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Nasceu em Guaporé, RS. Groene orn) POEUN COCR eo EU Ney eee oT] Comrie mE MIC Tee maar PE oe a ee COP Oe OM emnertEmC Te Cea Tere mse ee Se coletaneas. Além disso, publiepu os livros: ociais, Porto Alegre, Movimento, a eae Feet a DO cae at ane eae FO ite os se re erent CT Rt aC aee etre eS OD UL eoreae cue ae emer er os e compreensio, Pardbola Editor 108 132 CONVERSAS COM LINGIISTAS: VIRTUDES E CONTROVERSIAS DA LINGUISTICA Que E LiNGuA? . Lingua é algo muito dificil de definir, como quase tudo, alias. Eu diria que a lingua deve ser entendida principalmente como uma atividade e nao um sistema ou forma. Ela é um dominio publico de construcdo simbdlica e interativa do mundo, ou seja, uma “atividade constitutiva” como diria Carlos Franchi num trabalho de 1977’. Lingua é mais do que um conjunto de elementos sistemAticos para dizer o mundo. Ela nao 6 um sim- ples sistema de representacao mental nem um sistema de comunicacao apenas. Lingua se manifesta como uma atividade social e histérica desenvolvida interativamente pelos indivi- duos com alguma finalidade cognitiva, para dar a entender ou para construir algum sentido. Entao, nao é do ponto de vista do sistema que se deriva o sentido, mas das atividades no uso do sistema. Eu diria assim: lingua é atividade sociointerativa sempre voltada para aiguma finalidade e secundariamente serve para transmitir in‘ormagoes e representar 0 mundo, por- que tanto as informacoes transmitidas quanto o mundo repre- sentado sao sobretudo produtos ou frutos de um processo interativo em que a lingua atua. Veja que a propria atividade de referir 6 uma atividade criativa e nao uma atividade de nomeacao: referir é criav interativamente. Pessoalmente, julgo que ha hoje uma tendéncia bastante grande em entender a lingua nao como forma, mas principalmente como atividade. QUAL A RELACAO ENTRE LINGUA, LINGUAGEM E SOCIEDADE? Vamos comecar pela no¢iio de linguagem, que seria um conceito macro. Eu diria que nesse ponto, eu concordaria com Chomsky. apenas nesse ponto exatamente, que seria uma espécie, digamos, nao de um 6rgao humano, como pulmao ou coisa assim, mas a linguagem enquento propriedade da espécie humana seria uma faculdade mental instalada no cérebro. Entao, a linguagem seria uma feculdade mental, propria da espécie humana, que permite a atividade simbélica e a acao intersubjetiva. Isto 6 0 que eu entendo: a linguagem como uma faculdade da espéc'e humana. A lingua, por sua vez, seria 1. C. Franchi, “Linguagem — atividade constitutiva’, in Almanaque, 5 (1977): 9-26 [republicado in Cadernos de Estudos Linguésticos, Campinas, IEL, 22(1992):9-39]. Luiz Antonto Marcusct 133 HA uma das formas de se organizar, efetivar, concretizar essa fa- culdade humana, assumindo hist6rica, social e culturalmente uma determinada maneira de ser. Ai se chamaria lingua por- tuguesa, francesa, espanhola, inglesa e assim por diante. En- tao, a linguagem seria uma faculdace humana e a lingua uma das formas assumidas por essa faculdade no seu exercicio cotidi- ano do ponto de vista social e histérico. E a questao da relacao que existe entre lingua e sociedade é no meu entender uma relacao mais complexa, porque nac se pode imaginar que a lingua seja uma espécie de retrato da sociedade, alguma coisa que tem as mesma estruturas que a sociedade. Eu sou contra a ideia de que a lingua reflete a sociedade. Eu pergunto: que é sociedade? Algo que um sociélogo desereve? Entao que descri- cao da sociedade a lingua reflete? O que acho é que existe uma relacao bastante estreita entre estruturas sociais e estratégias linguisticas, nao as estruturas linguisticas, mas as estratégias linguisticas, ou