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Movimentos Globais e Cenários em Turismo: uma realidade dinâmica, uma


viagem ao futuro

Global Changes and Scenaries on Tourism: a dynamic reality, a trip to the future

Movimientos Globales y Escenarios em Turismo: una realidad dinâmica, un viaje hacia el


futuro

Luiz Gonzaga Godoi Trigo1


Rosana Mazaro2

Resumo
Neste artigo se analisa o contexto contemporâneo global configurado pelas recentes crises e se
prospectam cenários que exploram as possibilidades oferecidas pelos novos parâmetros de
competitividade, com ênfase nos imperativos da inovação, em mudanças que marcaram o
mundo nas últimas décadas e fatos que põem em cheque estruturas e processos historicamente
constituídos. O setor de turismo e viagens sofre os impactos de toda sorte de transformações e
tenta se adaptar às novas configurações sócio-culturais e de possibilidades facilitadas pelas
novas tecnologias da informação, que, por sua vez, configuram novos segmentos, novos
mercados e novos produtos. Entender a dinâmica, extensão e intensidade dessas mudanças é
fundamental na análise atual e prospectiva, imprescindível para orientar decisões estratégicas
em turismo.
Palavras-chave: turismo; mudanças; cenários; inovação.

Abstract
This article analyzes the contemporary global context set by recent crises and prospectam
scenarios that explore the possibilities offered by new parameters of competitiveness, with
emphasis on the imperatives of innovation, changes that marked the world in recent decades
and facts that put in check structures and processes historically made. The travel and tourism
sector suffers the impacts of all sorts of transformations and tries to adapt to the new socio-
cultural settings and possibilities facilitated by new information technologies, which, in turn,
configure new segments, new markets and new products. Understand the dynamics, extent

1
Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1996) e Livre Docente em Lazer e Turismo
pela ECA/USP. Professor Titular da Escola de Artes, Ciências e Humanidades/USP. E-mail: trigo@usp.br.
2
Doutora em Administração/Turismo pela Universidad de Barcelona, Espanha. Docente/Pesquisadora do
Programa de Pós-Graduação em Turismo –PPGTUR/ UFRN. Líder do grupo de pesquisa Inovação e
Competitividade de Destinos Turísticos. E-mail: rosanamazaro@uol.com.br.

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and intensity of these changes is critical in analyzing current and prospective, necessary to
guide strategic decisions on tourism.
Keywords: tourism; changes; scenarios; innovation.

Resumen
En este artículo se analisa el contexto contemporáneo mundial establecido por las crisis
recientes y se prospectam las posibilidades que ofrece nuevos parámetros de competitividad,
con énfasis en los imperativos de la innovación, los cambios que marcaron el mundo en las
últimas décadas y los hechos que ponen en estructuras de control y procesos históricamente
instalados. El sector de los viajes y turismo sufre los impactos de todo tipo de
transformaciones y trata de adaptarse a los nuevos contextos socioculturales y las
posibilidades facilitadas por las tecnologías de la información, la cual, a su vez, configuran
nuevos segmentos, nuevos mercados y nuevos productos. Compreender la dinámica, la
extensión y la intensidad de estos cambios es crítico en el análisis actual y futura, necesaria
para orientar las decisiones estratégicas en turismo.
Palabras clave: : turismo; cambios; escenarios; innovación.

1. Introdução: uma realidade dinâmica

As sociedades atuais são marcadas pela fragmentação, contradição e paradoxos. Vivemos uma
realidade dinâmica marcada pela complexidade, fruto da evolução tecnológica e pela extrema
diversidade cultural, étnica, social e econômica. Não se consideram mais apenas os
segmentos, mas os pequenos nichos de mercado; não existem mais patamares de estabilidade,
mas forças de mudança que alteram, criam e destroem permanentemente as faces culturais e
produtivas das civilizações; não há mais ciclos previsíveis, mas crises e ondas randômicas de
transformações que assolam os mercados e as sociedades, desconstituindo preceitos e
premissas e determinando novas configurações.

Os campos do lazer e do prazer foram igualmente influenciados pelos fluxos de


acontecimentos que abalaram as antigas certezas e teorias pretensamente totalizantes dos
meta-sistemas filosóficos e econômicos outrora predominantes. Se no século XIX
personagens como Darwin, Comte, Nietzsche, e Marx chocaram o pensamento estabelecido e
lançaram novos paradigmas, ao longo do século XX, nomes como Lyotard, Kahl Popper,

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Manuel Castells e toda uma legião de analistas econômicos e de tendências como Philip
Kotler, Alvin Toffler, Jim Collins, Peter Drucker e outros especialistas em crises e
prospecções, mostraram que o mundo humano tornou-se uma incógnita ainda maior e mais
desafiadora face aos acontecimentos históricos e avanços tecnológicos das últimas décadas.

Este novo contexto, definido por Pine e Gilmore (1999) como o da economia da experiência,
é fortemente caracterizado pelo emocional e onde o ser humano, como elemento chave,
redefine sua fórmula de valor e redimensiona suas prioridades, impulsionando todo um
movimento estratégico (KIM & MELGBORNE, 2005) no qual predominam a valorização da
estética, do prazer, do bem estar, da qualidade de vida, da vivência de experiências inusitadas,
do auto-investimento e de valores mais elevados.

Na esteira desses movimentos estratégicos emergem áreas como a moda, gastronomia, beleza,
esportes, turismo, artes entretenimento, fortemente marcadas por duas características:
diversidade e prazer. Esses campos articulam-se em complexas formações combinadas e
interconectadas, exigindo novos olhares para se compreender suas facetas, fronteiras e,
sobretudo, suas possibilidades.

Não há mais clusters específicos, por exemplo, de turismo, hospitalidade ou entretenimento,


mas sistemas complexos que envolvem várias áreas. Há um paradoxo entre o gigantismo de
lugares como Cingapura, Dubai, Orlando, Kuala Lumpur ou Las Vegas, destinos altamente
direcionados à alta tecnologia, mercado de telecomunicações, finanças e de serviços ligados
ao prazer, contrapondo com uma infinidade de nichos que se estabelecem nesses núcleos,
configurados pelos mais variados tipos de pessoas, costumes, gostos e estilos. O macro e o
micro convivem intimamente, compondo um contexto de impensada diversidade, que tanto
provoca como se adapta às constantes inovações.

