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Teresina (PI)
2012
1
Teresina (PI)
2012
2
FICHA CATALOGRÁFICA
Universidade Federal do Piauí
Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castello Branco
Serviço de Processamento Técnico
3
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Profª Dra. Juliana Lopes Aragão (Orientadora) - UFPI
Presidente
_________________________________________________
Prof. Dr. John Manuel Monteiro - UNICAMP
Examinador
_________________________________________________
Prof. Dr. Johny Santana de Araújo - UFPI
Examinador
_________________________________________________
Profª. Dra. Áurea da Paz Pinheiro - UFPI
Suplente
4
Caetano Veloso
6
AGRADECIMENTOS
A caminhada que deu origem a este trabalho foi longa, e contou com o inestimável
apoio de muitos aliados e amigos: por isso, a lista de agradecimentos merece ser extensa.
À minha estimada orientadora Juliana Lopes Aragão. Além de ter curado meu medo
de orientação, por toda a atenção, cuidado, paciência e disponibilidade nas leituras dos
textos e pelo muito que me ensinou sobre a escrita da história.
Aos professores Almir de Oliveira, Clóvis Jucá (pelo aprendizado sobre o período
Sampaio); a Gerson Galo Menezes, e, especialmente, ao meu desorientador Carlo Romani
(General Will), do curso de História da Universidade Federal do Ceará, por acreditarem
neste projeto.
A todos os que fazem a Associação Missão Tremembé (AMIT), e que tive a
oportunidade de conviver: Edite, Florêncio, Fernando Tremembé (por me receber em sua
casa na aldeia da Varjota) e Maria Amélia Leite, pela experiência e aprendizado sobre os
índios no Ceará.
A Jóina Freitas Borges, não só pelas “conversas agradáveis sobre os índios do
Ceará”, mas por ter sido fundamental no meu ingresso nesta Universidade.
Aos professores Francisco Alcides Nascimento, Denilson Botelho e Áurea Paz
Pinheiro, do Programa de Pós-Graduação em História do Brasil, pelas oportunidades e
ensinamentos sobre o que é ser historiador.
Ao Francisco Nascimento e todos os colegas professores e alunos do Campus
Helvídio Nunes de Barros, em Picos, onde tive minhas primeiras e agradáveis experiências
docentes em um curso universitário.
Aos professores Jhony Santana e John Monteiro, pela gentileza de sempre, e zelo
nas leituras deste pequeno trabalho.
A todos os colegas e amigos do Mestrado em História do Brasil, especialmente
Ozael Costa (companheiro de viagens), Thiago Brito (conterrâneo de meus antepassados) e
ao amigo cinematográfico – e de todas as horas – Aristides Oliveira, por terem sido
fundamentais na minha nova vida em Teresina.
De volta a Fortaleza, agradeço ao amigo/irmão Caio Castelo, pelas correções
daqueles primeiros textos estranhos.
Aos inesquecíveis colegas de trabalho Márcio Porto, Joãozinho, Etevaldo, Seu
Osmar, Jota, Paulo Cardoso, Jorismar, Liduína, e muitos outros do Arquivo Público do
Estado do Ceará, pelos bons momentos entre ácaros, poeira e boas histórias.
Aos eternos e queridos amigos Valderiza Menezes, Pedro de Mesquita, Hévila
Martins, Amanda Queiroz, João Paulo Có e todos os outros companheiros do curso de
História da UFC, pelas angústias, alegrias (mais alegrias que angústias) e por essa amizade
tão querida.
Aos meus tios Carlos, José Ataide e Vânia, e a todos os meus familiares piauienses,
por todo o apoio nessa minha nova fase da vida, e pelos almoços nos fins de semana!
Às “princesas lá de casa”, Lia e Bia, e aos meus pais, Antônio Francisco e Jane (a
quem mais agradeço), pelo eterno incentivo, pelo indescritível amor e por serem tudo pra
mim. Este trabalho também é dedicado a vocês.
À Jordana, que foi meu real motivo de vir a Teresina, por ser o amor da minha vida.
Independentemente de onde você morasse, seria lá que este trabalho seria feito. Te amo!
7
RESUMO
RÉSUMÉ
Cette étude porte sur les peuples Indigènes de Ceará et les complexes relations en
face la politique indigéniste adoptée par la Couronne par l’intermédiaire du Diretório
Pombalino, avec le gestionnaire de ces pratiques, le gouverneur Manuel Ignacio de
Sampaio. Ce travaille fait en suite à deux voies qui, le longe de leur histoires, ont
vécu et ont donné un sens à l’autre. D’une coté, analyse la politique indigéniste du
militaire illustrée Manuel Ignacio de Sampaio, qui a dirigé le Ceará entre 1812 et
1820. Stigmatisé comme l’un des plus « péripherique » de l’empire portugais,
Sampaio a été comme projet développer la capitanierie, d’autant plus préoccupé par
la porte de la population. En mettant en avant des groupes Indigènes dans leur plans
de civilisation, nous discutons des pratiques disciplinaires visée à cette population.
D’autre coté, les Indiens eux-mêmes sont analysées sous la condition de
protagoniste de leur histoires. En permanent relation avec ces politiques normatives,
l’étude a porté sur les lectures et les appropriations reportés par les Indiens sur la
base d’éléments constitutifs de ce monde qui se modifiait autour d’eux, en limitant
leur liberté, mais n’empêchant pas ses nombreuses façons d’inventer leur vie
quotidienne.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................. 12
XIX)....................................................................................................
135
4.3.2 Recrutamento indígena..................................................................... 138
4.3.3 Os comandantes índios e o papel das autoridades nas tropas......... 141
4.3.4 A flexibilidade da legislação............................................................... 146
4.4 Ordem e disciplina: a formação de tropas indígenas na
Revolução Pernambucana de 1817................................................ 151
4.4.1 A formação das tropas indígenas...................................................... 153
4.5 Os “filhinhos” do governador: o Correio do Norte do Brasil e
os “índios correio”.......................................................................... 160
4.5.1 O Correio do Norte do Brasil............................................................. 163
4.5.2 Índios correios e os limites da disciplina............................................ 173
1 INTRODUÇÃO
Os moralistas não deixam de transparecer um
ódio à selva virgem e aos trópicos? E também lhes é
necessário desacreditar a qualquer preço o “homem
tropical”, quer como manifestação de doença e
degenerescência do homem, quer como seu próprio
inferno e seu próprio suplício? Mas por quê? A favor das
“zonas temperadas”? A favor dos homens moderados?
Daqueles que “têm moral”? Dos medíocres?
Friedrich Nietzsche
1
São elas: ALBUQUERQUE, Manuel Coelho. Seara indígena: deslocamentos e dimensões
identitárias. Dissertação (Mestrado) ‒ Universidade Federal do Ceará, 2002; SOUSA, Mônica Hellen
Mesquita de. Missão na Ibiapaba: estratégias e táticas na Colônia nos séculos XVII e XVIII.
Dissertação (Mestrado) ‒ Universidade Federal do Ceará, 2003; MAIA, Lígio José de Oliveira.
Cultores da vinha sagrada: missão e tradução nas Serras de Ibiapaba (século XVII). Dissertação
(Mestrado) ‒ Universidade Federal do Ceará, 2005.
2
ALEGRE, Maria Sylvia Porto; MARIZ, Marlene da Silva; DANTAS, Beatriz Góis. Documentos para
a História Indígena no Nordeste. São Paulo: FAPESP, 1994.
14
XIX, como João da Silva Feijó, Silva Paulet, Barba Alardo de Menezes, Almeida
Machado e Henry Koster, ou que pelos menos nos deram alguma informação sobre
aquela região, como Tolenare e Muniz Tavares. Assim como o acervo
governamental, procuramos analisá-los não como relatos fidedignos daquela
realidade, mas enquanto discursos carregados de sua própria historicidade,
produzidos pelas especificidades de cada lugar social. Também contribuíram para
escrita deste trabalho algumas informações presentes nas revistas do Instituto do
Ceará, na coleção do Correio Brasiliense, de Hipólito José da Costa, e na análise do
próprio Diretório dos Índios – legislação indigenista do século XVIII e vigente no
Ceará até meados do XIX.
Em relação à grafia dos documentos oitocentistas e aos textos do início do
século XX, decidimos, também por conta da flexibilidade das normas da ABNT sobre
a questão, mantê-las tal como encontramos nos registros. Acreditamos ser este
procedimento o mais coerente, já que não nos cabe alterar as particularidades da
escrita deste período. Além de termos tido todo um esforço técnico e paleográfico na
transcrição das fontes, entendemos que o próprio sentido de determinadas palavras
e expressões são particulares do momento histórico em que era produzido, o que
nos levou, quando necessário, a esclarecer ao leitor acerca de mudanças para os
dias atuais.
Esta pesquisa teve como mote, ao longo de sua trajetória, dois aspectos que
fizeram parte da história dos índios no Ceará, no início do século XIX. De um lado,
focalizamos na prática política do militar ilustrado Manuel Ignácio de Sampaio,
principalmente no que dizia respeito a seu trato com a população indígena da região.
Imbuído de seu projeto de civilização e normatização daquela “precária periferia” do
Império lusitano, o governador procurou promover um mundo disciplinar naquela
sociedade, com forte direcionamento para os indígenas, fundamentais para seus
planos de desenvolvimento. Neste aspecto, as leituras das obras de João Leite
Neto, Francisco José Pinheiro, José Eudes Gomes e Maico Oliveira Xavier3 foram de
3
LEITE NETO, João. A participação do trabalho indígena no contexto da produção algodoeira
da capitania do Ceará (1780 – 1822). Dissertação (Mestrado) ‒ Universidade Federal de
Pernambuco, 1997. LEITE NETO, João. Índios e Terras: Ceará: 1850 – 1880. Tese de doutorado,
Universidade Federal de Pernambuco, 2006. PINHEIRO, Francisco José. Notas sobre a formação
social do Ceará: 1680-1820. Fortaleza: Fundação Ana Lima, 2008. GOMES, José Eudes Arrais
Barroso. Um escandaloso theatro de horrores: a capitania do Ceará sob o espectro da violência
(século XVIII). Monografia (Bacharelado) ‒ Universidade Federal do Ceará, 2006. GOMES, José
Eudes Arrais Barroso. As milícias d’El Rey: tropas militares e poder no Ceará setecentista.
Dissertação (Mestrado) ‒ Universidade Federal Fluminense, 2009. XAVIER, Maico Oliveira.
16
“Cabôcullos são os brancos”: dinâmicas das relações socioculturais dos índios do Termo da Vila
Viçosa Real – século XIX. Dissertação (Mestrado) ‒ Universidade Federal do Ceará, 2010.
4
MONTEIRO, John. Tupis, tapuias e historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo.
Tese (Livre docência) ‒ UNICAMP, 2001.
5
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios aldeados no Rio de Janeiro colonial: novos
súditos cristãos do Império português. Tese (Doutorado) ‒ UNICAMP, 2003. CARVALHO JÚNIOR,
Almir Diniz de. Índios cristãos: a conversão dos gentios na Amazônia portuguesa (1653-1769). Tese
(Doutorado) ‒ UNICAMP, 2005. GARCIA, Elisa Frühauf. As diversas formas de ser índio: políticas
indigenistas e políticas indígenas no extremo Sul da América portuguesa. Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 2009.
17
[...], e que não esteja à supervisão e à censura por parte daqueles que detêm o
poder”.6 A disciplina e a invenção, mais do que contraditórias, são categorias que
convivem, ou melhor, se completam, dão sentido uma a outra.
Mais do que enxergar estas duas margens da pesquisa como lados opostos,
separados por alguma linha que as segregue, acreditamos que as ações,
percepções e vivências daqueles que pertenciam a estratos inferiores da sociedade
colonial/joanina estavam em constante interação com as elites políticas e
econômicas. Para Peter Burke, a “fronteira entre as várias culturas do povo e as
culturas das elites é vaga e por isso a atenção dos estudiosos do assunto deveria
concentrar-se na interação e não na divisão entre elas”. 7 A constituição daquela
sociedade não se deu por meio de trajetórias distintas, mas pelos choques e
interpelações entre duas esferas: a disciplina governamental e a invenção cotidiana
dos índios.
Além desses dois grandes aspectos que compuseram essas histórias, se faz
necessário esclarecer que tanto as ações do governo quanto os próprios indígenas
não eram de grupos uniformes. Ao contrário da maioria dos mais recentes trabalhos
sobre história indígena no Ceará, que se debruçaram sobre análises mais
localizadas – como as aldeias da Ibiapaba ou os grupos que enfrentaram os
holandeses8 – tivemos como recorte espacial toda a capitania. Na busca de evitar
uma “falsa impressão de homogeneidade”,9 focamos nossa narrativa na variedade
de personagens, ambientes e ações protagonizadas pelos diversos grupos nativos
habitantes deste território. Mesmo um grupo que habitou a mesma aldeia ou vila de
índios não estava isento de divisões e estratificações internas – conforme
apresentam as dissertações aqui citadas – de tal forma que tal característica se
acentua quando abordamos toda uma capitania.
Em sua análise acerca da cultura popular europeia na Idade Moderna, Peter
Burke alertou para a grande dificuldade que tal análise poderia gerar, tendo-se em
vista que mesmo os povos rurais de uma determinada região tinham costumes
variados, dependendo, por exemplo, de seus ofícios. Para ele, a “cultura popular não
6
CHARTIER, Roger. Textos, impressão, leituras. In: HUNT, Lynn. A nova história cultural. São
Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 236. (Grifo nosso).
7
BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p.
16-17.
8
Sobre os índios no Ceará Holandês, vide: MARTINS, Guilherme Saraiva. Entre o forte e a aldeia:
mediadores culturais e estratégias de contato no Ceará Holandês (1630-1654). Dissertação
(Mestrado) ‒ Universidade Federal do Ceará, 2010.
9
BURKE, 1989, p. 16.
18
10
BURKE, 1989, p. 49.
19
11
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de
teoria da história. Bauru: Edusc, 2007. p. 35-36.
21
1
ALBUQUERQUE, Manuel Coelho. Seara indígena: deslocamentos e dimensões identitárias.
Dissertação (Mestrado) ‒ Universidade Federal do Ceará, 2002.
2
Proprietários de terra, em sua maioria, brancos, que povoaram o território cearense, principalmente
a partir da segunda metade do século XVII.
22
3
Indígenas, mestiços e brancos pobres.
4
GOMES, José Eudes Arrais Barroso. Um escandaloso theatro de horrores: a Capitania do Ceará
sob o espectro da violência (século XVIII). Monografia (Bacharelado) ‒ Universidade Federal do
Ceará, 2006. p. 49.
5
Ibid. p. 48.
6
Ibid., p. 113.
23
7
PINHEIRO, Francisco José. Notas sobre a formação social do Ceará: 1680-1820. Fortaleza:
Fundação Ana Lima, 2008. p. 189.
8
A ortografia, ou seja, a forma como se escrevia no período em estudo (1812-1820) será mantida
nesta Dissertação.
9
Todos aqueles que não estivessem habitando suas localidades de origem sem a autorização do
governo, e que não exercessem trabalho com produção de exedentes, eram enquadrados por esse
governo de vadios.
10
COSTA, João Paulo Peixoto. A disciplina nos sertões: Manuel Ignácio de Sampaio e um projeto de
civilização no Ceará (1812-1820). Revista História. Rio de Janeiro: [s.n.], 2011.
24
11
MENEZES, Luiz Barba Alardo de. “Memória sobre a Capitania independente do Ceará grande
escripta em 18 de abril de 1814 pelo governador da mesma, Luiz Barba Alardo de Menezes”. In:
Documentação Primordial sobre a Capitania autônoma do Ceará. Fortaleza: Fundação Waldemar
Alcântara, 1997. (Coleção Biblioteca Básica Cearense).
12
PAULET, Antonio Jozé da Silva. Descrição Geográfica Abreviada da Capitania do Ceará. In:
Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza, ano 12, p. 5-33, 1898.
13
KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro / São Paulo / Fortaleza: ABC,
2003. Retomaremos a análise dos escritos de Koster nos capítulos 02 – tópico 2.2 – e 05 – tópico 5.3.
14
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. p. 28; 49.
25
XVIII para o XIX, que tentaram modificar aquilo que, para eles, seria uma terra em
ruínas.
15
PAULET, 1898, p. 6.
26
passos corpos mortos de pessoas, que do interior fogem para a beira mar; retirada
em que perecem em caminho exhaustos de força, pela falta de matimentos”.16
Tal miséria da população proveniente das rigorosas condições climáticas se
agravava, segundo o autor, pelo “mal entendido sistema de agricultura” que era
utilizado comumente nestes sertões. Talvez por uma falta de assistência ou
vigilância do poder público, Paulet afirmou que era uma prática dos sertanejos
“derrubar todas as matas para semearem novos terrenos, aonde ha lavouras”, além
do “abuso de lançar por terra as arvores so para colher os favos de mel, que as
abelhas n’ellas fabricam”. Essas ações depredatórias e sem monitoramento teriam,
segundo ele, “dissipado muitos principios de humidade e acarretado uma quazi não
interrompida series de annos secos”.17
O conteúdo do registro deixado pelo inglês Henry Koster não diferia muito das
posições de Paulet. Durante sua passagem pela Vila da Fortaleza observou que,
mesmo tendo o lugar edifícios públicos “limpos e caiados”, sendo “perfeitamente
adaptados aos fins que se propõem”, a “pobreza do solo em que esta Vila está
situada” e as “terríveis secas” afastavam “algumas ousadas esperanças no
desenvolvimento de sua prosperidade”.18 O comerciante também registrou em seus
escritos os graves danos que o clima causava na capitania e em sua população.
Para ele, o “aspecto geral das terras derredor do Ceará é árido”, e a seca que a
região enfrentara anos antes da passagem de Koster “fora tamanha que a fome já
ameaçava, e a miséria seria excessiva se não houvesse chegado um navio do sul
carregado com farinha de mandioca [...]. O fato demonstra que a escassez era
verdadeiramente angustiosa”.19 Ainda sobre as devastadoras estiagens que
assolavam a região, o autor registrou a “situação péssima” em que se encontravam
Pernambuco e suas capitanias anexas20 (como a do Ceará):
16
PAULET, 1898, p. 10.
17
Ibid., p. 9-10.
18
KOSTER, 2003, p. 173.
19
Ibid., p. 182.
20
Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte eram capitanias anexas a Pernambuco até a segunda
metade do século XVIII.
27
Vemos que a passagem acima confirma o que registrou Silva Paulet em sua
Descripção acerca dos aspectos assustadores relativos àquele período, como os
corpos de retirantes que padeciam nas estradas em busca do litoral. Todavia, para
Koster, não somente pessoas, mas até “famílias inteiras” perdiam as vidas por falta
de chuvas e da inevitável miséria. Em outra passagem, quando relatou a sua saída
do Ceará, encontrou já próximo ao Aracati uma choupana onde habitava dois
meninos de “aparência lastimosa”, e que lhe mostraram um pouco de massa de
miolo de carnaúba que seus pais tinham ido procurar: era “essa substância a que
esse povo paupérrimo está reduzido como meio de alimento, ajuntando,
ocasionalmente, um pouco de carne ou de peixe fresco”. Em seguida, contou que
Feliciano, um índio que o acompanhava como ajudante, havia escondido os
suprimentos da tropa com couros, “dizendo que, se continuássemos viajando sem
ocultar-lhes o conteúdo, podíamos ser obrigados, em qualquer povoação, a
satisfazer o povo, repartindo entre os necessitados. Ele [Feliciano] não sabia [...] que
esta região estava em tal estado de penúria”.22
Diferindo bastante das duas descrições apresentadas acima, sob o ponto de
vista de Luiz Barba Alardo de Menezes, em relação aos aspectos naturais da
Capitania, o Ceará, mesmo caracterizado por uma terra seca, possuía muitas
vantagens e grande potencial produtivo. Ex-governador, o autor escreveu sua
Memória ao próprio rei de Portugal em 1814, e admitiu que até o final do século
XVIII aquela região era “desconhecida e considerada árida e estéril”. Essa
impressão esconderia, segundo ele, uma região possuidora de “infinitas ribeiras, e
immensas serras de prodigiosa producção de todos os generos, especialmente de
algodões, excellentes aguas, saborosos fructos, e os seus ares talvez sejão os
melhores deste continente”, tendo como prova de sua opinião o “grande numero de
pessoas, que tem avançada idade”.
Mas essa suposta “riqueza” natural que se via na Capitania não foi suficiente
para fazê-la crescer economicamente, mesmo tendo tido, no início do século XIX,
um aumento na sua agricultura, e “muito mais ainda o seu commercio”.23 Para Barba
21
KOSTER, 2003, p. 188-189.
22
Ibid., p. 193-194.
23
MENEZES, 1997, p. 39-40.
28
Alardo de Menezes, o motivo da ruína desses sertões não estava nas suas
condições climáticas, por mais duras que fossem. O real motivo era, para ele, algo
que também estava presente nos outros relatos analisados: a situação de extremo
abandono em relação ao poder central em distintos aspectos, expressos nas
péssimas condições dos prédios públicos, na produção econômica insignificante, na
falta de controle populacional, nos poucos funcionários do judiciário e no alto número
de criminosos a vagar e aterrorizar pelo território.
24
KOSTER, 2003, p. 172-173.
25
PAULET, 1898, p. 7.
26
Ibid., p. 14-16.
29
Na conclusão que Paulet fez em sua Descripção foi possível relacionar certos
apontamentos com outros que vimos anteriormente, acerca do potencial que teria
esta região, escritos pelo antigo governador Luiz Barba Alardo de Menezes.
