure mostra que os falantes de deter-
minada língua conhecem as regras que a regem, tendo-as internalizadas, apesar
de a imensa maioria dos que a falam não conhecerem a história dessa língua e
de suas formas. Essa constatação dá respaldo à escolha teórico-metodológica de
Saussure em focar no funcionamento das línguas, escamoteando os fatos a res-
peito de sua evolução e de seus estados teóricos anteriores.
Assim, ao formular o conceito de sincronia, Saussure teve o cuidado de não
inserir considerações históricas em seu modelo de descrição, apesar de a língua
sempre estar em processo de mudança, mas pouco perceptível para o falante, pois
é pela sincronia que se estabelece a noção de sistema, ou seja, inclui somente os
aspectos internos e exclui tudo o que lhe é estranho, justiicando a tese saussu-
riana de que a língua é pensada apenas por sua ordem própria. Veja que é nessa
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Saussure, interessa-se por explicações linguísticas”. Isso signiica que:
[...] contrariamente ao estudo das mudança linguística, o ponto de vista sin-
crônico vê a língua como um sistema em que um elemento se deine pelos
demais elementos. No estudo sincrônico, um determinado estado de uma
língua é isolado de sua mudanças através do tempo e passa a ser estudado
como um sistema de elementos linguísticos. Esses elementos são estudados
não mais em suas mudanças históricas, mas nas relações que eles contraem,
ao mesmo tempo uns com os outros (PIETROFORTE, 2012, p. 79).
Como já sabemos que Saussure valia-se da metáfora do jogo de xadrez para expli-
car sua teoria aos alunos que participavam do seu Curso de Linguística Geral,
ele também se utilizou dela para explicar essa dicotomia. Para ele, as posições do
jogo correspondem a estados da língua, e cada peça tem seu valor deinido pela
posição que ocupa no tabuleiro. Esse sistema, segundo ele, apresenta um valor
apenas momentâneo. O sistema constitui, desse modo, diversos estados de equi-
líbrio: mesmo que ocorram alterações, o valor geral do sistema não se altera. A
OS PRINCIPAIS CONCEITOS
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A DICOTOMIA SINTAGMA E PARADIGMA
OS PRINCIPAIS CONCEITOS
177
que digamos “je”, antes de “ho” (jeho) e “lor” antes de “ca” (lorca) e muito menos “ho”
e “je” e “ca” e “lor”, ao mesmo tempo. Essa é uma relação sintagmática ou in praesentia
(= presença), pois se estabelece em função da presença de termos anteriores e pos-
teriores. Esses elementos não apresentam uma distribuição aleatória, mas sim uma
distribuição organizada e ordenada, obtida pela exclusão de outros possíveis arranjos.
Vamos ampliar nossa compreensão com mais um exemplo. Observe a seguinte
oração:
a) José bebe água no almoço. Veja que a oração segue uma ordem linear
(sujeito + verbo + complemento).
Agora, vamos trocar a ordem, ou seja, em vez de sujeito, verbo e comple-
mento, utilizaremos complemento + verbo + sujeito:
b) Almoço no água bebe José.
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preveem uma comparação com unidades ausentes de uma oração ou palavra.
Para exempliicar, utilizamos a seguinte oração:
O mesmo se aplica aos outros elementos da oração (verbos gostar e jogar e o subs-
tantivo bola). No entanto, uma eventual substituição deve obedecer a princípios
de semelhança entre as unidades. Por exemplo, não é aceitável, em nossa língua
materna, a seguinte oração: a árvore gosta de jogar bola. Nesse caso, qualquer falante
não vai compreender porque ela não apresenta um sentido coerente, pelo fato de
árvore ser um objeto com os traços semânticos inanimado e não humano, logo,
impossível de praticar a ação de jogar bola. A referida posição oracional, a saber, a
de sujeito, somente pode ser ocupada por seres com os traços animado e humano.
O paradigma constitui-se como uma espécie de banco de reservas da língua
OS PRINCIPAIS CONCEITOS
179
Com um fundo moral de que é a opinião do mais forte que prevalece, o lobo,
ao ver que não tinha argumentos para acusar o cordeiro, culpa-o por meio da
seleção de membros da sua família (irmão, pai ou avô). Os familiares podem ser
utilizado para explicar a dicotomia sintagma e paradigma:
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
OS PRINCIPAIS CONCEITOS
181
Considerações Finais
182
te”, pois os jovens linguistas passaram a ver o valor cientíico de tais leis e se abdicaram
de abordar a língua, enquanto objeto abstrato e inobservável. Nesse contexto, a língua:
[...] será colocada em exame por Ferdinand de Saussure. O linguista ge-
nebrino se questionará sobre a natureza do objeto da ciência linguística,
o que o encaminhará para a produção de uma proposta epistemológica
inovadora, ou seja, um fazer ciência que até então não havia sido realiza-
do e que, nos dias de hoje, ainda não sabemos se foi efetuado em toda
sua radicalidade (SCHNEIDER; SILVA, 2016, p. 99).