seja, entre usos linguisticos e estruturas sociais simplesmente, porque essa relacao entre linguagem e socieda- de se da pela cultura e pela situacao em que as pessoas vivem e por aquilo que as pessoas querer fazer. Entao, nao é uma relacdo direta, 6 uma relacaéo mediada por interesses, por atividades, conceitos, por uma série de coisas. Eu diria: lin- guagem e sociedade mantém uma rela¢ao nao simétrica, mas complexa que passa por uma série de outros aspectos, entre eles, a cognicao, os interesses... enfim, processos de interac¢ao entre os individuos e assim por diante. Nao acho que a sociolinguistica trate das relagées linguagem e sociedade como relacdes simétricas ou reflexivas. A viséo de relacées diretas é equivocada, porque nao ha essa relacao direta. A lingua é uma forma de tratar a sociedade e nao de retratar a sociedade. VINCULOS NECESSARIOS ENTRE LINGUA, PENSAMENTO E CULTURA? Nao. Eu diria que ha vinculos, mas necessaérios acho que nao. Ha vinculos entre a lingua, a cultura, 0 pensamento, vamos dizer, cognicao. Por qué? Porque 0 que acontece é que a lingua nao é uma representacao da realidade, como se fosse um espelho, como se fosse uma fotografia, ou coisa desse tipo, nem uma imitacao. Eu ja disse agora ha pouco que a lingua nao é um sistema de representacao, é um sistema de apresen- tagdo, de producao, de projecao da realidade. Esse é 0 primei- ro aspecto. Quando se fala numa relacao entre lingua e pensa- 134 CONVERSAS COM LINCUISTAS: VIRTUDES E CONTROVERSIAS DA LINGUISTICA mento, se tem que falar numa relacdo que nao é nem neces- saria, nem simétrica, nem de um representando o outro, nem de codeterminagao e também nao é uma rela¢ao de relativida- de como se pensou, porque ha o pensamento. Vamos dizer assim: toda cogni¢ao é um fendmeno social, lingua é um fen6- meno social e por esse lado ambos se unem como dois fe- némenos sociais, agora cada um com suas caracteristicas espe- cificas. Eu diria que entre linguagem e pensamento ha rela- ¢des nao necessarias, nio de espelhamento, e ai é que se passa todo o aspecto da interagao, que é a mediadora entre lingua e o pensamento. Eu diria que a relacdo linguagem e pensa- mento deve ser pensada num tripé: lingua, pensamento e interacao. Pois a relacao entre as duas passa pela interacao, por aquilo que os individuos fazem, interacdo nesse sentido. Nao se pode jamais pensar que seja possivel uma relacao entre linguagem e pensamento sem que isso seja mediado pelas relacoes interpessoais. 2 é isso que Wittgenstein tem em mente quando diz que nao existe uma lingua privada. Nao existe uma lingua privada significa que nao existe um sistema de represen- tacdes que eu posso instaurar pessoalmente e que isso seja chamado lingua. E por qué? Porque se isso existisse haveria alguma coisa como cada um com uma linguagem propria e como haveria a interagéo? Como haveria a intersubjetividade? A intersubjetividade nao © uma relacdo que se da entre lingua e pensamento, 6 uma relacdo que se da pelos processos entre lingua e pensamento mediados pelas relacdes entre as pessoas. Quer dizer, a interagao est no meio. Acho que esse é 0 grande novo, a grande novidade no aspecto da cognicao: permear a cognic¢ao pela interacao e nao simplesmente como uma relacao puramente abstrata, mental ou que esteja 14 embutida na lin- gua. Cognicao nao é um aspecto individual, mas social. A LINGUAGEM TEM SUJEITO? Acho que nao. Acho que a linguagem... bem, é dificil dizer, porque quando se fala assim, se antropomorfiza um pouco a linguagem. Acho que a linguagem nao tem nada, tudo depende do que nés fazemos com ela. A linguagem no faz. Quando se diz que a linguagem tem ou que a linguagem faz, isso é uma maneira de falar um pouco