Segundo o engenheiro, havia quem dissesse que o Ceará teria alguma “riqueza
ponderavel”, fato explicado pela natureza de certos homens “dados ao maravilhozo”,
querendo “sempre achar o grande, no terreno em que habitão, por estabelecimento,
ou em que são empregados”, como era o caso de Menezes. Para o autor, esta
Capitania se encontrava em tal ruína precisamente pela soma das “cauzas fisicas
que dificultão o adiantamento d’este terreno” como a sua má distribuição
administrativa27, que contava com “uma só comarca” – escondendo uma situação de
“pouca importância em relação á sua extensão e quantidade de villas” – além de um
“mal entendido sistema de distrito”.28
Mesmo tendo amenizado a precária situação em que vivia a região, as
observações acerca da desorganização político-administrativa do Ceará também
estavam presentes na Memória do ex-governador. Um dos grandes problemas
enfrentados pela Capitania, e que apareceu insistentemente em sua obra, foi o
insuficiente número de autoridades do judiciário na região. Para ele, o “termo da
Fortaleza só por si não é sufficiente para a necessaria subsistencia do juiz de fora
d’aquella villa”, e por outro lado, era “urgente a necessidade” da “capitania de mais
juizes de fora”.29 De acordo com Menezes, a violência e a impunidade que
grassavam estes sertões eram reflexos da má distribuição do poder imperial pelo
território:
[...] dando as justiças mutuamente as mãos e da mesma sorte a
tropa serião inviolavelmente observadas as leis, as autoridades
conservariam todas o seu devido decoro e respeito, os delinquentes
não ficariam impunes, os facinorosos que infestão as
desamparariam, desvaneciam-se as intrigas, e até os povos com
mais socego e tranquilidade, animariam a sua abandonada
agricultura e seu commercio amortecido. Finalmente multiplicar-se-
hião as villas á imitação das parochias, como é indispensavel em tão
vasta capitania para a civilização dos seus habitantes, aonde não
convem estejam dispersos, sem educação, nem religião, e do
mesmo modo [...] não devem estar apinhoadas em um tão pequeno
numero de villas, aonde se forjão, de ordinario, as maiores cabalas, e
27
PAULET, 1898, p. 30.
28
Ibid., p. 5-6.
29
MENEZES, 1997, p. 36-37.
30
30
MENEZES, 1997, p. 38.
31
PAULET, 1898, p. 13.
32
Ibid., p. 9.
33
Ibid., p. 30.
31
caracterizado por sua “indiferença ao crime”, por sua “preguiça” típica e pelo “pouco
amor ao luxo bem entendido”; ou seja, aos bens materiais, era acometido, na
verdade, por uma “péssima educação”. Mesmo levando seu argumento
principalmente para o aspecto “natural” do povo e do território cearense, o
engenheiro também percebe uma ausência do poder imperial, seja no âmbito da
permissividade – como revelava, segundo ele, a impunidade e a ascensão de
potentados nos sertões – como na falta de assistência à formação “moral” da
população.
Essa associação era ainda mais explícita no texto de Henry Koster, que, no
seu entender, era a desorganização no âmbito Judiciário a grande causadora dos
males ligados à violência da região. Para o autor, a administração da justiça no
sertão era “geralmente falando, muito mal distribuída”:
34
KOSTER, 2003, p. 177.
35
O caráter centralizador e vigilante do governo Sampaio, que tentou combater fortemente o poder
dos potentados do sertão, será analisado nos capítulos 03 – tópico 3.1, p. 48 – e 04 – tópico 4.1, p.
113.
32
Na ausência de algo que impedisse suas ações, João Carlos Feitoza, assim
como muitos outros poderosos nos sertões do Ceará, agia impunemente, impondo
sua própria vontade e inclusive punindo a seu modo àqueles que os
desobedecessem. Com o fortalecimento do poderio desses homens, e de igual
forma com o distanciamento do alcance do poder monárquico, surgiam formas de
fazer justiça que não se alinhavam com o que ordenava o Estado monárquico. Os
assassinatos, as brigas por poder e a cooptação de matadores protegidos por
grandes fazendeiros compunham, na visão dos cronistas que passaram pelo Ceará
do início do século XIX, um mosaico de ruína e decadência, juntamente com uma
economia insignificante e com uma crescente miséria em meio à maior parte da
população.
Ao analisar essas obras oitocentistas, foi possível visualizar uma região tão
grandemente desolada, em tantos aspectos, que se torna difícil o trabalho de
caracterizar as formas com que cada grupo social convivia com esses cotidianos de
penúria, seca, violência e morte. Até o estado de abandono das construções nas
vilas aqui trabalhadas – e de muitas outras não apresentadas neste trabalho –
também formam a imagem de um Ceará que, mesmo tendo passado por diversas
mudanças em suas práticas governamentais, ainda permanecia à margem do
Império. Na visão desses cronistas, as ruínas daquela terra, que vinham desde os
setecentos, ainda perduravam no século XIX.
Mesmo com tantos testemunhos de desolação, pudemos concluir que as
obras aqui analisadas não visaram apenas acentuar o estado calamitoso que, para
eles, vivia aquela periferia de Portugal. Ao registrar seus testemunhos do que viram,
com tão diferentes objetivos e pontos de vista, os autores estavam, acima de tudo,
também construindo diagnósticos próprios para as causas de tantas desordens
políticas, econômicas e sociais “nestas incivilizadas regiões.”37 Se, de acordo com
os cronistas, o Ceará estava indubitavelmente arruinado em tantos aspectos, uma
36
KOSTER, 2003, p. 184.
37
Ibid., p. 188.
33
“[...] por natureza Indio por obrigação fiel Vaçallo de sua Alteza [...]”
Índio Pedro Gonçalo da Costa e Vasconcelos
38
As atuais análises indigenistas a partir das etnias e troncos linguísticos têm como influência a
sistematização proposta por NIMUENDAJÚ, Curt. Mapa étno-histórico de Curt Nimuendajú. Rio de
Janeiro: IBGE / Fundação Cultural Pró-Memória, 1982.
39
Cf. MACHADO, José de Almeida. Notícia das freguesias do Ceará visitadas pelo P. e José de
Almeida Machado no annos de 1805 e 1806, extrahida d’um livro de Devassa que serviu na Visita. In:
Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza: tomo XVI, p. 191-205, 1902.
35
40
Sobre os grupos de gentios que vagavam no sul da capitania, vide capítulo 05 – tópico 5.5, p. 243.
41
PAULET, 1898, p. 16.
42
Ibid., p. 18.
43
Ibid., p. 20-21.
37
“quazi toda habitada de extra-naturaes, nome que se dá a todo o que não é Indio”.
Mesmo assim, não tinha “caza de camara, nem cadeia, nem o conselho patrimônio”,
contendo “84 cazas muito arruinadas, muitas cobertas de palha, e muito
insignificantes”.44
Como vimos, era impossível à elite político-intelectual do Império pensar em
desenvolvimento para lugares como estes, onde nem mesmo equipamentos e renda
tinham para se manter e gerir. A situação das casas dos moradores era uma mostra
da grande necessidade na qual viviam os índios e outros habitantes dessas
povoações, cuja situação era bem pior que a de outras vilas. Além disso, suas
economias pareciam ser insignificantes e os rendimentos que possuíam mal davam
(ou não davam) para suprir as atividades de funcionários e do próprio funcionamento
das câmaras.
Sobre as vilas e povoações de índios, o ex-governador Barba Alardo de
Menezes também traçou algumas considerações, cujo teor não diferia muito da
Descripção de Paulet. Em Soure, disse que seus índios eram “muito pobres”;
Arronches tinha uma “soffrivel casa de camara”; e Mecejana se assemelharia a
essas outras em termos de precariedade, tendo em vista que as “rendas dos
conselhos destas trez villas são de pouca entidade”.45 Acerca desta última, o padre
José de Almeida Machado fez questão de frisar, em seu sucinto relatório produzido
a partir de suas visitas feitas às freguesias da Capitania, que a sua “Matriz situada
no meio da villa [...] está de todo arruinada em servidão”.46 O relato de Menezes
ainda continuou, e sobre Monte-mor o Novo falou de sua organização militar, tendo
“duas companhias de ordenanças a Cavallo tão somente, o que prova ainda a sua
decandencia”.47
Além das precárias situações de seus prédios públicos de governo, essas
últimas considerações acrescentam mais dados a esse quadro decadente de “ruína”
das vilas de índios. Os nativos, muito pobres, eram senhores de espaços tão
miseráveis e carentes que já nesse período estavam ameaçados de perderem sua
autonomia, com rendas de “pouca entidade”, igrejas “arruinadas” e companhias de
ordenanças “decadentes”.
44
PAULET, 1898, p. 29.
45
MENEZES, 1997, p. 42-43.
46
MACHADO, 1907, p. 199.
47
MENEZES, 1997, p. 45.
38
Nessas localidades, onde nem mesmo havia casa de câmara, cadeia pública
ou patrimônio que as sustentasse, imperava de forma mais acentuada, em
comparação com as outras vilas analisadas no início deste capítulo, os atos
arbitrários, o ingerenciamento político e a falta de execução das leis, já que não
possuíam sequer os equipamentos institucionais para tal. No entanto, os anseios
relativos ao desenvolvimento – que só seria possível, segundo os autores aqui
estudados, por meio de uma radical reforma administrativa – não partiam dos índios,
seus principais habitantes, e sim do português. Ao mesmo tempo, o próprio governo,
que percebia e nomeava essa “decadência”, não fornecia todos esses elementos
que possibilitariam a esperada renovação. Conforme mostra a historiografia que
trabalha a realidade indígena no Ceará do século XIX,48 a tendência em relação aos
projetos políticos indigenistas era, ao invés de executar uma reforma institucional
nas vilas de índios, extingui-las e vincular esses espaços a Fortaleza, como já havia
proposto Paulet no início dos oitocentos. Tais direcionamentos possibilitaram uma
crescente ocupação destas terras por parte da elite fundiária cearense e uma
consequente desapropriação, expulsão e perda dos grupos indígenas de seus
lugares ancestrais.
48
LEITE NETO, João. Índios e terras: Ceará: 1850 – 1880. Tese (Doutorado) ‒ Universidade
Federal de Pernambuco, Recife, 2006; VALLE, Carlos Guilherme Octaviano do. Aldeamentos
indígenas no Ceará do século XIX: revendo argumentos históricos sobre desaparecimento étnico. In:
PALITOT, Estevão Martins (Org.). Na mata do sabiá: contribuições sobre a presença indígena no
Ceará. Fortaleza: Secult / Museu do Ceará / Imopec, 2009; XAVIER, Maico Oliveira. “Cabôcullos
são os brancos”: dinâmicas das relações socioculturais dos índios do Termo da Vila Viçosa Real –
século XIX. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Ceará, 2010.
49
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 66.
50
PAIVA, Diego de Souza. Um espelho em construção: o índio na crônica de Jean de Léry (século
XVI). Natal: Sebo Vermelho, 2008. p. 95.
39
51
Retomaremos o estudo dos escritos de Koster para uma análise comparativa dos discursos sobre a
população indígena no Ceará no capítulo 05 – tópico 5.3, 208.
52
KOSTER, 2003, p. 175-176.
53
Ibid., p. 178.
54
Tal dado é contestável, já que a quantindade de brancos étnicos nesses sertões, cuja
ancestralidade não havia passado por misturas com elementos afrodescendentes e indígenas era
escassa. Como conta o próprio relato de Koster, os brancos eram, muitas vezes, mestiços –
geralmente pardos, ou recebendo qualquer outra denominação – que havia ascendido socialmente
pela posse de algum título político ou militar: “conversando numa ocasião com um homem de cor que
estava ao meu serviço, perguntei-lhe se certo capitão-mor era mulato. Respondeu-me: era, porém já
não é! E como lhe pedisse eu uma explicação, concluiu: pois senhor, um capitão-mor pode ser
mulato?”. Cf. Ibid., p. 598. Pelas próprias exigências legais do Império português, que “fixavam as
condições do homem branco”, criava-se o artifício que possibilitava o recrutamento de mestiços.
Logo, mais que um traço étnico, o branco era, muitas vezes, um identificador social. Cf. ELIAS,
Juliana Lopes. Militarização indígena na capitania de Pernambuco no século XVII: caso
Camarão. Tese (Doutorado) ‒ Universidade Federal de Pernambuco, 2005, p. 128.
55
KOSTER, 2003, p. 177.
56
Ibid., p. 177-178.
40
comparado com o europeu. Enquanto este mobilizava todo seu cabedal para gerar
riqueza e lucro, para o índio a riqueza não se relacionava com o valor pecuniário,
mas a outros elementos que significavam valores importantes a serem considerados
e buscados. “As ocupações favoritas são a caça e a pesca. Um largo rio pode
induzi-lo a ficar por mais tempo”,57 observação de um cotidiano em que o tempo era
percebido de maneira bastante diferenciada no mundo normativo, que entendia
esses costumes como característicos de vadiagem.
As diferenças também faziam parte de outros aspectos da vida dos índios,
como nos hábitos familiares e na alimentação, mostrando, da mesma forma, grande
incompreensão por parte do observador, fruto desta mesma perplexidade e
negação:
São vilmente impassíveis quanto à conduta de suas mulheres e
filhas. Parecem ter mediocrilmente os sentimentos afetivos, tendo
menos ânsia pela vida e bem-estar dos filhos que qualquer outro
homem morador nessa região. As mulheres, mesmo vivendo com
homens semibárbaros, não fazem trabalhos pesados. Enquanto a
mulher está em casa, ele busca água no rio e lenha no mato,
construindo sua cabana, ficando a esposa num refugio pelas
redondezas. Viajando, ela carrega os filhos pequeninos, o pote, o
cesto, as cabaças, enquanto o marido leva o saco de pele de cabra,
sua rede enrolada nos ombros, seu aparelho de pesca, suas armas,
e caminha atrás. A criança é banhada, no mesmo dia do nascimento,
no riacho ou no poço mais próximo. Homem e mulher são asseados
em muito de seus hábitos e, particularmente opostos. Não rejeitam
espécie alguma de alimento, devorando a maior parte sem cozinhar,
ratos, vermes, cobras, jacarés, tudo é bem vindo.58
57
KOSTER, 2003, p. 178.
58
Ibid., p. 178-179.
41
De acordo com o que foi descrito pelo viajante, tais costumes poderiam ser
interpretados pelos ocidentais desse período como frutos de uma índole inconstante.
Remetiam, porém, a práticas culturais anteriores aos contatos, em um universo
distante dos meios urbanos, das doenças europeias e com outras maneiras de gerir
os elementos que os rodeavam. Uma visão europeia, de um ocidente cujas
concepções de mundo estavam fortemente ligadas à disciplina cotidiana e à
civilização dos costumes, de cunho científico ou não – como era a de Koster – que
percebia estas ações e relações indígenas como um estado de “barbárie”, de um
povo que, mesmo colonizado havia séculos, não teria o seu processo civilizatório
concluído. Tal choque cultural expresso no relato, carregado de diferenças e
incompreensões, resultava daquilo que Norbert Elias caracterizou como uma
inferiorização do outro, por não conceber ou compreender as suas atitudes e
manifestações, e que, por isso, justificava a dominação ocidental sobre estes grupos
ameríndios, em sua missão de transformar estes povos, refinar suas maneiras e,
consequentemente, pacificar o Império.59
Os índios desse Ceará oitocentista, por outro lado, não eram a decorrência de
um processo civilizador mal-sucedido ou incompleto, mas agentes mestiços cujas
leituras do mundo lhes possibilitavam, de forma persistente, resistir culturalmente em
um mundo que lhes demandava mudanças cotidianas radicais, através da
permanência de hábitos cuja lógica remetia a tempos e vivências ancestrais. Não se
trata de defender uma utópica dicotomia entre um estado aculturado e uma pureza
original (já que esta não existia, nem mesmo no período pré-cabralino). Para
Boccara, é preciso analisar estes grupos enquanto protagonistas de uma lógica
mestiça que se inseria, a seu modo, no universo colonial – ao apropriar-se de seus
elementos, ao mesmo tempo em que resistia em suas próprias práticas cotidianas –
e que nunca se “civilizou” ou “disciplinou” da forma idealizada pelo colonizador.60
Em relação às características físicas dos índios, o autor traçou diversos
comentários relativos à estatura, cor de pele e cabelos, formato de membros etc.
Eram fortes, mas sem “muita robustez”,61 e possuidores de extrema destreza, “acima
dos outros viventes, para encontrar seu caminho através da floresta e chegar a lugar
59
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1994. p. 62.
60
BOCCARA, Guillaume. Antropologia diacrónica. In: Nuevo Mundo Mundos Nuevos, 2005, p. 2.
Disponível em: <http://nuevomundo.revues.org>, p. 7.
61
KOSTER, 2003, p. 181.
42
certo sem marcas e estradas [...]. Encontram pegadas impressas nas folhas
murchas, tombadas das árvores”. Por conta dessas habilidades, os indígenas eram
requisitados em uma série de serviços pelas autoridades, como no caso da busca de
algum criminoso, quando os índios eram “enviados em sua perseguição como um
último recurso”.62
Outras atividades para as quais os nativos eram recrutados eram as de guias
e carregadores, pois estariam “exelentemente adaptados, pelos seus hábitos de vida
errante que essas ocupações exigiem”. Todavia, estavam, segundo o autor,
62
KOSTER, 2003, p. 179.
63
Ibid., p. 180-181.
43
64
Voltaremos a uma análise do Diretório, e do seu papel na política indigenista do governo Sampaio,
no capítulo 03 – tópico 3.3, p. 77.
65
Cf. DIRECTORIO, que se deve observar nas povoações dos indios do Pará, e Maranhão, Em
quanto sua Magestade naõ mandar o contrario. In: BEOZZO, José Oscar. Leis e regimentos das
missões: política indigenista no Brasil. São Paulo: Loyola, 1983, §80 e §88, p. 34-36.
66
Isso é claramente notado nos documentos oficiais do início do século XIX, onde os etnônimos
tribais desaparecem – como potiguaras ou paiacús – dando lugar às referências ligadas às vilas. Por
exemplo: “o índio de Soure”, “os índios de Monte-mor o Velho” etc. Cf. Ibid., §6, p. 3-4.
67
CARVALHO, Marcus J. M. de. Os índios e o Ciclo das Insurreições Liberais em Pernambuco (1817-
1848): Ideologias e Resistências. In: ALMEIDA, Luiz Sávio de. GALINDO, Marcos. Índios do
Nordeste: temas e problemas – III. Maceió: EDUFAL, 2002. p. 76.
44
68
MENEZES, 1997.
69
XAVIER, Maico Oliveira. Cabôcullos são os brancos: dinâmicas das relações socioculturais dos
índios do Termo da Vila Viçosa Real – século XIX. Dissertação (Mestrado) ‒ Universidade Federal do
Ceará, 2010. p. 221.
70
Cf. DIRECTORIO, 1983, §02 e §01, p. 1-2.
71
KOSTER, 2003, p. 181.
72
Cf. DIRECTORIO, 1983, §10, p. 5.
73
BEOZZO, 1983, p. 126.
74
SILVA, Isabelle Braz Peixoto da. Vilas de Índios no Ceará Grande: dinâmicas locais sob o
Diretório Pombalino. Campinas: Pontes, 2005. p. 82.
45
Seria pelo trabalho, com a devida remuneração e disciplina, que os nativos poderiam
sair definitivamente do gentilismo e ingressar no mundo ocidental como vassalos
dignos e fiéis. A história da política indigenista no Ceará colonial e joanino é um
exemplo da intensa associação do Diretório com o comércio, a agricultura, e a
tentativa de transformação dos nativos em mão de obra; isto é, ao tempo em que
estava “arruinada” em diversos aspectos – inclusive econômicos – esta Capitania
tinha forte presença de índios em sua composição social. Ou seja, a questão do
trabalho indígena era tão latente em território cearense que o Diretório foi utilizado
até meados do século XIX, enquanto, em nível imperial, foi revogado em 1798.
Por conta dessas necessidades comerciais e civilizatórias, este “liberalismo”
presente nos artigos desta legislação não instituiu plena liberdade para os índios.
Mesmo não podendo ser vendidos e tratados como escravos, os índios não estavam
isentos de coerção e maus-tratos por parte de diretores e proprietários. O Ceará do
início do século XIX continuou a usar da coerção sobre a força de trabalho indígena
para continuar sustentando sua incipiente economia através do aval do Diretório.
Mais do que um “vazio de legislação”,75 a aplicação das leis pombalinas nesta
Capitania se deu muito mais pela continuação da importância e necessidade da mão
de obra indígena. Para Patrícia Melo Sampaio, a extinção do Diretório nos possibilita
“observar a emergência de soluções alternativas (ou mais adequadas) às diferentes
realidades locais”, ao contrário de “reforçar a ideia de um ‘vácuo legal’”.76
Como desdobramento, a reação por parte dos índios também prosseguiu,
com as contínuas fugas e tentativas de saída das vilas e dos olhares dos diretores.
Tendo sido “prática bastante comum durante o período em que estiveram vigorando
as Leis do Diretório”, segundo João Leite Neto, a chamada “dispersão populacional”
pelo território representou, para muitos nativos, um dos meios de “livrarem-se da
submissão ao trabalho compulsório e ao cruel jugo das leis”, tidos pela elite política
do Império como “caminhos mais indicados para a consolidação do processo de
civilização entre esses povos”.77
75
CUNHA, Maria Manuela Ligeti Carneiro da. Política indigenista no século XIX. In: CUNHA, Maria
Manuela Ligeti Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1998,
p. 138; LEITE NETO, 2006, p. 99.
76
SAMPAIO, Patrícia Melo. Política indigenista no Brasil imperial. In: GRINBERG, Keila. SALLES,
Ricardo (Org.). O Brasil imperial, volume I: 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009,
p. 182-184.
77
LEITE NETO, 2006, p. 101.
46
que manipularam, ao seu modo, aquilo que lhes era imposto em prol de seus
próprios interesses.83 Esta complexa história, de disciplina e invenções, foi feita
pelos choques, convivências e agregações de todos os lados, tanto do governo
quanto dos índios.
83
Sobre as leituras e inveções cotidianas dos índios, vide capítulo 05, 182.
