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Teoria, metodologia e ensino de Historia’ Fernando Seffner 1. Quem escreve, de que lugar escreve e que questées a partir dai se visiumbram Para melhor compreensio do texto, torna-se importante di- zer ao leitor que atualmente sou professor. de Pratica de Ensino em Histéria, exercendo minhas fungdes numa faculdade de edu- cagio, mas fiz cursos de graduacao (completos alguns, incomple- tos outros, mas em todo caso sempre com gosto € empenho) na rea técnica ¢ na drea das humanas, tendo exercido outras nume- rosas profissdes antes de tornarme professor universitério. Ao lon- go dessa trajet6ria pessoal-profissional, tenho tido a oportunidade de olhar para a Hist6ria a partir de outras disciplinas, pud ceber que, mais importante do que 0 conjunto de fatos histéricos aprendidos ao longo da graduacio, 0 que me diferencia dos ou- tros profissionais com quem tenho convivido é um aparato conceitual e um conjunto de referéncias te6rico-metodolégicas de trabalho. Esse conjunto de conceitos € de orientacées te6rico- Fernando Seffner. Professor mestre em Sociologia, exerce pesquisa na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Do FRCS. E autor, entre virios ardigos, de “Aprendizagens em Hist6ria", © co-utor do livro Qual histris? Qual ensino? * Este artigo fo apresentado originalmente na forma de palesta, no simpésio Questbes de “Teoriae Metodologia da Histria, promovido pelo setor de Teoria e Metodologia do Depar- ‘amento de Historia e Programa de Pos Graduacio em Historia do lnstinato de Filosofia € (Géncias Humanas da UFRCS, na mess redonda intiulada Livro Diditico de Histéria, ou ficagSesno texto, além de adaptacSesna forma, reduzindo os clementos caracteraticos x Tinguagem coloquial, mas preservando o uso da primeira pessoa 257 metodolégicas constitui uma caixa de ferramentas preciosa para anilise de situacdes contemporaneas; ¢ se caracteriza, em termos de método de trabalho, por construir um intenso diélogo entre 0 presente e as diferentes modalidades de construgdo do passado, com evidentes reflexos nas discussdes sobre o futuro. Diversas des. sas ferramentas conceituais so de uso compartilhado por outras disciplinas das humanidades. Outras, especialmente as orientagdes tc6rico-metodolégicas que dizem respeito as formas de construir as problematicas a serem estudadas, so de uso mais exclusivo do historiador. Por outro lado, o lugar de onde estou procurando pensar este texto é particularmente aquele da dis Ensino em Histéria. Dai deriva um das as consideragées acerca de teoria ¢ metodologia aqui postas € o ambiente escolar, Mais precisamente, vao-se abordar as ques- tes de teoria metodologia da Historia no ambito do chamada_ conhecimento escolar. Ofonheciinento ¢ stitui-se a par jy tir de quatro campos: 1) o€eonbecimentos da di i a Hist6ria), 2) os problemas contempo: dos alun os interesses dos alu 3 que nenhum dos termos pode ser considerado “mais importam- te" que qualquer dos outros. Importa salientar,a.diferenca de ao entre, por exempio, proposicdes que.se originam no constituicao enire, campo" dos conhiecimentds'da cepcées dés alunos, ¢ colocé-las em re i {€,,De toda forma, as discussoes na aula de Histéria precisam’ privilegiar os quatro campos, permitindo'que, através de argu- mentacio, pesquisa, debate e outras técnicas, se estabelecam con- dicdes para o exame das proposicées: arar, por exemplo, o processo de aprendizagem do processo de participagao dos alunos, to lado, a nos _geracdes nao podem prescindir do conhecimento acumnulado social- mente e organizado nas disciplinas, sob pena de estarmos sempre “redescobrindo a roda’. Também nao € possfvel descartar a presenca 258 dos alunos com seus interesses, suas coricepedes, sua cultura, princi- pal motivo de existéncia da escola. (Leite, 1996, p.29) Posta neste ambiente de trabalho, que é a sala de aula de Historia na escola de ensino fundamental e médio no Brasil, a abordagem de questes de teoria ¢ metodologia da Histéria toma rumos bastante diferentes do seu aprendizado no ambiente aca- démico. Em parte, isto pode ser percebido neste posto de observa- do em que me encontro, a disciplina de. Pritica de Ensino em Historia. Por ela trai , em geral, alunos que jé cursaram a maioria das disciplinas do curso, estando as portas da formatura. Quando perguntados sobre como serao abordadas questies de te oria e metodologia da Hist6ria em seu estagio, as respostas variam entre as seguintes possibilidades: 1) 4 rejeicio em abordar o tema, expressa por frases do tipo “eu ndo gosto de teori iigdo do assunto, expres- sa.em frases como “a teoria éalgo que vai se expressar naturalmen- te dentro do contetido das minhas aulas, de maneira que eu precise me preocupar com isso espetificament ya minimizagio da importancia do assunto, e sua conseqiiente colo: ~ cacdo em uma parte isolada do estagio, expressa em frases do tipo “na primeira aula, eu vou discutir com eles 0 que é a Historia ¢ Para que ela serve, ¢ depois eu vou entrar na matéria, que é Brasil Col6nia”; 4) a confusio entre “ter uma tcoria” ¢ “manifestar uma xpressa em frases do tipo “eu vou usar a teoria Esta tiltima resposta € bastante freqiiente, e merece al- guma discussao. E evidente, ¢ estd afirmado neste texto em outros locais, que uma posicéo te6rico-metodolégica carrega em si op- es politicas. Entretanto, o que ocorre éa apresentagao dessa arti- culagio de uma forma simplificada, num jogo em que um termo substitui o outro, ¢ nada se explica. Ter uma posicio politica fica igualado a possuir um referencial te6rico-metodolégico. Em ge- ral, os defensores desta proposic2o sio alunos que tem politica, ¢ fazem suas afirmac6es a partir do referencial marxista, em frases do tipo “a minha teoria éa marxista, que toma a s de como local de conflito, ¢ aluta de clasies 0 motor da Histéria, 259 opondo opressores e oprim n lado esta é uma posi- ao politica, te6rica e metodolégica-possivel, e que d tada, ela nio pode ser apresentada desta forma simplificada. Di- zer que a sociedade é composta (¢ sempre foi) por opressores oprimidos, que a verdade hist6rica est4 necessariamente nas andli- ses que privilegiam o lado oprimido, “desvendando” assim as arti- manhas dos poderosos, é reflexo de indigéncia teérica. O profes- sor deve orientar o trabalho levando 0 aluno a perceber a relacio ntre posigdo na estrutura social e visao do processo histérico, 0 que tra implicacées para 0 conceito de verdade hist6rica:, Para se conhecer uma interpretagao histérica, esclarece Koselleck, é sempre preciso saber quem a formul ‘um estrangciro, um amigo ou um inimigo, um erudito ou um cor sio, um burgués ou um camponés, um rebelde ou um stidito déci {As narrativas podem se contradizer e, paradoxalmente, ser verda- deiras. (Reis, 1999, p.11) 4 Feitas essas consideracées iniciais, estou em condigbes de explicitar a proposicao que vou procurar desenvolver neste tex- to: ensinar Histéria na escola é, fundamentalmente, ensinar ele- mentos de teoria metodologia, nao s6 da Histéria, mas das Ci- éncias Humanas, quanto mais nao seja porque, na arrasadora maioria das escolas deste Pais, € somente na di a de Histé- ria, e parcialmente na de Geografia, que o aluno poderd ter con- tato com a produgo de conhecimentos das humanidades. Um professor de Histéria, mais do que ensinar datas ¢ fatos (que so importantes, mas nao devem constituirse na razio tinica do ensi- no de Histéria na escola), € alguém que coloca o aluno em con- ato com os processos de construcao/reconstrugao do passado, ou, em outras palavras, abre um diilogo acerca do presente va- Iendo-se das reinterpretagdes a que € submetida 2 producio do conhecimento histérico. . Este texto pretende entdo abordar o problema da teoria da istéria-(ow da falta dela) € da metodologia da Historia (ou da falta déla) no ensino de Hist6ria na escola fundamental ¢ média, E parto de duas indagagées, impossiveis de evitar para quem sé propée a tratar do tema: 1) O que é ensinar Historia na escola 260 im nativoou fundamental e média? 