metaférica: a linguagem faz isso. faz aquilo, faz aquilo outro, mas na verdade nés fazemos com ela alguma coisa. Entao o sujeito se instala na linguagem, ele Lu Antonio Marcuscut 135 surge, ele é construido, ele é operado, mas a linguagem em si nao tem sujeito. Nela pode surgir, no maximo, a manifestacao de subjetividade. A ideia de dizer que a linguagem se apropria dos individuos me parece ruim; néo sei se ela faz isso. Eu sei que existe essa ideia na andlise do discurso. Mas 0 que acon- tece é que uma sociedade, depois que desenvolve todos os sistemas de comunica¢aéo, vamos supor, desenvolve uma lin- guagem ou tem uma lingua, é evidente que a pessoa que se insere nessa sociedade vai ter que falar conforme essas pessoas falam, se quer interagir com essas pessoas. Entdo, a lingua dessa sociedade vai se apropriar desse individuo fazendo com que ele seja assimilado por ela, a fim de poder interagir com os outros. Isso seria assim: para vocé se socia- lizar, vocé precisa ser apropriado pela lingua. Mas isso é um aspecto secundario, a lingua nao esta pronta, dada, ela esta no meio, ela esta em uso. Eu penso que 0 sujeito é uma construcdo permanente, um processo, e nao apenas uma peculiaridade, ou alguma propriedade, ou alguma coisa que est inserida na linguagem. E a discussao sobre 0 sujeito é muito complicada e depende da maneira como entendemos 0 sujeito. Eu gostaria de frisar que a nogao de sujeito de que falo aqui nao é a de um individuo nem de uma subjetividade 4 moda de Descartes. Nao da para entender © sujeito como um individuo isolado, um eu simplesmente. Acho que o sujeito é uma constru- cao e uma construcéo muito compiexa dentro de uma cultura; culturas diferentes constroem sujeitos de forma diferente e ha processos ideoldgicos, processos histéricos, processos sociais diferenciados. A pergunta é: a lingua tem sujeito? Eu diria nao. Sujeito é uma construcao pela lingua, com a lingua, na lingua, mas nunca fora dos individuos que estao interagindo com a lingua. Que & LiNGuisTICA? Dificil dizer o que é linguistica, principalmente hoje em dia, quando ha muitas tendéncias. Quendo se diz que a linguistica é a ciéncia da linguagem ou da lingua é muito complicado. Temos que olhar em primeiro lugar o que é ciéncia e em segundo lugar o que é lingua, ai temos que definir os dois. E ai comeca a coisa a complicar. Entao, uns dizem que linguistica € 0 estudo das formas linguisticas. Esta seria uma defini¢ao estrita de linguistica por seus objetos (algo assim como uma 136 CONVERSAS COM LINGUISTAS: VIRTUDES E CONTROVERSIAS DA LINGUISTICA defini¢ao ostensiva): fono|ogia, morfossintaxe, semantica. E para esse grupo, a partir da pragmatica ja nao seria linguistica, porque nao é um nivel de andlise da lingua. Evidente que a pragmatica esta dentro do plano do uso, e enquanto esta no plano do uso, ela nao é do nivel do sistema nesse sentido. Portanto, para esse grupo a linguistica é 0 estudo apenas de formas e tem um nucleo duro e pronto. Chomsky ¢ ainda mais restritivo e acha que a linguistica é 0 estudo da linguagem internalizada (LD. Algo assim como uma ciéncia natura! da psicologia ou biologia. Eu discordo disso. Outros, como eu mesmo, acham que a linguistica pode ser mais ampla e envolve inclusive linguistica de texto, andlise do discurso e analise da conversacao, por exemplo. Isto é, envolve processos, atividades, e outras coisas mais. E nesse sentido que eu tomo a linguistica. Ela envolve muito mais do que apenas 0 estudo de formas. Acho que seria a investigagao das formas, dos usos e das atividades linguisticas. Ai podemos estudar o texto, os géneros, os discursos. a aquisi¢ao, a interacao, e, por que nao?, também a sintaxe © a fonologia. A LINGUISTICA