Esse novo mundo foi sendo gestado através de toda a história humana, porém nas últimas
décadas os avanços tecnológicos e as mudanças econômicas, políticas e culturais
influenciaram profundamente às mudanças sociais e que conformam novas civilizações. Tudo
bem, a história sempre foi dinâmica e o mundo está em permanente transformação. No
entanto, a novidade dos novos tempos é a velocidade da mudança. Não ha mais tempo para
adaptar-se. O desafio agora é o de antecipar o futuro, e não mais se espelhar no passado.

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Chegamos no momento da historia onde a realidade superou a ficção. Tom Clancy, no livro
Debt of Honor (1994), relata o atentado suicida de um piloto japonês que arremessa seu
Boeing 747 contra o Capitólio, matando o presidente, vários wenadores e autoridades. O livro
foi criticado como extremamente fantasioso, pois se julgava impossível um ataque desse tipo
em território norte-americano. Então, a ficção se torna realidade no dia 11 de setembro de
2001. Michel Houellebecq publicou Plataforma, em 2001, um romance que termina com um
ataque de terroristas islâmicos contra turistas, na Ásia. Em outubro de 2002, novamente a
ficção se materializa no ataque terrorista que matou mais de duzentos pessoas, a grande
maioria de turistas estrangeiros em férias na ilha de Bali, na Indonésia, assumido por
membros do Jemaah Islamiya, um grupo terrorista islâmico (O Estadão on-line, 2002).

Uma década após os maiores atentados terroristas nos EUA, é evidente que os impactos
econômicos imediatos dos ataques na economia norte-americana foram menores do que se
imaginava. Mas os impactos causados pelos gastos em guerras foram imensos e, juntamente
com as crises econômicas, contribuíram para desgastar a imagem do país no exterior.

O setor de viagens e turismo sofreu grandes perdas e efeitos adversos. Apesar de o mercado
interno dos EUA ser vigoroso e garantir demanda para sua imensa rede de ofertas em turismo,
hospitalidade e entretenimento, houve uma queda nas viagens de estrangeiros, especialmente
dos países onde o visto de entrada é exigido. Burocracia, altos custos, formalidades
constrangedoras inibem um número maior de visitantes estrangeiros em seu territorio, algo
que começa a preocupar os responsáveis pelo setor de turismo nos EUA. (THE ECONOMIST
on-line, 2012)

Outros gastos elevados são os referentes ao controle de segurança nos aeroportos. Policiais
armados no check in, análise do perfil dos passageiros, passaportes biométricos com chips.
Controle dos notebooks no raio-X, proibição de líquidos a bordo, retirada de sapatos para
vistoria, revistas corporais manuais, scanners corporais, detector de metais, proibição de
objetos metálicos cortantes ou pontiagudos e uso de talheres de plástico nas já sofríveis
refeições à bordo dos aviões causam demoras nas filas de embarque e queda na qualidade do
serviço nas aeronaves. Muitas empresas aéreas aproveitaram os efeitos do 11 de setembro
para diminuir seu nível de conforto e qualidade e assegurar mais lucros.

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A análise das crises cíclicas das últimas décadas, aliadas à exigência de inovação e
competitividade, marcam nossos tempos e sociedades, seja no mundo acadêmico, político,
corporativo ou institucional. Toda uma sequência de fatos novos, regionais e globais, ainda
precisam ser devidamente analisados e interpretados por historiadores, sociólogos, filósofos e
cientistas políticos.

É nesse contexto que a economia, em geral, e o turismo, em particular, devem ser analisados,
em um período de transição tecnológica, econômica, cultural e social. As próprias áreas
ligadas ao turismo são extremamente dinâmicas, suscetíveis às crises e oportunidades e
sensíveis às novas tecnologias. Essas mudanças influenciaram o turismo ao redor do mundo.
Alguns desses efeitos e transformações são explorados neste texto. Tendo em vista, então, seu
caráter exploratório, a finalidade aqui é mais instigar perguntas do que oferecer respostas.
Assim, se optou por uma linguagem menos normativa e mais ilustrativa, coloquial, tentando
demonstrar que o conhecimento pode ser construído sobre bases absolutamente distintas e
flexíveis, mas ainda assim, manter-se acadêmico, cientifico, exatamente como requer os
novos tempos.

2. O Gran Tour: fatos e interpretações

Todo fato possui uma história. Quanto mais espetacular for esse fato, mais fantástica será essa
história. Quem imaginaria, nos anos 1980, em plena guerra da ex-União Soviética contra os
afegãos, que a ajuda da CIA aos rebeldes fundamentalistas islâmicos acabaria por inspirar os
ataques de 11 de setembro de 2001? O mesmo vale para a atual crise financeira internacional,
fruto de crises sistêmicas e consecutivas do sistema capitalista que se sucedem, em maior ou
menor escala e por diferentes razões, desde o inicio do século passado e tem seu marco em
1929.

Tendências são construídas. Não são obras do acaso. Novas tendências são
definidas continuamente por acontecimentos e eventos que se sucedem o
tempo todo, num intrincado conjunto de influências mútuas. Fatos que já
estão em desenvolvimento: é o presente moldando o longo prazo. [...] A
explosão econômica prevista para os anos 1990 é uma das conseqüências da
globalização dos mercados e da extraordinária evolução da tecnologia da
informação, dos processadores de conhecimento e das telecomunicações
(NAISBITT, ABURDENE, 1990, p. 27, 28).

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Essas eram as expectativas sobre o desenvolvimento das economias dos países desenvolvidos
durante a década de 1990. Foi o período dourado de países como os Estados Unidos, o Japão e
dos blocos econômicos como os chamados tigres asiáticos, de uma Europa se unificando
política e economicamente, da consumação do colapso do socialismo na ex-União Soviética e
em seus países periféricos do leste europeu, do centro e do sudeste asiático. Nesse contexto o
crescimento do turismo avançou a elevados percentuais ao longo de toda a década, por causa
do desenvolvimento econômico nos países do capitalismo central e apesar das crises nos
países periféricos, cenário que se inverteria no início da segunda década do século XXI.