48
Uma provável explicação para esse fato é que aquele militar português, que
governou o Ceará entre os anos de 1812 e 1820, foi uma das grandes forças que
49
1
TAVARES, Francisco Muniz. História da revolução de Pernambuco em 1817. 3. ed. ed. Recife:
Imprensa Industrial, 1917. p. 76.
50
pela independência que teve lugar na vila do Crato. Liderando o governo cearense
naquele momento, Tavares coloca-o como o grande responsável pela derrota, cuja
atividade teria redobrado “com a noticia da visinha conflagração”. De acordo com o
autor, mesmo sabendo que de nada precisava temer do povo desta capitania:
[...] seu espirito era sempre agitado, como são os que não obrão
rectamente. Hum pequeno traficante da Capital, só por ser
Pernambucano, era hum súbdito tão perigoso, quanto o ouvidor da
Commarca João Antônio de Carvalho [...]. Não tendo a sua
disposição força sufficiente para marchar contra as Provincias
insurgidas contentou-se de assegurar a que governava, exercitando
os poucos soldados, prescrevendo ordens severas a todos os
capitães mores, e desfigurando com as mais negras cores os actos
praticados em Pernambuco.2
2
TAVARES, 1917, p. 141-142.
3
CHAGAS, Manuel Pinheiro. História de Portugal. Popular e ilustrada. Lisboa: Empresa da
História de Portugal – Sociedade Editora. 1901. p. 593. 8 v.
4
VICTOR, Hugo. O Correio em Parnaíba. In: Almanaque da Parnaíba. Parnaíba: 1947. p. 317.
5
ADMINISTRAÇÃO Manuel Ignácio de Sampaio (1º visconde de Lançada), Revista do Instituto do
Ceará, ano 30, Fortaleza, 1916. p. 201.
51
sua luta contra os revolucionários em 1817, como no seu projeto de civilizar o povo
do Ceará.6
São exemplos de realizações do governador as obras de engenharia
importantes lideradas pelo engenheiro Silva Paulet, como a construção do Mercado
Público e a reforma da Fortaleza de Nossa Senhora da Assumpção,7 que, até então,
era apenas uma paliçada de madeira, enquanto as outras fortificações nas capitais
no Nordeste do Brasil já eram de pedra e cal. Também por iniciativa do engenheiro,
foi produzido um extenso acervo cartográfico durante esse mandato, como as
plantas da Vila da Fortaleza – com o esquadrinhamento das ruas – e da topografia
da capitania do Ceará. Observe-se a Figura 5, a seguir.
indígenas”.8 Foi possível perceber que, juntamente com seu projeto que visava
impulsionar a produção, foi traçado pelo governador um plano de controle,
disciplinamento e civilização da população do Ceará, que, além de manter hábitos
“bárbaros” para os conceitos ocidentais – como a dispersão populacional – seria
extremamente violenta, praticamente independente do gerenciamento real e a causa
do atraso desta capitania.
8
PINHEIRO, Francisco José. Notas sobre a formação social do Ceará: 1680-1820. Fortaleza:
Fundação Ana Lima, 2008. p. 319.
54
9
FEIJÓ, João da Silva. Memória escrita sobre a capitania do Ceará. In: Revista do Instituto do
Ceará. Fortaleza, tomo III, p. 3-27, 1889, p. 3.
10
Ibid., p. 22.
55
11
Abril 15. Registro de hum officio dirigido ao Ex. mo Sn’ Dom Miguel Pereira Forjaz [...] pedindo-lhe
socorros. In: Livro 23, p. 124v.
12
Sobre recrutamento indígena, vide capítulo 04 – tópico 4.3.
13
Abril 30. Rego do officio ao Teme Comde do destacamto do Sobral, dando varias ordens sobre o mmo
destacamto. In: Livro 34, p. 183. Grifo nosso.
14
Vide capítulo 04 – tópico 4.5, p. 160.
15
COSTA, João Paulo Peixoto. Os filhinhos do governador: o “Correio do Norte do Brasil” e os índios
correio no Ceará (1812-1820), Anais do Congresso internacional de história e patrimônio cultural /
Encontro regional de história do Piauí, Simpósio 16: “Memória, sociedade e movimentos sociais”,
Teresina, Educar: Artes e Ofícios, 2010. p. 1.
56
de que, nos “primeiros seis ou oito meses”, o funcionamento dos Correios “poderá
ter algûas irregularidades, porque os Povos do sertão não gostam de novidades,
como succedeo daqui até Pernambuco”.16 Percebemos não só a dificuldade da
população sertaneja em aderir a certos projetos modernizadores, como também uma
visão de menosprezo do governador perante dos habitantes do Ceará.
Diante dessa situação de atraso social no olhar do governador Sampaio, as
atitudes relativas ao controle e monitoramento da população passaram a ter uma
preocupação especial, não somente em relação aos habitantes que pretendiam
circular dentro ou fora do território, mas também àqueles que chegavam de outros
lugares. Isso ficou marcante durante os conflitos em Pernambuco de 1817, já que o
medo de que aquele povo “pouco civilizado” aderisse às ideias revolucionárias fez
com que o monitoramento recrudescesse ainda mais, como nos diz os escritos já
citados de Muniz Tavares. Outro exemplo daquele controle minucioso em relação às
pessoas que circulavam no Ceará – sejam eles viajantes, mercadores, sejam de
qualquer outra atividade – e do receio em relação às suas ações, está registrado no
ofício expedido ao escrivão de Granja em setembro de 1818, sobre a chegada de
um frei franciscano na capitania:
Na Sumaca Estrella do Norte foi para essa Villa hum Religioso da Ordem de
Sto Antonio por nome Fr. Alexandre dotado de grandes talentos e que
apesar de trazer todos os seus papeis Correntes, e mui claros he de grande
disconfiança. Ordeno portanto a vme que com o seu Costumado Criterio
haja de Observar attentamente todas as acções do dito Religioso assim
como tambem as opiniões, e ideias que elle publicar dando-me de tudo
parte a fim de eu poder providenciar, e evitar a tempo qualquer funesto
acontecimento.17
aqueles que infringissem a lei estariam “esquecidos dos seus próprios interesses”.19
A disciplina, e todas as práticas relacionadas a essa forma de governo e poder
seriam o caminho para a civilização do Ceará, e isso é visível neste exemplo de
ordenamento do trabalho.
22
Dezembro 29. Rego do Officio ao Corel de Cavallaria do Sobral a respto dos Presidios no mmo
espreçados. In: Livro 34, p. 130V.
23
Julho 16. Rego de hum Officio dirigido ao Agente do Aracati Manoel Joze Rebello. In: Livro 26, p.
84.
24
Julho 27. Registo de hum Officio dirigido a Manoel do Espirito Santo da Paz, Agente do Correio da
Villa do Icó. In: Ibid., p. 88V.
25
Novembro 16. Registo de hum Officio ao Director de Monte Mor o Velho p a remetter huns Indios
presos pa esta Capal. In: Livro 18, p. 6V. Grifos nossos.
26
Desembro 15. Registo de hum Officio ao mmo Sargmor Commde Sobre Varios Objectos. In: Ibid., p.
29. Grifo nosso.
60
Em nome desse brio e capricho militar, Sampaio expediu essa ordem que nos
ofereceu muitos elementos para a análise de sua política de controle e
disciplinamento da população e dos variados setores desta sociedade. Percebemos
que estas ações autoritárias do capitão-mor – assim como a do comandante da
Barra do Acaracu, citado anteriormente – espelharam algo que deveria ser tendência
na região: a liberdade de ação dessas lideranças e a forma truculenta de lidar com
seus subordinados. Ao reforçar mais uma vez suas tentativas de centralizar as
decisões, o governador ordenou que a punição não fosse feita com agressão física –
tanto através de uma paulada ou com a utilização do tronco – mas apenas com a
prisão, e somente com a sua ordem. Podemos ver que, dessa forma, a punição “não
27
Janro 5. Rego do Offo ao Coronel de Infanta Miliciana do Ceará e Jagoaribe sobre serto objecto
relativo ao Capm Anto Franco da Sa. In: Livro 34, p. 142. Grifos nossos.
61
visa [...] exatamente a repressão”;28 o castigo que devia ser imposto “tem a função
de reduzir os desvios. Deve, portanto, ser essencialmente corretivo”.29
Já que a punição continha um intuito disciplinar, que visava a formação do
desviante, e não apenas o castigo por ele mesmo, as atitudes de Sampaio neste
sentido tinham também certa flexibilidade, dependendo da situação. Exemplo disso
está registrado em ofício dirigido ao capitão-mor do Icó, por ocasião da seca que
assolava o Ceará em 1816. Segundo o governador, pelos estragos que as
condições climáticas tinham causado, “tanto no termo dessa Villa como em todo o
resto da Capitania”, os furtos seriam “huma consequencia necessaria desta
Calamidade publica”. Por isso, “á vista das Circunstancias do Certão”, não seria
“possivel reprimilos nesta estação se não em mui pequena parte, alias correr-se-hia
o risco de augmentar a Calamidade em lugar de diminuir”. Dessa forma, só se
poderia “punir esses crimes com a moderação e prudencia necessarias”, mas em
relação a qualquer indivíduo que se aproveitasse da “presente Calamidade publica
para dar livre exercicio ao Antigo e arreigado vicio de se appropriar os bens alheios,
o mandará prender”.30 Encontramos um bom exemplo de exceção, em que a
punição a um crime evidente, que era o furto, deveria ser avaliada pela autoridade
por conta da situação calamitosa na qual se encontrava o Ceará. Era preciso, na
opinião do governador, moderação e bom senso no tratamento desses episódios,
além de discernimento para concluir se se tratava de uma consequência do
desespero diante da seca ou de mais um caso do que ele chama de “antigo e
arraigado vício” da população, que era a prática do roubo (outro costume dos
sertões que, para a elite político-intelectual da época, precisava ser combatido).
Mesmo assim, a busca de Sampaio em ir de encontro aos autoritarismos dos
potentados locais continuou até o fim de seu mandato, e já em fevereiro de 1819,
escreveu um ofício a Jerônimo José Figueira de Melo, condenando suas
irregularidades. Diz que, se o antigo governador João Carlos Augusto de Oyenhasen
o tivesse castigado como deveria, ele não teria “a ousadia de pertender desacretidar
as authoridades constituídas”, além de ter sido, segundo consta em documentos
antigos, “hum dos maiores Regulos no Certão comettendo delitos sobre delitos e
abusando constantemente da authoridade temporária dos empregos que exerceo”.
28
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão, 34. ed. Petrópolis, Vozes, 2007. p. 152.
29
Ibid., p. 150.
30
Outubro 9. Officio ao Capmor do Ico accuzando huns Officios, e Outros Objectos. In: Livro 21, p.
42V.
62
Nesse momento, o seu crime teria sido conseguir ser eleito como juiz de órfãos de
sua vila “tão somente por suborno, e outros indignos meios”, e diante desta situação,
o governador o ameaçou: “eu jamais deixarei de faser punir com a justa e rigorosa
severidade das Leis se VMce não deixar de dar uso ao seu genio revoltoso”. 31
Ao buscar subordinar esses potentados locais à hierarquia instituída no reino,
Sampaio não pretendeu apenas centralizar o poder por si só, mas fazer com que ele
funcionasse de forma mais ordenada e regular nos variados setores desta
sociedade, ou seja, construir uma “vigilância penal mais atenta do corpo social”.32
Somente submetendo essas autoridades, o governador teria condições de gerir a
população de forma mais eficaz, pois, caso contrário, seria impossível que suas
ações tivessem o alcance desejado, e muito menos que a tão necessária civilização
do povo fosse realizada, já que este estaria submisso diante das vontades de
capitães-mores e de outros poderosos, que nem sempre estavam engajados nesse
projeto.
Quando pensamos nas práticas punitivas, elas se mostravam como
exemplares para pensarmos nesse sentido: práticas como pauladas e açoite público
no tronco pareciam ser, de certa forma, comuns naquela região, e feitas de formas
independentes e arbitrárias. A disciplina pretendida por Sampaio também
encontrava lugar em uma “nova ‘economia política’ do poder de punir”, que buscava
“assegurar uma melhor distribuição dele”, fazendo com que não ficasse
“concentrado demais em alguns pontos privilegiados”, e sim executado de forma
mais inteligente e homogênea. Essa nova tomada de rumo se configurou como um
“remanejamento do poder de punir, mais eficaz, mais constante e mais bem
detalhado em seus efeitos”,33 onde o que se buscava não era apenas a criação de
autoridades locais cada vez mais independentes e fortes, mas sim o
estabelecimento de um poder disciplinar nestes sertões, cujo objetivo estava no
ordenamento social, no controle cotidiano dos povos, dos poderes e, sobretudo, na
civilização deste vasto confim do Império português.
31
Fevro 13. Offo a Jeronimo Joze Figueira de Mello sobre a sua irregular conduta. In: Livro 28, p.
149V.
32
FOUCAULT, 2007, p. 66.
33
Ibid., p. 68-69.
63
34
PINHEIRO, 2008; LEITE NETO, João. A participação do trabalho indígena no contexto da
produção algodoeira da capitania do Ceará (1780-1822). Dissertação (Mestrado) – Universidade
Federal de Pernambuco, 1997.
35
COSTA, João Paulo Peixoto. Um celeiro de mão de obra: trabalho indígena e o processo de
civilização no Ceará (1812-1820). In: Cadernos do CEOM. Chapecó: UNOESC, 2010. p. 183-202. v.
32.
36
ADMINISTRAÇÃO Manuel Ignácio de Sampaio, 1916.
64
37
SCHIAVINATTO, Iara Lis. Entre histórias e historiografia: algumas tramas do governo joanino. In:
GRINBERG, Keila. SALLES, Ricardo (Org.). O Brasil imperial: 1808-1831. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2009. p. 61-63. v.1.
65
38
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. p. 11.
39
GOMES, 2006.
40
BOURDIEU, 1998, p. 9-10.
66
41
GOMES, José Eudes Arrais Barroso. Quando o sertão faz a festa, a monarquia se faz presente:
festas e representações monárquicas na capitania do Ceará (1757-1817). In: Cantareira. Niterói:
UFF, v. 13, p. 31, 2008.
42
SCHIAVINATTO, 2009, p. 76.
43
GOMES, 2008, p. 26.
44
Ibid., p. 27.
67
Este discurso de Sampaio, tido pelo autor do relato como uma vã “modéstia”
que procurava fugir dos “excessos lisongeiros, mas nascidos da mais pura affeição”
da população presente,46 mostrava, por outro lado, o verdadeiro direcionamento
deste governo. Em última instância, o real objetivo de todas as ações de sua política
era o constante revigoramento da fidelidade ao rei de Portugal. Não se trata aqui de
saber se tal descrição da festa, que vimos acima, e a tal modéstia de Sampaio eram
verídicas, mas visualizar o caráter civilizatório dessas ações em prol do patriotismo
real que compunham as práticas deste governo, que, como ele próprio disse, não
fazia nada mais do que dar “perfeito cumprimento ás Reaes Ordens de Sua
Magestade”.
Destacamos também a presença do retrato real, cuja importância estava no
fato de ocupar o “lugar do próprio governante”. Nessa “ordem discursiva visual”,
carregada de simbologia,47 a figura de d. João se apresentava como um signo que,
segundo Bakhtin, não era apenas um “reflexo, uma sombra da realidade, mas
também um fragmento material dessa realidade”.48 Nesses eventos, a simbologia
material buscava trazer o próprio rei para o cotidiano dos habitantes daquele sertão.
O risco de que esta presença monárquica não fosse sentida pelos habitantes do
Ceará, em seu cotidiano, era real, e foi representado nesse fato supramencionado,
em que as atenções dadas pela população seguiram, pelo menos inicialmente, um
caminho contrário do pretendido, ao se dirigirem ao governador, e não ao
aniversariante da noite – o rei.
45
UMA FESTA em Fortaleza no tempo do governador Sampaio. In: Revista do Instituto do Ceará, t.
XIV, p. 273, 1900.
46
Id. ibid.
47
SCHIAVINATTO, 2009, p. 76.
48
BAKHTIN, Mikhail (V. N. Volochínov). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas
fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 33.
68
Percebemos por que, para Sampaio, era tão importante festejar tais eventos
da Corte: eles viriam necessariamente para a felicidade dos súditos, originados da
bondade do monarca. E mesmo tendo este casamento acontecido a uma enorme
distância dos sertões do Ceará, a presença de luminárias e dos tiros de canhão
visava aproximar de forma simbólica a Corte real do cotidiano desta periferia
imperial.
No ano seguinte, em 1819, o governador passou novas ordens para outra
comemoração em torno da união do príncipe dom Pedro, dessa vez por conta do
nascimento de sua filha com a princesa austríaca. Considerada por Sampaio como a
consolidação da “prosperidade do Reino Unido”, essa “venturosa noticia” não
poderia “deixar de ser appreciada por todo o fiel Povo da Capitania do Ceará”, e
disse estar certo de que “em toda a Capitania se darão não só aquellas
demonstraçoens de jubilo que são de costume em simelhantes occazioens, mas
todas as mais que estiverem ao alcance dos seus habitantes”. De acordo com o
49
Fevereiro 14. Porta ao Inte Intro da Mara pa q’ os Edificios publicos botem luminarias pela occasião
do Principe Sr. Dom Pedro ter Cazado. In: Livro 28, p. 79V. Arquivo Público do Estado do Ceará
(APEC).
69
50
Junho 4. Porta ao Escrao Deputado da Junta da Real Fasenda sobre o feliz Nascimto de huma
Princesa. In: Livro 28, p. 164V. APEC.
70
aquelles que generosamte tem concorrido para a dita Obra” ao próprio rei.51
Observe-se a Figura 8, a seguir.
Sampaio procurou aproximar, mais uma vez, as ações da população do
Ceará à Corte portuguesa, quando prometeu levar ao conhecimento do monarca as
contribuições da elite para a construção dessa grande obra. Nessa comunicação,
pudemos ver que ter o nome conhecido pelo rei como alguém que participou de tal
ação constituía-se grande honra; nesse simbolismo de devoção ao Império que o
governador pretendia insuflar, ser chamado de patriota – ou alguém cujo patriotismo
se destaca dentre os demais – era um dos mais nobres e significativos elogios.
Nesse universo, era mais valorizado e reconhecido aquele que mais se mostrasse
súdito fiel e leal a Portugal.
51
Septembro 9. Registo de hum Officio ao Cap. m Manoel da Cunha Freire Pedrosa agradecendo-lhe
o Donativo que deo para a Fortalesa. In: Livro 17, p. 143. APEC.
71
Ao final das obras da Fortaleza, em 1817 (Figura 09), foi afixada em seu muro
voltado para o mar, pelo militar Pedro José da Costa Barros, uma grande lápide,
com o seguinte texto em latim, cuja tradução, presente em outra lápide próxima, foi
produzida pelo Museu Histórico do Ceará em 1934:
Figura 10 - Vista aérea da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, com destaque para
o muro em que estão fixadas as lápides. Extraído do sítio on-line do Comando da 10ª
Região Militar:
idealizado por dom João VI, esta instituição seria “a base da prosperidade do
Commercio, e da Nação principio de que ninguem poderá duvidar”. Em circular a
todos os capitães-mores e comandantes de ordenanças da capitania de janeiro de
1813, o governador ordenou a estas autoridades que incitassem à população, que
mostrassem “aos Habitanttes do Brasil que os Povos do Ceará Rivalizão em
Patriotismo com os da Corte do Rio de Janeiro”.53
Vemos nesse exemplo como a questão do desenvolvimento econômico
estava intimamente ligada ao patriotismo daqueles que colaboravam nesse
crescimento. Todos esses aspectos se aliavam a um projeto bem mais amplo, que
era a consolidação do processo civilizatório ideal que precisava ser levado até aos
sertões de uma periferia como a do Ceará. Com a criação do chamado Correio do
Norte do Brasil, essa conexão também era marcante no discurso de Sampaio, que
criou essa ferramenta de transporte de correspondências com o objetivo de
incrementar as relações comerciais da capitania e incentivar os “patriotas” a
54
aceitarem esse novo sistema.
Em ofício endereçado à câmara da vila de Parnaíba, no Piauí, em novembro
de 1815, o governador do Ceará tentava convencê-los da importância de expandir
esta instituição até aquela região, explicando-lhes que “a falta de comunicação era
hua das principaes cauzas do atrasamento destes Certões”. Mas para melhor
persuadi-los, desfez logo no início dessa correspondência a distância que poderia
haver entre ele – um europeu que governava na Colônia – e esta elite local
brasileira:
Mais uma vez nos deparamos com uma nova tentativa de superar as
distâncias geográficas pelas proximidades patrióticas. Acima do lugar físico do
nascimento, o importante para Sampaio era a união de todos os portugueses – que
53
Janeiro 9. Registo de hum Officio Circular dirigido aos Capes Mores e Comd es de Ordas remettendo
to
lhe a Copia da Carta Regia Sobre o estabelecim do Banco do Brasil. In: Livro 16, p. 11V. APEC.
54
Vide capítulo 04 – tópico 4.5, p. 160.
55
Novembro 29. Registo de hum officio dirigido ao Juiz Prezidente, e mais officiaes da Camara da
Villa da Parnaiba em resposta ao seu officio de 25 de Outubro sobre o estabelecimento do Correio e
a creação da Agencia na dita Villa. In: Livro 23, p. 99. APEC.
74
56
Novembro 29. Registo de hum officio dirigido ao Juiz Prezidente, e mais officiaes da Camara da
Villa da Parnaiba em resposta ao seu officio de 25 de Outubro sobre o estabelecimento do Correio e
a creação da Agencia na dita Villa. In: Livro 23, p. 99. APEC.
57
Novembro 26. Offo ao Adminor Geral do Corro de Pernambuco agradecendo-lhe a protecção sobre o
Corro do Ceará. In: Livro 28, p. 70. APEC.