2) Como aE titui enquanto disci t6ria se constituiu ese cons- 0 curriculo escolar? Em outras pala- vras, que papel. Histéria cimpre ou pode cumprir no ensino escdlar? Parece-me que, a0 tentar responder a essas indagacoes, € possivel achar os nexos do ensino escolar com as referéncias teorico-metodolégicas. Estabelecidas as questdes que sio porta de entrada no tema, antes ainda preciso responder a uma outra, que me qualifica a entrar no debate propriamente que estou entendendo por “teoria” € por “metodologia” da Hist6ria, quando falo de sua presenca no ensino escolar? Tento responder fa essas duas perguntas sem perder de vista 0 ambiente escolar, locus privilegiado de minha andlise, e-aproveitando colocagses, preciosas feitas no préprio seminai 2.(feoria e metodologia: brocurando se entender na sala de aula oper (“de Historia, verificamos li a capacidade de! : Peete tempeito-o-apasiade de, si ima dada situacao, de reconhe- | rica € uma possibilidade que /“acontecen’, frente a outias, qiie poderiam “ter acontecido”, mas) | teceraii”. Esse “acoiiteceu" precisa ser entendido no’ / € no como fatalidade ou designio exemplo: ao fazer leituras a respeito dos presidentes snos do século XX, o aluno deverd ser capaz de efetuar no- meagGes a partir de dois conceitos: regimes democraticos e regi- mes autoritarios. Ao fazer esse exert tedrico, ele vai entrarem contato com as diferentes possibilidades de interpretacao, ou de construcao, do fato histéri Nem to os autores (¢ talvez nem. todos os seus colegas de sala) concordardo com algumas classifi- cages, e pode ser que nao haja acordo com relagao a todos os critérios de reconhecimento de um e de outro tipo de regime. As opinides a respeito do governo do general Pinochet dividem a populacao chilena de forma radical. Um acompanhamento do problema pelos jornais pode fornecer questées produtivas para o debate em sala de aula, especialmente voltado a tratar das dife- 261 rengas entre 0 democratico € o autoritirio, ¢ de sua pertinéncia (ou nao) em cada momento hist6rico: regimes democraticos s0 regimes desorganizados, com muita bagunga? Para “salvar” um. pais do caos é necessirio um regime autoritério? O autoritarismo pode ser desculpado se houve crescimento econdmico? As forcas armadas existem para garantir a governabilidade de um pais? O importante € que 0 aluno perceba que a construcio do general Pinochet como salvador do Chile é tao possivel quanto a constru- cio dele como um ditador feroz. em teoria é perceber que a Histéria néo recupera o jFeacupacoes do unrpats quanto ae dades-de-consiricao do pasado, Como elas se efetivaram, € lade de encaminhar o waballio produtivamente outra pos em Sala de aula. Cabe teoria mostrar os eventos HistSricos Como arranjos pol des que se abrem a cada mome nalar também as formas novas que aparecem, como, por exem- plo, aquelas criadas ao longo da Revolugao Francesa. O aluno render que a Reiolucko-Francesaresta no progra- ria porque ela instaurou formas novas de convivio, de reparticdo de poderes, de conceituacio de homem e de liber- dade, etc. Estudar aquelas formas hist6ricas que se efetivaram é_ ‘iportitite quanto estudar as que nao se efetivaram.— Em geraly-as-que-nao-seefetivaranr deixarany suas Tareas was efetivadas, ¢ entao, de certa forma, partes delas se efetivaram. ‘Toda construgao de uma forma hist6rica é fruto de negociacdes entre diferentes posigées, ¢ isso precisa ser ensinado. \ Embora se diga com freqiiéncia que nao se deve tratar dd de na Hist6ria, em outras palavras, que a hist6ria s6 lida com o ac tecido, isto no ensino escplar nao é assim. E da alcada da ace pacao tedrica tratar di Pe Jaina cendrios posstveis ¢ verossi- inclusive peaeaé fes-nos'séo perguntados vessem tomado conta ¢ colonizado o Brasil todo? A gente estaria melhor? Sé os ingleses tivessem nos descoberto, terfamos tido 0. ~ . a a : fe. mesmo destino dos Estados Unidos? E se D. Joao VI nao tivesse voltado a Portugal, o que teria acontecido conosco? E se Getiilio Vargas nao tivesse se matado, como teriam evoluido as coisas? Sio perguntas freqiientes em aulas de Histéria. Usina vez feitas, melhor do que evité-las, é problematizé-las, levando as respostas 4s suas tiltimas Conseqiiéncias, tracando cendtios possfieis, verifi- cando se os alunos sto capazes de imaginar estratégias vidveis € argumentar com propriedade sobre a possfvel evolucio dos acon- tecimentos, a partir do se inicial. Essas perguntas, classificadas pelos professores normalmente como mas perguntas, escondem, lades de discussio te6rica ¢ metodolégica interessantes. No romance Histéria do cerco de Lisboa, de José ‘Saramago, temos um exercicio interessantissimo nessa direcio, € recomendamos sua leitura. O trabalho em Histéria busca produzir explicagdes sobre 0 mundo ¢, nessa medida, ele se vincula muito diretamente a ou- tras dreas das ci utilizando conceitos da Economia; da Antropologia, da Ciéncia Politica, da Sociologia, da Filosofia, da Geografia, etc. Assumido isso, témos que perceber que‘o € istoria deve abrir es- paco para tratar de temas e categorias conceituais que perten- cem até mais diretamente ao terreno dessas outras disciplinas do sotial, mas que se tornam importantes na Hist6ria, pois ¢ através delas que nossa disciplina deixa de ser puro relato do que acon- teceu. Submetidos a_um: tedrica armada de conceitos das cigncias humanas, 0s acontecimentos hist6ricos perdem esse af de verdade pronta e acabada gtie em geral possuem. ‘A preocupacio com a metodologia diz respeito a procedimen tos que devemos se io de historiador. Procedi- mentos que garantem objetividade ao trabalho, e com os quais os alunos precisam entrar em contato, seja através do seu estudo, seja através de sua aplicagdo em atividades na aula de Historia, guar dadas_as_caracterfsticas do ambiente escolar. Mas os procedimen- tos nao sao neutros e nem eternos. O conhecimento histérico é um artefato hist6rico-cultural, ¢ assim também sio as metodologias. Para o aluno, é importante perceber que estes artefatos hist6rico- culturais, que sio a teoria e a metodologia, esto carregados ~ € 263 - carregam — uma visio de mundo, ou, no ‘minimo, que de cada opsao tedrico-tetodoldgica:derivam atitudes diferentes frente a0 mundo. Nao se usa a teoria apenas para analisar um fendmeno. De certa maneira, a0 descrever uma situacio hist6rica estamos manifestando uma proposta frente a cla. Uma proposta interpretativa carrega em si uma proposta de intervencao, mesmo que ela nao se efetive. Poderia exemplificar a partir das biografias: se traco a biografia de um personagem dando énfase em sua capa- cidade de superacio dos limites conjunturais ou estruturais, de certa forma estou passando uma clara mensagem de como € possi- vel agir frente ao mundo, Se descrevo o personagem como alguém atado, amarrado, marionete dos aconteciinentos, é outra a possi- bilidade de se mover no mundo que demonstro aos meus alunos. Em suma, todo artefato da cultura carrega uma pedagogia. A pedagogia nao é privativa de um campo, todos os artefatos da cultura praticam um certo tipo de pedagogia, marcada pelas pe- culiaridades de cada artefato. Ha pedagogias em acio em todos os ambientes, cercando todos os objetos, em especial as opcdes tedrico-metodoldgicas. A pedagogia é inerente A.cultura, Os es- |Pacos nos educam, a leitura de romances nos educa, os objetos | iedcam tossos ‘corpos, os modos de lecionar Histéria nos edu | cain tanto quanto o que € dito (ou silenciado) nas aulas. Dessa | forma, adiscussiormetodologica,na escola, deve se dar pensada na otica pedagégica. Podemos, por exemplo, explicar a fabrica- sao do documento, tal qual um monumento, carregado de uma intencionalidade pedagégica. Ao produzir-o passado — ¢ nio.re- cuperar ~a Hist6ria revela uma certa pedagogia com relacao ao. - presente. A Historia ¢ producao, ¢ a educacéo é produtora de subjetividades: Eimportanteacrescentar que aquilo que est inserito no eur riculo nio & apenas informagao, mas envolve a produgao atva de sensibilidades, modos de percepeao de si e dos outros, formias parti- culares de agir, sentir, operar sobre si e sobre o mundé, Enfim, “aprender informacoes no processo de escolarizagao é também aprender uma determinada mancira, assim como maneiras de co- nhecer, compreender ¢ interpretar” © mundo em geral e seu “eu” no mundo. (Stephanou, 1998, p.18) 264 Feitas essas consideragées, que serio retomadas ¢ problematizadas ao apresentar algumas alternativas de traba- Iho, vejo-me frente a um problema: seré correto afirmar que 0}! by ensino de Histéria “realmente existen?e” esta pautado pela au séncia de questdes te6rico-metodolégicas? Essa pergunta é per- tinente, ainda mais que, em geral, o énsino de Hist6ria na es- cola é analisado peloingulo do déficit, da falta: falta teoria, faltam aulas, faltam conhecimentos, falta perceber mecanis- mos ideolégicos, falta capacitacao e remuneracio ao profes- so faltam bons livros didaticos ou falta isso © aquilo no livro didatico, etc. Acredito que nao podemos afirmar que “falta” teoria ou metoddlogia no ensino de Historia, na exata medida em que. é-impossivel “ensinar” Histéria (ou qualquer outra coisa) sem estar munido de um referencial teérico ¢ metodoldgico, sem efetuar nomeacées, juizos, fazer narrativas, seguir procedimentos, scjam 14 quais forem, por mais pobres, desatualizados que sejam, e daf derivando uma postura peda. gégica, assumida ou nao, nomeada ou nao. Entretanto, tam bém acredito que, de forma geril, estio ausentes do ensino de Historia, na escola, preocupacdes explicitas com a reflexio te- ico-metodologica, tais como aquelas que em geral existem no ambito da pesquisa historica e do ensino de histéria na i que se aprende de teoria da Hist6ria nas licenciatu- love cue se apren la Iecionar, ou entao reduzido a seus. wn minimos. Nos livros didaticos, em geral, 0 espaco concedjdo a discussdes de ordem teStica estd centrado na pergunta “o-que é a Hist6ria”, colocada no primeiro capitulo, ¢ ali mesmo encerrada. Discutir como se daa producao da narrativa historica € algo praticamente ausen- te dos livros didaticos.. Nos programas de ensino e planos dé cue: 50 se Werifica a mesma coisa: o que ali se entende como a “maté. | ria” a ser “dada” nas aulas de Historia é um conjunto intermind- vel de acontecimentos. Dizse de um programa que ele € “bom” _| quando “cobre” toda a matéria (de preferéncia aquela que “cai no vestibular). Um professor fraco é aquele que deu pouca “ma- téria”, numa visio métrica (ou quilométrica) do conhecimento. Quase ninguém se preocupa com 0 discussio, e nisto a teoria e a metodologia naufragam plctamente, ficando visivel apenas a preocupacao do professor (muitas vezes neurdtica) em seguir a cronologia ¢ dela nao se afastar jamais: disso para os alunos uma concepgao de historicidade pal nexo interpretativo se situa nos encadeamento: 1s, sem que seja atribuida qualquer importdncia aos i relagdes de poder que sustentam sett trabalho € 20s problemas construidos pelo processo de conhecimento. Nao haes- ‘Paco nesse modo de conceber a aprendizagem de Historia para a Consideracao do aluno como agente caplz de propor questoes ou dispor de conhecimento a partir de sua propria experiencia social A palavra das autoridades (professores, livros, documentos) assume ‘uma forga total. A reflexao sobre o imediato histérico (“vivido”) ‘ conhecimento mediatizado tende a ser esvaziada através daque- les atos excludentes, restando o desfile de interpretacdés ¢ infor ‘magéesselecionadas e combinadas pelos Mestres. (Silva, 1984, p-21) Felizmente, tal pobreza de andlise é recusada por um con- \ {junto de professores que, cada vex mais, tem se posto indagagdes 5 teoria da Histéria para alunos da ° ‘Como se faria isso? O,que deveri- amis levar em conta?.Como poderfamos montar um plano de, trabalho para o ensino de Hist6ria, numa dada turma ou sér tendo como objetivo trabalhar temas (conceitos,, el teoria_e metodologia-da-Histéria? Nao sera pos e cada série do ensino escolar, temas ¢ atividades referentes a area\ de teoria e metodologia, comecando talvez. com nocdes mais pré-\J iano. do aluno (por exemplo, tratar da questo da ando de outro modo; podériamos pergunitar: como.transformar a Histéria em algo ensindvel sem estar atento, dé forma exph a questdes de tcoria e metodologia da Historia? Ensinar Hist6 na escola fundamental ¢ média no seria justamente explicitar constantemente pressupostos tedrico-metodolégicos, levando 0 aluno a construir seus proprios referenciais de andlise? mem®ria), até discutir temas comg.re] ‘dg.interpretagao, eras jontes histo = tempo historicoy ideologia, etc.? Pen- 266 | ee Shierice Encaminhada a discussio dessa forma, necessariamente va- mos ao encontro da questio dag@@tdade-historica'Informar ao aluno que “Getilio Vargas suiciddu- fia 24 de agosto de 1954” cafirmar que isto é uma verdade hist6rica € procedimento 4o simples que beira o simplismo, ou seja, ndo explica quase nada a respeito da verdade histérica. Mas os professores ~ ¢ tam- bém os alunos ~ em sua maioria parecem preferir navegar nas Aguas tranqiiilas dessas pequenas verdades, recusando 0 enfrentamento com questées mais densas, que Ihes exigiriam posicionamentos mais complexos, trazendo o perigo de uma dis- cussao de verdade dentro da aula, a exigir opinides pessoais, 4 conflitantes, fruto de modos de interpretacao diferentes: v {..J Entretanto, 0 conceito filosético de “verdade” é complexo, ¢ suas relagdes com mos a verdade histori “compreensio", que 7 maltiplas, relatives, ndodefinitiee ewe nao subjetivistas € nao relativistas. Jnterpretan é atribr um mundo histérico determinado emi uma época determinada; com- preender &, 2 partir dessa atribuicdo de sentido, autolocalizarse no tempo, retendo, articulando e integrando suas préprias dimensoes | temporais. (Reis, 1999, p.10) isto fundamentalmente por que 1 junto teotias © ritetodologias. Portanto, ido-deveinos passar ao aluno (e muito menos acreditar) na pos- sibilidade de um método definitive, com garantia de cem por cent ido para andlise de toda e qualquer situacao, em qual- quer época histérica. Se a discussio 6 encaminhada-para’essas questdes de fundo, percebemos que nao ha. verdade absoluta, Fica facil afirmar que verdades podem ser absolutas se permane- cemos no nivel das pequenas verdades, do tipo “Tomé de Souza foi o primeiro governador-geral do Brasil”. Assumir que a inter- pretacao hist6rica é parcial, € marcada por elementos do presen- te, pode ser modificada, se deixa influenciar por quem fala, etc., § algo insuportavel para muitos professores. Mas é s6 enfrentan- do essa dimensio profunda do problema que teremos um bom. ensino de Hist6ria, que contribua para a compreensio do pre- 267 contrério do que se pensa, a Hist6ria nao é uma estendgra- fa ascética que fica sentada num canto anotando tudo. E unia senho- | ragorda e pouco confiavel, que prefere uma fofoca a um \_ versio varia de acordo com a platéia. Tem pretensbesliterdrias, além, de varizes, e um certo gosto pelo drama barato. Hé casos em ane vocé lamentaa inexatidao desta Hist6ria emotiva ¢ de coxas grandes e anseia pelo relato frio de unfia estendgrafa. (Yerissimo, 1996, p. 2) Oy 3. Ensi o a fazer um " sbsaidesse problema de um ensino pobre em'teoriae lade de reflexao| ria, atividade. possivel de ser s as séries.da escola, tendo-se em conta-as-possil ildadtes de cada nivel de trabalho, etc. de Histéria deve: . = itar que o aluno se interrogue sobre sua préptia historicidade, inserida af sua estrutura familias, a sociedade a0 | qual pertence, o pais, ou seja, fazer o aluno preocuparse com a { construcdo de sua identidade social, ¢ as relacdes que o pren- dem aos outros,’9s discursos onde esta inserido, etc.; - fazer com que o aluno seicapacite a realizar