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THEODOR W. ADORNO EDUCACAO E EMANCIPAGAO ‘Tradugéo Wolfgang Leo Maar 72 impresséo ® BAZETERRA EDUCAGAO APOS AUSCHWITZ A exig@ncia que Auschwitz nio se repita € a primeira de todas para a educacio. De tal modo ela precede quaisquer outras que creio nfo ser possivel nem necessario justificd-la, Nao consigo entender como até hoje mereceu to pouca atengio, Justificé-la teria algo de monstruoso em vista de toda monstruosidade ocorrida. Mas a potca consciéncia existente em relacao a essa exigencia e as questdes que ela levanta pro- ‘vam que a monstruosidade nao calou fundo nas pessoas, sin- toma da persisténcia da possibilidade de que se repita no que depender do estado de consciéncia e de inconsciéncia das pes- soas. Qualquer debate acerca de metas educacionais carece de significado ¢ importincia frente a essa m¢ iio se repita, Ela foi a barbarie contra a qual se dirige t educagio. Fala-se da ameaca de uma regresstio a barbirie, Mas niio se trata de uma ameasa, pois Auschwitz foi a regres- so; a barbirie continuard existindo enquanto persistirem no que tém de fundamental as condigSes que geram esta regres- sfo. B isto que apavora. Apesar da nao-visibilidade atual dos infortinios, a pressio social continua se impondo. Ela impele que, nos termos da historia mundial, culminaria em Auschwitz. Dentre 0s co- nhecimentos proporcionados por Freud, efetivamente relacio- nados inclusive a cultura a sociologidly um dos mais perspi- cazes pareceme ser aquele de que a civilizagio, por sew turno, origina e fortalece progressivamente o que é anticivili- zatério, Justamente no que diz respeito a Auschwitz, 0 seus 119 ensaios O mal-estar na cultura e Psicologia de massas e andlise do eu mereceriam a mais ampla divulgacio, Se a barbérie encon- tra-se no préprio principio civilizatério, ento pretender se ‘por a isso tem algo de desesperador. A reflexio a respeito de como evitar a repeticao de Aus- chwitz & obscurecida pelo fato de precisarmos nos conscienti- zar desse elemento desesperador, se nio quisermos cair pre- sas da retérica idealista. Mesmo assim € preciso tentar, inclusive porque tanto a estrutura bésica da sociedade como 0s seus membros, responsiveis por termos chegado onde es- tamos, nfo mudaram nesses vinte e cinco anos. Milhdes de essoas inocentes — e s6 o simples fato de citar mimeros ja & humanamente indigno, quanto mais discutir quantidades — foram assassinadas de uma maneira planejada. Isto nao pode ser minimizado por nenhuma pessoa viva como sendo um fendmeno superficial, como sendo uma aberragio no curso da hist6ria, que nao importa, em face da tendéncia dominan- te do progresso, do esclarecimento, do humanismo suposta- mente crescente. O simples fato de ter ocortido jé constitui por si s6 expresso de uma tendéncia social imperativa. Nesta medida gostaria de remeter a um evento, que de um modo muito sintomético parece pouco conhecido na Alemanha, apesar de constituir a temética de um best-seller como Os qua venta dias de Musa Dagh, de Werfel, J na Primeira Guerra Mundial os turcos —~ o assim chamado movimento turco jo- vem dirigido por Enver Pascha e Talaat Pascha — mandaram assassinar mais de um milhfo de armenios, Importantes qua- dros militares e governamentais, embora, ao que tudo indica, soubessem do ocortido, guardaram sigilo estrito. O genocidio tem suas raizes naquela ressurreicio do nacionalismo agressor que vieejou em muitos patses a partir do fimn do século XIX. Além disso nfo podemos evitar ponderaces no sentido de que a invencio da bomba atomica, capaz de matar cente- nas de milhares literalmente de um s6 golpe, insere-se no mesmo nexo hist6rico que o genocidio, Tornow-se habitual 120 chamar 0 aumento stibito da populagio de explosio populacio- nal parece que a fatalidade hist6tica, para fazer frente & explosio populacional, disp3e também de contra-explosdes, 0 morticinio de populagdes inteiras, Isto sb para indicar como as forgas as quais é preciso se opor integram o curso da hist6ria mundial, Como hoje em dia é extremamente limitada a possibili- dade de mudar os pressupostos objetivos, isto é, sociais e poli- ticos que geram tais acontecimentos, as tentativas de se con- tapor A repeticio de Auschwitz so impelidas necessariamente para o lado subjetivo. Com isto refiro-me sobretudo também 4 psicologia das pessoas que fizem coisas desse tipo. Nao actedito que adianta muito apelar a valores eternos, acerca dos quais justamente os responsaveis por tais atos reagiriam, ‘com menosprezo; também nio acredito que o esclarecimento acerca das qualidades positivas das minorias reprimidas seja de muita valia, & preciso buscar as ratzes nos perseguidores niio nas vitimas, assassinadas sob os pretextos mais mesqui- hos. Torna-se necessirio 0 que a esse respeito uma vez de- nominei de inflexio em dire¢do ao sujeito. B preciso reconhe- cer 0s mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais-atos, é preciso revelar tais mecanismos a cles proprio, procurando impedir