75
forma, colocou-se como um exemplo a ser seguido: um europeu que trabalhava para
o desenvolvimento econômico do Brasil, já que tudo isso era um só Império e uma
só família.
Em outra ocasião, ordenou em comunicação ao tenente da Armada Real que
este procurasse “infundir nos Povos o respeito, fidelidade, e amor que, por tantos, e
tão exorbitantes direitos são devidos a Augusta Pessoa de El Rey Nosso Senhor, e
a toda á Familia e Casa de Bragança”. Explicou-lhe ainda que por não observarem
estes preceitos “sagrados” é que “sofrem actualmente os Povos de Pernambuco”,
sendo este o “triste e horrível fim que sempre no mundo tem tido taes perturbadores
do Socego publico”.58
Outro conflito que acompanhava esses embates em Pernambuco eram os
choques entre europeus e brasileiros, representados pelos insurgentes. Concluindo
que esta separação era uma das causas da revolução e do que seria a “ruína” desse
grupo, podendo fazer estragos ainda maiores no reino, Sampaio fez uma última
recomendação ao tenente da Armada Real, na tentativa de fortalecer a ameaçada
união entre os súditos do Império lusitano:
58
Abril 2. Offo ao 2º Teme d’Armada Real Encarregando-o do Commando dos Presidios daCosta do
Termo da Va do Aracati. In: Livro 37. APEC.
59
Ibid. Grifos nossos.
76
60
BOURDIEU, 1998, p. 113.
61
Ibid., p. 14 e 15.
77
diferenças, mas da própria distância geográfica e legal que separava o lugar que
governava e o poder central do Império, a constituição de um patriotismo imperial
neste Ceará periférico e atrasado era prioritário para os planos de desenvolvimento,
ordenamento e civilização dessa região. Quando unimos as variadas questões que
apresentamos, indo desde as festas para a Corte, passando pelas colaborações
com as obras de reforma da Fortaleza, até o apelo ao apoio necessário com os
projetos de desenvolvimento econômico, concluímos que, para este governo, a
única maneira de que tudo isso se transformasse em um pleno estado de civilização
era fazendo com que todos os habitantes do Império – nascidos na Europa ou no
sertão do Ceará – se sentissem uma só e fiel família portuguesa. Os seus súditos,
porém, deveriam ser irmãos unidos não em prerrogativas, mas na devoção e na
obediência.
62
GARCIA, Elisa Frühauf. As diversas formas de ser índio: políticas indígenas e políticas
indigenistas no extremo sul da América portuguesa. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2009. p. 75.
78
63
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1994. p. 54. v.1.
64
Ibid., p. 64.
79
65
ELIAS, 1994, p. 61-62.
66
Agosto 30. Registo de hum Officio dirigido ao Sarg mor de Monte mor o Velho pa reprehender huns
Indios q’ andão atirando frexas aos Gados. In: Livro 17. APEC.
80
67
Setembro 2. Portaria ao Comd e da Guarnição, sobre o castigo dos dois Indios Pedro Fernandes, e
Antonio Franco Peixoto. In: Livro 33, p. 101. APEC.
68
Junho 22. Registo de hum Officio ao Commd e de S. Cosme estranhando a ter prendido hum
homem individamente. In: Livro 17, p. 65. APEC.
81
69
COSTA, João Paulo Peixoto. Pela boa ordem e sossego da capitania: política de passaportes e a
“caça aos vadios” no Ceará (1812 – 1820). In: Anais do XII Encontro estadual de história do Ceará
(ANPUH). História: políticas públicas e práticas sociais. Crato: Anpuh-CE, 2010. p. 5-6.
70
Dezembro 17. Ordem de soltura a favor de varios individuos, como abaixo se declara. In: Livro 33,
p. 177. APEC.
71
Desembro 1. Registo de hum Officio dirigido ao Capmor do Sobral Ordenando-lhe a prisão de huma
India. In: Livro 16, p. 49. APEC.
72
Janeiro 18. Registo de hum Off o dirigido ao Sargento-mor de Monte mor o Novo Ordenando-lhe
huma prisão. In: Ibid., p. 122V. APEC.
82
73
DIRECTORIO, que se deve observar nas povoações dos indios do Pará, e Maranhão, Em quanto
sua Magestade naõ mandar o contrario. In: BEOZZO, José Oscar. Leis e regimentos das missões:
política indigenista no Brasil. São Paulo: Edições Loyola, 1983, p. 6. Grifo nosso.
74
Junho 14. Officio dirigido ao Director de Mecejana sobre o que ordena o Directorio a resp to da
venda do vinho e outras bebidas nas Villas de Indio. In: Livro 22, p. 30. APEC.
83
não o pai. Entretanto, a continuação deste documento ainda fala mais longamente
de outros assuntos acerca do cotidiano dentro das vilas de índios, especificamente
sobre o uso e a comercialização de bebidas alcoólicas. Sobre a venda de vinho,
Sampaio citou o §54 do Diretório, que, segundo ele, aconselhava aos diretores das
vilas que não consentissem que os índios vendessem “os seus gêneros a trôco de
fasendas que lhes não sejão uteis, e precisamente necessarias pa o seu descente
vestuario, e principalmente a trôco de agoardente e de outras bebidas superfluas ao
seu uso”.75 Na verdade, o parágrafo citado é o §40, que diz o seguinte:
75
Junho 14. Officio dirigido ao Director de Mecejana sobre o que ordena o Directorio a resp to da
venda do vinho e outras bebidas nas Villas de Indio. In: Livro 22, p. 30. APEC.
76
DIRECTORIO, 1983, p. 18.
84
80
GARCIA, 2009, p. 158.
81
Sobre a participação de tropas indígenas do Ceará na Revolução Pernambucana de 1817, vide
capítulo 04 – tópico 4.4, p. 151 – e capítulo 05 – tópico 5.2, p. 195.
82
Agosto 4. Portª ao Inte da Marinha pª q’ se distribua o pano de Algudão pelo Indios q’ forão á
Campanha. In: Livro 28, p. 58. APEC.
86
que vme não tenha descuido algum por que ja a demora que tem
havido me tem desgostado muito.83
83 o mor a
Setembro 24. Off ao Cap de Monte mor o Novo Sobre o Algudão q’ se lhe encomendou p os
Indios q’ marcharão pa as Fronteiras. In: Livro 21, p. 178. APEC.
84
Sobre os “índios correios”, vide capítulo 04 – tópico 4.5, 160.
85
Dezbro 15. Carta ao Administrador Geral do Correio de Pernambuco tendo presente hûa Carta
tendente ao agasalho do Indios Correios. In: Livro 29, p. 13. APEC.
87
86
DIRECTORIO, 1983, p. 7.
87
ELIAS, 1994, p. 64.
88
Na história que queremos construir, o vetor para onde apontava o poder não
era uniforme nem se dirigia em apenas um sentido. A relação que Portugal
sustentava com os povos indígenas de sua Colônia americana não se resumia
somente pelo uso da força e da violência, e nem podia ser assim. A dependência
que a metrópole mantinha em relação à população “incivilizada” era considerável
para os planos que estabeleceu para esta região. A civilização levada ao Ceará não
se configurava somente como justificativa para a dominação, muito menos como
aval para o massacre ou a usurpação. Se por “governo” entendemos o
gerenciamento da relação de um povo com seu território, é possível deduzir que
este se dava de maneira bastante limitada nesta periferia do Império português.
Entre habitantes nativos tidos como extremamente violentos e potentados locais
semi-independentes das autoridades centrais, os índios, maior grupo “étnico” da
capitania e pouco afeitos a receber ordens, eram conhecidos por sua liberdade de
trânsito, também chamada na época de dispersão ou “vadiagem”.
As intenções do governo português com os indígenas não foi simplesmente
forçá-los ao trabalho disciplinado, mas a algo bem mais profundo, aparentemente
subjetivo, porém com foco muito claro. Os grupos tecnicamente desenvolvidos,
pretensos da instalação dos valores civilizados, agiam de maneira praticamente
missionária, no sentido de que era necessário levar esses indivíduos, ainda
bárbaros, a mudar essa identidade, transformá-los em súditos fiéis e produtivos,
mostrar-lhes a glória de pertencer ao mundo civilizado. Por isso, não era concebível
que tal relação se caracterizasse apenas por um confronto, já que, nesse jogo,
índios e governo não estavam necessariamente em lados opostos. Por parte dos
líderes políticos, o grande desafio, ou dilema, era justamente encontrar um equilíbrio
entre o rigor que exigia a disciplina e a “benevolência” de proteger ou premiar
aqueles povos que precisavam de tutela, de serem conduzidos a um estado que
superasse por completo a gentilidade.
89
88
PINHEIRO, 2008. p. 319.
89
GIRÃO, Raimundo. Pequena história do Ceará. Fortaleza: UFC, 1984. p. 121.
90
Septembro 15. Registo de hum Offo dirigido ao Cel. Commde da V.a do Aracati Ordenando-lhe huma
prisão. In: Livro 15, p. 142. APEC.
90
91
De acordo com Michel Foucault, desde pelo menos o século XVIII, governar um Estado significava
“estabelecer a economia em nível geral do Estado, isto é, ter em relação aos habitantes [...] uma
forma de vigilância de controle tão atenta quanto a do pai de uma família”. Para o autor, a partir deste
período, a população passa a aparecer “como um dado, como um campo de intervenção, como o
objeto da técnica de governo”. “Gerir a população significa geri-la em profundidade, minuciosamente,
no detalhe”. Cf. FOUCAULT, Michel. A governamentalidade: curso do Collège de France, 1 de
fevereiro de 1978. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2007, p. 281;
291.
92
Septembro 30. Registo de hum Officio dirigido ao Director dos Indios de Soure sobre varios
Objectos. In: Livro 15, p. 161V. APEC.
91
huma Relação das Indias da sua Direcção que andão dispersos com
a declaração do lugar em q’ tiver noticia que ellas se achão.93
93
Desembro 16. Registo de hum Officio Circular dirigido aos Directores dos Indios desta Cap ia para
passarem mostra a todos os Indios das suas Direcções remetendo Mappas dellas. In: Livro 16, p. 70.
APEC.
94
Sobre trabalho indígena, vide capítulo 04 – tópico 4.2, p. 122.
92
[...] fes muito bem em não mandar castigar com palmatoadas os tres
Indios Pai, filho, e genro que maltratarão outro Indio tambem dessa
Direcção. He pois necessario que VMce remetta para esta Capital
com a devida segurança aquelles aggressores afim de serem aqui
competentemente castigados.95
95
Novembro 16. Registo de hum Officio ao Director de Monte mor o Velho p a remetter huns Indios
presos pa esta Capal. In: Livro 18, p. 6V. APEC.
96
Maio 11. Rego da Portaria ao Intendente enterino da Marinha p a mandar tratar a hum Indio q’ esta
com bexiga. In: Livro 27. APEC.
93
Luz, que se acha doente de bexigas”, e que “no seu curativo e assistência se
guardem as devidas cautelas a fim de que esta molestia se não torne contagioza”. 97
A necessidade da cura física dos índios no Hospital Militar se soma também
ao perigo que a varíola poderia causar ao restante da capitania, transformando-se
em epidemia. Desde o século XVIII, o ambiente hospitalar, especialmente o marítimo
e o militar – como o que recebeu os índios doentes – passou por uma transformação
em que deixou de ser somente uma instituição de assistência, mas também de
separação e exclusão. Adquirindo essas características, o “indivíduo e a população”
passam a ser “dados simultaneamente como objetos de saber e alvos de
intervenção da medicina”. O saber médico que se formou no Ocidente desde os
setecentos era “tanto uma medicina do indivíduo quanto da população”.98 Ou seja, a
atenção curativa, detalhista e minuciosa que se dava ao indivíduo no hospital estava
estritamente conectada com as consequências que isso poderia gerar à população,
como o risco de uma epidemia.
Contudo, a morte ou o dano físico em um índio na sociedade do Ceará
oitocentista estava atrelado também aos prejuízos econômicos e sociais que esta
perda poderia causar: um indígena a menos significava um soldado, um trabalhador,
um fiel católico e um súdito do rei a menos. Foi por esta condição que se explicou o
tratamento prestado ao índio Ignácio Francisco, que foi encaminhado ao Hospital
Real Militar em julho de 1816 por ter sido “gravemente ferido e maltratado pelo
Soldado desta Guarnição Manoel Correia do Espirito Santo”.99
Nesse caso, a pesquisa documental não conseguiu revelar os motivos do
desentendimento, o desfecho da saúde de Ignácio Francisco e o destino ou a pena
posta contra soldado Manoel do Espírito Santo – se realmente alguma pena foi
infringida sobre ele. Mas a impunidade contra quem maltratava os índios não era
regra, sendo prioridade de Sampaio não só o combate aos maus-tratamentos, mas
também a busca e a condenação aos culpados. O caso da morte de um índio em
abril de 1815 foi um exemplo: depois de terem sido presos os acusados Pedro
Marques e Manoel Joaquim de Santa Anna, “que assassinarão tão cruelmente
Fidellis Domingues em Sua propria Casa”, o governador ordenou ao capitão-mor de
97 o a
Maio 28. Reg da Portaria ao Intendente da Marinha p mandar tratar ao Indio Pedro Dias. In: Livro
27, p. 88. APEC.
98
FOUCAULT, Michel. O nascimento do Hospital. In: FOUCAULT, 2007. p. 111.
99
Julho 1. Portaria ao Inte Intro da Marinha pa mandar tratar hum doente pelo Hosp al Rl Militar. In:
Livro 28, p. 10V. APEC.
94
Sobral que fizesse possíveis “diligencias para ser igualmente preso o terceiro Socio
no mesmo assacinio cujo nome eu ignoro”.100
Mesmo fazendo parte de um estrato inferior desta sociedade colonial, o
assassinato de um índio – e em sua própria residência – não passava despercebido
pelo governo nem era considerado um evento irrelevante. Além de ser uma atitude
hedionda, que negava completamente os planos civilizatórios de Portugal, a perda
de um índio representava um grave prejuízo, fato já citado anteriormente. Esta
dependência que o governo imperial tinha dos índios – bem como de sua perfeita
saúde e condições para trabalhar e fazer parte do reino enquanto um súdito
civilizado – gerava uma ligação que refletia diretamente no posicionamento das
autoridades frente esta população.
Por meio da análise da conflitante relação entre nobreza e burguesia das
sociedades absolutistas europeias, Norbert Elias concluiu que, por conta do “alto
grau de interdependência e tensão” entre esses dois setores, o refinamento dos
costumes aristocratas tendeu a aumentar. Para o autor, a constante pressão vinda
dos estratos mais baixos – os burgueses – foi uma das “mais fortes forças
propulsoras [...] do refinamento especificamente civilizado que distinguiu os
membros dessa classe superior das outras”. Ou seja, o objetivo último dessa
intensificação e aprimoramento de hábitos corteses era “exatamente distinguir-se,
conservar-se como uma formação social à parte, um contrapeso à burguesia”.101
Porém, a verdadeira e clara intenção do Império português com os índios na
América, presente no Diretório dos Índios, não era estabelecer uma separação entre
eles: ao contrário, o que se queria de fato era a total integração dos indígenas na
sociedade ocidental. Por isso, essa necessidade de inserção destes povos – através
da civilização de seu cotidiano e da consequente extinção das diferenças entre
índios e brancos – somada à dependência econômica que a metrópole lhes tinha,
provocava o combate à repressão e à violência contra os índios por parte dos
poderes locais ou de outros grupos que habitavam os sertões do Ceará. Para o
governo – representando o rei português – era preciso colocar-se diante dos
indígenas como uma entidade protetora e benevolente, mesmo com todo o rigor. Só
100
Abril 29. Offo ao Capmor do Sobral accusando hum Offo e pa prender o q’ acompanhou a matar o
Indio Fidelis. In: Livro 20, p. 9V. APEC.
101
ELIAS, 1993. p. 250 e 251. v. 2.
95
102
ELIAS, 1993, p. 259.
96
esta mesma apropriação não era praticada apenas por “alguns membros” da
Colônia, mas por todos os setores sociais atingidos e geridos pelo Império
português. Por fim, o “processo civilizador” levado para as colônias americanas não
era direcionado somente para sua elite ou para os setores em “ascensão” social; e
estes não eram da mesma forma os únicos a conhecer os elementos desse universo
nem a usá-lo em benefício próprio. Mesmo constituindo estratos inferiores nesse
mundo, os índios também eram atingidos por essa “civilização”, tinham consciência
de suas contradições e dependências e sabiam se utilizar dela, a pesar do pouco
espaço que dispunham.
Os índios, cientes dessa condição, aprenderam a transitar nesse universo
aparentemente contraditório – mas repleto de intenções – e souberam usar os
trâmites legais para realizar seus próprios interesses – que nem sempre se
contradiziam com os do governo – e se protegerem de agressões e injustiças que
eram cometidas contra eles. Ainda no primeiro ano de seu mandato, no mês de abril
de 1812, Sampaio ordenou ao comandante de Santa Cruz de Uruburetama (atual
Itapajé) para que tomasse providências a favor do índio Alexandre Lourenço, que,
por meio de um requerimento, reclamou da dívida que Jose Bernardo Uchoa tinha
com ele.103 No mês seguinte, o problema parece não ter sido resolvido, e, diante
dessa situação, o governador foi rigoroso com o devedor, ao ordenar que este fosse
notificado para comparecer à presença do mesmo comandante. Caso não
obedecesse, Jose Bernardo deveria ser preso “no tronco por espasso de 8 dias
findos os quaes o deverá Soltar huma ves que elle tenha Satisfeito o que deve ao
Indio Alexe Lourenço”.104
Dois elementos desse episódio nos chamaram a atenção: primeiramente, a
atitude do índio em produzir um requerimento encaminhado às autoridades,
reclamando dos danos que lhes causavam, foi uma mostra de como essa
população, mesmo sendo dominada pelos ocidentais, sabia utilizar os elementos
deste universo colonial105. A dominação buscava constantemente um equilíbrio
justamente pelo fato de que os índios não eram pacificamente submetidos, e mesmo
fazendo parte de uma conjuntura onde não poderiam ir abertamente de encontro,
103 m o e a
Outubro 8. Registo de hum Officio dirigido ao Cap Franc de Salles Gomes Comd de St Cruz da
Uruburetama Sobre Varios Objectos. In: Livro 15, p. 172. APEC.
104
Novembro 13. Reggisto de hum Officio dirigido ao Comd e de Sta Cruz Franco de Salles Gomes
Sobre Varios Objectos. In: Livro 16, p. 32. APEC.
105
Para uma análise sobre requerimentos indígenas, vide capítulo 05 – tópico 5.4, p. 230.
97
106
Maio 30. Officio director de Monte-mor o Velho pª não dar mais Indio algum a Antº da Silveira pelo
mal tratamto que lhes dá; Maio 30. Officio Circular aos Directores de Arronches, Soure e Mecejana
Sobre o mmo Objecto do Officio Supra. In: Livro 20, p. 164 e 164V. APEC. Grifo nosso.
98
107
Fevereiro 23. Offo ao Sargmor Ferra accusando huns Offos e Ordenando huma Soltura. In: Livro 38,
p. 49. APEC.
99
108
DIRECTORIO, 1983. p. 28-29.
109
Ibid., p. 3.
110
PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação
indigenista do período colonial (século XVI a XVIII). In: CUNHA, Maria Manuela Ligeti Carneiro da.
História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 122.
111
DIRECTORIO, 1983, p. 29.
100
3.5 Os usos da fé
[...] os Indos com o trabalho
das suas pessoas estão com grande
animo de trabalharem na Igreja [...].
Índio Pedro G. da Costa e Vasconcelos (1814).
112
GARCIA, 2009, p. 131.
101
No seu último parágrafo, observamos que uns dos principais fins listados
desta prática político-legislativa eram a “dilataçaõ da Fé; a extincçaõ do Gentilismo”
e a “propagação do Evangelho”, juntamente com a “civilidade dos Indios”, 113
estavam, portanto, associadas. Ou seja, apesar de os religiosos (especialmente os
jesuítas) terem perdido bastante força e poder na Colônia, esta classe e suas
freguesias espalhadas pelas vilas de índios ainda exerciam um papel significativo
naquela composição social, já que era fundamental que os nativos abraçassem a fé
cristã para que se tornassem súditos plenos.
Com a virada para o século XIX, especialmente durante o governo de Manuel
Ignácio de Sampaio (1812-1820), o Ceará continuou a aplicar o Diretório como
legislação indigenista em seu território, mesmo já tendo sido abolido na instância
imperial. Por terem diante de si uma capitania bastante periférica dentro do Império
português, e por sua população composta majoritariamente por índios, os
governantes do século XIX viam nestes últimos uma força de trabalho essencial para
o desenvolvimento da economia cearense. Para que isso fosse possível, era preciso
civilizar adequadamente este povo ainda “bárbaro”, e as leis pombalinas eram arma
poderosa nesta empreitada.
Mas a plena inserção dos índios neste mundo ocidental ideal ainda estava
longe de acontecer no início dos oitocentos. Neste período, mesmo depois de todo o
processo que trabalhava no apagamento de seus traços culturais tradicionais e em
sua inserção num mundo civilizado e disciplinado, muitos índios no Ceará ainda
guardavam diversas práticas que remetiam a seu modo de vida ancestral, indo
desde os deslocamentos geográficos, ou à falta de apego a atividades
economicamente produtivas, até a manutenção de suas línguas antigas, mesmo que
de forma restrita.
Em relação à religiosidade, percebemos esta mesma restrição, não nos tendo
sido possível observar na documentação analisada muitas informações a respeito de
ritos e celebrações originais dos indígenas que fugissem dos preceitos católicos e
obrigatórios do período. Temos até o momento poucas informações neste sentido: ‒
uma delas é do relato do viajante inglês Henry Koster. De passagem pelas vilas de
índio, fez algumas observações sobre as práticas religiosas dos nativos:
113
DIRECTORIO, 1983, p. 38.