Saussure assume esse grande empreendimento, por meio de um projeto investigativo
em que ele próprio estava inserido como estudante em Leipizig e também como mem-
bro da Sociedade Linguística de Paris. Seu pensamento tomou forma e ele foi capaz
de desenhar os contornos de uma ciência que estava por vir, ou seja, a Linguística do
século XX que fez da língua o seu objeto de estudo, deinindo-a como imaterial, virtual
e relativo.
Para Saussure, a língua é imaterial porque ela se constitui como uma realidade mental
produzida pelas percepções de uma comunidade de falantes, de modo que as entida-
des da língua não começam nem terminam na substância da sua realização, mas na
percepção (ou não) de unidades distintivas (sincronia) e na constatação de presença (ou
ausência) de mudanças consideráveis em um sistema (diacronia).
A língua é virtual, pois sua realidade não se resume ao que foi atualizado em atos de
fala especíicos que se coniguram na sua menor parte. A maior parte está sempre se
atualizando em novos atualizáveis, pelo eixo associativo (paradigmático). Desse modo, a
língua, sendo o objeto imaterial de uma ciência que sustenta sobre o virtual é, necessa-
riamente, relativa e entendida como resultado de um processo de diferenciação interna
ininito, no qual unidades codependentes reorganizam-se o tempo todo, chegando à
deinição de que a língua é um sistema de signos.
A base teórica de Saussure estava fundamentada, mas na sua época não havia ainda
linguagem cientíica ou ilosóica consolidada para explicar sua tese sobre o objeto da
Linguística (a língua), e isso o obrigou a questionar os limites das práticas das ciências
da linguagem de então e nos impõe a mesma tarefa hoje. O mestre foi capaz de apontar
para o modo de existir peculiar desse objeto e, com base nessa constatação, viu-se obri-
gado a elaborar, ainda que de modo inconcluso, uma maneira inédita de fazer ciência,
pois, para os autores, ele não é o fundador da Linguística, mas um pensador que buscou
uma nova maneira de fazer uma ciência da língua.
A Chegada (2016)
Sinopse: trata-se de uma ficção científica, sob direção de Denis
Villeneuve, sob a chegada de várias naves de seres alienígenas à Terra
e sem saber quais são as intenções dos visitantes, militares procuram
a Dra. Louise Banks (Amy Adams), uma linguista especialista para
ajudar na comunicação, mediante a tradução dos sinais emitidos
pelos ET’s e desvendar se elesrepresentam uma ameaça (ou não),
aos terráqueos. No entanto, a resposta para todas as perguntas
e mistérios pode ameaçar a vida de Louise que vive um drama
pessoal – a perda da filha – e a existência de toda a humanidade
com a iminente extinção da vida na Terra – a ameaça, em si. Nesse
contexto que são combinados conceitos como viagem no tempo e
a falta de perspectiva derivada do luto, o enredo se estrutura como
um quebra-cabeça não linear. De encher os olhos.
Material Complementar
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS ON-LINE
1
Em: <http://www.aulete.com.br/dicotomia>. Acesso em: 4 jan. 2017.
2
Em: <https://www.priberam.pt/dlpo/dicotomia>. Acesso em: 4 jan. 2017.
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GABARITO
1. Alternativa A.
2. Alternativa B.
3. Alternativa C.
4. Alternativa D.
5. Alternativa E.
CONCLUSÃO
Prezado(a) aluno(a), ao longo da minha vida acadêmica, sempre termino uma eta-
pa (graduação, especialização, mestrado, doutorado) com a sensação de que é no
momento do término que me sinto preparada para começar. É o que estou sentin-
do agora, ou seja, apesar de não sermos mais o que éramos antes de iniciar nosso
“bate-papo” por meio das aulas, atividades, fórum e mapa, a sensação que ica é de
que agora estamos prontos para começar e jamais terminar. Peço a você que não
termine de pensar sobre a língua, pois ao passar, mesmo que rapidamente, pela
Linguística, você se tornou corresponsável (um(a) grande parceiro(a)) na luta pela
disseminação de uma língua que está sempre em uso e, por isso, ela não é ixa, varia
e está em constante mutação. Isto é, não é possível terminar de pensar, pois ela não
termina seu processo evolutivo.
O percurso nos fez descobrir que a Linguística desaia, provoca e produz desconforto
no poder hegemônico, pois ela não se ocupa apenas da norma culta, mas da grandio-
sidade da língua e busca desvendar os mistérios que a envolvem, ousando rebelar-se
contra preconceitos que não se justiicam, sem perder a busca da consciência sobre
a importância do papel da escola no seu dever de mediar a aquisição da norma culta,
para atender às exigências sociais contemporâneas, sem se esquecer, também, do
seu dever de não abandonar as experiências linguísticas trazidas pelos falantes.
Foi o que tentamos fazer neste livro, ao apresentar as principais questões que mo-
vem a Linguística, delimitando o seu objetivo e também o seu objeto de estudo. Em
seguida, procuramos mostrar um pouco do percurso histórico dessa ciência e seus
posteriores desdobramentos até o início do século XX, mediante a apresentação
da teoria desenvolvida por Ferdinand de Saussure. Já que a vida continua, reitero
o convite para você continuar pensando cientiicamente na língua, ainal, ela não é
um barco ancorado no estaleiro, mas um barco lançado ao mar. Até breve.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ANOTAÇÕES
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ANOTAÇÕES