Vivemos, certamente, em um período de mudanças históricas com acontecimentos de reflexo


internacional ocorrendo de maneira intensa e decisiva. Muita coisa mudou desde o final do
século XX. O historiador Eric Hobsbawn afirmou que:

[...] o fim da Guerra Fria retirou de repente os esteios que sustentavam a


estrutura internacional e, em medida ainda não avaliada, as estruturas dos
sistemas políticos internos mundiais. E o que restou foi um mundo em
desordem e colapso parcial, porque nada havia para substituí-los. A idéia,
alimentada por pouco tempo pelos porta-vozes norte-americanos, de que a
velha ordem bipolar podia ser substituída por uma ‘nova ordem’ baseada na
única superpotência restante, logo se mostrou irrealista. [...] Há momentos
históricos que podem ser reconhecidos, mesmo entre contemporâneos, por
assinalar o fim de uma era. Os anos por volta de 1990 foram uma dessas
viradas seculares. Mas, embora todos pudessem ver que o antigo mudara,
havia absoluta incerteza sobre a natureza e as perspectivas do novo
(HOBSBAWN, 1995, pág. 251-252).

É isso o que aconteceu e continua em processo: uma profunda mudança histórica que alterou
estruturalmente bases fundamentais da humanidade como a sociedade, a economia, a política
e a cultura. As mudanças são simultaneamente profundas e recentes, ainda não há teoria
suficiente para interpretar e compreender o que acontece, o que não impede que se lancem
hipóteses que, seguramente, serão testadas ao longo dos próximos anos (HUNTINGTON,
1997). Algumas das teorias expostas ao longo desses anos conturbados estão mais próximas
da realidade do que outras, mais utópicas ou simplesmente equivocadas. As primeiras serão
lembradas como luzes sinalizadoras de épocas tempestuosas; as outras irão para a imensa lata
de lixo semi-reciclável (cósmico) da história.

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Uma parte mais específica dessas mudanças refere-se à globalização (SOROS, 2003;
STIGLITZ 2002). A expansão da globalização aconteceu de forma intensa e acelerada ao
longo dos anos 1990. Isso acarretou um desequilíbrio entre os países desenvolvidos que já
detinham capital, tecnologia e meios de se produzir conhecimento e os países em
desenvolvimento, aprofundando o abismo entre os “have” e os “have not”, ou seja, os
detentores de riquezas e conhecimento e os que ainda buscam meios para adquirir estabilidade
econômica e política em suas sociedades. O crescimento do capitalismo global provocou
distorções no âmago do próprio sistema, em um período posterior ao fim do socialismo,
quando alguns pensaram que não haveria novidades no horizonte histórico e social.

John Naisbitt, Peter Drucker e Alvin Toffler são alguns dos autores que protagonizaram a
teorização da celebrada passagem para a sociedade do conhecimento, identificando novas
tecnologias e novos recursos humanos, high tech e high touch. Depois vieram as crises
asiáticas em 1997, a crise da nova economia em 2001, os escândalos financeiros do início do
século 21, envolvendo grandes corporações multinacionais e, finalmente, a crise do subprime
no mercado imobiliário norte-americano que toma o planeta em uma onda avassaladora de
pânico e falta de confiança, afetando empresas, pessoas e governos , um tsunami financeiro do
qual ainda se está longe da recuperação e da avaliação dos estragos.

A década de 1990, que seria marcada pelo “fim das ideologias” e pela “paz americana”3 viu
irromper no cenário mundial uma serie de crises que exigiu constantes adaptações aos novos
tempos. Essas crises fazem parte dos ciclos do sistema capitalista, sendo uma das mais
significativas a de 1929, que suscitou medidas de controle para evitar outras derrocadas tão
amplas e duradouras. Porém, perto do final do século XX, uma sequência de problemas
abalou a economia de países por todo o mundo.

O preocupante é que, no final de 2011, quando este texto está sendo escrito, há muito mais
dúvidas e temores quanto a economia internacional do que certezas e prospectivas
consolidadas. Essas crises econômicas foram acompanhadas de epidemias (gripe, pneumonia)
que igualmente afetaram países e fluxos de visitantes e turistas. Problemas sociais, de saúde,
economia, política ou guerras e terrorismo afetam diretamente os fluxos de turismo e de
serviços em geral. Abaixo se resume as principais crises das últimas décadas. Cada uma delas

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Termo que se refere à hegemonia norte-americana no globo.

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afetou o turismo de alguma forma, seja em sua área mais próxima, seja ao nível mais global,
certamente conforme sua intensidade, extensão e duração.

Ano Fato
1995 Crise financeira no México
1997 Crise asiática a partir de julho.
1998 Crise financeira na Rússia.
1999 Crise cambial no Brasil em janeiro, no rastro de uma crise iniciada em
setembro de 1998. Início da pior crise econômica na história da Argentina.
2000 Problemas com a chamada “nova economia” e crise na Nasdaq
(a Bolsa de Valores da informática em Nova Iorque)
2000/2001 Série de escândalos fiscais em várias multinacionais com sede nos Estados
Unidos da América – EUA e na Europa. A crise Argentina atinge o auge e o
país fica insolúvel.
2001 Atentados terroristas em Nova Iorque e Washington abalam o mundo
2002 Novos atentados terroristas abalam o turismo internacional. Aprofundamento
dos conflitos entre árabes e israelenses. Os EUA ameaçam invadir o Iraque,
caso o país não se submeta a controle para apurar a existência de armas de
destruição em massa. No final do ano, surgem conflitos diplomáticos entre
Estados Unidos e a Coréia do Norte.
2008-2009 Uma série de crises econômicas e financeiras atingem os Estados Unidos e a
zona européia do Euro.
2010 A China se estabiliza como grande potência contemporânea, graças à sua
industrialização, crescimento econômico acelerado, desenvolvimento
tecnológico e volume de reservas financeiras. O país é o maior detentor dos
títulos de dívida pública dos EUA.
2011 Recrudescimento da crise econômica nos Estados Unidos e nos países europeus
endividados (Irlanda, Portugal, Grécia, Espanha, Itália). Pela primeira vez na
história, os EUA perdem a nota máxima das agências de investimentos
internacionais.