E CIENCIA? Eu acho que a linguistica ¢ uma ciéncia, se eu tomo a linguistica como uma investigacao controlada que tem resultados, alguns deles reprodutiveis, outros néo, por suas condicdes de produeao. Entao, a linguistica 6 uma ciéncia, mas nado uma ciéncia naquele sentido neopositivista que exige um controle rigoroso de todas as variaveis que entram para produzir resultados e projecdes controlados e assim por diante. Mas mesmo isso é muito complicado. Veja que Kant escreveu 4 critica da razdo pura sé para mostrar que a filosofia era ciénei Ele inclusive se esforcou muito para encontrar enunciad| que eram “verdadeiros 1 priori e sintéticos”, uma espécie “arvore verde dourada da vida”, e se deu muito bem. Ni linguistas, nao precisamos escrever um livro para mostrar q) a linguistica é ciéncia. A linguistica é uma ciéncia e nos am 1960-1970 foi a rainha das ciéncias humanas, segundo di: Lévi-Strauss’. Hoje, essa coisa de ciéncias humanas, ciéne sociais, ciéncias exatas, da natureza, sei 14 0 que mais, po! 2. C. Lévi-Strauss, Antropologia estrutural, Rio de Janeiro, Tempo Bi leiro, 1967, p. 45. Luiz Antonio Marcuscut 137 importa, 0 que importa é que a nocao de ciéncia nao pode ser tao estreita como os positivistas a definiram no século XX. Fauconnier e Turner’, em seu livre The Way We Think, dizem que o século XX foi o do “triunfo da forma” e que o século XXI vai ser o século da “imaginacao”. Porianto, se a gente for um pouco mais generoso na definicao de ciéncia e admitir que ciéncia é todo tipo de investigagao que tem um controle de seus objetos e enunciados e que produz enunciados sistematicos inter- subjetivamente compreensiveis, quer dizer, aquilo que eu digo pode ser entendido por vocé e outras pessoas e nao s6 por mim, a linguistica é uma bela ciéncia. Acho que ciéncia é todo tipo de investigacéo em que se produz algum tipo de conhecimento. Eu estou convencido de que o proprio da ciéncia é investigar e nao explicar. A explicacdo 6 um de seus feitos e nao sua esséncia. Eu gostaria de inverter, pois, a velha e classica ideia de ciéncia. Ai vamos discutir sobre a natureza desse conhecimento. Entao, nesse sentido a linguistica é ciéncia. Agora, claro que é uma ciéncia diferente do que, por exemplo, a matematica, do que a fisica, é uma ciéncia multipla que tem muitas relagdes com as outras areas. Mas é uma ciéneia sim. PARA QUE SERVE A LINGUISTICA? Uma coisa eu sei: com a linguistica vocé nao fica rico, mas sem ela seu povo é mais pobre. A questao do “para que” serve a linguistica depende sempre de que estudos linguisticos nés estamos falando. Mas eu tenho a impressao de que a linguistica serve basicamente para fazer com que se compreenda de que forma nds somos seres humanos. (iu seja, como nés interagimos, como chegamos a nos entender, como conseguimos construir e dar a entender este mundo que nés construimos, como a realiddde é sentida e reproduzida para as pessoas. Entao, a linguistica, de uma outra forma, tende a dar conta desses aspectos, desses problemas, dessas indagac¢oes e, nesse sentido, a linguistica é extremamente importante, relevante e signi- ficativa. Poderia dizer o seguinte também: fundamentalmente, a linguistica é uma das mais importantes das ciéncias, porque lida com um dos aspectos mais tipicamente humanos e que 3. G. Fauconnier & M. Turner, The Way We Think — Conceptual Blending and the Minds’ Hidden Complexities, New York, Basic Books, 2002. 