102
O novo panorama político e social no qual [os índios] iam aos poucos
se inserindo obrigava-os a uma apropriação dos códigos e do modus
vivendi do mundo cristão e europeu. Formas tradicionais alimentadas
por suas cosmologias entravam em embate com o novo universo
simbólico e político que deveriam adotar. Esse embate de
significados [...] foi [...] o motor que possibilitou a constituição desses
índios cristãos.115
114
KOSTER, 2003, p. 176.
115
CARVALHO JÚNIOR, Almir Diniz de. Índios cristãos: a conversão dos gentios na Amazônia
portuguesa (1653-1769). Tese (Doutorado) ‒ UNICAMP, 2005, p. 55.
116
COSTA, João Paulo Peixoto. O governo Sampaio e os índios no Ceará: políticas de controle e
civilização (1812 – 1820). In: Anais do II Simpósio de história / I Semana de história da UESPI
(Campus Clóvis Moura): história, memória e cultura popular. Teresina: Universidade Estadual do
Piauí, 2010. p. 4.
103
[imputação] dizem lhe fizerão de feitiçarias que praticavam”.117 Mesmo sem saber
dos detalhes acerca dessa prisão, ou mesmo das feitiçarias, vemos que era por
conta dessa realidade que “a política indigenista também estava voltada [...] contra
aqueles que continuassem a exercer os antigos rituais”.118 Todos esses elementos
nos ajudam a concluir que os povos indígenas naquele Ceará que se pretendia
civilizar estavam longe de viver de acordo com o que era prescrito pelo governo
português.
Partindo especificamente para análise do período de Sampaio, tema de nosso
estudo, observamos que mesmo não tendo o mesmo poder de outrora, a presença
da Igreja no cotidiano dos índios era extremamente importante para este
governante. Baseado nos parágrafos do Diretório, observamos que o bom contato
do catolicismo com os nativos era entendido pelo governo como fundamental para o
pleno processo de sua civilização. Dessa forma, é nossa intenção analisar a
importância da Igreja e da religiosidade católica dentro da política indigenista do
governo de Manuel Ignácio de Sampaio no Ceará, e de que maneira eram
encarados e utilizados como ferramentas que agiam em prol da civilização e
transformação dos índios em súditos cristãos e fiéis ao rei. Aliado a isso,
entendemos que “no processo de controle e representação que o poder forjou” no
período colonial, “sempre houve lugar para as apropriações”,119 já que aqueles
índios cristãos também enxergavam o cristianismo como um lugar a ser ocupado e
utilizado em prol de seus interesses. Logo, também é nosso objetivo caracterizar a
ação dos indígenas enquanto inseridos e, consequentemente, atuantes nesse
universo.
117
Maio 8. Registo de hum Officio dirigido ao Capitão Jose Agostinho Pinheiro. In: Livro 95, p. 25.
118
COSTA, 2010, p. 4.
119
CARVALHO JUNIOR, 2005, p. 12.
104
120
DIRECTORIO, 1983, p. 7.
121
GARCIA, 2009, p. 33.
122
Outubro 1. Officio ao Diror de Baepina accusando huns officios, e Outros objectos. In: Livro 21, p.
40V.
105
[...] de toda e qualquer novidade que haja a este respeito pois que
aos Vigarios dos Indios toca unicamente por anno 320r s por Cada
Casal de Indios, incluindo-se nestes trezentos e vinte rs, todas as
Conhecencas mortuarios, baptizados, e casamentos sem que possão
exigir dos mesmos Indios mais Coiza alguma.123
123
Agosto 18. Officio ao Director de Mecejana sobre os excessos do Vigario com os Indios. In: Livro
21, p. 173.
124
Julho 28. Officio dirigido aos Govres do Bispado para providenciarem sobre os procedimentos do
Vigario de Arronches. In: Livro 30, p. 90.
125
Este ofício do diretor de Arronches não se encontra registrado no livro por nós analisado.
106
126
Agosto 13. Officio dirigido aos Governadores do Bispado em ampliação de outro dirigido aos
mesmos Governadores em 28 de Julho, e que está regdo ap. 90 deste mmo livro. In: Livro 30, p. 93.
127
Desembro 4. Officio dirigido ao Vigario Capitular do Bispado accusando-lhe a recepção de officios.
In: Ibid., p. 107V.
107
também eram punidos os colonos detratores.128 Isso nos mostra que o poder
imperial português, com a presença inseparável da fé cristã – mesmo no período da
laicização dos espaços indígenas – não era – e não podia ser – baseado somente
na repressão sobre os nativos. Um poder somente repressivo jamais seria
obedecido,129 e na sua intenção de ser aceito e abraçado pelos índios, muitas
autoridades buscaram criar ambientes que juntavam um rigor vigilante com defesa e
bons tratamentos, como foi o caso de Sampaio.
A fé católica, fazendo parte de todo o plano civilizatório criado por Pombal,
tinha um papel fundamental na transformação que se pretendia para aqueles índios.
E, se ainda estivessem ligados aos ritos antigos, como o culto ao maracá citado por
Koster, e outras manifestações consideradas pagãs, seria impossível a formação de
súditos ideais para a Coroa portuguesa. Por essa razão, precisava que se
mantivesse uma boa relação entre os vigários e os índios, para que eles próprios
quisessem participar daquele universo, afastando-se de vez de suas tradições
bárbaras.
Em fevereiro de 1820, já após o término do mandato de Sampaio, o então
governo interino do Ceará escreveu a um visitador, enviado pelo bispado para a
capitania, dando mais um detalhe sobre este problema, envolvendo o antigo vigário
de Arronches. Revelou seu nome: padre Amaro Joaquim Pereira de Moraes e
Castro, chamando-o de criminoso.130
128
GARCIA, 2009, p. 82; 89.
129
FOUCAULT, 2007, p. 8.
130
Fevereiro 12. Offo ao Vistad. desta Capnia Antº Gomes Coelho sobre as 4 Freg as de Indios de
Monte mor o Velho Mecejana Arronches, e Soure e participando-lhe as Ordens mas sobre os mmos. In:
Livro 30, p. 110V.
131
GARCIA, 2009, p. 132.
108
132
Ofício de 25/11/1814. In: Livro 93, n.p.
109
133
Requerimento anexo ao ofício de 25/11/1814. In: Livro 93, [s.p].
110
lado, se faziam isso, suas ações “não significavam, no entanto, uma total submissão
às regras de domínio dos brancos”,134 e a própria produção do requerimento de
Baepina, contendo todos aqueles elementos analisados acima, são uma prova da
posição atuante e mobilizada para conseguirem melhorias para suas comunidades.
Somente sendo um súdito fiel e cristão é que se poderia conseguir vantagens e
benefícios.
A ação dos índios da Vila Viçosa feita no mês anterior à produção do
documento de Baepina, em outubro de 1814, foi um exemplo de quão engajados e
conhecedores do mundo dos brancos eram os indígenas coloniais. Por conhecerem
tão bem os trâmites legais para poderem lutar por melhores condições em sua vila,
esses índios produziram um extenso requerimento – bem maior que o de Baepina –
em que relataram às péssimas condições em que viviam sob o governo das
autoridades, e pediram, entre outras coisas, providências neste sentido. Dirigindo-se
diretamente ao rei, os indígenas detalharam as atitudes truculentas de todos os
diretores que os governaram desde a elevação da aldeia – chamada Ibiapaba – a
vila.135
Dentre todo o farto conteúdo, para este tema em especial nos chamou a
atenção o que disseram os índios acerca do quinto diretor que os comandou:
Bonifácio Manoel Antônio Lelou, vigário daquela vila. De acordo com o documento,
os indígenas receberam o novo líder “logo no primeiro dia da intrega da Directoria”
com “grande alegria”, pois acreditavam que assim haveria “sossego aos Indios”, já
que ele, por ser um representante da Igreja, não iria “contrariar as ordens de sua
Magestade como fiserão os seus Antecessores”. Porém, segundo os nativos,
“somente dois annos viveram com sussego”, e logo os maus tratos do novo diretor
vieram à tona:
134
CARVALHO JUNIOR, 2005, p. 186.
135
Retomaremos a análise deste requerimento no capítulo 5 – tópico 5.4, p. 230.
111
136
Requerimento anexo ao ofício de 20/10/1814. In: Livro 93.
137
MENEZES, Luiz Barba Alardo de. “Memória sobre a capitania independente do Ceará grande
escripta em 18 de abril de 1814 pelo governador da mesma, Luiz Barba Alardo de Menezes.” Edição
fac-similar de separata da Revista do Instituto do Ceará. In: Documentação Primordial sobre a
capitania autônoma do Ceará. Coleção Biblioteca Básica Cearense. Fortaleza: Fundação Waldemar
Alcântara, 1997, p. 51.
112
138
DIRECTORIO, 1983, p. 38.
139
CARVALHO JUNIOR, 2005, p. 189.
113
1
HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural.
São Paulo: Loyola, 1998. p. 227.
2
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 143.
114
3
GOMES, José Eudes Arrais Barroso. Um escandaloso theatro de horrores: a capitania do Ceará
sob o espectro da violência (século XVIII). Monografia (Bacharelado) ‒ Universidade Federal do
Ceará, 2006, p. 105.
4
PINHEIRO, Francisco José. Notas sobre a formação social do Ceará: 1680-1820. Fortaleza:
Fundação Ana Lima, 2008. p. 310 e 311.
5
SOUZA, Marcelo José Lopes de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento.
In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo Cesar da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato. Geografia:
conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 78.
6
HARVEY, 1998, p. 228.
115
Pelo Mapa incluso que junto vai por Copia dirigido pelo Secretario
deste Governo conhecerá VMce a Polícia dos Passaportes que de
hoje em diante se deve por em pratica em toda esta Capitania do
Ceará afim de se diminuir o numero dos vadios, e Vagabundos que
sem se empregarem em coisa alguma se sustentão unicamente de
faserem furtos já neste já naquelle lugar illudindo por esta forma os
procedimentos das Justiças e a vigilancia dos mesmos
Commandantes de Districtos.
O dito mappa fará Vmce ver as pessoas a quem vmce pode
legitimammente passar Passaporte assim como tambem aquellas
que as podem obter dos Commandantes de Districtos.
Pelo mesmo mappa conhecerá tambem que devem ser presos á
minha Ordem e conduzidos á Cadeia dessa Villa todos aquelles que
forem encontrados em qualquer estrada ou Vereda sem o
competente Passaporte da forma que declara o mappa o que tudo
7
GOMES, 2006, p. 122.
116
8
Fevereiro 23. Registo de hum Officio Circular dirigido aos Capes Mores e Commd es de Ordas
remettendo o modello pa que devem passar Passaportes. In: Livro 16, p. 155.
9
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. p. 116.
10
Ibid., p. 14.
117
Dessa forma, vimos que o objetivo principal dessa dita “polícia” foi combater a
“vadiagem” que havia na região, e muitos foram os documentos que trataram acerca
dessas “caças” a “vadios” ou pessoas “dispersas” (que se encontravam fora de suas
vilas e sem passaporte), especialmente nos primeiros anos desse governo –
inclusive antes da institucionalização da “política de passaportes”. Em 17 de
novembro de 1812, por exemplo, duas ordens foram expedidas nesse sentido: uma,
ao diretor de Soure, mandava-o buscar os índios Filipe Tavares e Miguel Barbosa
que se achavam dispersos em Fortaleza;13 a outra, ao comandante de Cascavel,
ordenava-lhe que prendesse os índios dispersos naquele distrito, e lhe recomendava
que “aquelles que por zello não quiserem declarar a Villa d’onde são naturaes vmce
os remetterá presos a ma presença”.14 No mês seguinte, foi passado ofício ao diretor
de Mecejana, para que mandasse “a esta Capital huã escolta buscar varias Indias e
Indios da sua Direcção que andavão dispersos e que aqui se achão Recrutados”. 15
Já em julho de 1814, o governador ordenava ao comandante do Siupé que
prendesse os índios naturais de Arronches “João Ferreira, Jose Leandro, e
Francisco Roiz que se achão sem passaporte nesse seu Districto, ou no do
11
Fevereiro 23. Registo de hum Officio Circular dirigido aos Cap es Mores e Commd es de Ordas
remettendo o modello pa que devem passar Passaportes. In: Livro 16, p. 157-157V.
12
Fevereiro 25. Rego do Officio circular aos Coroneis, e comdês dos regimtos respetivel a Passaportes.
In. Livro 34, p. 24V.
13
Novembro 17. Portaria ao Diretor de Soure pa mandar buscar huns Indios de sua Villa que se achão
presos. In: Livro 16, p. 37V.
14
Novembro 17. Registo de hum Officio dirigido ao Commd e do Cascavel Ordenando-lhe huãs
prisões de Indios dispersos. In: Id. ibid.
15
Desembro 12. Registo de hum Officio dirigido ao Dir or de Mecejana dando-lhe Ordens sobre huns
Indios da sua Direcção. In: Ibid., p. 67V.
118
pela “manutenção da boa Ordem e do Socego publico”, obrigasse “os Povos a que
fação Rossados e plantaçoes”, com pena de prisão para aqueles que “continuarem a
ser vadios”.21
Porém, as práticas estatais não se resumiam apenas ao seu caráter
repressor, e, dependendo de cada situação, o governo poderia agir com
flexibilidade. Em novembro de 1816, por exemplo, por meio de um requerimento do
índio Francisco Alvez Pereira, foi-lhe concedido que se desmembrasse das
ordenanças de Mecejana e passasse para a de Aquiraz, pois de acordo com
Sampaio, se empregava “assíduo, e constantemente na agricultura”.22
Além do âmbito econômico, havia também um caráter civilizatório nessa
política de controle, voltada para uma transformação nos costumes ainda “bárbaros”
daquele povo. Desse modo, agregar mão de obra e bons modos foi tarefa difícil de
ser executada, contudo, também foi alvo perseguido por Sampaio. Para materializar
tal objetivo, foi necessário conter a dispersão populacional, dado que a evasão
dessas populações acarretaria no afrouxamento das leis e colocaria em questão o
foco de ação frente aos povos indígenas. E na opinião do próprio governador, “quasi
todos os açasinios que sucedem na Capitania são perpetrados por Indios que andão
dispersos ou por motivos de Indias disperssas que pela maior parte são
prostitutas”.23 Ou seja, a dispersão contribuiria para que tais atos ocorressem.
Outro motivo de preocupação de Sampaio com a dispersão populacional era
a formação de “bandos” particulares nas propriedades, algo bastante corriqueiro ao
longo da história do Ceará. A reclamação contra o acobertamento de homens
considerados criminosos nas grandes fazendas pelos homens ricos do sertão
tornou-se frequente no discurso dos administradores coloniais.24 Desde o século
XVIII, era comum “a formação de milícias particulares para defender os interesses
privados dos proprietários nos embates com seus desafetos”,25 constituindo-se tal
“proteção dada aos ‘vadios’” como o “crime mais grave cometido pelos
proprietários”.26 Muitas foram as prisões que, no sentido coibir tais tendências, foram
21
Septembro 23. Registo de hum Officio dirigido ao Cap mor da Va do Aracati sobre Commd es de
Districto. In: Livro 15, p. 153.
22
Fevereiro 9. Officio ao Dir.or de Mecejana pa fazer passagem de hum Indio pa as Ordas brancas do
Aquiraz. In: Livro 20, p. 138V.
23
Outubro 9. Registro de hum Officio dirigido ao Coronel Comandte do Aracati Pedro Joze da Costa
sobre varios Objectos. In: Livro 15, p. 179.
24
GOMES, 2006, p. 49.
25
PINHEIRO, 2008, p. 250.
26
Ibid., p. 258.
120
32
BECKER, Howard Saul. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2008. p. 168.
33
SOUZA, 1995, p. 86.
34
Julho 9. Officio dirigido ao Coronel do Regimento d’homens pardos da V a do Icó, ordenando-lhe
que escute a ordem de 20 de Março, e que deve evitar o sistema que ategora tinha, q’ era de quase
o
nunca cumprir as ordens do Gov . In: Livro 33, p. 73V.
35
PINHEIRO, 2008, p. 319.
36
BECKER, 2008, p. 153.
37
FOUCAULT, 2007, p. 7.
38
Ibid., p. 291.
122
39
PINHEIRO, 2008.
123
40
CUNHA, Maria Manuela Ligeti Carneiro da. Política indigenista no século XIX. In: ______ (Org.).
História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 133.
124
atributos étnicos, enquanto indígena, para ser generalizada como ‘livre’ [...] e
passível de ser aproveitada em termos econômicos”.41
A análise da documentação revela que havia constante necessidade do
trabalho dos índios em diversos setores para o funcionamento da Capitania.
Exemplo disso está em um ofício remetido aos diretores de Mecejana e Soure em
1816, no qual o governador ordenou que colocassem os nativos nas plantações e
que vendessem suas colheitas em Fortaleza, por conta de possíveis alterações
climáticas que viriam e das que já se sentiam:
41
VALLE, Carlos Guilherme Octaviano do. Aldeamentos indígenas no Ceará do século XIX: revendo
argumentos históricos sobre desaparecimento étnico. In: PALITOT, Estevão Martins (Org.). Na mata
do sabiá: contribuições sobre a presença indígena no Ceará. Fortaleza: Secult / Museu do Ceará /
Imopec, 2009, p. 112.
42
Julho 5. Offo aos Directores de Mecejana e Soure para Obrigarem os Indios a plantarem Mandioca
vista a grande falta que se tem sentido. In: Livro 21.
43
PAULET, Antonio Jozé da Silva. Descrição Geográfica Abreviada da Capitania do Ceará. In:
Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza: ano 12, p. 5-33, 1898, p. 16-18.
44
RODRIGUES, Denise Simões. A Servidão pelo Trabalho: “Pacificando” Rebeldes na Amazônia do
séc. XIX. In: BARREIRA, César (Org.). Poder e disciplina: Diálogos com Hannah Arendt e Michel
Foucault. Fortaleza: UFC, 2000, p. 150.
125
45
RODRIGUES, 2000, p. 159.
46
Ibid., p. 156.
47
PINHEIRO, 2008, p. 200.
48
LEITE NETO, Índios e terras: Ceará: 1850-1880. Tese (Doutorado) ‒ Universidade Federal de
Pernambuco, 2006, p. 106.
49
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São
Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 32.
126
Constame que por todo termo desta villa se achão dispersos hum
grande numero de Indios aldeados que pela maior parte são vadios,
se sustentão do trabalho dos outros e se occupão unicamente em
fazer desordens de todos os generos contra o que determina o
Diretorio e todas as Ordens Regias. [...] Ordeno a vm ce que passe as
ordens necessarias a todos os Comandes de Distrito seus
subordinados para q’ sem excepção de pessoa prendão, e remettão
á Cadeia desta villa todos os Indios e Indias que se acham nos seus
respectivos Distritos sem o Competente Passaporte [...].51
50
PINHEIRO, 2008, p. 319.
51
Fevereiro 5. Registro de hum Officio dirigido ao Cap.mor desta Villa pa Relutar todos os Indios
dispersos e sem Passaporte. In: Livro 16, p. 136V.
52
PINHEIRO, 2008, p. 322.
127
53
SILVA, Isabelle Braz Peixoto da. Vilas de índios no Ceará Grande: dinâmicas locais sob o
Diretório Pombalino. Campinas: Pontes, 2005, p. 82-83.
54
Junho 22. Registro de hum Officio dirigido ao Sarg to mor de Monte mor Novo sobre os Commd es de
Districto. Livro 15.
128
era, além do que já foi dito, combater os abusos, inclusive sobre a questão dos
pagamentos. De acordo com Koster, o antigo governador Barba Alardo de Menezes
construíra a “parte central do palácio [sede do governo da capitania], empregando
trabalhadores indígenas aos quais pagava a metade do preço habitual do serviço”.60
Ou seja, o costume de se utilizar o trabalho dos nativos era antigo e crucial na
região, mas nem sempre seguindo à risca as orientações de remunerações justas do
Diretório.
Os índios também podiam ser movidos para vender alguns produtos
excedentes de seus trabalhos em Fortaleza, sejam agrícolas – como já foi exposto
anteriormente – ou vindos do extrativismo – como frutos do mar – atividade
registrada em circular dirigida aos Diretores de Soure, Arronches e Mecejana nos
anos de 1815 e 1816:
[...] passe as Ordens necessarias para que todos os dias venhão seis
Indios da sua direção vender ao mercado publico desta Capital,
Caranguejos, Cadelinhas, Oustras ou outro qlquer marisco devendo
logo que chegarem apresentarem-se ao Almotace.61
60
KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro; São Paulo; Fortaleza: ABC,
2003, p. 175.
61
Fevereiro 13. Portaria aos Directores das 3 Vas de Indios pa obrigarem os Indios a virem á Praça
Vender Marisco. In: Livro 19, p. 178. De Igual conteúdo in: Março 21. Circular aos Directores de
te
Arronches, Soure e Mecejana pª mandarem 6 Indios diariam com mariscos a vender na feira. In:
Livro 20.
62
PINHEIRO, 2008, p. 201.
63
LEITE NETO, 2006, p. 105.
64
Ibid., p. 101.
130
65
Abril 27. Registo de hum Offo dirigido ao Sargto Mor das Ordenanças desta Va Antonio Je Moreira.
In: Livro 95, p. 18V.
66
Abril 27. Registo de hum Officio ao Commde e do Districto do Cascavel o Capm Anastacio Lopes
Ferra do Valle. In: Ibid., p. 19.
67
Agosto 16. Registo da Portaria ao Dir or de Va Viçosa pa das todos os Indios q’ o Cor el Simplicio
pedir. In: Livro 17, p. 129.
131
68 mor
Março 20. Registro de hum Officio dirigido ao Cap das Ordenanças desta Villa para responder o
Recrutamto d’aquelles Indios q’ tiverem rossados. In: Livro 17.
69
PAULET, 1898, p. 6.
70
CUNHA, 1998; LEITE NETO, 2006; VALE, 2009.