O que deu errado? A mesma coisa que dá errado nas instituições e organizações quando se
negligencia o capital mais importante: o capital humano. Naisbitt deixa claro que o
reconhecimento do indivíduo é o fio condutor que une todas as tendências.

Nas interpretações que Cohen (2008) faz dos ensinamentos do guru Peter Drucker, há
insitentemente referencias a temas como legitimidade de poder das lidenraças politicas e

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organizacionais, associados a questões deresponsabilidade e ética nas decisões e conduta de


lideranças. Esses preceitos são muito antigos na história das civilizações e já constavam nas
antigas mitologias e depois passaram a integrar os corpos doutrinários das variadas religiões.
Finalmente, com os antigos gregos, esses princípios assumiram estruturas articuladas em
torno da ética e da política e foram desenvolvidas ao longo da história da filosofia, sempre
incorporando as novas culturas, tecnologias e desafios humanos perante as “novas
realidades”.

Esses preceitos devem referenciar padrões de comportamente em todos os lugares de


convivência humana e coletividade, seja nos bares, nas ruas, nos restaurantes, nas lojas ou nos
hotéis, ou ainda nas grandes corporações financeiras ou industriai (JENKINS, 2008) Ou
deveria ser. Livros melosos e sentimentais como O monge e o executivo de James Hunter são
campeões de vendas. Falam de humildade e serviço na liderança. Os chefes o compram ou
ganham de presente e o que fazem com o livro? Os poucos que o leem, em geral, agem ao
contrário.

Arrogância, vaidade e ética dúbia moldam os parâmetros de várias instituições e organizações


empresariais na atualidade. Responsabilidade social e sustentabilidade ambiental são, em
muitos casos, palavras ocas para decorar manuais coloridos organizados pelo pessoal de
marketing para angariar investimentos, passar uma imagem favorável e dar algum retorno
menos técnico aos acionistas.

As crises e ebulição internacional afeta igualmente países, instituições e indivíduos. Os


motivos são similares: ganância, egoísmo, princípios éticos extremamente resilientes.
Criticamos os governos, os grandes bancos, o crime organizado, mas nos calamos perante os
problemas em nossos condomínios, empresas ou escolas de nossos filhos. Entre a indiferença
e o cinismo, entre a hipocrisia e a bonomia, construímos as tendências. Não são obra do
acaso. É o presente moldando o longo prazo. Que tipo de futuro estamos construindo para
nossas empresas, famílias e a sociedade em geral? Qual parte dessa nova crise global foi
causada por irresponsabilidade e ganância ainda não entendemos?

Dentre os esforços para se entender o mundo moderno e desvendar seus mecanismos de


funcionamento, a revista norte-americana Newsweek publicou (NEWSWEEK, 2010)
um ranking sobre os melhores países para se nascer e viver na atualidade. Foram considerados

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cinco tópicos para a avaliação: educação, saúde, qualidade de vida, competitividade


econômica e políticas ambientais. A lista dos 20 entre os 100 melhores é capitaneada sem
novidades pela Finlândia, seguida na ordem de classificação pela Suiça, Suecia, Austrália,
Luxemburgo, Noruega, Canadá, Holanda, Japão, Dinamarca, Estados Unidos, Alemanha,
Nova Zelândia, Reino Unido, Coréia do Sul, França, Irlanda, Áustria, Bélgica, Cingapura. Os
países do BRIC4 estão pior classificados neste ranking. O Brasil, em 48º lugar, a Rússia, em
51º; a China, em 59º e a Índia, em 78º. O estudo analisa ainda a trajetoria de 10 líderes que
ganharam projeção e respeito mundial, entre elas a do presidente brasileiro Luiz Inacio Lula
da Silva.

Porém, onde a revista realmente inova é na analise de quais os melhores países para
determinadas práticas. Veja que interessante:

 Ideal para empinar pipas? A Índia. É algo tão popular que todo 14 de janeiro há um mega
concurso que envolve um milhão de pessoas de 36 países;
 Com o melhor clima? A ilha de Malta, com tempo seco de abril até agosto e inverno suave
graças aos ventos do deserto africano;
 Para se fazer cirurgia plástica? Brasil. É uma indústria de 15 bilhões de dólares;
 Perfeito para se envelhecer? Japão, graças às suas políticas e o respeito ofertado aos
anciãos;
 Para se ter um bebê? França, com sete meses de licença-maternidade e atendimento
pediátrico excelente;
 Para se dirigir com prazer? África do Sul, com sua estrada de 1.200 km, entre
Johanesburgo e a Cidade do Cabo, que corta praias, campos cultivados e paredões de
rochas imensos;
 Que tem a melhor música? Mali, com seu Festival au Desert quer atrai os melhores
músicos populares do mundo;
 Onde se faz mais sexo? República Tcheca. Segundo pesquisa global da fábrica de
preservativos Durex, “tchecos fazem sexo tão freqüentemente quanto os franceses,

4
Sigla que se refere a Brasil, Rússia, Índia e China, que vem sendo comumente utilizada em diversos contextos,
especialmente no econômico.

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começam a vida sexual tão cedo quanto os holandeses e tem tão pouco medo de doenças
venéreas quanto os italianos”;
 País mais adequado para ser gay? A Holanda. Desde 2001 os casais homossexuais têm os
mesmos direitos que os heterosexuais e ningúem se preocupa com a vida dos outros;
 Perfeito para se ter um cão? Bélgica, onde eles são adorados e podem entrar em todos os
lugares;
 Ideal para um jantar? Espanha, graças à revolucionária cozinha molecular de Ferrán Adria
e seu famosíssimo El Bulli, o restaurante mais afamado do mundo;
 Melhor lugar para ser um rapper? A Suíça! Os shows são disputados e não há violência
nas apresentações.