uma reflexio “e | de natureza historica acerca do mundo que o rodeia, efetuando , \ uma “leitura hist6rica do mundo”; il 268 / iar na construgio de um racioc <€ mobilizadora, que aponte para o futuro, pressuposto funda mental para a vida do homem em sociedade. Afirmar que desejamos um aluno capaz de fazer ima leitura hist6rica do mundo exige algumas consideracées acerca do que estamos entendendo por léitura)De forma genérica, trata-se tanto m0 I Paulo, Freire definiu e abordou em diversos livros, como também da leitura da palavra, uma vez que afinal, vivemos em uma civilizacao logécéntrica; organizamos nos- so sistema mental, nossas formas de relac6 ‘mentos linguagem/pensamiento, para indicarmos alguns casos, em tomo da palavra, Dominala enquanto ke ‘uma questao sempre presente em nossa cultura, além de um per- manente desafio ao trabalho dos educadores. Exatamenté por isso, O conceito de leitura tem a ver com autonomiae indepen- déncia. Ler entender 0 mundo, ¢ escrever € transformar 0 mun- do. Isso se relaciona com o “contar a propria historia”, construir sua trajet6ria de vida, imaginar caminhos ¢ roteiros de vida. Mas 6s principais vinculos da leitura histérica.do mundo se dio com J" atividade que tem a ver com a subjetividad que o leitor sabe mas, também, com aquil nos forma constitu ou nos poe em questo ‘naquilo que somos. [...] A primeira face de meu tema, a saber, a como formacao, seria tentar pensar essa misteriosa atividade itura como algo que tem ayer com A s. E para mim a questao da formacag est’ magitralmente enunciada no subtitulode Ecce Homo, dé Niétsche: Wie man wird, was man si~“como se chega ser 0 qugse é (Larosa, 1996, p.138) que nos faz sero Récusa-se entdo a leitura como mero instrumento para aqui- _igéo de informagoes, uma vez que “se lemos para adquirir co- nhecimento, depois da leitura sabemos algo que antes nao sabfa- 269 CE CCE CSS See SS Se Se ee EE EU ee mos, temos algo que antes nao tinhamos, mas nés somos os mes- e ” (Larrosa, 1996, p.134). A? ituirse como experiéncia na vida do aluno, capaz de aw a formula tim projeto de, vida para 0 futuro. O conceito de experiéncia é abor?ado por, diversos historiadores. Pensando no ambiente da sala de aul nos objetivos do ensino de Histéria j4 enunciados acima e na articulacio leitura, experiéncia e formacao temos que: >. Pensar-a formacio como leitura impli¢a penséla como um tipo particular de relagio. Concretamente, como uma relagao hermenéutica, como uma relacio de producio de sentido. Desde ‘meu ponto de vista, tudo 0 que nos passa pode ser considerado um texto, algo que compromete nossa capacidade de escuta, algo a que temos de prestar atencao, (Larosa, 1996, p.137) E tatefa ¢ objetivo do ensino de Histéria propiciar ao aluno condigées de ter uma experiéncia, de realizar uma experiéncia, fazer com que ele se sinta interpelado, ¢ tenha que responder a essa interpelacao argumentando seu ponto de vista./Mas respon- 271 der nao porque “vale nota”, mas porque o debate esta colocando em jogo idéias suas e, portanto, parte de sua vida. E na medida em que 0 debate pode fazé-lo modificar seu ponto de vista, ou seu modo de construir um raciocinio, isto afeta seus projetos de a vida, sua auto estima, sua relacao com os colegas, com a familia, etc., ao mesmo tempo que permite que ele perceba como se dio 108 processos de construcao dos significados sociais. Dai nasce a preocupacao com 9 ensino de situagdes comple- .// xas 1id aula de Historia, capaz de proporcionar aprendizagens ~~ significativas ao aluno. No binémio quantidade- -de-acontecimentos do programa versus qualidade de anélise de uma situagio, optamos pela qualidade, mas’sem perder de vista que, ao longo dos anos de escolaridade, o aluno precisa acumular uma bagagem razoa- vel de conhecimento acerca de numerosos acontecimentos histé- ficos. Aprendizagens significativas se alcancam a.partit.de.uin} /), , planejamento conectado com aquilo que os estudantes ja sabem, partindo de seus esquemas, de conhecimento, levando-os “f hk explicitar suas hipéteses ~ verdadeiras, falsas Ou incompletas -\) frente ao tema, ¢ colocando isto em diélogo com conhecimentos, » | de outras ordens (da Histéria, de outras disciplinas, do senso } | comum popular, das informacoes presentes na midia, etc.). dD - 4. Trabalhando‘com situagdes XQ / complexas e desenvolvendo competéncias O-objeto de trabalho numaauliede Historia € 0 estudo de situages histricas. Podemos reduzir uma situagdo histérica a trés ou quatro elementos, em afirmatiyas simples, neutras ¢ defi- nitivas do tipo: “D. Pedro I'proclaniou-a independéncia do Bra- sil em 7 de sctembro de 1822.” Para uri grande nimets de:pro- fessores (¢ igualmente de alunos, de pais ¢ de thdes)‘estesSio-05 aspectos fundamentais da situagao histrica “Proclamacio da In- dependéncia”. Ao fim € ao cabo, serao inclusive*cobrados-em_ provas e vio “cair no vestibular”. Depois de muitos anos afastado da escola, talvez seja apenas parte disso que o aluno lembre acer- ca dessa situacao: ele consegue associar a independéncia do Bra- 272 tele ob ys a Qeopes sil com o nome de D. Pedro I, mas ja esqueceu a data, por exem- plo. Por tras disso, temos um conceito de Histéria operando, ¢ uma determinada modalidade de conceber a verdade hist6rica. ( Orientar o alune para estudo de situagdes hist6ricas complexas { implica lidar com o processo de reescrita da Hist6ria, ransfor | mando seu ensino numa oportunidadé dé aprendizado de ele- {_ mentos tedrico-metodolégicos: 0s historiadores reescrevem continuamente a histéria. E 0 fazem talvez por duas razdes principais: Em primeiro lugar, pela ‘especificidade mesmo do objeto do conhecimento hist6rico: 0s ho- mens eas sociedades humanas no tempo. O sentido dos processos ¢ eventos hiumanos, que sao temporais, nao € conhecivel imediata- mente. Os homens ¢as sociedades humanas, por serem temporais, do permitein um conhécimento imediato, total, absoluto e defin tivo. A hist6ria s6 se torna visivel e apreensivel com a sucessio tem- poral. A reescrita continua da hist6ria torna-se, entao, umannecessi- dade. [..] Em segundo lugar, a hist6ria é reescrita porque o conhe- cimento hist6rico muda, acompanhando as mudan¢as da historia. Novas fontes, novas técnicas, novos conceitos ¢ teorias, novos pon- tos de vista levam & reavaliacao do passado e das suas interpreta. bes estabelecidas. [...] O passado é, entao, repensado ¢ ressignificado de forma renovada e fecunda. (Reis, 1999, p.7-9) O professor parte de problemas contemporancos, questes do mundo de hoje, temas,que habitam o universo do aluno-e afetam o seu presente. Elementos que, portanto, constituem 0 aluno. Para cada questio, ele busca investigar as concepcoes dos alunos, seus saberes acerca do tema, suas dtividas, ¢, a par- © tir dai, orientalos alunos na elaboracéo de um roteiro para co- nhecimento do tema, servindo-se dos conhecimentos da Histé- ria, que vao, de certa forma, interrogar e colocar em xeque as concep¢des anteriores. Nessa medida, 0 professor procura reti- rar o aluno daquele “presente continuo”, daquela “sucesso de instantes" em que ele estd imerso, e que o impede de ter um raciocinio hist6rico acerca do mundo. O objetivo do ensino de Histéria — utépico, embora pareca pretensioso — é colocar o alu- no “no tempo”, é torné-lo um ser hist6rico. Mais uma vez, Jorge Luis Borges, num conto intitulado “O Sul”, nos ajuda a enten- der essa diferenciacio: 273 WEE Ee SE Se ee ee ee Se eee havia um enorme gato que se deixava acarinhar pelas pessoas, como uma divindade desdenhosa. Entrou. Ai estava o gato, adormecido. pensou, enquanto alisava o pélo preto, que aquele contato era Lembrowse bruscamente de que num café da Rua Brasil (..] : .omem vive no tempo, na sucesso, ¢ 0 magico animal, na atuali- dade, na eternidade do instante. (Borges, 1976, p.152) Mas ha que se mostrar aos alunos que também 0. connec a ico é hist6rico, também ele se modifica e é reescrito. 