71
RODRIGUES, 2000, p. 159.
132
Iniciamos este item contando uma pequena história que, para alguns, pode
parecer bastante inusitada. Aconteceu que, em 1812, a índia Ana Francisca, natural
de Soure, fugiu da casa de uma proprietária onde estava trabalhando de aluguel.
Para sua infelicidade, foi presa no dia 21 de maio do mesmo ano acusada de estar
“vagando escandalozamte”72 e, na mesma data, mandada à sala do governador do
Ceará e autor da ordem de prisão, Manuel Ignácio de Sampaio.73 Quatro dias
depois, o então diretor dos índios de Soure, José Agostinho Pinheiro, recebeu
ordens para que “castigue a India Anna Francisca como julgar que ella merece”.74
Tal caso não seria diferente de nenhuma das várias outras fugas e prisões de índios
que aconteceram no período se não fosse por um detalhe: a pessoa que executou a
dita prisão foi o cabo André Gomes, também índio.
Com esse relato típico e ao mesmo tempo surpreendente, diversas questões
podem emergir acerca da complexa condição indígena da época. Este período foi
marcado por diversas mudanças que tiveram objetivo de potencializar a civilização
da Capitania, que, durante praticamente todo o período colonial, foi vista um dos
confins mais inacessíveis e mal estruturados do Império português,75 considerada
por alguns um verdadeiro teatro de horrores.76 Em relação à política populacional, o
caráter disciplinar estava presente em diversas ações executadas pelas autoridades
72
Maio 21. Registro de hum Officio dirigido ao Director dos Indios da Villa de Soure Je. Agostinho
Pinheiro. In: Livro 15, p. 25.
73
Maio 21. Portaria a Francisco Xer. Torres Commd e da Guarnição desta Va. pa. mandar soltar a India
Anna Francisca. In: Livro 33, p. 04V.
74
Maio 25. Registro de hum Officio dirigido ao Director dos Indios de Soure Joze Agostinho Pinheiro
sobre huã prizão. In: Livro 15, p. 34.
75
ELIAS, Juliana Lopes. Militarização indígena na Capitania de Pernambuco no século XVII: caso
Camarão. Tese (Doutorado) ‒ Universidade Federal de Pernambuco, 2005.
76
GOMES, 2006, p. 1.
133
77
FEIJÓ, João da Silva. Memória escrita sobre a Capitania do Ceará. In: Revista do Instituto do
Ceará. Fortaleza: ano 3, p. 3; 22-27, 1889.
78
PINHEIRO, 2008.
79
GOMES, 2006, p. 120.
80
SILVA, Kalina Vanderlei. O miserável soldo & a boa ordem da sociedade colonial: militarização
e marginalidade na Capitania de Pernambuco dos século XVII e XVIII. Recife: Fundação de Cultura
do Recife, 2001.
81
GOMES, 2006, p. 121-122.
82
GOMES, José Eudes Arrais Barroso. As milícias d’El Rey: tropas militares e poder no Ceará
setecentista. Dissertação de mestrado, Universidade Federal Fluminense, 2009. p. 92-93.
134
algo que para os índios da capitania tinha um papel especial. Conforme mostram os
trabalhos de Gomes83 e Pinheiro,84 desde a criação do Diretório dos Índios, a força
de trabalho indígena vinha sendo usada prioritariamente por diversos fatores, mas
ao longo de todo o período colonial, o choque entre tal demanda de mão de obra e a
insubordinação por parte dos índios era constante. Dessa forma, a inserção de um
modo de vida disciplinado e militarizado dentro do cotidiano indígena visava mudar
essa realidade.
A partir daí é que podemos compreender a política indigenista da época e a
prática do recrutamento militar indígena. Apesar do evidente caráter violento dos
alistamentos que ocorriam no período, em diversas partes do Brasil, como nos
mostra o trabalho de Vânia Moreira sobre esta realidade no Espírito Santo,85 e da
extrema pobreza em que viviam as tropas nas periferias do Império português,86 a
questão dos “bons-tratos”, como abordou Beatriz Perrone-Moisés,87 e como era
prescrita nas legislações indigenistas da época, estava também presente nas
práticas dirigidas aos índios, inclusive dentro da esfera militar. Na verdade, segundo
o trabalho de Lígio Maia,88 a condolência no tratamento com os nativos já era prática
obrigatória desde os tempos dos aldeamentos jesuítas, e, neste novo contexto dos
oitocentos, tal preceito continua com o Diretório.
Acrescente-se a isto que, no contexto cearense, por mais que houvesse um
caráter repressor, as práticas políticas da época visavam não somente controlar os
índios, mas também fazer com que estes quisessem fazer parte do corpo de súditos
da Coroa portuguesa. Logo, a análise da documentação nos fez perceber que as
práticas governamentais relativas à militarização indígena, assim como o cotidiano
dos índios, também não eram homogêneas. O que de fato era proposto, e se
tentava executar, era fazer com que os índios, através da disciplina, deixassem seus
antigos hábitos e se tornassem súditos fiéis e civilizados, como previa o Diretório.
83
GOMES, 2009, p. 159-160.
84
PINHEIRO, 2008, p. 200.
85
MOREIRA, Vânia Maria Lousada. Guerra e paz no Espírito Santo: caboclismo, vadiagem e
recrutamento militar das populações indígenas provinciais (1822 – 1875). In: XXIII Simpósio
Nacional de História. Simpósio: Guerras e Alianças na História dos Índios: Perspectivas
Interdisciplinares. 2005.
86
SILVA, 2001.
87
PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista
do período colonial (século XVI a XVIII). In: CUNHA, Maria Manuela Ligeti Carneiro da. História dos
índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
88
MAIA, Lígio José de Oliveira. Cultores da vinha sagrada: missão e tradução nas Serras de
Ibiapaba (século XVII). Dissertação (Mestrado) ‒ Universidade Federal do Ceará, 2005, p. 60-61.
135
4.3.1 Conjuntura militar portuguesa (fins do séc. XVIII e início do séc. XIX)
89
FOUCAULT, 2007, p. 184.
90
SILVA, 2001, p. 31.
91
Ibid., p. 33.
92
FOUCAULT, 2007, p. 117.
93
SILVA, 2001, p. 61.
94
Ibid., p. 56-57.
136
95
SILVA, 2001, p. 71.
96
GOMES, 2009.
97
SILVA, 2001, p. 66-67.
98
GOMES, 2009, p. 173.
99
Ibid., p. 131.
100
ELIAS, 2005, p. 104.
137
Podemos observar que esta medida não partiu de uma ação particular de
Sampaio, mas era fruto de uma política de reestruturação que vinha do próprio rei
Dom João VI. Seguindo esta corrente, o governador buscou renovar e reordenar a
formação militar na Capitania em diversos aspectos e em variados estratos, seja em
tropas regulares, como também naquelas mais locais e, aparentemente, mais
“secundárias”, como foi o caso das ordenanças de índios.
No contexto indígena, Sampaio reforçou as políticas de controle como
nenhum outro governador havia feito, e a militarização nativa também teve status de
prioridade. Como vimos anteriormente, por corresponder à boa parte da população
no Ceará, os índios acabaram por se tornar a principal mão de obra na Capitania,
mas eram também os pivôs do grave problema da dispersão populacional.103 Por
conta da complexidade social da região, associadas a mudanças estruturais que
ocorriam em nível imperial, o recrutamento dos índios sofreu um crescimento
vertiginoso, passando por uma renovação disciplinar que jamais fora realizada nesta
região. Dito isso, procuramos mostrar, por meio do trabalho com a documentação,
101
GOMES, 2006, p. 121-122; GOMES, 2009, p. 242.
102
Registro de hum Officio Circular, dirigido aos Coroneis, e Command es dos Regimentos Miliciannos
desta Capitania, em que lhe ordena Remettão os Mappas do estado actual dos Regimtos dos seus
Commandos, e da mesma sorte em todos os trimestres. In: Livro 33, p. 1.
103
ELIAS, 2005, p. 99.
138
104
SILVA, 2001, p. 77-78.
105
Ibid., p. 79.
106
GOMES, 2009, p. 89.
107
Ibid., p. 91.
139
povo ao trabalho vigiado e disciplinar.108 Tal política de alistamento dos pobres livres
com caráter civilizatório parece ter existido também em outras partes do Brasil, como
mostra o trabalho de Vânia Moreira. De acordo com a autora, o recrutamento no
Espírito Santo oitocentista tinha como finalidade “exercer o controle social, punindo
supostos desordeiros, homens pouco obedientes às hierarquias sociais ou aqueles
recalcitrantes ao trabalho”, além de inserir estes mesmos homens “ao mundo do
trabalho e da produção”.109 No caso da Capitania de Pernambuco de fins do século
XVIII, segundo Kalina Silva, não acontecia diferente, pois, segundo ela, os soldados
eram tirados justamente “de dentro das camadas mais marginais da sociedade”, 110
resolvendo, dessa maneira, “o excesso de vagabundos nas vilas e a falta de
soldados nas tropas”.111 Foi através dessa linha que Sampaio conduziu durante todo
o seu governo o recrutamento dos chamados vadios no Ceará, como podemos
observar em ofício dirigido ao comandante dos presídios da costa do Aracati, em
1819:
[...] com o reforço que daqui lhe foi expedido se acha vm ce em
circunstancias de dar perfeita execução a minha ordem de 10 do
corrente sem diminuição a guarnição dos presidios da Costa.
Acho muito acertado a Captura dos Vadios que houverem pelas
praias para sentarem praça na tropa de Linha os quaes devem vir
remettidos na primeira ocasião.112
108
PINHEIRO, 2008, p. 343.
109
MOREIRA, 2005, p. 2-5.
110
SILVA, 2001, p. 99.
111
Ibid., p. 105
112
Dezbro 18. Offo ao Alfes Chaves sobre os presidios da Costa e p a capturar os vadios das Praias pa
sentarem praça na tropa de Linha. In: Livro 39, p. s/n.
113
Abril 3. Offo ao Sargmor Joze Felix mandando prender o Indio Andre de Lima e seu filho Braz de
Lima. In: Ibid., p. 63.
140
ladrões,114 e, por isso, era imprescindível que todos os habitantes andassem sob o
controle do governo. Encontramos um exemplo dessa urgência e da inquietação em
relação à dispersão populacional no oficio de 5 de fevereiro do ano seguinte,
encaminhado ao capitão-mor das ordenanças da capital, onde diz o seguinte:
Constame que por todo termo desta Villa se achão disperssos hum
grande numero de Indios aldeados que pela maior parte são vadios,
se sustentão do trabalho dos outros e se ocupão unicamente em
fazer desordens de todos os generos contra o que determina o
Directorio, e todas as Ordens Regias. [...] Ordeno a vm e que passe
as ordens necessarias a todos os Commd es de Districtos seus
subordinados para q’ sem excepção de pessoas prendão, e remettão
á Cadeia desta Villa todos os Indios e Indias que se acharem nos
seus respectivos Districtos sem o Competente Passaporte [...].115
114
GOMES, 2005.
115
Fevereiro 5. Registo de hum Officio dirigido ao Cap mor das Ord as desta Villa pa reclutar todos os
Indios disperssos e sem Passaporte. In: Livro 16, p. 136V.
116
Janeiro 18. Registo de hum Offo ao Sargento mor de Monte mor o Novo Ordenando-lhe huma
prisão. In: Ibid., p. 122V.
117
Fevereiro 20. Registro de hum Officio dirigido ao Dir or de Mecejana pa dar baixa a hum Indio para
não ficar sugeito a Va alguma. In: Ibid., p. 153.
141
Além dos nativos que eram recrutados para sentarem praça nas ordenanças,
outro personagem importante dessa política de recrutamento era o comandante
índio. Segundo Henry Koster, mesmo tendo “algum poder sobre os seus
companheiros”, os capitães-mores indígenas eram “ridicularizados pelos brancos”.121
Mas apesar das considerações do viajante inglês, as lideranças indígenas foram
118
PINHEIRO, 2008, p. 343.
119 e o o
Septembro 16. Registo de hum Officio dirigido ao Coronel Comd da Granja Franc de Care Motta
sobre varios objectos. In: Livro 15, p. 143.
120
Março 22. Registo de hum Officio ao Dir or de Soure, encarregando-o da Direcção dos Indios de
Mecejana visto á avançada idade do actual Dir or. In: Livro 18, p. 115.
121
KOSTER, 2003, p. 177.
142
cotidiana indígena naquele período. Além do caso da índia Ana Francisca, presa
pelo índio André Gomes, citamos aqui uma contenda acontecida na Vila de
Almofala. No dia 15 de fevereiro de 1816, foi expedido um ofício de Sampaio ao
capitão-mor das ordenanças de Sobral, para que este passasse ordens:
126
Fevereiro 15. Officio ao Capmor de Sobral Sobre diferentes Objetos. In: Livro 20, p. 139V.
127
Cf. BORGES, Jóina Freitas. Os senhores das dunas e os adventícios d’além-mar: primeiros
contatos, tentativas de colonização e autonomia tremembé na costa leste-oeste (séculos XVI e XVII).
Tese (Doutorado) ‒ Universidade Federal Fluminense, 2010.
144
O papel da autoridade local (indígena ou não), dentro das tropas de índios, foi
destacado no governo Sampaio, sendo fundamental para a política de controle
populacional que diretores e capitães-mores impusessem a ordem e a disciplina a
seus subordinados. Durante os acontecimentos relativos à Insurreição
Pernambucana de 1817, onde foram movidos trezentos índios do Ceará em direção
às fronteiras da capitania,128 foi recomendado ao sargento-mor Comandante das
tropas indígenas, José Agostinho Pinheiro, para que este conservasse “os Indios do
seu commando na melhor Ordem e disciplina procurando incommodar o menos que
for possivel os moradores dos lugares por onde tranzitar”.129 E já depois do fim do
conflito, Sampaio parabenizou o então sargento-mor Pinheiro no dia da retomada de
seu cargo como comandante das Ordenanças de Fortaleza e diretor da Vila de
Arronches, em ofício de outubro de 1817:
Observamos nesse registro o valor que se estimava como essencial para que
se pudesse mostrar quais seriam os verdadeiros súditos zelosos, ativos, honrados e
fiéis de Portugal: o cuidado com a disciplina. No caso do sargento-mor Pinheiro, seu
mérito esteve justamente no arranjo disciplinado que pôs em prática entre os índios,
de uma forma que, provavelmente, jamais fora vista nos sertões do Ceará. Esta
“virtude” parece ter faltado ao diretor de Arronches em 1814, que em ofício dirigido
ao governador, reclamava da “falta de axecução que os Officiaes de Ordenanças
Indios” davam “às suas Ordens”. Sem meias palavras, Sampaio lhe respondeu que
“elles não Obrariam desta sorte se vme pela sua Conduta se tivesse feito respeitar
tanto aos Indios como aos brancos”.131
128
Vide tópico 4.4 e capítulo 05 – tópico 5.2, p. 195.
129
Maio 23. Offo ao Sargmor Jose Agostinho Pinheiro Diror de Soure e Arronches pa ter promptos no
dia 26 do Correte 200 Indios das suas Directorias pa se ajuntarem aqui com 100 Indios de Arr es, e
a a
marchar com elles p as Fronteiras desta Cap . In: Livro 21, p. 136V.
130
Outubro 4. Off ao Sarg Pinheiro p tomar posse das Commd as das Ordas desta Va e de Director
o mor a
dos Indios de Arres disto ter-se-lhe acabado a licença, e louvando o bom Serviço q’ fez na Commissão
de q’ foi encarregado. In: Ibid., p. 182.
131
Outubro 26. Rego de hum Officio ao Diror d’Arronches sobre varios Objectos. In: Livro 19, p. 108.
145
[...] na primeira Revista que fizer aos Indios seus dirigidos advirta em
meu nome aos Residentes na Serra Pitaguari que se abstenhão dos
prejuisos que estão causando ao d o Joze Cavalcante assim na
creação de seus Gados como nas plantações que o mesmo Cav e
tem no Citio Maracanãu e que no caso de Reincidirem serão por mim
asperamente castigados.133
Um dos aspectos que faz com que toda essa política e legislação indigenistas
sejam, para alguns, tão contraditórias ou oscilantes 135 é que elas não se resumiam
134
Janeiro 23. Officio ao Diror de Mecejana pa mandar Soltar no dia 28 do Corr e a 2 Capes Indios q’
elle prendeo. In: Livro 20, p. 134.
135
PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 115.
147
Nesta passagem, o governador evidenciou o que, para ele, era a causa das
deserções que estavam ocorrendo em Mecejana: a violência, que por ter sido feita
de forma desmedida, provocava o “grande desgosto de todos esses Indios”. E
podemos observar que a queixa de maus-tratos por parte deste diretor não era
novidade, mas vinha desde quando comandava os índios de Arronches, e apesar de
tê-los cessado (...vme com effeito algum tanto se corrigio quando passou para essa
Directoria...), parece ter voltado a cometê-los (...mas que neste ultimos tempos tem
136
MENEZES, Luiz Barba Alardo de. “Memória sobre a capitania independente do Ceará grande
escripta em 18 de abril de 1814 pelo governador da mesma, Luiz Barba Alardo de Menezes.” Edição
fac-similar de separata da Revista do Instituto do Ceará. In: Documentação Primordial sobre a
capitania autônoma do Ceará. Coleção Biblioteca Básica Cearense. Fortaleza: Fundação Waldemar
Alcântara, 1997, p. 51.
137
Março 5. Offo ao Director de Mecejana estranhando lhe a maneira por q’ se tem conduzido tão mal
há tempos a nesta parte. In: Livro 21, p. 98.
148
[...] desejando em tudo ser util aos Indios seus dirigidos autoriso a
vmce para passar Passaporte tanto para o interior como para o
exterior da Capitania a todos os Indios seus dirigidos tanto Soldados
de Ordenança como Officiaes Inferiores como Officiaes de Patente a
excepção unicamente dos Capes Mores e Sargentos Mores. No caso
que vmce os conheça como manços, pacificos e de bons costumes
pode vme também dispensar lhe a Obrigação de ajuntar folha corrida
ficando vm e em todo o caso responsavel por aquelles Indios a quem
passar Passaporte.138
Logo de início, Sampaio revelou que era desejo seu “em tudo ser util aos
Indios”, e, por isso, autorizou que passassem passaporte para aqueles soldados. Tal
decisão era tão significativa para época por, pelo menos, duas razões:
primeiramente, já percebemos pela bibliografia aqui apresentada quão miserável e
penosa era a vida dos soldados coloniais, ainda mais se fossem índios, e qualquer
vantagem que lhes fosse oferecida não seria pouca coisa. Em segundo lugar, e
talvez mais importante, sabemos qual era a posição do governo no período em
relação à movimentação de pessoas na Capitania: com a política de passaporte, que
tinha como objetivo combater a dispersão populacional, o menor deslocamento só
acontecia com autorização do governador. Dessa forma, eram poucos aqueles que
podiam sair pelo menos de suas vilas, e ainda mais sem correr o risco de serem
presas.
Notemos também que Sampaio dispensou da folha corrida aqueles que os
diretores de cada vila conhecessem como mansos, pacíficos e de bons costumes,
virtudes tão almejadas para o povo daqueles sertões que se queria civilizar. Além
138
Julho 17. Registo de huma Circular aos Diretores de Va Viçosa, Baiapina, Almofala, Monte Mor o
Novo, Monte Mor o Velho pa poderem passar passaporte aos seus Indios. In: Livro 17, p. 108V.
149
disso, os diretores estavam responsáveis por todos aqueles índios a quem eram
passados passaportes, e, por conta disso, as autorizações não seriam dadas para
os que fossem desordeiros, vadios ou delinquentes. Com isso, podemos observar
que essas vantagens não vinham de graça, visto que somente aqueles que
estivessem alinhados com as vontades do governo as poderia conseguir, além do
fato de terem um forte cunho educativo: ou seja, só ganhava passaporte quem fosse
“civilizado”.
Além dos bons costumes, também se queria ver nesses índios a “nobre e
honrada” fidelidade ao rei de Portugal. Como mostraremos mais a frente, foi exigido
dos nativos, durante os conflitos em 1817, um comportamento ordenado e
disciplinado, e o relatado “entusiasmo” da tropa em lutar em nome da coroa 139 lhes
possibilitou conseguir algumas benesses.140 Mas a maior delas veio dois anos
depois, e das mãos do próprio rei do Império português, Dom João VI. A partir do
decreto de 25 de fevereiro de 1819, o soberano do Reino Unido do Brasil, Portugal e
Algarves premiou todos os índios aldeados do Ceará, Pernambuco e Paraíba pela
sua participação a favor do rei nos conflitos de 1817:
Pelo “fiel comportamento” dos índios durante a guerra, todas essas vantagens
foram cedidas pelo rei e conseguidas pelos nativos. E notemos que, além da
isenção de pagamento dos seis por cento aos diretores das vilas, dois impostos, que
para nós aqui são especialmente relevantes, não mais existiriam: o subsídio militar e
o direito de selo das patentes. Mas da mesma forma que aconteceu com os
passaportes dados aos índios em 1813, todos esses benefícios vinham somente
139
COSTA, João Paulo Peixoto. O “entusiasmo” dos índios: discutindo a participação dos indígenas
do Ceará na Revolução Pernambucana de 1817. In: Embornal, revista eletrônica da Anpuh-CE,
Ano I, 2010. Disponível em <http://ce.anpuh.org/embornalinicio.htm>, p. 2.
140
Ibid., p. 10-11.
141
COSTA, 2002, p. 353.
150
142
FOUCAULT, Michel. La pussière et le nuage. In: PERROT, Michelle. L’impossible prison:
recherches sur le système pénitentiaire au XIXe Siècle. Paris: Seuil, 1980. p. 35.