O que significa isso tudo? São constantes as mudanças das nações, empresas e instituições,
em seus ciclos de ascensão e queda, mas sempre com algumas dessas instituições
caracterizando-se por ficarem mais tempo no pódio das glórias mundanas, graças à sua
capacidade de se reinventar e criar novos produtos, mercados e tendências e à sua capacidade
de entender os desafios dos novos cenários locais e globais (FRIEDMAN, 2005, RAMO,
2010). Sem contar como elas devem se posicionar face aos velhos problemas que exigem
novas soluções, aos novos problemas que exigem as velhas soluções e os novos problemas
que ainda não oferecem um equacionamento razoável. Para isso é preciso muita lucidez,
sabedoria e flexibilidade mental, inclusive para avaliar com certa capacidade como será o
futuro próximo.

3. Itinerário de Viagem: o avanço do turismo no Brasil

O turismo no Brasil é assunto da história mais recente do país. Durante o longo período da
ditadura militar, as atividades relacionadas a viagens eram tratadas como temas de segurança
nacional e o foco era o de controle da mobilidade de pessoas. Com a transição para o regime
democrático, a abertura de mercado e a reestruturação sócio-econômica, as viagens e o lazer
ganharam status de política pública e a incorporar os hábitos da população nas opções de uso
do tempo livre.

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Desde o inicio deste século o País adotou um novo modelo desenvolvimento econômico que
inclui mecanismos para ampliar a distribuição de renda e as oportunidades no mercado de
trabalho, favorecendo a inclusão de milhões de brasileiros na dita sociedade de consumo.
Como resultado, o Brasil reúne hoje um conjunto de indicadores econômicos e sociais
positivos e apresenta condições favoráveis à aceleração do crescimento. O Brasil reduziu sua
dependência do financiamento externo e encontra-se hoje menos vulnerável a crises
internacionais do que no passado recente. Nos últimos anos, ampliou substancialmente sua
participação no comércio internacional e acumulou superávits recordes na balança comercial.
Esse bom desempenho permitiu a acumulação de reservas internacionais em níveis também
recordes e o país passou de devedor à condição de credor de importantes organismos
financeiros internacionais.

Apesar das crises e das dificuldades o turismo cresceu significativamente na década de 1990
e, depois da crise de 2001/2002, continuou a se estabelecer no mundo e no Brasil, mais
acentuadamente, favorecido por um contexto e regime democrático e pluralista. Esse regime
beneficiou-se da estabilidade econômica e da abertura comercial. Suas políticas públicas
foram marcadas pela tentativa de inserção de parte da população nas políticas locais e
regionais através do Programa Nacional de Municipalização do Turismo, marca da gestão da
Embratur entre 1995 e 2002.

O crescimento do turismo brasileiro nesse período, foi favorecido graças aos seguintes
fatores:

• estabilidade política desde o final do regime militar.

• estabilidade econômico-financeira.

• a abertura comercial e financeira trouxe para o Brasil investimentos nas diversas áreas da
economia, com destaque para as atividades de hospitalidade e turismo

• a revogação das leis que proibiam os navios estrangeiros de fazer cabotagem no Brasil e as
empresas estrangeiras de cruzeiros marítimos passaram a explorar melhor o litoral
brasileiro;

• a infraestrutura aeroportuária cresceu, e as companhias aéreas investiram em novos


equipamentos (aviões);

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• o setor de entretenimento nas grandes e médias cidades foi ampliado e se criaram leis
municipais de incentivo à cultura, esporte e lazer;

• a gastronomia brasileira conquistou níveis cada vez mais altos de excelência;

• a segmentação do lazer e turismo atingiu camadas cada vez maiores da população.

Turismo é um fenômeno com muitos fatores econômicos positivos: cria empregos, gera
impostos e o desenvolvimento. Mas se for mal planejado e implantado, pode ser fator de
poluição, exclusão social, concentração de renda, aumento da prostituição e exploração sexual
de crianças e adolescentes. A responsabilidade por essas questões não é exclusiva dos
governos (federal, estadual ou municipal), mas da sociedade civil organizada como um
todo.

A criação do Ministério do Turismo (MTur) foi um importante marco no setor, uma iniciativa
que já era demandada por diversas instituições do setor privado e por órgãos públicos
estaduais e municipais. Até então, o turismo dividia espaço ministerial com áreas como
cultura, comércio ou esportes. Mas, apesar dos problemas, o turismo mudou profundamente
nas últimas décadas. Ficou mais competitivo e mais profissionalizado.

O Plano do Turismo Nacional - PNT 2003-2007 representa o marco de modernidade da


política do país no tratamento dos assuntos de turismo. Resultado de um processo de
amadurecimento do governo central na abordagem do setor, iniciada no final do último
século, este plano consiste no primeiro documento formal que fixa as diretrizes fundamentais
para o seu desenvolvimento e imprime definitivamente um tratamento estratégico para os
assuntos relacionados às suas atividades.

O Plano Nacional de Turismo – PNT 2007-2010 dá continuidade aos programas iniciados em


2003 e traz no seu título Uma Viagem de Inclusão o seu direcionamento prioritário,
reforçando e ampliando sua aplicação como instrumento de planejamento e gestão que coloca
o turismo como indutor do desenvolvimento e da geração de emprego e renda no País. Uma
inclusão que pode ser alcançada por duas vias: a da produção, por meio da criação de novos
postos de trabalho, ocupação e renda, e a do consumo, com a absorção de novos turistas no
mercado interno.

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Outros fatores que influenciam o avanço do segmento em qualquer país é a educação para a
formação de profissionais para atuar no setor. Neste sentido, vários cursos superiores abertos
no inicio da década passada, à reboque do desconhecimento sobre o que é turismo, foram
fechados entre 2004 e 2008 saneando o setor educacional atingido pela especulação de
empresários. Os cursos que sobrevivem mantêm seus padrões de qualidade e partiram para
uma elevação das exigências acadêmicas. Surgiram escolas especializadas no ensino de
hotelaria, gastronomia e lazer. A área articula-se cada vez mais com a hospitalidade, enologia,
gastronomia, entretenimento, esportes, cultura, saúde e estética. Forma-se um imenso setor de
serviços dedicados ao prazer e ao bem estar, à qualidade de vida e ao conforto.