138 CONVERSAS COM LINGUISTAS: VIRTUDES E CONTROVERSIAS DA LINGUISTICA permeia a maioria das atividades humanas. Poucos fendémenos na vida dos individuos, seja no cotidiano ou na sua investigacao, tém uma importancia tao grande em todos os momentos como a lingua. E entao a ciéncia que da conta desse fendmeno, eviden- temente, é de extrema importancia, porque é pela porta, digamos assim, da lingua, que as pessoas se tornam sociais e se socializam, se agrupam, defendem interesses e fazem tudo aquilo que fazem. Nesse sentido, eu diria que a linguistica é extrema- mente relevante, porque ela consegue dar conta de um dos fenémenos, ou pretende dar conta pelo menos, de um dos fené- menos mais presentes na vida didria de todos os seres huma- nos, inclusive nas mais Civersas situagées e em todos os tem- pos. Nao se tem noticia de nenhum povo na humanidade, que nao tenha tido ou falado a'guma lingua, de modo que ela permeia todas as culturas e todos os individuos, inclusive individuos que moram sozinhos e ficam falando com as Arvores. A LINGUISTICA TERIA ALGUM COMPROMISSO NECESSARIO COM A EDUCACAO? Eu nAo diria que a linguistica teria um compromisso necessd- rio com a educacao, mas um grande compromisso, eu diria. Nem todas as investigacoes linguisticas precisam ter um compromisso com a educag¢ao, mas a linguistica tem certos compromissos. Agora, compromissos no sentido de desenvolver conhecimentos que outros possam utilizar efetivamente nas suas devidas dreas, como, por exemplo, na educacado, em termos de ensino de lingua e algo mais. Mas a linguistica nao precisa se desenvolver pensando: como vou ser ttil na educacao? EF nesse sentido que seu compromiisso nao é necessario. Claro que ela deve pensar para que ela serve etc., pensar também na educa- ¢ao. Eu creio que hoje em dia a linguistica esta assumindo aqui no Brasil uma perspectiva bastante importante na propria educacao na medida em que se entende a educacao como todas as formas de formag¢ao ov de construcdo do conhecimento nas pessoas. A educacao num sentido bem amplo, toda a educacao escolar vamos dizer. Entdo, é claro que a lingua ocupa um lugar importante e a linguistica, por sua vez, também. E se na educacao um dos aspectos basicos € a alfabetizacdo e o dominio da lingua em todos os sentidos, a linguistica passa a ser fundamental. A rigor, quando se fala em edlucacao se diz, se subentende escrita. Pessoa educada é hoje entendida como uma pessoa que sabe escrever. Esta é inclusive uma definicaéo da UNESCO e até da Luz Antonto Marcuscxt 139 ONU: educado e desenvolvido é um povo alfabetizado. Mas isso é discutivel. E nesse sentido a linguistica, evidentemente, forne- ce instrumentos, desenvolve todos esses aspectos, ela 6 muito importante e tem um compromissce extremamente sério com a educacao. Mas 0 que eu diria é que nao é necessaria essa rela- cao de compromisso, mas 6 um compromisso sim, histérico, social e politico, enfim que todo cientista deve ter. Como A LINGUISTICA SE INSERE NA POS-MODERNIDADE? Bom ai tem um problema: o que ¢ pés-modernidade? Nao sei exatamente o que seja pos-modernidade. Hoje em dia tudo é p6s-modernidade e ha um poetinha ai que ja atingiu o “pds- tudo”. Mas eu diria que a linguistica se insere nesse contexto p6s-moderno se vamos entender a pés-modernidade como o periodo em que nds vivemos, em que as relacdées logicas nao sao as que prevalecem, mas sao as relagodes faticas. Hoje, a pragmatica, a nao linearidade e unia certa desterritorializacao das relagdes sociais e dos processos cognitivos estao muito mais em evidéncia e em investigagaéo do que os fendmenos empiricos. Nesse sentido, entendendo pés-modernidade como uma forma de pensar que tenta superar um processo estrita- mente légico e entrar numa coisa mais ampla, inclusive que nao se faz uma pergunta estritamente légica; nesse sentido, a linguistica se insere de maneira interessante porque ela mostra que a lingua é um fenémeno, desde os tempos iniciais talvez, p6s-moderno. O curioso