7 mento his conhecer um mundo histérico € responder a esta questio maior: como, em cada presente, as dimensoes temporais do pass do e do futuro foram postas em relacao? (...] A hist6ri construgdo naerativa, conceitual e documental, em um presei da asset entre paged Kuta: T--7 © presente muda) e nga, 0 passadoc o futuro sao, constantemente: rearticulados, obrigando a reescrita.da,historia. Na experié ‘dual, por exemplo, o envelhecimento modifica a relagao entre espera e experiéncia, Quando se € mais jovem ou mais ve- 0, 0 passado eo futuro significam diferentemente, ¢ sua rela: ao se altera. (Reis, 1999, p. : ‘Com certeza, trabalhar com a complexidade de-uma situa- © processo de ensino ¢ aprendizagem, especialmente aqueles derivados do carter narrativo/interpretativo da Historia, Uma vez"que o aluno perceba que existem diferencas de nomeacio a respeito de um determinado evento, derivadas da posicao que cada personagem ocupa na estrutura social, ele pode ser levado a adotar um relativismo completo como forma de anilise, muito bem expresso em frases do senso comum tais como “cada.cabeca € uma sentenca” ou “o que vale é a verdade de cada um". Cabe a0 professor organizar 0 debate em sala de aula, fazendo com que as diferentes proposicdes sejam discutidas, apoiando-se em elementos da pesquisa feita pelos alunos, levando cada um a tar o caminho que trilhou para chegar em tal ou qual for- mulacio. Mesmo assim, 0 limite de acordo entre as diferentes possibilidades de nomeacio est4 dado por uma posicio politica = 31 de marco de 1964 serd, para alguns, golpe militar, e, para 274 do de. forma demogtatigonavida: ‘outros, revolucio, mesmo que uns ¢ outros concordem acerca de numerasos aspectos desse evento: {..] Portanto, 0 conhecimento, hist6rico,esté atravessado pela temporalizacio e nase fixa em verdades absolutas, em um conhe- Cimento cientifico,no sentido naturalista do termo. [..] O histori= ador, pata se diferenciar de mentirosos efalsarios, deve buscar ofe- X Cabe 3 escola propiciar ao aluno 0 desenvolvimento de um. conjunto de Habilidades e competéncias que o habilitem a viver. eit sociedade, enfrentandoe resolvendo problemas ¢ participan- iticasEsse trabalho deve ser realizado pelo.conjunto das disciplinas escolares, guardadas as. particularidadés, de linguagem e objeto, proprias a-cada uma . Trata-se aqui de perceber o que sio as tarefas especificas * da disciplina de Historia, e suas possi io com 0 ar de trabalho escolar. £ importante que o professor tenha presente que a sociedade tem outros meios ¢ outras agéncias para desen- volver muitas dessas:competéncias e habilidades, ¢ o trabalho na éscola deve ser assinalado, pela particularidade pedagégica des- se espago, Parte dos itens a seguir compde material elaborado por José Bernardo Toro, da Kundacién Social, Colombia. istér rsa: cartas, bulas, decretos, di (uras, certid6es, tioticias de jornais e revistas, fichas de identificacao pesso: s, documen- tos de identidade pessoal, biografias, t icos de diferen- tes autores, descrigdes de paisagens, relat6rios de autoridades, letras de muisicas populares ¢ de hinos, gréficos ¢ conjuntos de dados econémicos, crénicas de costumes, propagandas de pr: dutos ¢ de eventos, etc: Determinados documentos exigem m 275 dalidades especificas de leitura (por exemplo, ler uma tabela de ortagao € exportacio). Deve-se-exigir do aluno argumenta- 40 Stal ¢ escrita. A leitura e a escrita devem ser tomadas no con- junto da? relagdes com formagio e experiéncia, e vinculadas 4 leitura histérica do mundo, \ B. Capacidade de fazer cdlculos ¢ de resolver problemas . ~~, Calcijlar é fazer contas (diiragao de eventos, distancia em anos de um evento.a outro, etc.) e também pode ser tomado como indnimo de planejar: Tratar da resolucio de problemas envolve omar decisdes. fundamentadas em todos os dominios da exis- (éncia humana." Numerosas situagSes hist6ricas podem ser apre- sentadas aos alunos na forma de problemas que sociedades, indi- viduos ou grupos sociais especificos tiveram que resolver. Pode- mos fazer 0 estudo de determinados problemas que acompanha- ram diferentes sociedades (abastecimento de agua, por exem- plo), verificando as diversas solugées encontradas, e calculando 08 custos (sociais, econdmicos,.etc,) de cada uma delas. “ C. Capactade de aatisr, sittizare interpreter dado, fats stages A questio da interpretacio na Histéria € complexa, ¢ exige estudo demorado de cada situacdo histérica, envolvendo posicionamento pessoal € politico, vinculado a trajet6ria social de~ cada individuo. Analisar e sintetizar sio atividades que devem ser realizadas no sentido de chegarse a uma compreensao de.deter-_ minada situagdo. “A capacidade de descrever, analisar e comparar € fundamental para que a pessoa possa expor 0 préprio pensa- mento oralmente ou por escrito. Nao é possivel participar ativa- mente da vida em sociedade se nao somos capazes de manejar simbolos, signos, dados, cédigos ¢ outras formas de expresso. 1. Capacadedecompreender estar em seuentomo soci, ~~) Parte da compreensao de umia sitiacao € dada pela capaci- dade de intervengio que possamos ter sobre ela. Nao podemos evidentemente levar os uma intervengao social isando auxiliar 0 movimento de rebel- 276 x aa dia dos escravos. Entretanto, um determinado nivel de interagio que possamos possibilitar aos alunos frente a questoes de pre- conceito racial no Brasil contemporaneo poder ser muito titil no sentido de compreender este problema. “A construgao de uma sociedade democratica ¢ produtiva requer que as criangas € jo- vens recebam informacdes ¢ formagao que Ihes permitam atuar <”” como cidadaos, organizando-se para defender interesses, soluck onar questdes sociais, obedecer e negociar regras de convivio, respeitar a diversidade e a diferenga e lutar por um estado social de dircitos para todos.” ~ B, Receber criticafnente oe(cios de comune Dy Um material privilegiado dé trabalho na aula de Histéria sio 0s jornais, antigos ou atuais, e quaisquer outros produtos da midia, de qualquer época histérica, Qualquer tim de nds esta hoje em dia cercado por apelos ¢ informacées divulgados pela midia, sendo esta a fonte principal de conhecimento do mundo para muitos. “Tratase entdo de aprender entender os meios de comunicacio, sabendo que eles produzem e reproduzem novos saberes, ticas estilos de vida. Todas as criancas, adolescentes ¢ educadores de- vem aprender a interagir com as diversas linguagens expressivas dos meios de comunicacao, para que ‘poesams criar novas formas de pensar, sentir e atuar no convivio democratico.” Capacidade para localizar, acessar e usar melhor a informagio acumulada.* ‘Oaluno deve ser estimulado a consultar diferentes fontes de formacio: arquivos pessoais ¢ ptiblicos, (dados virtuais ou em_papel, cializados, formagoes ‘odificadas, Mais importante do que a memorizacao da informa-_), {cdo, € a capacidade de saber localizé-la. A memorizacdo deve ser T tomada num sentido. compreen: Le da em que eles constituem uma base para estabelecer novas apren- dizagens ¢ relagoes. A memorizagao nao é um fim em si mesma, ¢ esta € ima marca da qual o ensino de Histéria precisa afastarse. Os alunos devem aprender a manejar a informacio. 