Os luxos contemporâneos - espaço, tempo, sossego, segurança, atenção e meio ambiente –


envolvem os serviços exclusivos e altamente especializados do setor de viagens e turismo. O
turismo é um centro de conexões entre atividades afins e articuladas (WTO, 2006). As novas
tecnologias e métodos de gestão reciclam-se sistematicamente e o setor precisa
compatibilizar-se sistematicamente com as mudanças e novos desafios aos níveis regional e
global. Enfim, o que é relevante é o avanço que o turismo brasileiro conseguiu nos últimos
anos e a crescente conscientização social, política e profissional que a área vem recebendo.

O Brasil, assim como os outros países, possui um histórico de barreiras antigas que, quando
rompidas, geraram novas possibilidades. A privatização das companhias de telecomunicações
garantiu amplo acesso à telefonia para todas as classes sociais. A privatização da Embraer e
da Siderúrgica Vale do Rio Doce fizeram dessas empresas grandes competidoras nacional e
internacional. A evolução histórica de um país ou instituição passa pela quebra de paradigmas
que se cristalizaram e, com o tempo, tornaram-se inadequados ou obsoletos. O problema é que
as antigas situações geram grandes áreas de conforto e de interesses cujos beneficiários
querem preservar a todo custo, mesmo em detrimento do bem geral.

A implementação das políticas compensatórias, face à brutal injustiça social e concentração


de renda do país, como as bolsas-família, iniciadas no governo FHC e ampliadas no governo
Lula, gerou uma dinâmica econômica inovadora em áreas historicamente miseráveis. Antes
das eleições de 2002, muitos preconizavam que um governo de esquerda levaria o país ao
caos social, político e econômico, isolando o Brasil na comunidade internacional e criando

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uma situação interna de ingovernabilidade. Essas falácias foram repetidas por uma minoria
durante as eleições de 2010, sem condições de sustentar o argumento.

Quanto às políticas publicas de âmbito social, o país tenta avançar em um de seus fatores mais
preocupantes e negativos para o setor turístico que é o da segurança pública. Falava-se que os
morros cariocas, dominados pelo narcotráfico, eram fortalezas inexpugnáveis protegidas pelo
cinturão de favelas coniventes que os cercavam e que qualquer tentativa de intervenção seria
derrotada pela criminalidade ou geraria um massacre de proporções catastróficas. A
eliminação progressiva das quadrilhas de narcotraficantes e a implantação das UPPs, Unidade
de Polícia Pacificadora, é um projeto da Secretaria Estadual de Segurança Pública do Rio de
Janeiro que pretende instituir polícias comunitárias em favelas, principalmente na capital do
Estado, como forma de desarticular quadrilhas que controlavam esses territórios como estados
paralelos.

Muitas dessas vacas sagradas foram expurgadas, passo a passo, e a história mostrou que só a
mediocridade mental ou interesses espúrios tentavam barrar as forças renovadoras e os
avanços necessários a uma sociedade pluralista, complexa e contraditória como a sociedade
brasileira e a grande maioria das sociedades atuais, vivendo o paradoxo entre regional e
global, avanços e retrocessos, conquistas sociais e problemas inerentes a essas conquistas.

Considerando que crescimento do turismo está intimamente relacionado ao crescimento


econômico e a estabilidade política, sendo por este impactado e potencializado de forma
intensa, e, tendo como referência esse ambiente de estabilidade e de perspectiva de melhoria
dos indicadores de desenvolvimento, pode-se inferir que este é um momento de movimento
estratégico importante e de oportunidades positivas para o turismo no Brasil.

4. Um Destino para o Futuro: competitividade, criatividade e inovação

O contexto competitivo atual é de extrema complexidade e de incertezas, porém de estímulo e


favorecimento a importantes mudanças, o que se pode interpretar como um momento de
movimentos estratégicos relevantes (KIM & MAUBORGNE, 2005).

As transformações nas formas de produção, consumo e convivência social nas sociedades


modernas tem no conhecimento e na criatividade sua base dinamizadora. Por isso, atributos de

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conhecimento e criatividade constituem fator de altíssima relevância no desenvolvimento


social, econômico e político de lugares e regiões na atualidade e se acentuará no futuro.

Seguindo a lógica evolutiva, o mundo contemporâneo está marcado pela convergência dos
temas de criatividade, cultura e valor, e que tem a inovação como imperativo absoluto no
contexto competitivo global (HALL & WILLIANS, 2008). Logo, a interpretação clara,
objetiva e estratégica desses sinais para as economias e seus setores estruturantes, em macro
ou micro perspectiva, podem configurar cenários de amplas oportunidades para as economias
e para o turismo.

Em um contexto de efervescência social e de diferentes manifestações políticas em seu


sentido mais amplo, os fundamentos da globalização e de seus imperativos parecem ter
acentuado a necessidade de valorização do local como forma de manutenção da identidade
social de um povo, região ou mesmo país, na garantia de preservação de algo genuíno, único,
que represente o sentido de pertencimento.

Ou seja, diante a absoluta padronização de determinados estilos de vida, se volta a atribuir


mais valor aos elementos endógenos originais dos lugares e de sua representatividade
simbólica, em muitos casos traduzidos no estilo de vida e nas manifestações culturais
originais de seu povo (GUIDENS, 1998).

O fundamento dessa mudança esta na essência do ser humano, também destacada pelo
dinamarquês Rolf Jansen (ano) em sua “sociedade dos sonhos” descrita em seu mais recente
livro, A Time Traveller’s Tale (História de um Viajante do Tempo), ele foi a 2030 e trouxe de
lá informações de como será a economia de mercado nesse futuro breve. A grande
transformação: se no contexto da era da informação (CASTELLS, 1999) o apelo ao
consumidor reportava a fatores racionais de decisão, no contexto da experiência e do sonho,
predomina o apelo ao coração, aos fatores emocionais. Ora, isso muda totalmente a direção do
nosso gran tour. É necessário rever objetivo, rumo, trajetória e os meios adequados para
desfrutar dessa viagem ao êxito competitivo. E só vai chegar ao destino quem usar de muita
criatividade.