que se tornem novamente ca- ppazes de tais atos, na medida em que se desperta uma cons- ciéncia geral acerca desses mecanismos. Os culpados nio so ‘0s assassinados, nem mesmo naquele sentido caticato e sofis- ta que ainda hoje seria do agrado de alguns. Culpados sio unicamente os que, desprovidos de consciéncia, voltaram contra aqueles seu ddio ¢ sua firia agressiva, B necessirio contrapor-se a uma tal auséncia de conscincia, é preciso evi- tar que as pessoas golpeiem para os lados sem refletir a respeito de si proprias, A educagio tem sentido unicamente como educacio dirigida a uma auto-tellexio critica, Contudo, na) medida em que, conforme os ensinamentos da psicologia profunda, todo caréter, inclusive daqueles que mais tarde pra- ticam crimes, formase na primeita infinca, 2 educago que 424 tem por objetivo evitar a repeticfo precisa se concentrar na primeira infancia. Ja mencionei a tese de Freud acerca do mal- estar na cultura. Bla € ainda mais abrangente do que ele mesmo supunha: sobretudo porque, entrementes, a pressio civilizatéria ‘observada por ele multiplicou-se em uma escala insuportavel. Por essa via as tendéncias & explosio a que ele atentara atingi- riam uma violéncia que ele dificilmente poderia imaginar. Po- rém o mal-estar na cultura tem seu lado social — o que Freud sabia, embora nfo o tenha investigado concretamente. B pos- sivel falar da claustrofobia das pessoas no mundo administra- \do, um sentimento de encontrar-se enclausurado numa situa- sf cada vez mais socializada, como uma rede densamente interconectada, Quanto mais densa é a rede, mais se procura escapar, 20 mesmo tempo em que precisamente a sua densi- dade impede a safda. Isto aumenta a raiva contra a civilizacao. Esta torna-se alvo de uma rebelio violenta e irracional. _Um esquema sempre confirmado na hist6ria das perse- guigdes 6 0 de que a violéncia contra os fracos se dirige prin- cipalmente contra 0s que s4o considerados socialmente fra- 0s € a0 mesmo tempo — seja isto verdade ou nio — felizes. De uma perspectiva sociolégica eu ousaria acrescentar que nossa sociedade, ao mesmo tempo em que se integra cada vex mais, gera tendéncias de desagregacio. Essas tendéncias ‘encontram-se bastante desenvolvidas logo abaixo da superfi- ie da vida civilizada e ordenada. A pressio do geral dominan- te sobre tudo que é particular, os homens individualmente e as instituigbes singulares, tem uma tendéncia a destrogar_o Particular e individual juntamente com seu potencial de resis- téncia, Junto com sua identidade e seu potencial de resisién- cia, as pessoas também perdem suas qualidades, gracas a qual tém a capacidade de se contrapor ao que em qualquer tempo novamente seduz a0 crime. Talvez elas mal tenham condigoes de resistir quando Ihes é ordenado pelas forgas estabelecidas que repitam tudo de novo, desde que apenas seja em nome de quaisquer ideais de pouca ou nenbuma credibilidade. 122 Quando falo de educagio apés Auschwitz, refiro-me @ duas quest6es: primeiro, & educagio infantil, sobretudo na primeira inffincia; e, além disto, ao esclarecimento geral, que produz um dlima intelectual, cultural e social que no permi- te tal repeticio; portanto, um clima.em que os motivos que conduziram 20 horror tornem-se de algum modo conscien- tes, Evidentemente nio tenho a pretensio de sequer esbocar © projeto de uma educagio nesses termos. Contudo, quero ‘20 menos indicar alguns pontos nevrilgicos. Com freqiiéncia — por exemplo, nos Estados Unidos — o espirito germénico de confianga na autoridade foi responsabilizado pelo nazismo ¢ também por Auschwitz. Considero esta afirmagao excessi- vamente superficial, embora na Alemanha, como em muitos outros paises europeus, comportamentos autoritérios ¢ auto- ridades cegas perdurem com mais tenacidade sob os pressu- postos da democracia formal do que se queira reconhecer. ‘Antes € de se supor que o fascismo eo horror que produziu se relacionam com o fato de que as antigas € consolidadas autoridades do império haviam ruido e se esfacelado, mas as pessoas ainda ndo se encontravam psicologicamente prepara: das para a autodeterminagio. Elas nfo se revelaram 4 alrura da liberdade com que foram presenteadas de repente. B por {isso que as estruturas de autoridade assumiram aquela di- mensio destrutiva e — por assim dizer — de desvario que antes, ou nao possuiam, ou seguramente nao revelavam. Quando lembramos que visitantes de quaisquer potentados, ja politicamente desprovidos de qualquer fun¢io real, levam populagées inteiras a explosGes de éxtase, entao se justifica a suspeita de que potencisl autoritirio permanece muito ‘mais forte do que 0 imaginado. Porém quero enfatizar com a maior intensidade que 0 retorno ou nao retorno do fascismo constitui em seu aspecto mais decisivo uma questio social e no uma questéo psicologica. Refiroxme tanto ao lado psico- légico somente porque os demais momentos, mais essenciais, 123 em grande medida escapam ago da educacao, quando nao se subtraem inteiramente a interferéncia dos individuos. Freqllentemente