é que nao se tenha dado conta desse aspecto, porque nao é um fenémeno estritamente légico, que busca légica. Quem busea légica na lingua busca no lugar errado. Entao, nesse sentido, a linguistica sempre foi pés- moderna. Acho que a lingua é por defini¢ao pés-moderna, se por pés-modernidade se entende toda forma de raciocinio em que a coordenada principal nac é a légica cartesiana. A linguistica tem uma coisa muito importante: ela com muita facilidade se apropria de todas as ciéncias. Entao, ela dialoga com facilidade com as outras ciéncias. A interdisciplinaridade, que em outras areas é complicada e precisa ser pensada, na linguistica tem que ser até barrada. porque ela é muito natural, ela é muito espontanea. A interacao com muita facilidade com todas as 4reas é um ponto forte e fraco ao mesmo tempo que a linguistica oferece. Muitas pessoas acham que essa facilidade de relacées transdisciplinares da | nguistica leva a uma super- 140 CONVERSAS COM LINGUISTAS: VIRTUDES E CONTROVERSIAS DA LINGUISTICA ficialidade e transforma a propria linguistica numa disciplina transdisciplinar que é uma coisa meio mutante. Mas eu penso que justamente esse é um aspecto interessante na linguistica. Ela nao é um estudo estatico, rigido, coordenado por perspectivas estritamente logicas, bem montadas etc. Eu diria que isso 6 da natureza da propria linguagem. Talvez a linguistica seja a ciéncia mais pos-moderna porque se desgarra com toda facilidade de controles. Assim como ele perfeitamente esta sob esse controle, ela sai desse controle, justamente porque lingua é atividade e a atividade nao se controle com légica. Mas vocé pode esquecer tudo isso porque eu nao sei o que é pés-moderno. ~ QUAIS 0S DESAFIOS PARA A LINGUISTICA No sEcULO XXI? Eu tenho a impressdo que a grande agenda da linguistica no século XXI 6 dar conta de dois problemas: (a) as formas de pensar e (b) a questao ética. Como se da conta das formas de pensar? Pensando os aspectos cognitivos ligados a processos de interacdo que sao fundamentais. Eles precisam ser melhor en- tendidos. No meu entender, a agenda cognitiva vai ser muito importante. Nao daquele cognitivismo experimentalista ou modular do século XX, mas um cognitivismo social. A agenda sociocognitiva no meu entender é um ponto central para 0 sé- culo XXI, porque vai dar conta das formas de pensar com a lingua na lingua, pela lingua em sociedade. Sao questées inte- ressantissimas. Como cultura, linguagem e sociedade se perpas- sam, se entremeiam? Con‘o uma esta na outra e assim por dian- te? Como posso, por formas tao limitadas, ter tantas possibilida- des de dizer as coisas, de construir coisas? Por que existe cogni¢ao e existe sociedade e cultura? O segundo conjunto diz respeito a agenda ética. Aqui ha a questao da diversidade linguistica, dos fendmenos interculturais e de todo o processo sociointerativo por explicar. Eu creio que a paz mundial vai ter que se socorrer dos linguistas um dia. Nao devemos esquecer os problemas que a nova geopolitica mundial vai colocar em breve para politicas linguisticas complexas a fim de evitar hegemonias linguisticas. Enfim, se a agenda linguistica no comeco do século XX foi uma agenda bem formal voltada para os fundamentos e se a agenda da metade do século XX para ca foi uma agenda bem pragmatica por influéncia da filosofia da linguagem, da filosofia analitica, hoje ela passa a mudar um pouco da forma para a sociointera¢ao, 0 processo cognitivo e tuco 0 que se vincula a esses aspectos. A agenda do século XXI é uma agenda de fundamentagao da re- flexéo da proposta sociocognitiva e de uma visao ética da lin- gua. Acho que essa 6 uma agenda basica.

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