277 ‘ Capacidade de planar, tabutha «decidir em grupo # 5 ‘Sem prejuizo dos trabalhos de cardter individual na sala de | aula (leitura silenciosa, avaliacao individual, escrita de depoi-” mento pessoal ou manifestacdo de opiniao prépria através de redacao, étc.), 0 principal desafio é ensinar a planejar, trabalhar € decidir em grupo. “Saber associar-se, saber trabalhar ¢ produ- zir em equipe, saber coordenar, sio saberes estratégicos para a prodiitividade fundamentais para a demiocracia.” E no traba- Tho’ém grupo que o aluno aprende a negociar com os colegas os probe conceituais (uma caixa de ferramentas teéricas), ¢ um conjunto de procedimentos de trabalho tipicos do: oficio do historiador (uma bagagem de métodos). Dito de outra forma, 0 professor executa um programa de trabalho planejado para dar conta de um conjunta de competéncias ¢ habilidades, ao mesmo tempo que aborda um conjunto de informacées e saberes, articulando discusses teérico-metodolégicas de forma explicita. Por exem- plo, discutir com os alunos acerca da montagem de um roteiro de entiévistas (uma técnica de hist6ria oral que oportuniza uma discussao de carter metodolégico) a respeito de determinado SUE Se ee ee Bb Be See f moupe de eucamniniammenty dererdnso de tea tema hist6rico (0 golpe ou revolucao de 64, por exemplo). Uma ene ere ee eee 2 discussao desas deve envolver aspectos como: quantas pessoas metas ¢ objetivos, os modos de obter informagées em acer a = sera ey do feit Eno ode colegas que o aluno aprende a expor e defender serao entrevstadas, que tipos de perguntas serdo feitas (0 que grupe i ee implica um estudo prévio a respeito do tema), que tipos de pes- seuis ponitos de vista sobre o trabalho. soas sero entrevistadas (militares, pessoas de oposicag a0 gol- pe/revolucio, liderancas sindicais, etc. o que tambényexige um conhecimento prévio do acontecimento), distribtigéo em dife- Embora facil de ser enunciada, esta é uma competéncia dif cil de ser ensinada, sendo atingida muito mais como resultado / Pio eased as deeked aaa Ee : fi aio, profesor deve propor aalaeasitnsdieg do conju fares trésmomentos, que em ger se spresentam deforma do trabalho, abrangendo todas.as etapas do processodeaprend ai ou besa iiegadst ) one ee ee zagem e todos os atores.envolvidos (alunos, professoresydirecio, 2 u Insttdigfes e-autras pessoas-com-quem.os alunos se.relaciona- | | rea de Histéria ¢ das Ciénéias Humanas, como é 0 caso de tem- ram, ete.)(A avaliacdo é procesval) ¢ busca antecipar decisoes. # = bo Uoics, hadi antisera a ieee Em outras palavras, o alun6 précis extrair aprendizados a partir a da avaliacao do préprio processo de aprendizagem. & fundamen- Gistnouaien Ga eee a oe cle pe \ “ l de procedimentos de pesquisa histérica (criar uma modalidade s6es coletivas, registrar e saber comunicar os aprendizados feitos 0s demais colegas. Vale lembrar que os problemas que surgem ¢ também os erros podem constituir boas oportunidades de apren- | dizado a respeito do processo de trabalho. A avaliacao nao deve estar centrada unicamente no “desempenho do alun: ‘Sumatiando os elementos apresentados até aqui; podemos desenhar uma proposta de trabalho em que o professor estabele- ce estratégias para o ensino de Histéria preocupado com duas ordens de elementos: ui conjunto de conceitos}e categorias / ‘year HE Aprender a aprender es ji rentes faixas etdrias das pessoas a serem entrevistadds, etc. da aplicacao das anteriores € com o recurso de modos de a) ia preocupado com questdes tecrico-metodoldgicas podemos e todo ¢ discutam questoes de natureza teérica, ou conceitos basicos da no précis ideologia, publico, privado, vida privada, etc.; 2) contemplar ou. tal criar critérios ¢ mecanismos de avaliacao a partir de discus- de coleta e comentario de noticias de jornal; montar um projeto ) |\ para investigar a historia da familia ou da escola; organivar um | banco de dados a respeito de determinado tema, organizar um | acervo de imagens a respeito de um problema brasileiro ou de | um episédio histérico, etc.), isto é discutir elementos de. metodologia; 3) em outros momeiités 0 trabalho se volta para 0 esttido de um conjunto de informacées histéricas sobre um peri- odo, um pais, uiti episédio, uma pessoa, um povo, uma guerra, mas esse estudo se faz sempre a partir de questdes tracadas ante- 278, riormente, ou em carater exploratério, no sentido de montar pro- blemAticas de trabalho, - .__Osconceitos devem ser entendidos como ferramentas, que 0 J Yaluno constr6i e utiliza no sentido de tentar compreender (¢ no- mear) fendmenos sociais e situagdes hist6ricas. Como objetivo de fundo, 0 aluno deve ser capaz de utilizar Cofceitos para cons- tuir problematicas dentro do campo da Hist6ria. Nunca é de- da circunstancia em que foi criado, afinal, ele também € um arté fato hist6rico. O bom ensino de Hist6ria é muito mais aquele qu ensina 0 aluino a construir boas questdes, do que propriamente ’aquele que encaminha o aluitio para respdstas “corretas”. E claro que a capacidade de elaborar/propor/construir questées esté intimamente ligada a informacio histérica disponivel e conheci- da pelo aluno (em parte memorizada). Dito de outra forma: quem nada sabe acerca da descoberta do Brasil provavelmente 86 po- derd construir questées genéricas, pobres, principiantes acerca do tema. Cabe a0 professor orientar 0 aluno na construcao de questdes cada vez mais complexas, envolvendo temas e proble-_ mas do presente sempre que possivel. As atividades em sala de aula devem estimular 0 aluno a promover relagdes entre esses tés momentos ~ construcao de conceitos, estabelecimento de métodos de trabalho € busca de informagées histéricas. Ao mes- ‘mo tempo, o aluno precisa perceber as especificidades de cada momento. ; E vps A abe 5. Exemplos de atividades dentro do espirito da proposta mais lembrar que 0 conceito nao é independente da realidade sh / No sentido de tornar mais claras diversas afirmacoes feitas aqui, apresento a seguir alguns exemplos de atividades desenvol- vidas em sala de aula, por professores de escolas piiblicas, por mim mesmo ou por alguns alunos em regime de estgio na disci- plina de Pritica de Ensino, que tive a oportunidade de acompa- nhar. De antemao, agradeco a convivéncia com.professores ¢ pro- fessoras, estagidrios ¢ estagidrias, que tem permitido vivenciat experiéncias gratificantes de ensing de Hist6ria. No sentido de 280 a facilitar a exposicdo, os exemplos estio numerados, sem qual- quer ordem de importincia, 1 : J} O trabalho de'leitura de jornais, Ho incentivado hoje em dia em praticamente todas as disciplinas escolares, precisa ser feito sem perder de vista nosso objetivo de fazer uma leitura his- torica da situacao posta no jornal. Sem essa dintiensao historica, corremos o tisco de fazet uma abordagem meramente jornalistica da questdo, sem densidade histérica. Muitas vezes, 0 professor decide abordar “fatos atuais”, porque acha que os “fatos antigos” nao ajudam o alunoa entender o presente. Discussdes sobre ques t6es da atualidade, desacompanhadas de uma dimensio teérico- metodolégica de abordagem, podem servir muito pouco para compréender o mundo contempordneo, Vamos mostrar isso exa- minando uma pequena noticia de jornal, recolhida pelos alunos de uma sétima série, ao montar um painel sobre os problemas do Brasil atual: Governo adquite dlcool em novo leilio O governo realizou ontem o segundo leitio do ano para com- rade alcool, com o objetivo de impedir uma queda ainda maior dos precos devido ao excesso de producio. Foram comprados cerca de 37 mithdes de litros, que representam 37,41% do volume total revisto para ser adquirido no leiléo. A média ponderadade preco Por litro foi de R$ 0,236. (Folha de Sdo Paulo, 29/! 