pessoas bem-intencionadas e que se ‘opéem a que tudo aconteca de novo citam 0 conceito de vin- culos de compromisso. A auséncia de compromissos das pes- s80as seria responsivel pelo que aconteceu. Isto efetivamente tem a ver com a perda da autoridade, uma das condigées do pavor sadomasoquista. & plausivel para o entendimento hu- mano sadio evocar compromissos que detenham o que é sadi- co, destrutivo, desagregador, mediante um enfitico “no de- ves", Ainda assim considero ser uma ilusio imaginar alguma utilidade no apelo a vinculos de compromisso ou até mesmo na exigéncia de que se reestabelecam vinculagées de compro- misso para que o mundo e as pessoas sejam melhores. A falsi- dade de compromissos que se exige somente para que provo- quem alguma coisa —~ mesmo que esta seja boa —, sem que eles sejam experimentados por si mesmos como sendo subs- tancizis para as pessoas, percebe-se muito prontamente. E es- antosa a rapidez com que até mesmo as pessoas mais ingé- znuas ¢ tolas reager quando se trata de descobrir as fraquezas dos superiores, Facilmente os chamados compromissos con- vertemse em passaporte moral — so assumidos com o ob- Jetivo de identificar-se como cidadio confidvel — ou entio produzem rancores raivosos psicologicamente contririos & sua destinagio original. Bles significam uma heteronomia, um tornar-se dependente de mandamentos, de normas que no so assumidas pela razZo propria do individuo. O que a Psicologia denomina superego, a consciéncia moral, é substi- tuido no contexto dos compromissos por autoridades exterio- res, sem compromnisso, intercambiéveis, como foi possivel ob- servar com muita nitidez também na Alemanha depois da queda do Terceito Reich. Porém justamente a disponibilidade em ficar do lado do poder, tomando exteriormente como norma curvar-se ao que mais forte, constitui aquela indole dos algozes que nunca mais deve ressurgir. Por isto a reco- 124 mendacio dos compromissos € tio fatal. As pessoas que os assumem mais ou menos livremente sio colocadas numa ¢s- pécie de permanente estado de excecio de comando. O tinico poder efetivo contra 0 principio de Auschwitz seria autono- mia, para usar a expressioo kantiana; o poder para a reflexio, a autodeterminacio, a néo-participacéo. P Certa feita uma experiéncia me assustou muito: numa vviagem ao lago de Constincia, eu lia num jornal de Baden em que se informava acerca da peca Mortas sem sepultura, de Sar- tre, que representa as situagdes mais terriveis. A pega incomo- dava visivelmente 0 critico, Mas ele nfo explicou este inco- modo mediante o horror da coisa que constitui o horror de nosso mundo, mas torceu a questio como se, frente a uma posigdo como a de Sartre, que se ocupara do problema, nés tivéssemos, por assim dizer, um sentido para algo mais nobre: que no poderiamos reconhecer a auséncia de sentido do hor- ror, Resumindo: 0 eritico procurava se subtrair ao confronto com o horror gracas a um sofisticado palavrério existencial. (© perigo de que tudo aconteca de novo esta em que nfo se admite o contato com a questio, rejeitando até mesmo quem apenas a menciona, como se, a0 fazé-lo sem rodeios, este se tomasse o responsivel, e nfo os verdadeiros culpados. Em relagio 2o problema de autoridade e barbirie consi- dero importante um aspecto que geralmente passa quase des- percebido. Ele é mencionado numa observacio do livro O Estado da SS, de Bugen Kogon, que contém abordagens importantes deste todo complexo e que niio recebeu a atengio merecida por parte da ciéndia e da pedagogia. Kogon afirma que os algozes do campo de concentracZo em que cle mesmo passou anos eram em sua maioria jovens filhos de camponeses. A diferen- a cultural ainda persistente entre a cidade e © campo consti- tui uma das condigdes do horror, embora certamente nao seja nem a tinica nem a mais importante. Repudio qualquer sentimento de superioridade em relasio 4 populagdo rural. Sei que ninguém tem culpa por nascer na cidade ou se formar 125 ‘no campo. Mas registro apenas que provavelmente no campo 0 insucesso da desbarbarizagio fol ainda maior. Mesmo a tele- visio e 0s outros meios de comunicagio de massa, 10 que tudo indica, ndo provocaram muitas mudangas na pers defasagem cultural. Parece-me mais correto afirmar isto e procurar uma mudanga do que elogiar de uma maneira nos- tilgica quaisquer qualidades especiais da vida rural ameaca- ( das de desaparecer. Penso até que a desbarbarizacio do cam- ' po constitui um dos objetivos educacionais mais importantes. Evidentemente ela pressupée um estudo da consciéncia e do inconsciente da respectiva populagio, Sobrenudo é preciso atentar ao impacto dos modernos meios de comunicagio de massa sobre um estado de consciéncia que ainda nfo atingiu © nivel do liberalismo cultural burgués do século XIX. Para mudar essa situagdo, o sistema normal de escolari- zacio, freqiientemente bastante problematico no campo, se- fia insuficiente, Penso numa série de possibilidades. Uma se- ria — e estou improvisando — o planejamento de