151
Não afirmamos, por outro lado, que a vida dos índios era fácil. Na verdade,
percebemos que, durante o governo de Sampaio, as vilas, antigos lugares de índios,
estavam se tornando cada vez menos dos índios, e a política de recrutamento foi
uma das grandes responsáveis dessa transformação. Passaportes, revistas
individuais e todo o planejamento de combate à dispersão podaram de forma
vertiginosa a liberdade dos nativos, buscando disciplinar e normatizar seus
cotidianos. Por conta disso, resolvemos priorizar a complexa história desse
143
“mecanismo infinitesimal” do poder real que era o alistamento militar indígena na
primeira metade do século XIX no Ceará, procurando não perder de vista o quão
oscilante ele poderia ser, e que, durante o governo de Sampaio, atingiu um nível
que, provavelmente, jamais havia se visto neste sertões.
143
FOUCAULT, 2007, p. 184.
144
PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 115.
152
política indigenista que se aplica aos índios aldeados e aliados, e outra, relativa aos
inimigos, cujos princípios se mantêm ao longo da colonização”. 145
Dessa forma, segundo Perrone-Moisés, seria mais fácil acompanhar o
desenvolvimento da legislação indigenista no Brasil colonial se enxergássemos esse
duplo caminho por onde ela transitava. Em relação aos chamados “tapuias”, ou
índios bravios, fica atestada nos documentos oficiais sua repugnância e instinto de
perseguição, declarando guerras tanto de capturas como de extermínio; já no caso
dos índios das vilas e aldeias, sua atitude é aparentemente protetora e amorosa,
com o intuito de que os índios fizessem parte do grande corpo de súditos do rei de
Portugal. Olhando para cada linha, o quadro se simplifica de maneira significativa, e
as grandes oscilações e contradições tornam-se menos frequentes.
Houve uma diferenciação bastante visível entre as posições tomadas frentes
aos povos inimigos ou aliados, e entender este “corte na legislação e política
indigenistas” iluminou acentuadamente as pesquisas acerca da história dos índios
na Colônia. Porém, acreditamos que isso não significou que a complexidade
existente na história da relação entre elite política e os índios foi minimizada.
Tomemos como exemplo uma frase do governador do Ceará, Manuel Ignácio de
Sampaio, em 1817, ano da Revolução Pernambucana, extraída de um ofício
expedido a D. Miguel Pereira Forjaz: “Nunca esperei mesmo que hum Povo ainda
pouco civilisado podesse tão evidentemente mostrar a sua fidelidade para com a
Augusta Pessoa de Sua Magestade, e para com toda a Real Familia”.146
O próprio governador Sampaio expôs claramente uma grande contradição
que havia no olhar dos membros da Coroa portuguesa frente ao povo da Capitania
do Ceará, entre eles índios em grande parte: uma população que, a seu ver,
necessitava ainda de ser “levada à luz da civilização”, mas mesmo estando em tal
estado de “miséria”, era fiel ao Rei, e, por isso nobre e gloriosa. Na verdade, as
recomendações de brandura e docilidade no trato com os índios conviveram com
ordens de vigilância, rigorosidade e punição para aqueles que fugissem da disciplina
imposta pelo Estado. Ou seja, os índios “nobres e gloriosos”, “dignos filhos dos
antigos Indios do Ceara, a quem ha dois séculos foi devida a formoza restauração
145
PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 117.
146
Abril 15. Registro de hum officio dirigido ao Ex. mo Sn’ Dom Miguel Pereira Forjaz [...] pedindo-lhe
socorros. In: Livro 23, p. 124V.
153
147
Maio 24. Off° ao Cap.mor de Monte mor Novo pª ter todos os Indios promptos no dia 29 do Corr. e pª
mor
se unirem aos 300 Indios q’ o Sarg. Pinheiro leva pª as Fronteiras. In: Livro 21, p. 140.
148
FEIJÓ, 1889.
149
PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 122.
150
FOUCAULT, 2007, p. 119.
151
RODRIGUES, 2000, p. 147.
154
Rio Grande, Bahia e Sul do Ceará. Ainda no mesmo mês, chegaram as notícias da
tomada da cidade do Recife ao então governador do Ceará Manoel Ignácio de
Sampaio. Por isso, procurou mobilizar todas as forças possíveis da Capitania, para
combater os “infelizes rebeldes” e defenderem os “Augustos Direitos de S. Mag.e, e
a manutenção do socego e boa Ordem da Capitania”. 152 E a partir do mês de maio,
enviou ofícios aos diretores de vilas de Monte-mor Novo,153 Soure, Arronches e
Mecejana ordenando o recrutamento dos índios de suas direções para seguirem
rumo às fronteiras da Capitania, com o objetivo de capturar alguns rebeldes que
estivessem dispersos nos matos e, posteriormente, seguir para o Recife concretizar
sua restauração.
A partir daqui, poderemos analisar mais profundamente, através da
documentação produzida pelo próprio governador Sampaio, alguns detalhes da
formação dessas tropas juntamente com as instruções dadas às autoridades
militares que as comandavam. Tal conjunto de ofícios revelou diversos aspectos
característicos da nova política de controle disciplinar que apareceu nesse período
da história ocidental.
Primeiramente, em correspondência com os diretores de Mecejana, Soure e
Arronches, Sampaio mobilizou um conjunto de trezentos homens, todos armados
com arco e flecha, para juntos se reunirem em Fortaleza:
152
Off° aos Directores de Arronches, Soure e Mecejana pª terem promptos em estado de defesa
todos os Indios daquella direcção pª qualquer operação. In: Livro 21, p. 132V.
153
Os índios de Monte-mor Novo, inicialmente mobilizados para se incorporarem à tropa do sargento-
mor Pinheiro, seguiram em direção ao termo de Campo Maior (atual Quixeramobim). Cf. Maio 19.
Officio ao mesmo Coronel Leite sobre varios objectos relativos á revolução do Crato. In: Livro 24, p.
5.
154
Maio 23. Off° ao Director de Mecejana pª q.e no dia 26 do Corr.e mez se deve achar nesta Cap.al
com 100 Indios armados de Arco e Frecha pª marcharem pª as Fronteiras. In: Livro 21, p. 136.
155
Maio 23. Off° ao Sarg.mor Jose Agostinho Pinheiro Dir.or de Soure e Arronches pª ter promptos no
dia 26 do Corre.te 200 Indios das suas Directorias pª se ajuntarem aqui com 100 Indios de Arr. es, e
marchar com elles pª as Fronteiras desta Capª. In: Ibid., p. 136V.
155
Outro exemplo claro de tal preocupação no que se refere a não dispersão dos
índios está presente no ofício expedido ao comandante das tropas, José Agostinho
Pinheiro, no dia 1º de junho, não tendo as tropas chegado ainda às fronteiras. A
ordem dada foi que seguisse pela “estrada de Monte-Mor Novo, que pelo Riacho do
Sangue se dirige à [...] Villa do Icó”,158 para lá encontrar-se com o Coronel Alexandre
Jose Leite de Chaves e Mello, que comandava as milícias da Fronteira. Em seguida,
que, de lá, se juntasse com o coronel Leite e marchassem para restaurar e capturar
revoltosos que estivessem na região do Rio do Peixe, especificamente nas vilas de
Portalegre, no Rio Grande do Norte, e Pombal e Souza, na Paraíba.159 Caso não o
achasse no Icó, devia encontrá-lo imediatamente já na Paraíba, “sem que para isto
espere Ordem do mesmo Cor.el Leite por que não convem por maneira alguma que
156
PINHEIRO, 2008, p. 319.
157
FOUCAULT, 2007, p. 123; 126-127.
158 mor or
Maio 23. Off° ao Sarg. Jose Agostinho Pinheiro Dir. de Soure e Arronches... In: Livro 21, p.
136V.
159
Maio 24. Officio ao mesmo Coronel Leite, confirmando o conteúdo do off° de 23, de que vai 2ª Via,
insinuando-lhe que vá restaurar as Villas de Portalegre, de Souza, e do Pombal, e depois marchar em
direitura no Recife. In: Livro 24, p. 9.
156
os Indios estejam parados em distrito algum desta Capitania”,160 evitando com isso
uma “circulação difusa e perigosa” dos indígenas, além de assegurar que aquela
“multiplicidade organizada” não caísse na ociosidade inútil, perigosa e
dispendiosa,161 conforme revela o mapa (Figura 12) a seguir, acerca da descida da
tropa rumo a Pernambuco:
163
FOUCAULT, 2007, p. 130.
164
Ibid., p. 119.
165
Vide capítulo 05 – tópico 5.5, p. 243.
166
Maio 23. Off° ao Sarg.mor Jose Agostinho Pinheiro Dir.or de Soure e Arronches... In: Livro 21, p.
136V.
167
Maio 27. Offício ao mesmo Coronel Leite, remetendo-lhe 2ª Via de offício de 26, e tornando a
insinuar-lhe a sua marcha ate o Recife. In: Livro 24, p. 11V.
158
menos dispendiosos que armas de fogo, e se acertavam melhor na mão dos índios,
além de evitar o risco de uma reviravolta. Já indígenas com armas não era a mesma
situação que indígenas com arco e flecha. De acordo com Foucault, aquilo que é
próprio das disciplinas:
168
FOUCAULT, 2007, p. 179-180.
169
Maio 23. Off° ao Sarg.mor Jose Agostinho Pinheiro Dir.or de Soure e Arronches... In: Livro 21, p.
136V.
170
FOUCAULT, 2007, p. 122.
159
de ir “tomando nota dos ferros para serem a todo o tempo pagos a seus donos”,171
tentando evitar dessa forma qualquer manifestação contrária aos índios que
passavam.
Contudo, para que todos esses objetivos fossem conquistados com sucesso,
ou seja, para que se estabelecesse um rígido controle sobre a tropa e que seus
índios-soldados conseguissem agir da forma mais barata, discreta, produtiva e
eficiente possível, era fundamental que se seguisse à risca a ordem dada pelo
governador Sampaio ao sargento-mor Pinheiro presente no documento há pouco
citado: conservar os índios de seu comando sempre “na melhor Ordem e disciplina”.
É por conta disso que constantemente se percebeu na documentação analisada a
necessidade de que os indígenas fossem dóceis, sempre obedientes ao seu
comandante, e somente aí se completaria aquilo que Foucault chamou de
“disciplina”: “métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo,
que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de
docilidade-utilidade”.172 Em raro documento no qual Manuel Ignácio de Sampaio se
dirigiu diretamente aos índios, escreveu acerca do comandante da tropa:
171
Maio 23. Off° ao Sarg.mor Jose Agostinho Pinheiro Dir.or de Soure e Arronches... In: Livro 21, p.
136V.
172
FOUCAULT, 2007, p. 118.
173
Maio 26. Proclamação aos Indios do Ceara q. do partiraõ para o attaque das Capit. as Sublevadas.
In: Livro 28, p. 45V.
174
MOREIRA, 2005, p. 1.
160
175
Maio 1. Registo de hua Carta Rogatoria dirigida á Maximiano Francisco Duarte sobre o
estabelecimento do Correio desta Capitania. In: Livro 26, p. 49V.
176
Novembro 29. Registo de hum officio dirigido ao Juiz Prezidente, e maes officiaes da Camara da
Villa da Parnaiba em resposta ao seu officio de 25 de Outubro sobre o estabelecimento do Correio e
a creação da agencia na dita Villa. In: Livro 23, p. 99.
161
Essa não foi a primeira vez que os indígenas fizeram este tipo de função. O
viajante inglês Henry Koster falou em seu relato, escrito em 1810, sobre a
resistência dos índios em andar grandes distâncias trabalhando na comunicação das
diversas vilas da região:
177
KOSTER, 2003, p. 179.
178
FOUCAULT, 2007, p. 119.
179
COSTA, João Paulo Peixoto. De arco, frecha e currão: o índio do Ceará na Revolução
Pernambucana de 1817. In: Anais do II encontro internacional de história colonial / Mneme – revista
de humanidades da UFRN, v. 9, n. 24, 2008, p. 5.
162
para que interrogasse os índios correios que vinham das regiões sublevadas,
buscando qualquer novidade acerca do que se passava por lá:
Outro uso estratégico dos índios correios ocorreu em agosto de 1814, quando
ancorou na “enseada de Jaraquaquara” (Jericocoara, no município de Jijoca) a
sumaca “Piquete do Maranhão”, trazendo diversos presos. Em meio a várias
instruções passadas ao ajudante de Infantaria de Itapajé, ordenou-lhe que de “tudo
me dará parte pr hum Correio Indio q’ pa este fim pedirá ao Director de Almofala”, 182
que de lá recrutaria algum nativo para fazer este serviço.
Por suas múltiplas funcionalidades, e pelo tamanho deste empreendimento, o
estudo do funcionamento do Correio do Ceará foi fundamental para o entendimento
de diversos aspectos da história da região, quer seja econômica quer seja também
sociocultural. Para a análise da condição indígena, este foi certamente um dos
mecanismos de controle e disciplinamento que mais deixou registros acerca de
detalhes de sua criação, do seu dia a dia e das minúcias relativas ao tratamento
dado aos índios e a ordenação do seu ritmo de trabalho e de vida, ao estabelecer
normas sobre tratamentos, salários, caminhos a percorrer e a forma de gerir o
tempo. Por outro lado, é também inegável e explícita a intenção de Sampaio,
registrada na documentação, de desenvolver economicamente a capitania. Segundo
ele, “sempre foi e será sempre minha opinião facilitar, e animar o comércio por todos
180
Porta ao Sargto [sargento] mor Diro [diretor] de Arronches pa examinar 2 Indios Corre.os [correios]
vindos de Pernambuco sobre os objectivos abaixo declarados. Livro 21, p. 114V.
181
Portaria ao Diretor de Arronches para examinar de 2 indios de Pernambuco objectivos abaixo
declarados. Ibid., p. 121.
182
Agosto 29. Rego [registro] de officio ao Ajude [ajudante] Miguel Joaqm da Fonceca com novas
ordens pa a condução dos prezos pa o porto do Itapajé. In: Livro 35, p. 51V.
163
183
Dezembro 15. Registo de hua carta ao Coronel Bento Joze da Costa, de Pernambuco, em
resposta as suas duas cartas de 22 de Setembro, e 23 de Novembro de 1814. In: Livro 23.
184
Março 1. Registo de hua Carta dirigida ao Chanceller da Relação do Maranhão pedindo lhe que
concorra quanto puder para a ampliação do Correio do Ceará até a dita Cidade do Maranhão In:
Livro 23, p. 44V.
185 to
Maio 1. Registo da Representação e Projecto para o Estabelecim do Correio desta Capitania com
mo r or
a de Pernambuco que o Ill S Gov [ilustríssimo senhor governador] Manoel Ignacio de Sampaio fez
pessoalmente ver á Junta da Real Fazenda desta Cap ia [capitania] e que a mesma Junta aprovou
mandando lavrar o Termo de aprovação que ao diante vai copiado datado de 9 de abril de 1812. In:
Livro 26, p. 8.
164
partida e chegada em cada vila, os valores que serão gastos, os portes das
correspondências e as cartas franqueadas.
Já no início do documento, Sampaio colocou que os principais objetivos do
correio eram “1º Facilitar a Comunicação entre Pernambuco entre as Villas mais
Comerciantes da Capitania do Ceará” e “2º Facilitar a Comunicação reciproca entre
estas mesmas Villas do Ceará”.186 No primeiro capítulo, denominado “Providencias
Gerães”, fica estabelecido quais são as vilas que terão agências dos correios:
“Granja, Sobral, Villa da Fortaleza, Aracati, S. Bernardo [atual Russas], e Icó”, além
da agência na vila do Recife, em Pernambuco.187 A partir daí começaram as
minúcias relativos aos envios: de cada agência “deverá partir o Correio duas vezes
por mez”, como também nos postos que estão no caminho para Recife, que são
“Goyanna na Paraíba e no Rio Grande do Norte”, porém aí “nunca o Correio se deve
demorar por motivo algum”.188 As cartas enviadas para o Rio Grande do Norte “se
entregarão em Jundiahy [provavelmente, atual Macaíba] 5 legoas distantes da
Cidade do Natal”, e para Paraíba “deverão da mesma forma ser entregues no
Engenho do Espírito Santo [atual Cruz do Espírito Santo] ao Capmor João de
Albuquerque”.189
Em relação aos horários, os detalhamentos pareciam ser ainda maiores. Os
índios correios deveriam sair daquelas vilas e de Pernambuco às três horas da
tarde, e só enviariam cartas recebidas até “huma hora depois do meio dia, ficando
essas duas horas destinadas para marcar as cartas e fazer os maços”. 190 O mapa a
seguir (Figura 13) assinala a localização das agências do Correio do Norte do Brasil.
186
Maio 1. Registo da Representação e Projecto para o Estabelecimto do Correio desta Capitania com
a de Pernambuco que o Ill mo Sr Govor [ilustríssimo senhor governador] Manoel Ignacio de Sampaio fez
pessoalmente ver á Junta da Real Fazenda desta Capia [capitania] e que a mesma Junta aprovou
mandando lavrar o Termo de aprovação que ao diante vai copiado datado de 9 de abril de 1812. In:
Livro 26, p. 8., p. 8V.
187
Ibid., p. 9.
188
Id. ibid.
189
Ibid., p. 10V.
190
Ibid., p. 9.
165
Do Aracati deve sair para São Bernardo às três horas da tarde, mas do
Aracati para Pernambuco deve partir assim que chegar de Fortaleza, e, da mesma
forma, “para Villa da Fortaleza deve partir logo que chegar de Pernambuco”,
devendo estar previamente prontos os maços tanto no primeiro como no segundo
caso. Todas essas ordens deveriam ser executadas aos índios, que culturalmente
não tinham uma noção cronometrada nem sistematizada do tempo como os
ocidentais. Por isso, percebemos que essa forma de controle temporal dos
indígenas pretendia penetrar nos corpos dos indivíduos, e, juntamente com ela
“todos os controles minuciosos do poder”.191 Por menor que fosse, esse foi um dos
aspectos mais representativos que caracterizavam as tentativas de o governo
disciplinar e civilizar os nativos da região, por meio do trabalho nos correios, ao fixar
datas e horários precisos de chegada e saída de cada vila.
No segundo capítulo, que tratou da “Despesa do estabelecimento”, Sampaio
se referiu sobre a quantidade de índios correios envolvidos, dos seus salários e das
rotas que inicialmente fariam. De Fortaleza para Pernambuco iriam dois índios,
191
FOUCAULT, 2007, p. 129.
166
fazendo os trechos de ida e volta por 20$000rs; do Aracati para o Icó a ida e volta
ficava a “2560rs por ir hum Indio só”; e de Fortaleza para Granja, ida e volta custava
4000rs também indo somente um índio.192 Duas coisas em especial nos chamaram
a atenção nesta parte do projeto: apesar de não haver capítulo, parágrafo ou
passagem alguma que estabeleça que os índios fossem os únicos a fazerem esse
tipo de serviço, foi aqui onde concluímos pela primeira vez que os correios eram, se
não exclusivamente, pelo menos majoritariamente indígenas. Não encontramos em
nenhum outro documento registro de algum correio que pertencesse a outro grupo
social – seja branco, mameluco ou cabra – e nesse trecho, a associação entre um
“correio” e o “índio” aparece de forma direta.
Em segundo lugar, observamos detalhes acerca dos pagamentos, e aí vemos
se casarem dois elementos, fortemente presentes na política indigenista deste
governo; ao mesmo tempo em que se buscou usufruir, ao máximo, os elementos da
cultura nativa, com objetivos práticos e econômicos, foi também através deles que
se tentou fazer a sua inserção na civilização: utilizando-se do costume do índio de
fazer longas caminhadas, organizavam-se sistematicamente horários, rotas e,
principalmente, as rendas fruto deste trabalho.
Sampaio também teve o cuidado de, no mesmo dia da cópia do projeto,
remeter para cada um dos agentes empossados nas vilas algumas recomendações,
ainda mais minuciosas, tratando de pontos mais precisos do trabalho de
recebimento e envio de correspondências. Por exemplo, para o responsável pela
agência da vila da Fortaleza, Joze Alexandre D’Amorim Garcia, o governador
colocou diversas observações acerca de assuntos variados e em seus mínimos
detalhes, como uma tabela com a relação de pesos e portes das cartas para cada
destino, sobre cartas franqueadas, formas de como proceder no envio para cada
destino (como fica o maço, o que devem escrever etc.), o tempo exato para a
preparação dos maços, a quantidade de maços que deve ter uma mala, entre outras
coisas.193
Algumas recomendações envolviam diretamente os índios, que eram as
relacionadas ao envio propriamente dito e ao transporte das cartas de uma agência
para outra. Eis um exemplo: após a conferência de que a mala tivesse [...].
192
Maio 1. Registo da Representação e Projecto para o Estabelecimto do Correio desta Capitania com
a de Pernambuco... In: Livro 26, p. 11.
193
Maio 1. Registo de hum Officio dirigido Joze Alexandre D’Amorim Garcia, nomeando-o Agente do
Correio desta Villa. In: Ibid., p. 16.