8, @derno: Folha Dinheiro, p22)" +* * Seman sees Ao apresentar essa noticia aos colegas, os alunos falaram em corrupcao e mau uso do dinheiro piblico. Em outras palavras, limitaram-se a fazer uma deniincia, dizendo que o governo é la. drao. A professora de Histéria achou étimo, elogiou os alunos, dizendo que eles tinham senso critico, eles percebiam que o go- verno auxiliava os poderosos. E por af teriamos ficado, se ela no tivesse apresentado 0 caso na reuniao de supervisao, onde foi aconselhada a buscar outros textos, no sentido de refazer a dis- cussio, de forma mais densa. Foi-lhe indicado, pelo supervisor, o 281 Peer e ee ee eee eee SEE EYE HY Eee EE YH YH He texto abaixo, que ela levou aos alunos para leitura e comparagao com a noticia. O texto fala do Convénio de Taubaté, ¢ estd colo- cado no capitulo “A Politica de Valorizagao do Café” do livro indicado na referéncia: ‘Os governos estaduais comprometiam-se a comprar previamen- te, por preco fixado, a safra prevista de café, desde que fosse limita da a area de plantio, para evitar a superprodugio. Os bancos es- trangeiros, financiando os governos estaduais para essa operacio, adquiriam virtual controle sobre a comercializacio do produto, Este, juma vez entregue, seria guardado em estoques oficiais, a ser forne- cidos aos mercados internacionais @ medida da procura. E claro que, | ‘a médio prazo, isso criaria a necessidades tantas vezes ocorrida, de \| se destruirem os estoques excedentes- prejuizo pago pelo governo, wale dizer, pelo povo, através dos impostos. O preco do café iria | aumentar, sem divida; mas os eventuais (e intimeros) prejuizos fu- turos nio atingiriam os cafeicultores, pela garanta da compra da | safra; atingiriam 0 conjunto da populagao, em mais um mecanismo de socializacao das perdas, comum aos Estados capitalistas mas agra// vado na repiblica oligarquica. (Mendes fr, 1983, p.203) _ Acomparacio entre noticia e texto permitiu aos alunos cons- truir um problema a ser investigado na hist6ria brasileira, qual seja, a sistematica transferéncia de recursos do setor pablico para © setor privado, através de variados mecanismos que mantém a iniciativa privada um tanto a salvo dos desastres do jogo de livre ‘mercado) Construiu-se umn pequeno projeto'de pesquisa acerca da problematica, 0 que permitiu aos alunos discutir, entre ou- tros, os conceitos de ptiblico ¢ de privado. Com 0 olhar posto no presente, a professora oportunizou a construgio de uma proble- matica a ser estudada, permitindo uma leitura histérica que am- pliou consideravelmente os horizontes de estudo. Os alunos de uma turma de quinta série do ensino funda- mental realizaram numerosas atividades a respeito da colénia brasileira. Trabalharam com diferentes materiais ¢, ao final, thes foi proposta uma questao, para ser desenvolvida em pequenos grupos: qual a caracteristica fundamental da colénia brasileira? 282 = Em outras palavras, o que faz. um territ6rio ser colénia - que ins- trumentos, que mecanismos, que modalidades de relagio social, etc. so (ou foram) tipicas da colénia brasileira? Apés uma dis- cussio em plendria, em que foram listados numerosos elemen- tos; Cada grupo selecionou aquele que considerou adequado para desenvolver na forma de um texto argumentativo. Um grupo achou que a escravidio negra era o traco fundamental da colé- nia brasileira, afirmando que o trabalho escravo era desumano, degradante, e nunca poderia acontecer numa metrépole. Outro grupo aprofundowse no estudo do comércio exclusive que a co- Ionia deveria manter com Portugal, e afirmou que isto é que ca- racterizava fundamentalmente a colénia brasileira. Outro grupo afirmou que o trago essencial da coldnia era o fato de se cobra- rem impostos que iam para os cofres da metrépole. E outro gru- po argumentou fortemente que a coldnia se caracterizava por ser lum lugar de onde apenas se extrafam minerais (ouro, prata, dia- mantes, etc.), produtos agricolas (cana de agticar, café, etc.) ¢ animais (aves, gado, ovelhas, etc.). Os grupos elaboraram textos ¢ cartazes, apresentaram suas conclusdes em seminario, ¢ discuti- ram entre si para saber quem de fato havia escolhido um critério definidor do ser colénia. ‘Todos os critérios foram considerados validos e, como conclusio da atividade, a professora propds a pérgunta: em que momento terminou a coldnia brasileira, de acordo com cada um dos critérios escolhidos? A discussio que se estabeleceu foi riquissima, uma vez que apareceram diversas da- tas de término da coldnia, ¢ nao apenas 0 tradicional 7 de setem- bro. Entre outras respostas, o grupo que escolheu como critério ‘as matérias-primas exportadas acabou chegando a conclusio que a.coldnia brasileira ainda nio havia terminado, uma vez que pro- dutos agricolas e minerais dominam nossa pauta de exportacao até hoje. No, gnsing tradicional,-os Grandes, periodos sao naturalizados: lenis nipérid, reptiblica velha; feptiblica nova, etc. Nesta atividade; os alunos passaram pela experiéncia dé dis- cutir critérios que possibilitam o estabelecimento de periodos, além de relativizar a importancia de certas demarcagées tempo- rais, com afirmagées do tipo: “mas entio o dia 7 de setembro de 1822, data oficial de nossa independéncia, nao trouxe modifica- 283 cdo alguma para a vida dos negros escravos”. Os alunos termina- rain a atividade tendo tomado contato’com numerosas informa- Ges a respeito do periodo colonial brasileiro, ¢ tiveram oportu- nidade de realizar uma densa discussio de natureza,tedrica, so- bre a construgao de periodos e marcos divisérios na Hist6ria. 3 No sentido de perceber as diferentes apropriagées que so) feitas de uma mesma figura hist6rica, foi montado um posto de’ observa¢io, com revezamento de alunos, no dia 24 de agosto, a0 lado do monumento que contém a carta,testamento de Geuiilio Vargas, em Porto Alegre. No Rio Grande do Sul, essa é uma ativi- dade que nao tem dificuldades em ser realizada na maioria das cidades, dada a proliferacao dessas cartas, postas em geral em monumentos nas pracas-centrais. Ao longo da manhi e da tarde, alternaram-se representantes de diversos partidos politicos, por vezes antag6nicos entre si, mas todos reverenciando a mesma fi- gura. A tarefa dos alunos foi de entrevistar as pessoas que ali esti- veram, apresentando-thes um conjunto de questdes previamente formuladas, que incluiam a identificagao partidaria de cada in- dividuo e um conjunto de questdes acerca do significado de Ge- uilio para a pessoa e para seu partido ou agrupamento politico. Esses dados, trazidos sala de aula, alimentaram uma 6tima dis- cussao acerca de temas relacionados a’ ideologia, discurso, re- presentacao simbélica, etc, além de permitir uma visio da im. portancia de Getiilio como figura politica central em nossa histé- ria republicana. 4 “ Abordando diretamente Goneéfios centais Para a compre- ensio de questdes de natureza tedrico-metodoldgica, desenvolve-™ ‘mos um conjunto de atividades que tem questdes conceituais como preocupacio central: a) atividades ¢ discusses sobre 0 conceito de meméria, meméria social e individual, construgio da memé- ria nacional. Vinculada‘a isto a discussao de patriménio, hist6ri- co, patriménio cultural, objeto hist6rico, museu; b) tratar do con- 284 ceito de experiéncia, na linha do Thompson, e trabalhar a expe- rigncia como elemento hist6rico, realizando a leitura de trechos do Formagiio da classe operdria inglesa, percebendo a centralidade das questoes culturais nesta narrativa; ¢) trabaitiar as polarida- des novo ¢ velho é muito produtivo, pois 6 discurso'do hove na hist6ria do Brasil é uma espécie de epidemia, especialinente visi- vel por ocasiao das eleigdes, na maneira como se apresentam car didatos a cargos politicos, na nomeacao de periodos como Nova Reptiblica, Reptiblica Nova, Novo Brasil, Brasil Novo, etc. Colo- car em discussao, valendo-se das numerosas charges existentes, aquilo que 0 novo apresenta de velho; d) atividades para traba- Thar o conceito déelativismo cultural @ de antropocentrismo; a partir das piadas, da nomeac’o das doencas (a sifilis era chama- da de mal inglés pelos franceses, ¢ de doenca francesa pelos in- gleses), ctc.; ¢) atividades de montagem de acervos, tais como acervos de fotos, ¢ o estudo dos recortes de género, de raca, as polaridades campo/cidade, etc. possiveis de serem visualizadas neste acervo de fotos; f) em conjunto com a Geografia trabalhar a histria dos espacos, suas modificagées, os determinantes disso. Ainda em conjunto com a Geografia, trabalhar a nogao de escala dos fendmenos; g) problematizar-a idéia de progresso, tio co- mum nas seqiiéncias hist6ricas dos livros didaticos, realizando ampla pesquisa acerca-do.tema. ~~ 7 ™\ 6. Que material didético responde a tudo isso de forma adequada? ) Por fim, abordemos uma questo posta-no-titilo da mesa que deu origem a este texto, abordada