transmissbes de televisio atendendo pontos nevrilgicos daquele peculiar estado de consciéncia. Além disto, imagino a formagio de grupos e colunas educacionais méveis de voluntérios que se dirijam ao campo e procurem preencher as lacunas mais gra- ‘ves por meio de discusses, de cursos e de ensino suplemen- tar. Naturalmente sei que dificilmente essas pessoas serao muito bem-vistas. Mas com passar do tempo se estabelece- 4 um pequeno circulo que se impor e que talvez tenha con- digdes de se irradiar. Entretanto nfo deve haver nenhum mal-entendido quanto a inclinagao arcaica pela violencia existente também nas cidades, principalmente nos grandes centros. Tendéncias de regressfo —- ou seja, pessoas com tracos sédicos reprimi- dos —- sio produzidas por toda parte pela tendéncia social geral. Nessa medida quero lembrar a relacio perturbada e pa- togénica com 0 corpo que Horkheimer e eu descrevemos na Dialética do esclarecimento. Em cada situa¢io em que a cons- 126 ciéncia € mutilada, isto se reflete sobre 0 corpo e a esfera corporal de uma forma nacclivre e que é propicia & violéncia. Basta prestar atengio em um certo tipo de pessoa inculta como até mesmo a sua linguagem -— principalmente quando algo & criticado ou exigido — se torna ameacadora, como se os gestos da fala fossem de uma violencia corporal quase in- controlada, Aqui seria preciso estudar também a funcio do esporte, que ainda no foi devidamente reconhecida por uma psicologia social critica. O esporte € ambiguo: por um lado, le pode ter um efeito contrario & barbirie e ao sadismo, por intermédio do fairplay, do cavalheirismo e do respeito pelo ‘mais fraco, Por outro, em algumas de suas modalidades e proce- dimentos, ele pode promover a agressio, a brutalidade e 0 sa- ddismo, principalmente no caso de espectadores, que pessoal: mente nao esto submetidos a0 esforgo e & disciplina do esporte; so aqueles que costumam gritar nos campos espottivos. B pre- ‘cso analisar de uma maneira sistemitica essa ambigitidade. Os resultados teriam que ser aplicados 4 vida esportiva na medida da influéncia da educacio sobre a mesma ‘Tudo isso se relaciona de um modo ou outro 4 velha estrutura vinculada a autoridade, a modos de agir — eu qua- se diria — do velho e bom carater autoritério. Mas aquilo que gera Auschwitz, os tipos caracteristicos ao mundo de Aus- chwitz, constituem presumivelmente algo de novo. Por um lado, eles representam a identificagéo cega com o coletivo. Por outro, slo talhados para manipular massas, coletivos, tais como os Himmler, Héss, Eichmann, Considero que 0 mais importante para enfrentar o perigo de que tudo se repita é contrapor-se a0 poder cego de todos os coletivos, fortalecen- do a resisténcia frente aos mesmos por meio do esclarecimen- to do problema da coletivizagio, Isto nfo é to abstrato quan- to possa parecer a0. entusiasmo participativo, especialmente das pessoas jovens, de consciéncia progressista, © ponto de partida poderia estar no softimento que os coletivos infligem rno comeco a todos 0s individuos que se filam a eles, Basta 127 pensar nas primeiras experiéncias de cada um na escola. & Preciso se opor Aquele tipo de folk-ways, habitos populares, ritos de iniciagio de qualquer espécie, que infligem dor fisica — muitas vezes insuportivel — a uma pessoa como prego do direito de ela se sentir um filiado, um membro do coletivo. A brutalidade de hibitos tais como os trotes de qualquer or- dem, ou quaisquer outros costumes arraigados desse tipo, & Precursora imediata da violéncia nazista. Nao foi por acaso que os nazistas enalteceram e cultivaram tais barbaridades com 0 nome de “costumes”, Bis aqui um campo muito atual ara a ciéncia. Ela poderia inverter decididamente essa ten- déncia da etnologia encampada com entusiasmo pelos nazis- tas, para refrear esta sobrevida simultaneamente brutal e fan- tasmagérica desses divertimentos populares. ‘Tudo isso tem a ver com um pretenso ideal que desem- Penha um papel relevante na educacZo tradicional em geral: a severidade. Esta pode até mesmo remeter a uma afitmativa de Nietzsche, por mais humilhante que seja e embora ele na verdade pensasse em outra coisa. Lembro que durante 0 pro- cesso sobre Auschwitz, em um de seus acessos, o terrivel Bo- ger culminou num elogio 4 educagio baseada na forca e vol- tada 4 disciplina, Bla seria necessaria para constituir o ti homem que Ihe parecia adequado. Essa idéia educ severidade, em que irrefletidamente muitos podem até acre- ditar, € totalmente equivocada. A idéia de que a virilidade consiste num grau maximo da capacidade de suportar dor de hha muito se converteu em fachada de um masoquismo que como mostrou a psicologia — se identifica com muita fa- cilidade ao sadismo, O elogiado objetivo de “ser duro” de uma tal educagio significa indiferenca contra a dor em geral. No que, inclusive, nem se diferencia tanto a dor do outro ea dor de si préprio. Quem & severo consigo mesmo adquire 0 direito de ser severo também com os outros, vingando-se da dor cujas manifestagdes precisou