Em países de diversos continentes a criatividade vem sendo apoiada por políticas públicas e
sendo tratada como o insumo por excelência da inovação. Os dados sobre o crescimento da
economia criativa no mundo são indiscutíveis. Segundo Simonetti (2012) informações da

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Organização Mundial do Comércio (OMC) dão conta de que o faturamento das indústrias
criativas no mercado internacional duplicou nos primeiros três anos do século XXI. Segundo
cálculos dos especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU), a economia criativa,que
envolve setores tão díspares como o teatro, o artesanato, a televisão,o cinema, a publicidade e
o desenvolvimento de programas de computador,entre muitos outros, é responsável,hoje, por
7% das riquezas produzidas no mundo e,como cresce rapidamente, logo chegará aos 10%.

Essa, no entanto,é uma média geral. Esconde disparidades polêmicas. De acordo com a
Organização das Nações Unidas para Educação,Ciência e Cultura (Unesco), apenas três
países, o Reino Unido, os Estados Unidos e a China, produzem 40% dos bens culturais
negociados no planeta - entre eles livros,CDs, filmes, videogames e esculturas. As vendas da
América Latina e da África, somadas, não chegam a 4% (SIMONETTI, 2012).

Embora a globalização dê oportunidades para que os países compartilhem suas culturas e seus
talentos criativos, é claro que nem todas as nações são capazes de aproveitar igualmente das
oportunidades . Um dado impressionante é o que aponta que cinco sextos da população
mundial - uma multidão de cinco bilhões de pessoas - vive em países em desenvolvimento ou
absolutamente pobres, um fator condicionante para aproveitamento das tais oportunidades.

No Brasil, segundo a autora, cálculos mais abrangentes indicam que o PIB Cultural contribui
com apenas 1% da riqueza nacional, o que é no mínimo surpreendente quando se observa o
sucesso que o país faz no exterior com produtos culturais desde os tempos de Carmen
Miranda. Hoje o cardápio nacional,muito mais variado, vai da moda à culinária, passando
pelo software. Uma coisa é certa: A criatividade brasileira é capaz de movimentar a
economia, reduzir desigualdades e fortalecer a auto-estima da população. Como em outras
regiões do planeta, está aberto o debate - e a busca de soluções - em torno da indústria cultural
do país.

O turismo tem na sua essência a localidade e o que ela tem de singular. Os fundamentos da
economia da experiência e da criatividade colocam a essência única das localidades e de sua
cultura como fonte inspiradora para a composição da oferta turística. Neste caso, a cadeia de
produtos e serviços que formam a oferta turística local e regional, ainda que composta por
dezenas de agentes podem – e devem, segundo os determinantes atuais - de diferentes
maneiras, expressar os atributos intangíveis que traduzem o posicionamento estratégico de

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uma destinação turística e que, alinhada ao novo contexto, atender aos critérios de
tematização, singularidade e originalidade.

Essa nova economia vem crescendo, graças à sociedade do conhecimento e às novas


tecnologias. É o destaque da dimensão simbólica da produção humana, presente das artes do
circo ao conteúdo dos games, que passa a ser elemento fundamental na definição do valor
(diferente de preço) desses novos bens e serviços, construindo novas solidariedades, novas
éticas e estéticas. É neste mesmo contexto que emerge a já propagada economia criativa,
como uma espécie de resposta da oferta às expectativas da demanda e de adaptação aos novos
tempos (REIS, 2008)

São oportunas agora diferentes iniciativas de institucionalização, formulação e implementação


de políticas voltadas para a valorização e apoio das atividades produtivas intensivas em
cultura, a maior expressão da criatividade. Hoje se reconhece que quanto mais denso, diverso
e rico o conteúdo cultural de uma sociedade, maiores as suas possibilidades de
desenvolvimento. O vigor das manifestações culturais mais enraizadas permite sua
preservação e difusão e pode representar uma significativa alternativa de inclusão produtiva,
seja pelas oportunidades de criação de emprego e renda, seja pela ampliação do acesso e da
qualificação desses serviços.

De acordo com a declaração da visão do PNT (BRASIL, 2007), o turismo no Brasil deve
contemplar as diversidades regionais, configurando-se pela geração de produtos marcados
pela brasilidade, proporcionando a expansão do mercado interno e a inserção efetiva do País
no cenário turístico mundial. A criação de emprego e ocupação, a geração e distribuição de
renda, a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção da igualdade de
oportunidades, o respeito ao meio ambiente, a proteção ao patrimônio histórico e cultural e a
geração de divisas sinalizam o horizonte a ser alcançado pelas ações estratégicas indicadas.

O turismo, como atividade que tem no local e em seus recursos endógenos o seu próprio
fundamento, é um dos setores que melhor pode se apropriar da dinâmica desse novo contexto
– que contraditória e nostalgicamente aprecia o antigo e as tradições. Os objetivos do PNT
apontam para o desenvolvimento do produto turístico brasileiro com qualidade, contemplando
as diversidades regionais, culturais e naturais, a promoção do turismo com um fator de
inclusão social e o fomento à competitividade do produto turístico brasileiro nos mercados

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nacional e internacional. Para garantir sua execução, aposta na gestão descentralizada para
estruturar os destinos, diversificar a oferta e incrementar seus indicadores de competitividade
de acordo com padrões globais.

Destaque-se, ainda, a capacidade de estimular o desenvolvimento de outras atividades


produtivas associadas às atividades culturais. Estes atributos são particularmente importantes
em países como o Brasil, de vastas riquezas e diversidade natural, patrimonial e cultural, fruto
de um território de dimensões continentais e da fusão de múltiplas etnias. Isto significa que
temos atributos essenciais para inovar em turismo.