pelos outros palestrantes ¢ até agora escamoteadar.que tipo de material didatico respon- deria a um ensino. preocupado com questées de natureza tesri- co-metodoldgica? Com certeza, materiais didaticos abertos, com espaco para interatividade, que trazem perguntas ¢ questdes para Pensar, que preservam 0 espaco do didlogo com o leitor, que pos- sibilitam a instauracao de problematicas, que indagam a respei- to da situacao e das opinides que constituem a visio de mundo 285 PER eee eee ee eb Ee ee eee do aluno, que trazem opinides discordantes acerca de um mes- ‘mo epis6dio, que encaminham o aluno a pesquisa em outras fon- tes. O livro didatico pode servir a esses propésitos? Do meu pon- to de vista, mesmo os bons livros didaticos, se adotados como material tinico em sala de aula (o que geralmenté ocorre), com- prometem os esforcos de criar-se um ambiente favordvel a discus- soes de natureza tedrico-metodolégica. Mesmo quando nao adotados como material tinico, ha uma espécie de “tendéncia irresistivel” em eleger o livro didatico como a fonte privilegiada no apenas de conhecimento; mas também de atividades, exerci- cios, etc., 0 que Fétira'a autonomia do professor), Mas, nos uliiiios anos, tal tem sido a proliferagao de livros didaticos, que a maioria das discuss6es acerca do ensino da His- (ria fica presa a eles. Para muitos, falar de ensino de Histéria é de imediato falar de livro didatico, seja para criticar os erros dos livros, seja para louvar novos € bons livros que so éditados. Esse procedimento usual traz dois prejuizos: deixamos de discutir acer ca do professor de Historia (sua formagio, seus modos de traba- tho, sua atuacao em sala de aula; sii compréénsio do que é a Histéria € para que pode servir seu ensino, etc.) € deixamos de fora amber a riqueza de experiéncias hoje existentes na area do ensino de Hist6ria, em sua grande maioria realizadas sem 0 uso do livro didatico, embora na presenga de abundante quanti- dade de livros (enciclopédias, dicionérios, atlas, paradidaticos mesmo livros didaticos variados). Por melhor que seja 0 livro di- datico, uma vez adotado para o trabalho em determinada turma, © professor que o segue termina passando ao aluno a percepcao de que a Hist6ria est toda ali. Nesta hora, se o livro didatico é de dircita ou de esquerda, isto nao faz muita diferenca: Conservadores ou arrojados, interativos ou normatizadores, 0 que sobreleva € que o uso do livro € uma pratica que segue sendo hegemdnica nas aulas de hist6ria, ¢ “poucos foram os avancos no carter autoritério do conhecimento”. (Stephanou, 1998, p.28) Demasiada discussio acerca do livro didatico em geral retira do centro da cena a figura do professor, que € 0 sujeito da educa ao. Um reflexo clarissimo disso € 0 fato de que temos numerosos 286 artigos, livros, dissertagdes ¢ teses nas areas de Educacéo, Historia, Giéncia Politica, etc., analisando 0 contetido e as propostas de li. vwros didaticos, e temos uma quase auséncia de trabalhos abordan- do como o professor utiliza esse livro em sala de aula. A adocio de um bom livro didatico nao é garantia de um bom ensino de Histé- ria, € mesmo em classes em que um livro ruim foi adotado, um bom professor pode minimizar grandemente o prejuizo, realizan- do atividades que colocam as informacées do livro em diélogo com outras fontes. Mas, em geral, pais, alunos, direcdo da escola, comu- nidade escolar, membros da academia, etc. ficam felizes quando Percebem que um bom livro didatico foi adotado, achando que apenas isto jd garante a qualidade do processo de ensino e apren- gizagem. ~~ Poderiamos voltar ao tema da “formacio de professores de | Histéria’, e perguntar: como seria um bom curso de Hist6ria no Brasil de hoje? Um bom curso oportunizaria aos estudantes uma Sdlida formacag tedrica) metodoldgica’ede técnicas de;pesqitisa® | em cada uma das areas da Historia, € estreitaria as relacées com: i disciplinas afins, como a Sociologia, a Economia, a Literatura, a Filosofia, a Antropologia, a Ciéncia Politica, etc. A énfase do tra- | balho em sala de aula se daria no estudo de situacdes histéricas, envolvendo conjuntos articulados de problemas substantivos, en tendendo a pedagogia como algo inerente a producio de conhe- cimentos. Emboraamesa-redonda, que originou este artigo, tenha eleito © livro didatico como tema central, pareceume que um bom modo de abordagem era tratar de outras questdes (aquelas que ocupam a maior parte deste texto), ¢ somente ao final perceber © que o livro didatico tem a ver com isso, ou como deve ser um livro didético a partir do que foi discutido. Se comecamos a falar de livro didatico desde o inicio, ficamos dando voltas em torno dele, o que nos impede de enxergar mais longe. Acredito que o melhor método é alinhar uma série de pressupostos, ¢ ao final convidar o leitora perceber em que medida podemos ter materi- ais didaticos que respondam a isto tudo. 287 Referencias bibliogréficas BORGES, Jorge Sagitirio.) CITELL, Adilson Odair. Conceitos de letura. In: MAGNANI, Maria Aparecida etal. (orgs). Leitura:caminhos da aprendizagem. Sio Paulo: FDE, 1994. (Sé- rie Tagias) LARROSA, Jorge. Literatura, experidncia ¢ formagio. In: COSTA, Marisa Vorraber. (org). Caminhos investigatios: nowws obhares na pesquisa om edu. cagdo. Porto Alegre: Mediacao, 1996. LEITE, Liicia Helena Alvarez. Pedagogia de projetos: sente, In: Presenca pedagigica. Belo Horizonte: Ed. ‘matgo/abril de 1996. MENDES Ji, Antonio e MARANHAO, Ricardo, Brasil hstria: texto & consul ‘a. Sio Paulo: Brasliense, 1983. v3 - Reptblica Velha REIS, José Carlos. As identidades do Bras de Varahagen a FFIC. Rio de fanciro: Editora FGY, 1999. SEFFNER, Fernando. Aprendizagens em Histéra ‘nhas da educagio popular. Gravatai: SMEC, 1998. Fiegies, Porto Alegre: Editora Globo, 1976. svengio no pre- imensio, v2, n.8, conhecer ¢ interpretar. In: Revista Brasilia de His VORO, José Bernardo, Cidigas da modernidade: capacidades ¢ competncias mé as ra partipaofrutoa no seul XXE Colbmbia: Fundacin So- .dugio e adaptagio: Antonio Carlos Gomes da Costa; Fun- dacio Mauricio Solty Sebriso/ For Alegre) ‘VERISSIMO, Luis Fernando. A histéra. In: Extra Classe, Jornal do SINPRO/ RS, Porto Alegre, abril de 1996, Historia e livro didatico: © ponto de vista de um autor’ José Rivair Macedo Falemos uma vez mais dos malfadados livros didaticos. Des- ta vez, entretanto, nao 0 tomaremos como objeto de analise c1 ca, mas falaremos condicdo de autor. E de conhecimento geral 0 quanto o livro didatico é iniprescindivel no processo de jo-aprendizagem, em que pese suas deficiéncias, suas insuft- ciéncias ¢ seus lugares comuns. Partilhévamos com nossos cole- {gas os mesmos pontos de vista a respeito desse instrumento peda g6gico, até que um dia nos vimos diante do desafio de preparar uma colegio didatica. E 0 depoimento sobre essa experiéncia que gostariamos de registrar neste simpésio. Em 1992, encontrava-me em vias de concluir a redacdo de minha (ese de doutoramento, que viria a ser defendida no ano seguinte na FFLCH-USP, sob o titulo Tolosanos, cétaros e faidits: conflitos sociais resistencia armada no Languedoc durante a Gruzada Albigense. O préprio titulo do trabalho revela o grau de especificidade do tema tratado, resultante de uma investigacao* José Rivair Macedo. Professor doutor em HistSria, exerce atividades de docéncia & [pesquisa na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Autor, entre outros, dos livros fm construg Belo monte: wma hiséria da guerra de Cando, estes autora, e Fis, cultura esecadade na Hdade Média. *0 texto a seguir baseiase em depoimento oral. Ao mesmo tempo, reaproveita ele- ‘mentos da comunicagao apresentada na If Jornada de Ensino de Hlstria, promovida pela ANPUILRS, publicada no livvo organizado por Fernando Sefner e José Albert Qual Ristéria? Qual ensino? Qual cidadania? Porto Alegre: ANPUH-RS/Ea, Iisinos, 1997, p.281-286.

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