ocultar e reprimir. Tanto é necessirio tornar consciente esse mecanismo quanto se im- 128 pde a promogio de uma educacio que no premia a dor ea capacidade de suporté-la, como acontecia antigamente. Dito de outro modo: a educago precisa levar a sério o que ja de ha muito é do conhecimento da filosofia: que o medo no deve ser reprimido. Quando o medo nao é reprimido, quando nos permitimos ter realmente tanto medo quanto esta realidade exige, entio justamente por essa via desaparecerd provavel- mente grande parte dos efeitos deletérios do medo incons- ciente e reprimido. Pessoas que se enquadram cegamente em coletivos con- vertem a si proprios em algo como um material, dissolvendo- se como seres autodeterminados. Isto combina com a disposi- ‘do de tratar outros como sendo uma massa amorfa, Para os que se comportam dessa maneira utilize’ 0 termo “cardter manipulador” em Authoritarian personality (A personalidade autoritiria), e isto quando ainda nio se conhecia o difrio de Héss ou as anotagGes de Eichmann, Minhas descrigdes do ca- réter manipulador datam dos titimos anos da Segunda Guer- ra Mundial, As vezes a psicologia social e a sociologia conse- guem construir conceitos confirmados empiricamente s6 muito tempo depois. O cariter manipulador —- e qualquer um pode acompanhar isto a partir das fontes dispontveis acer- ca desses lideres nazistas — se distingue pela fitria organizati- va, pela incapacidade total de levar a cabo experiéncias huma- nas diretas, por um certo tipo de austncia de emogbes, por ‘um realismo exagerado. A qualquer custo ele procura prati- ‘car uma pretensa, embora delirante, realpolitik. Nem por um segundo sequer ele imagina o mundo diferente do que ele é possesso pela vontade de doing things, de fazer coisas, indife- rente ao contetido de tais ages. Ele faz do ser atuante, da atividade, da chamada efficiency enquanto tal, um culto, cujo ‘eco ressoa na propaganda do homem ativo. Este tipo encon- tra-se, entrementes — a crer em minhas observacSes € gene- ralizando algumas pesquisas sociolégicas —, muito mais dis- seminado do que se poderia imaginar. O que outrora era 129 exemplificado apenas por alguns monstros nazistas pode ser constatado hoje a partir de casos numerosos, como delin- quientes juvenis, lideres de quadrilhas e tipos semelhantes, diariamente presentes no noticiério. Se fosse obrigado a resu- mir em uma formula esse tipo de cardter manipulador — 0 que talvez seja equivocado embora titil A compreensio — eu © denominaria de o tipo da consciéncia evisificada.” No comeco as pessoas desse tipo se tornam por assim dizer iguais a coi- sas, Em seguida, na medida em que o conseguem, tornam os outros iguais a coisas. Isto & muito bem traduzido pela ex: ressio aprontar, que goza de igual popularidade entre os va- lentes juvenis ¢ entre os nazistas. Esta expresso aprontar de- fine as pessoas como sendo coisas aprontadas em seu duplo sentido. Conforme Max Horkheimer, a tortura é a adaptagdo controlada e devidamente acelerada das pessoas aos coletivos, Algo disso encontra-se no espirito da época, por menos pro- cedente que seja falar em espitito nesses termos. Enfim, resu- mirei citando Paul Valéry, que antes da tltima Guerra Mun- dial disse que a desumanidade teria um grande futuro. £ particularmente dificil confrontar esta questio porque aque- las pessoas manipuladoras, no fundo incapazes de fazer expe- rigncias, por isto mesmo revelam tragos de incomunicabilida- de, no que se identificam com certos doentes mentais ou personalidades psicéticas, ‘Nas tentativas de atuar contrariamente a repetigio de Auschwitz pareceu-me fundamental produzir inicialmente Verdinglichng. 00 orignal. A opgta “coi Yeicula do modo mas simples ene e creto 0 que Adoeno consiezava ser ‘ais importante: stent & coaversio de uma relaglo humans em “cons” terandose por esta via a expenénci. Adorno bascou seu. conceited Veringlchang no uso que dele fez Luk 130 uma certa clareza acerca do modo de constituicio do caréter ‘manipulador, para em seguida poder impedir da melhor ma- neira possivel a sua formacio, pela transformacao das condi- Ges para tanto, Quero fazer uma proposta concreta: utilizar todos os métodos cientificos dispontveis, em especial psicand- lise durante muitos anos, para estudar os culpados por Aus- chwitz, visando se possivel descobrir como uma pessoa se tora assim. © que aqueles ainda podem fazer de bom é con- ‘ribuir, em contradigao com a propria estrutura de sua perso- nalidade, no sentido de que as coisas no se repitam. E essa contribuigo s6 ocorreria na medida em que colaborassem na investigagio de sua génese. Obviamente seria dificil levéclos a falar; em nenhuma hipétese poder-se-ia aplicar qualquer pro- cedimento semelhante a seus proprios métodos para apren- der como eles se tornaram do jeito que séo. De qualquer modo, entrementes eles se sentem — justamente em seu co- letivo, com a sensacdo de que todos so velhos nazistas — to protegidos, que praticamente nenhum demonstrou nem ao menos remorsos. Porém