Reforçando a importância da inovação como um dos principais desafios competitivos atuais


para países e regiões, a União Europeia desenvolveu uma metodologia denominada
Innovation Union Scoreboard 2011 (IUS), que serve de método de monitoramento do
desempenho competitivo em termos de inovação nos países e de ferramenta de avaliação da
implementação do Europe 2020 Innovation Union, plano de desenvolvimento europeu com
foco na inovação (UNU-MERIT, 2011).

O resultado do ranking possibilita a avaliação comparativa do desempenho da inovação dos


Estados-Membros da UE27 e os pontos fortes e fracos de seus sistemas de pesquisa e
inovação. O indice geral é composto por 25 indicadores que captam o desempenho dos
sistemas de pesquisa e inovação nacional, considerado em sua totaliade. Essencialmente, os
indicadores traduzem as condições básicas e fundamentais que favorecem para que os países
sejam mais ou menos inovadores, como aqueles relacionados à educação, ao investimento em
pesquisa, a dinamica de negocios, ao empreendedorismo e a fatores legais.

Paralelamente, também no nível internacional, o Fórum Economico Mundial tem promovido


desde 2005, estudos sobre o desempenho competitivo em turismo de diferentes países de
todas as regiões do mundo, que resultam no Travel & Tourism Competitiviness Index. O
TTCI 2011 avaliou um número recorde de 139 países/economias, a partir de uma metodologia
de avaliação que definem como “uma ferramenta estratégica global para medir os fatores e
políticas que tornam atrativo desenvolver o setor de T & T em diferentes países." (WORLD
ECONOMIC FORUM, 2011, p. XIV).

O Brasil ainda apresenta indicadores bastante tímidos em turismo se comparado com a sua
inestimada potencialidade. O resultado do estudo de competitividade do turismo realizado

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pelo Word Economic Fórum classificou o Brasil como 52º colocado, com avaliação de 4,40
pontos, em um escore de 0 a 7,0. O país perdeu algumas posições em comparação ao estudo
anterior de 2009, reflexo do insuficiente investimento na infra-estrutura básica e,
principalmente, de transporte, comunicação, mobilidade e urbanística. No entanto, importante
destacar que o mesmo estudo classifica o Brasil como o número 1 do mundo no atributo
recursos naturais.

Internamente, os resultados dos estudos de competitividade dos 65 Destinos Indutores


realizados de 2008 a 2011 indicam que há um enorme espaço para melhorias e expansão
(FGV/Mtur, 2011). Dentre as 13 dimensões avaliadas o país não ultrapassa sete pontos em
nenhuma delas, em um escore de 0 a 10,0 e em algumas variáveis, abaixo dos 5,0 pontos na
avalição. Este é um diagnóstico efetivo do quanto se está aquém do atendimento aos
requisitos mínimos para alcançar padrões de qualificação e estruturação capazes de apoiar
estratégias competitivas diferenciais e sustentáveis, em seu mais amplo sentido. No entanto,
as diretrizes parecem apontar caminhos que convergem para o atendimento aos imperativos
competitivos atuais e frente ao futuro para o turismo.

5. O Difícil Perfil do Futuro: o check-out indefinido?

Tendo em vista o contexto competitivo atual e futuro para os destinos turísticos, seja ele um
país, uma região ou uma localidade, os determinantes e condicionantes de sucesso e os
atributos de especialidade para orientar a decisão estratégica parecem já identificados e
definidos. O desafio aos destinos e o seu futuro está na adequada identificação e estudo destes
atributos e de como cada um deles se apropria deste conhecimento e o transforma em
inteligência competitiva.

Esta é uma perspectiva que exige visão e mentalidade estratégica para o entendimento de que,
mais importante do que o que se tem, é o que se faz com o que se tem (e em muitos casos,
com o que não se tem, como os casos de Dubai, Las Vegas e a célebre Disney). Este aspecto
enfatiza os elementos de gestão e coordenação como prioritários e fundamentais para o
controle sobre o desenvolvimento e o direcionamento de resultados conforme o que se
determina no destino.

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Com base neste entendimento, a análise da estratégia brasileira para enfrentamento da


competitividade internacional demonstra sintonia com os imperativos competitivos quando
fundamenta sua política de turismo e define seu plano estratégico com base nos princípios da
descentralização, na ênfase aos recursos próprios, nos argumentos de brasilidade, na
integração regional e no foco ao mercado interno.

Após mais de uma década de esforços de qualificação do turismo brasileiro e de uma política
de empowerment dos municípios e micro regiões turísticas, denominadas pólos regionais,
pode-se inferir que em uma avaliação global avançou-se qualitativa e quantitativamente
quando comparada com período anterior à sua implantação.

A estratégia brasileira de estruturação para a competição em turismo a partir da capacitação e


delegação da gestão para instancias de governança regionais e locais, demonstra acertada
forma de transferência de tecnologias e de poder aos destinos, favorecendo o controle sobre o
processo de desenvolvimento turístico, permitindo a potencialização dos recursos e atrativos
próprios de cada lugar ou região. Com base nestes recursos, a definição de segmentos
prioritários é também fator crucial para o direcionamento de estratégias específicas e de
otimização de recursos, uma vez que delimita mercados e nichos para direcionamento de
ações.

Os fatores condicionantes ao desenvolvimento do turismo e a implementação do PNT estão


relacionados à capacidade de investimento e à expansão da iniciativa privada, recuperação e a
adequação da infraestrutura e dos equipamentos nos destinos turísticos, qualificação dos
recursos humanos para o trabalho nas diversas atividades que integram a cadeia produtiva do
turismo. Um grande desafio é desenvolver e implementar estratégias relacionadas à logística
de transportes articulados, que viabilizem a integração de regiões e destinos turísticos e
promovam a conexão soberana do País com o mundo.

Em poucas palavras, vivemos realmente em um mundo cheio de oportunidades, onde,


algumas vezes, inovar pode significar apenas conhecer e compreender melhor a realidade que
nos cerca. Este sim, o mais importante dos avanços.

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Recebido em: 20/02/2012


Aprovado em: 10/09/2012 (1ªversão) 29/09/2012 (2ª versão)

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