presumivelmente também neles, ou em alguns deles, existem pontos de apoio psicolégicos me- diante os quais seria possfvel mudar isto, como, por exemplo, seu narcisismo, ou, dito simplesmente, seu orgulho. Eles se sentirao importantes ao poder falar livremente a seu respeito, tal como Eichmann, cujas falas aparentemente preenchem fi- Jeiras inteiras de volumes. Finalmente, & de supor que tam- ‘bém nessas pessoas, aprofundando-se suficientemente a bus- a, existam restos da velha instincia da consciéneia moral que se encontra atualmente em grande parte em processo de dis- solugZo. Na medida em que se conhecem as condiges inter- nas e externas que 0s tornaram assim — pressupondo por hipétese que esse conhecimento é possivel —~, seria possivel tirar conclusées préticas que impesam a repeticao de Aus- chwitz. A utilidade ou no de semelhante tentativa s6 se mos- tard apés sua concretizacio; nfo pretendo superestiméla. B preciso lembrar que as pessoas no podem ser explicadas 131 automaticamente a partir de condigSes como estas. Em con- dices iguais alguns se tornaram assim, e outros de um jeito bem diferente. Mesmo assim valeria a pena. O mero questio- namento de como se ficou assim jé encerraria um potencial esclarecedor. Pois um dos momentos do estado de conscién- cia e de inconsciéncia daninhos esta em que seu ser assim — que se é de um determinado modo ¢ nao de outro — é apreendido equivocadamente como natureza, como um dado \imutivel e no como resultado de uma formacio. Mencionei © conceito de consciéncia coisificada, Esta é sobretudo uma consciéncia que se defende em relagio a qualquer vir-a-ser, frente a qualquer apreensio do pr6prio condicionamento, im- pondo como sendo absoluto o que existe de um determinado modo. Actedito que o rompimento desse mecanismo imposi- tivo seria recompensador. No que diz respeito & consciéncia coisificada, além disto & preciso examinar também a relacio com a técnica, sem res- tringirse a pequenos grupos. Esta relacio & tio ambigua quanto a do esporte, com que aliés tem afinidade. Por um lado, é certo que todas as épocas produzem as personalidades — tipos de distribuigao da energia psiquica — de que necessi- tam socialmente, Um mundo em que a técnica ocupa uma posicio tio decisiva como acontece atualmente, gera pessoas tecnoldgicas, afinadas com a técnica. Isto tem a sua racionali- dade boa: em seu plano mais restrito elas serio menos in- fluenciaveis, com as correspondentes conseqtiéncias no plano geral. Por outro lado, na relagio atual com a técnica existe algo de exagerado, irracional, patogénico. Isto se vincula a0 “vu tecnolégico”. Os homens inclinam-se a considerar a téc- nica como sendo algo em si mesma, um fim em si mesmo, uma forga propria, esquecendo que ela ¢ a extensio do brago dos homens. Os meios — ea técnica é um conceito de meios irigidos & autoconservacio da espécie humana — sio feti- chizados, porque os fins —- uma vida humana digna — en- contram-se encobertos e desconectados da consciéncia das 132 pessoas, AfirmagSes gerais como estas sio até convincentes, Porém uma tal hipétese ainda é excessivamente abstrata. No se sabe com certeza como se verifica a fetichizagio da técnica na psicologia individual dos individuos, onde est o ponto de transicio entre uma relagZo racional com ela ¢ aquela super- valorizacio, que leva, em iiltima andlise, quem projeta um sistema ferrovirio para conduzir as vitimas a Auschwitz com maior rapidez e fluéncia, a esquecer 0 que acontece com estas ‘vitimas em Auschwitz, No caso do tipo com tendéncias a feti- chizacio da técnica, trata-se simplesmente de pessoas incapa: zes de amar, Isto nao deve ser entendido num sentido sentl- mental ou moralizante, mas denotando a carente relacio libidinal com outras pessoas. Elas sio inteiramente frias e pre- cisam negar também em seu fntimo a possibilidade do amor, recusando de antemio nas outras pessoas o seu amor antes que o mesmo se instale. A capacidade de amar, que de algu- ma maneira sobrevive, eles precisam aplici-la aos meios. As personalidades preconceituosas ¢ vinculadas a autoridade ‘com que nos ocupamos em Authoritarian Personality, em Ber- Keeley, forneceram muitas evidéncias neste sentido. Um sujet to experimental — e a propria expressio jé € do repert6rio da consciéncia coisificada — afirmava de si mesmo: “T like nice equipament” (Eu gosto de equipamentos, de instrumentos onitos), independentemente dos equipamentos em questio. ‘Seu amor era absorvido por coisas, méquinas enquanto tais. (© perturbador — porque torna to desesperangoso atuar contrariamente a isso — € que esta tendéncia de desenvolvi- mento encontra-se vinculada ao conjunto da dvilizagio. Combaté-lo significa o mesmo que ser contra 0 espirito do mundo; ¢ desta maneira apenas repito algo que apresentei no ‘comeco como sendo o aspecto mais obscuro de uma educa- ai Auschwitz. rs aque aquelas pessoas eramn frias de um modo pe- culiat, Aqui vém a propésito algumas palavras acerca da frie- za, Se cla ndo fosse um trago basico da antropologia, €, por 133 tanto, da constituigio humana como ela realmente é em nos- sa sociedade; se as pessoas nio fossem profundamente indife- rentes em relagio ao que acontece com todas as outras, exce- tuando 0 punhado com que mantém vinculos estreitos e possivelmente por intermédio de alguns interesses concretos, entdo Auschwitz nio teria sido possivel, as pessoas nio o te- riam aceito, Em sua configuracao atual — e provavelmente ha milénios — a sociedade no repousa em atragio, em sim- Patia, como se supés ideologicamente desde Aristételes, mas na persecucio dos préprios interesses frente aos interesses dos demais. Isto se sedimentou do modo mais profundo no cardter das pessoas. O que contradiz, o impulso grupal da chamada lonely crowd, da massa solitiria, na verdade constitui uma reagio, um enturmar-se de pessoas frias que no supor- tam a prépria frieza mas nada podem fazer para alterd-la Hoje em dia qualquer pessoa, sem excecio, se sente mal-ama- da, porque cada um é deficiente na capacidade de amar. A incapacidade para a identificacZo foi sem divida a condigio Psicologica mais importante para tornar poss{vel algo como Auschwitz em meio a pessoas mais ou menos civilizadas e inofensivas. O que se chama de “participagio oportunista” era antes de mais nada interesse pritico: perceber antes de tudo a sua prépria vantagem e nfo dar com a lingua nos den- tes para nio se prejudicar. Esta é uma lei geral do existente, 0 siléncio sob o terror era apenas a conseqiléncia disto, A frieza da ménada social, do concorrente isolado, constitufa, enquan- to indiferenca frente ao destino do outro, o pressuposto para que apenas alguns raros se mobilizassem. Os algozes sabem disto; e repetidamente precisam se assegurar disto, Nio me entendam mal. Nao quero pregar 0 amor. Pen- so que sua pregacao é va: ninguém teria inclusive o direito de pregtlo, porque a deficiéncia de amor, repito, é uma defi- cigncia de todas as pessoas, sem excecZo, nos termos em que existem hoje. Pregar o amor pressup6e naqueles a quem nos dirigimos uma cutra estrutura do cariter, diferente da que 134 pretendemos transformar. Pois as pessoas que devernos amar so elas proprias incapazes de amar ¢ por isto nem so io ‘amiveis assim. Um dos grandes impulsos do cristianismo, a nfo ser confundido com o dognna, fol apagar 2 fieza que tude penetra, Mas esta tentativa fracassou; possivelmente porcue nfo mexeu com a ordem social que produ € repro-/ uz frieza, Provavelmente até hoje nunca existiu aquele ca- Jor kumano que todos almejamos, a nio ser durante periodos preves € em grupos bastante restritos, ¢ talvez entre alguns sclvagens pactfics. Os utdpicos feqdentementeridiclriza dos perceberam isto. Charles Fourier, por exemplo, de! Es a atrasio como algo ainda por ser constivuldo por uma ordem. ‘socitl digna de um ponto de vista humano. Também reco- nheceu que esta situacio sé seria possivel quando os ee ni fossem mais reprimidos, mas satfetose liberads. Se cexise algo que pode ajudar contra a frieza como condigéo desgtaga, entio trata-se do conhecimento dos proprios pres- suprstos desta, bem como da tentatva de wabalhar previa meite no plano individual contra esses pressupostos. Agrada pensar que a chance é tanto maior quanto menos se erra na infancia, quanto melhor sio tratadas as criangas. Mas mesmo aqui pode haver ilusées. Criangas que no suspeitam nada da ‘crueldade e da dureza da vida acabam por ser particularmen- te expostas a barbirie depois que deixam de ser protegidas. Mas, sobretudo, nao é possivel mobilizar para o calor huma- no pais que slo, eles proprios, produtos desta sociedade, cujas rmafcas ostentam, O apelo a dar mais calor humano as crian- gas€ artificial e por isto acaba negando o préprio calor. Além isto 0 amor nao pode ser exigido em relagSes profissional- mente intermediadas, como entre profeior¢ aluno, médica ¢ piciente, advogado e cliente. Ele é algo direto e contradit6- rio com relagdes que em sua esséncia so intermediadas. incentivo ao amor — provavelmente na forma mais imperati- vva, de um dever — constitu ele proprio parte de uma ideolo- gia que perpetua a ftieza. Ele combina com 0 que é impositi 3B Yo, opressor, que atua contrariamente a capacidade de amar. Por isto o primeiro passo seria ajudar a frieza a adquirir cons- ciéncia de si propria, das razSes pelas quais foi gerada. Para terminar gostaria ainda de discorrer brevemente espeito de algumas possibilidades de conscientizacio dos mecanismos subjetivos em geral, sem os quais Auschwitz dif cilmente acontecetia. O conhecimento desses mecanismos uma necessidade; da mesma forma também o € 0 conheci- mento da defesa estereotipada, que bloqueia uma tal cons- ciencia, Quem ainda insiste em afirmar que o acontecido nem foi tio grave assim j4 esta defendendo 0 que ocorreu, € sem diivida seria capaz de assistir ou colaborar se tudo acon- tecesse de novo. Mesmo que o esclarecimento racional no dissolva diretamente os mecanismos inconscientes — confor- me ensina o conhecimento preciso da psicologia —, ele ao menos fortalece na pré-consciéncia determinadas instincias de resisténcia, ajudando a criar um dlima desfavordvel a0 ex- tremismo, Se a consciéncia cultural em seu conjunto fosse efetivamente perpassada pela premonigao do cardter patogé- nico dos tragos que se revelaram com clareza em Auschwitz, talvez as pessoas tivessem evitado melhor aqueles tragos. Além disso seria necessario esclarecer quanto a possibili- dade de haver um outro direcionamento para a fitia ocorrida em Auschwitz. Amanhi pode ser a vez de um outro grupo que no os judeus, por exemplo os idosos, que escaparam por Pouco no Terceiro Reich, ou os intelectuais, ou simplesmente alguns grupos divergentes. O clima — e quero enfatizar esta questio — mais favorvel a um tal ressurgimento € o nacionalis- ‘mo ressurgente, Ble é tio raivoso justamente porque nesta época de comunicagées internacionais e de blocos supranacionais jé no & mais tio convicto, obrigando-se ao exagero desmesurado Para convencer a si ¢ aos outros que ainda tém substincia, De qualquer modo, haveria que mostrar as possibilida- des concretas da resisténcia. Por exemplo, a historia dos assas- sinatos por eutanisia, que acabaram nao sendo cometidos na 136 dimensio pretendida pelos nazistas na Alemanha, gragas & e- sisténcia manifestada. A resisténcia ae ao . + e justamente este € um sintoma bastante no aa de larg gen. Mice dessins, peat led limiada também em face da insaciabilidade presente no principio das perseguigdes, Em ultima instancia, qualquer pessoa nfio-per- tencente 20 grupo perseguidor pode ser atingida; portanto, existe um interesse egoista dristico a que se poderia apelar Enfim, seria necessario indagar pelas condigGes especificas, historicas, das perseguic&es. Em uma época em que 0 nacio- nalismo é antiquado, os chamados movimentos de renovaco nacional so, 0 que tudo indica, particularmente sujeitos a ptiticas sédicas. hs ; Finalmente, o centro de toda educagao politica deveria ser que Auschwitz nao se repita Isto s6 ser possivel na medi- da em que ela se ocupe da mais importante das questes sem receio de contrariar quaisquer potncias, Para isto teria de se transforma em sociclogia,informando acerca do jogo de for- «a8 localizado por tras da superficie das formas politicas. Seria preciso tratar criticamente um conceito tio respeitivel como (0 da razio de Estado, para citar apenas um modelo: na medida em que colocamos 0 direto do Estado acima do de seus inte- _grantes, o terror jé passa a estar potencialmente presente. Em Paris, durante a emigracio, quando eu ainda retor- nava esporadicamente 4 Alemanha, certa vez Walter Benja- ‘min me perguntou se li ainda havia algozes em miimero sufi ciente para executar 0 que os nazistas ordenavam. Havia, ‘Apesar disto a pergunta é profundamente justficavel. Benja- min percebeu que, 20 contrario dos assassinos de gabinete € dos ideélogos, as pessoas que executam as tarefas agem em contradigZo com seus proprios interesses imediatos, sio as- sassinas de si mesmas na medida em que assassinam 0s ou- tros, Temo que seri dificil evitar o reaparecimento de assassi- nos de gabinete, por mais abrangentes que sejam as medidas educacionais. Mas que haja pessoas que, em posigbes subalter- 37 nas, enquanto servicais, facam coisas que perpetuam sua pré- a eee tornando-as indignas; que continue a haver Bo- : contra isto & possivel diane a educasio eo esdarechmenta, st 8° ME 138, EDUCAGAO — PARA QUE? Becker — Atualmente, na Alemanha, o termo planeja- ‘mento educacional tem um uso sobretudo quantiativo. Te- nho a impressio que, mesmo levando justificadamente em conta a situagio de caréncia existente neste ambito, corremos 6 risco de discorrer repetidamente acerca de ntimeros ¢ ne- cessidades materiais, esquecendo que o planejamento educa- cional é também um planejamento de contetido. Na verdade ndo existe um planejamento quantitativo sem aspectos de conteiido, Toda amplia¢io quantitativa de nossa estrutura es- colar implica imediatamente consequiéncias qualitativas. O exemplo mais pritico é o da propaganda educacional, objeti- vando levar a escola superior a maior quantidade de pessoas. estes termos também se modifica a escola superior do ponto de vista do contetido, Nesta medida parece-me urgente inchuir na discussio a questio do o que é € a questio do para que é a educa- ‘lo, o que nao significa excluir consideracbes quantitativas, mas sinué-las no contexto geral a que pertencem necessariamente, ‘Adorno — Pelo que sei, justamente os estatisticos, na medida em que refletem sobre seu proprio oficio, concorda- riam com o senor e, se posso me adiantar, também comigo: les diriam que quaisquer consideragSes quantitativas pos- suem afinal um objetivo qualitativo de conhecimento, Quan- do sugeri que nés conversissemos sobre: “Formacio — para qué?” ou “Educacio — para qué?”, a intengao nao era discu- tir para que fins a educacZo ainda seria necesséria, mas sim: para onde a educasio deve conduzir? A intengio era tomar a 139

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