167
Esta descrição serviu tanto para a rota de Fortaleza para Pernambuco, como
também para todas as outras, e tais recomendações foram expedidas para todos os
agentes, mas, evidentemente, cada uma tratando de suas rotas específicas. Com as
leituras desses detalhes, que adentravam em cada um dos pormenores dos envios,
percebemos a profundidade do projeto de disciplinamento daquela região que era
pretendido pelo governo do Ceará, onde tais rigores eram distantes, talvez inéditos e
até inimagináveis para alguns. Mas atentemos também para o tratamento dado aos
índios correios: além da mala, levavam também um bilhete com seus nomes, que
era conferido pelo agente da vila seguinte; tinham suas ajudas de custo
cuidadosamente anotadas em um quadro de despesas; por fim, e não menos
importante, estavam sujeitos a uma contagem do tempo rigorosamente controlada,
já que deviam partir do Aracati, por exemplo, exatamente quinze minuto após terem
chegado de sua viagem de Fortaleza. Somados aos horários delimitados de
chegada e saída das vilas, bem como ao tempo estipulado para preparação dos
maços, percebemos aqui uma forma de controle temporal sobre os indígenas que,
através de um olhar constantemente vigilante, trabalhavam com base no “princípio
da não-ociosidade”, em que o “horário devia conjurar o perigo de desperdiçar tempo
– erro moral e desonestidade econômica”.195
Dois anos depois da criação do projeto, iniciou-se uma expansão geográfica
do Correio do Ceará. Ainda em 1812, em ofício encaminhado ao governador de
Pernambuco, Sampaio falava da facilidade de que tinha de levar o correio de Granja
até o “presidio d’Amarração [atual Luiz Correia, no Piauí] na boca do Rio Parnaiba,
aonde os governadores de Piauhy e Maranhão podem mandar os Officios que
dirigirem para a Corte”.196 No mês de fevereiro do ano seguinte, Sampaio respondeu
194
Maio 1. Registo de hum Officio dirigido Joze Alexandre D’Amorim Garcia, nomeando-o Agente do
Correio desta Villa. In: Livro 26, p. 16.
195
FOUCAULT, 2007, p. 131.
196
Maio 1. Registo de hum Officio dirigido ao Exmo Snr. [excelentíssimo senhor] Governador e
Capitam General de Pernambuco, implorando a sua protecção a favor do estabelecimento do Correio
168
pa comunicação das principais Villas desta Cap nia [capitania] com Perco [Pernambuco]. In: Livro 23, p.
4V.
197
Fevereiro 26. Registo de hum officio dirigido ao Governador e Capitam General de Maranhão
a
sobre a correspondencia do Correio do Ceará com o do Maranhão, e remettendo-lhe as instruções p
a mesma correspondencia. In: Ibid., p. 24.
198
VICTOR, Hugo. O Correio em Parnaíba. In: Almanaque da Parnaíba. Parnaíba: 1947, p. 317-319.
199
Fevereiro 27. Registo de hum offo [ofício] dirigido ao Sargmor [sargento mor] Joze Severino de
Vasconcellos nomeando-o Agente do Correio da Va [vila] de Monte Mor o Novo. In: Livro 26, p. 160V.
169
inclusive sobre os bilhetes que os correios deveriam levar em cada partida, porém
vindas com este reforço:
200 o mor
Fevereiro 27. Registo de hum off [ofício] dirigido ao Sarg [sargento mor] Joze Severino de
Vasconcellos nomeando-o Agente do Correio da V a [vila] de Monte Mor o Novo. In: Livro 26, p. 160V,
p. 168V.
201
FOUCAULT, 2007, p. 119.
202
Ibid., p. 169.
170
203
Março 2. Registo de hum officio dirigido ao Exmo [excelentíssimo] General do Maranhão sobre a
a
creação de hum correio de comunicação regular entre esta e a Capitania da d [dita] Cidade do
Maranhão, q’ se faz absolutamente necessário por cauza da Relação; e remettendo o Projeto pa o
mmo [mesmo] estabelecimento. In: Livro 23, p. 45V.
204
Fevereiro 14. Offo [ofício] ao Sargmor [sargento mor] Ferra [Ferreira] Sobre diferenttes objectos. In:
Livro 38, p. 43.
171
Por meio de tal passagem, vimos mais uma vez que todas essas
preocupações sobre os imprevistos ao longo da estrada, relativas ao tratamento
dado aos indígenas, serviam para que não houvesse “faltas no estabelecimento”. Ou
seja, muito mais que um gesto de solidariedade, a preocupação com a integridade
dos índios estava associada à boa regularidade do serviço, e em última instância à
manutenção da instituição.
Documentos que trataram da segurança dos índios ao longo de suas viagens
continuaram com o processo de instalação da agência na vila de Parnaíba, no Piauí,
que ficava a meio caminho até São Luiz. Por se localizar próximo ao delta do rio de
mesmo nome, pudemos observar nas fontes que os próprios índios, acostumados
com essas longas travessias, também relatavam e reclamavam dos obstáculos
naturais desta rota. Em carta de janeiro do ano seguinte, dirigida ao juiz de fora de
Parnaíba, Sampaio lhe pediu para que, “com a sua authoridade”, interviesse:
[...] pelos meios que julgar mais convenientes afim de que os Indios
Correios encontrem nas passagens dos differentes rios que tem a
atravessar desde essa Villa athe o Maranham aquelles socorros que
as circunstancias permitirem afim de que possão chegar tanto ao
Maranham como aessa Villa nos competente dias do que depende
essencialmente a regularidade do estabelecimento.206
Mais uma vez, podemos ver que a razão principal da proteção dada aos
índios estava muito mais na “regularidade do estabelecimento”; e quando se tratava
do caminho até o Maranhão, os obstáculos pareciam ser ainda maiores. Três meses
depois, escrevendo ao mesmo juiz de fora, o governador do Ceará lhe agradeceu
pelas providências que havia tomado para “aliviar a todas as dificuldades que athe
205
8bro [outubro] 1º. Regto de offo ao Agte da Granja sobre o corro do Maranhão com as circunstancias
mo
q’ do m [mesmo] [ilegível]. In: Livro 27, p. 101.
206
Janeiro 16. Registo de hua carta dirigida ao Juiz de Fora de Parnaíba Ouv or [ouvidor] pela Ley do
Piahi, pedindo lhe queira com a sua authoridade fazer com que nas passagens dos Rios the o Mar am
[Maranhão] encontrem os Correios todos os socorros que as circunstancias permitirem afim de não
serem demorados. In: Livro 23, p. 75V.
172
agora os Indios Correios tem em contrado, que sendo como elles contão parecem
quazi invenciveis”.207
Mas para que houvesse essa regularidade desejada, era preciso que os
próprios indígenas fossem competentes no seu serviço, ou mais ainda, que se
interessassem e se dedicassem a ele. Dessa forma, de acordo com certas
passagens dos documentos, pudemos observar que a preocupação com o bom
tratamento, os auxílios, e as boas condições de viagem também agia no sentido de
criar uma situação que motivasse os nativos a se envolverem de modo responsável
nos trabalhos para o Correio do Ceará. No mês de outubro, em nova carta
encaminhada ao general do Maranhão, Sampaio mencionou mais uma vez a
questão do tratamento dado aos índios pelos comandantes no caminho, aliado ao
auxílio que deveria ser dados pelos diretores de vilas de índio. Como já recomendou
a outras autoridades, falou dos casos de doença ou morte dos correios e da
consequente necessidade de substituição por outro indígena do lugar, e disse que
no Rio Grande do Norte tais conselhos tiveram resultado, onde o “Diretor de S. Joze
do Mipibu supprio esta falta de modo que não houve desarranjo algum”. Para
completar o seu argumento, ainda concluiu:
207
Abril 15. Registo de hua carta dirigida ao Juiz de Fora da Parnaiba Ouvidor pela Lei do Piauhi em
que se lhe participa a creação de hum Agente na V a da Parnaiba hua vez q’ o Govor do Piauhi
convenha. In: Livro 23, p. 85V.
208 mo
Outubro 16, Registo de hum officio dirigido ao Ex [excelentíssimo] General do Maranhão,
remettendo-lhe o mappa geral de todas as partidas e chegadas do Correio do Ceará nas suas
Agencias, e a lista dos donativos que offereceram os Negociantes e outras pessoas desta Cap nia
[capitania] para supprir as faltas no estabelecimto, no caso de as haver, e sobre outros objectos
relativos ao mesmo estabelecimento do Correio. In: Ibid., p. 66.
173
209
CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia: a história entre certezas e inquietudes. Porto Alegre:
Universitária / UFRGS, 2002, p. 144.
174
210
VICTOR, 1947, p. 319.
211
Maio 20. Registo de hum Officio dirigido o Agente da Villa do Aracati Manoel Joze Rebello de
Moraes. In: Livro 26.
175
na guia que elle daqui leva o dia em que chegou, e o dia em que
parte para cá, afim de receber aqui o castigo que merecer.212
Mais uma vez, ficou claro que, para o governador, os índios eram os mais
aptos a exercer este tipo de serviço, já que lhes era preferível “fazer hua viagem do
que cultivar a terra”. Sabia também que isto não era garantia de que tudo seria posto
212
Junho 1. Rego [registro] de hum Offo [ofício] dirigido ao Agente do Cor o [correio] da Granja
Francisco Carvo [Carvalho] Motta. In: Livro 26, p. 62.
213
Janeiro 16. Rego de Officio dirigido ao Chanceller do Maranhão sobre o Correio, pedindo-lhe q’
auxilie qto [quanto] estiver de sua parte o estabelecimto do mmo [mesmo]. In: Livro 23, p. 72V.
176
214
Janeiro 16. Registo de hua carta dirigida ao Dezembargador João Rodrigues Brito sobre o
estabelecimento do correio. In: Livro 23, p. 76V.
177
215
Agosto 12. Circular aos Directores de Arr es [Arronches] Soure, e Mecejana Sobre os Indios Corr os
que comettem faltas qdo [quando] vão de Viagem. In: Livro 20, p. 60.
178
Mais uma vez, Sampaio foi exigente e lançou mão de outra ferramenta
coercitiva, tentando pôr fim, por meio da vigilância, dos castigos e da disciplina, aos
“abusos” cometidos pelos correios. Ainda nesse mês, o governador enviou ofício ao
agente de Sobral, parabenizando-o por seus atos frente aos indígenas que não
observavam minuciosamente o tempo de chegada na vila:
A história do Correio do Ceará foi marcada por este constante convívio entre
as medidas coercitivas do governo e as práticas delinquentes dos índios correios,
que nunca deixaram de escapar, na medida do possível, aos planos
preestabelecidos e milimetricamente determinados. A instituição se expandiu,
alcançou outras capitanias e agências, mas mesmo com esse desenvolvimento, ela
não conseguiu extinguir por completo a indisciplina de seus subordinados. Em julho
do ano seguinte, Sampaio escreveu ao agente em Recife, parabenizando-lhe o zelo
que teve no seu trabalho. Falou também do sucesso do Correio, mesmo com as
atitudes ilícitas dos índios:
216
Agosto 12. Rego [registro] de offo [ofício] ao Administrador Geral do Corr o sobre os Indios Correios,
com as providencias que seguem. In: Livro 27, p. 152V.
217
Agosto 31. Rego [registro] de offo [ofício] ao Agente do Sobral sobre a nova Agencia, e outros
objectos do Correio. In: Ibid., p. 156V.
218
Julho 1. Carta ao Age [agente] do Corro [correio] do Ceará em Pernambuco agradecendo-lhe varios
Obsequios. In: Livro 28, p. 10V.
179
219
Julho 12. Offo [ofício] ao Administrador Gl. [geral] do Corr o [correio] dando-lhe varias Ordens Sobre
os abusos dos Indios Correios. In: Livro 28, p. 11V.
180
teve seus limites; por outro lado, a capacidade de invenção do cotidiano indígena
não, tendo em vista que era justamente por meio da apropriação de elementos que
lhes eram impostos (regras, condições e limites), “criando para si um espaço de jogo
para maneiras de utilizar a ordem”,220 que os índios buscavam a realização de seus
próprios interesses.
Sampaio terminou o seu governo no Ceará em janeiro de 1820, e, segundo
suas próprias palavras, orgulhoso de sua obra. Em carta ao desembargador Joze
Francisco Silva Costa Furtado de maio de 1819, anunciou sua partida desta
Capitania para a de Goiás, e falou que, neste momento, o correio tem conseguido a
“necessaria estabilidade, e ordem desde essa Capitania até a de Pern co, tendo até ja
alguns pequenos filhinhos em outras Capitanias”,221 como no Maranhão e no Piauí.
Em dezembro deste mesmo ano, escreveu ao agente de Parnaíba, ressaltando o
“credito publico [...] a que tem chegado o nosso Correio do Ceará”, e mostrando-se
satisfeito de ter conseguido resolver “o grande problema que tantos tempos se
julgou impossivel a saber huma Comunicação facil, regular, e prompta entre as
Capitanias de Sotavento”. 222 Percebemos ao longo deste trabalho que os interesses
dos que representavam a Coroa em solo cearense encontraram entraves que, se
não impediram, deram muito trabalho para a construção do projeto de poder do
Império e das elites locais. E como exemplo desses percalços, conto uma última
história.
Depois de cerca de oito anos no governo Sampaio de medidas que
mesclavam proteção e rigor, com o objetivo de controlar e disciplinar os
trabalhadores indígenas, o governo interino do Ceará, a partir de 1820, assumiu o
controle do Correio do Norte do Brasil e a missão de comandar os índios correios.
Porém, a documentação nos mostrou que o comportamento dos nativos, mesmo
depois de todas as tentativas, não se transformou da forma desejada pela elite
política. No dia oito de janeiro deste ano, dois ofícios foram produzidos por conta do
sumiço de um correio. O primeiro foi enviado ao diretor de Arronches, à procura do
índio Felipe da Silva, natural dessa vila, e que ainda não havia chegado ao Aracati.
Caso fosse encontrado, deveria ser preso “imediatamte a nossa ordem” e remetido
220
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 93.
221
Maio 15. Officio dirigido ao Dezor [desembargador] Joze Francisco Silva Costa Furtado em
resposta a carta do dito Dezor de 11 de Março de 1816. In: Livro 30, p. 64V.
222
Dezembro 15. Carta ao Agente do Correio da Parnaiba sobre cousas tendentes a d a [dita]
Agencia. In: Livro 29, p. 13V.
181
“ás Cadeias desta Capital, sendo o seu maior cuidado arrecadar a malla do correio,
o que muito e muito lhe recomendâmos”.223 O segundo ofício foi encaminhado ao
capitão-mor das ordenanças do Aquiraz, também em busca de Felipe da Silva, e lhe
ordenou que tomasse as devidas “providencias pa descobrir se por ai passou o dito
corro e existirá pr ai escondido ou se lhe aconteceria algûa desgraça”.224
Ainda neste mesmo mês, encontramos outra reclamação. No dia 24 foi
encaminhado um ofício do governo interino ao administrador geral dos Correios,
relatando-lhe alguns extravios que, segundo os governantes, “julgamos ter-se
verificado com as malas dos Correios de 24 de Janeiro e de 9 no corrente [mês]” –
este último, provavelmente, envolvendo o índio Felipe da Silva. Temendo que a
continuação desses sumiços fizesse “diminuir o credito de hum tão util
estabelecimento”, algumas novas medidas foram criadas com o objetivo de
aumentar ainda mais o controle dos correios:
223
Fevereiro 8. Officio dirigido ao Director de Arronches para a prizão do Indio Correio Felippe da
Silva. In: Livro 22, p. 174V.
224
Fevereiro 8. Officio dirigido ao Cap mor das Ordenanças do Aquiraz para a prizão do Indio Corr o
Felippe da Silva”. In: Ibid., p. 175.
225
Fevro [fevereiro] 24. Offo [ofício] ao Admor [administrador] Geral do Corro [correio] [...] Sobre o
extravio dos Corros e dando as Ordens sobre os mmos [mesmos]. In: Livro 29, p. 25V.
182
A chegada do europeu nas terras em que hoje se situa a América fez nascer
um “novo mundo”, a partir de práticas, lugares sociais e sujeitos novos. A partir do
contato, brancos, negros e índios reconfiguraram os significados daqueles espaços,
assim como as posições que passariam a ocupar naquela sociedade nascente. Mas,
diferente do que a historiografia tradicional enfaticamente afirmou, ao celebrar o
protagonismo do homem ocidental, novas pesquisas mostraram a relevância da
presença indígena na construção do Brasil e no funcionamento da colônia. Por meio
da leitura das fontes, bem como a descoberta de novos acervos documentais,
percebemos que a atuação dos índios no cotidiano colonial não se deu apenas de
maneira figurativa ou coadjuvante. Por outro lado, observamos que nem só de
massacre viveu a política indigenista de Portugal, e que a dominação dependia do
índio muito mais do que se pensava. Se a Coroa necessitava de súditos, a Igreja de
fiéis, e os colonos de mão de obra, é possível compreender que a presença e
participação nativa naquele universo era, na verdade, fundamental. E semelhante ao
contexto do Correio do Norte do Brasil, que vimos no capítulo anterior, os indígenas
percebiam com acuidade tal dependência e, a partir dela, manipularam os elementos
desse novo mundo e criaram para si espaços de sobrevivência.
Contudo, não é possível, a partir do que foi exposto, imaginar que a relação
entre brancos e índios se deu de forma igualitária, ou que a dominação não tenha
sido tão devastadora para aquelas sociedades tradicionais. Muito pelo contrário, o
massacre de fato aconteceu, não sendo intenção de essa nova historiografia
esconder a destruição nem as mortes de uma infinidade de pessoas, grupos e
culturas. Para Maria Regina de Almeida, não é possível “desconsiderar a violência e
a opressão da conquista”, mesmo percebendo que “as atitudes dos índios em
relação aos colonizadores não se reduziam, absolutamente, à resistência armada e
183
à submissão passiva”.1 O que observamos foi que todas essas formas de relação –
da total negação à inserção voluntária – mesmo sendo contraditórias, conviviam e
formavam esse mundo em construção. Além disso, as “perdas culturais e étnicas”,
mesmo sendo inevitáveis, não impediram que os índios aldeados – que nesse
momento, não foram mais os mesmo grupos que viveram nestas terras antes da
colonização – pudessem “aprender ali novas práticas culturais e políticas que lhe
permitiam colaborar e negociar com a sociedade colonial”. 2 Dessa forma, o cotidiano
na Colônia, sobretudo até a primeira metade do século XVIII, foi composto e
pertenceu também ao elemento nativo, apesar de os espaços e as identidades
geridas nesse ambiente não serem mais os mesmos, anterior ao contato.
No Ceará, colonizado apenas em meados dos setecentos, essa situação
parecia ser ainda mais evidente. Além de ser uma capitania considerada, à época,
um lugar “acolhedor e concentrador de povos aflitos e fugitivos, fustigados, expulsos
de seus antigos territórios [como foi o caso de muitos grupos indígenas vindos das
capitanias anexas a Pernambuco]”, era marcada pelo fraco alcance do poder
administrativo e político da Coroa, como já vimos em outros momentos deste
trabalho. Apesar de ser “domínio da majestade de Portugal [...] era também, e,
sobretudo, um Seara Indígena”, como coloca Manuel Albuquerque:3 ou seja, o
território cearense – até, pelo menos, a segunda metade dos setecentos – talvez
fosse muito mais dos índios do que do rei português. Os próprios aldeamentos
jesuíticos, ainda que tivessem um evidente caráter integracionista e controlador, e se
configurassem “um espaço de dominação e exploração dos colonizadores”, eram
muito mais “espaços de índios, pois assim foram por eles considerados, como
sugerem as lutas que empreenderam por sua manutenção, até o final do século
XVIII”.4
Com a instalação do Diretório dos Índios, acompanhado da execução de
diversas práticas modernizadoras idealizadas pelo Marquês de Pombal, foi
provocada uma mudança significativa nesse quadro social. Com a intenção explícita
1
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios aldeados no Rio de Janeiro colonial: novos
súditos cristãos do Império português. Tese (Doutorado) ‒ UNICAMP, 2003, p. 11.
2
Ibid., p. 12.
3
ALBUQUERQUE, Manuel Coelho. Seara indígena: deslocamentos e dimensões identitárias.
Dissertação (Mestrado) ‒ Universidade Federal do Ceará, 2002. p. 68. O autor trabalha na p. 21 com
o termo “seara”, que significa espaço, campo ou território, mas também remete à antiga grafia da
Capitania do Ceará até a primeira metade do século XVIII – Siará ou Seará – além de ser ela própria
uma palavra de origem indígena.
4
ALMEIDA, 2003, p. 116.
184
5
LEITE NETO, João. A participação do trabalho indígena no contexto da produção algodoeira
da capitania do Ceará (1780-1822). Dissertação (Mestrado) ‒ Universidade Federal de Pernambuco,
1997, p. 115.
185
controle sobre a vida dos indivíduos pretendia ser total, através da vigilância de seus
passos e do serviço de sua força de trabalho. O Ceará, que, durante quase todo
período colonial (inclusive após a instalação do Diretório), se configurou um lugar de
índios – uma seara indígena – passaria a se constituir para eles como um não-lugar.
Ao desenvolver os conceitos de estratégia e tática, Michel de Certeau
buscava traçar uma diferença entre aqueles grupos ou indivíduos que, em uma
determinada sociedade, são possuidores de um “lugar capaz de ser circunscrito
como um próprio” e outros que só podem lançar mão de ações cujo cálculo “não
pode contar com um próprio”. Enquanto quem domina lança mão de estratégias,
postulando a “vitória do lugar sobre o tempo”, os dominados, por outro lado, têm
para si apenas o “não-lugar”, ou seja, suas táticas “só tem por lugar o outro”, sendo
justamente aí onde se insinua, jogando “com os acontecimentos para os transformar
em ‘ocasiões’”, “tirando partido de forças que lhe são estranhas”.6
Pensar no conceito de não-lugar, com base em Certeau, para analisar a
relação dos índios deste período com o Ceará em que viviam – mesmo admitindo a
perda de certa “autonomia” que antigamente teriam – não anula a possibilidade de
essas pessoas terem se posicionado nesse espaço de forma atuante e em busca de
seus interesses. Entender o cotidiano desses homens a partir desse referencial é
permitir visualizar uma multiplicidade de ações que, de maneira heterogênea, se
realizaram com feições bem diferentes do que acontecia, por exemplo, no contexto
das aldeias jesuíticas.
A análise documental, mesmo de forma indireta, nos permitiu perceber as
diversas possibilidades de ações perpetradas por índios que partiram de situações e
condições bem diferentes, e buscaram sobreviver nesse mundo novo que se
constituía no “novo mundo”. Da “aceitação” à fuga, todas essas ações registradas
nos documentos oficiais mostraram a inventividade dos povos indígenas que, não
sendo passivos a esta realidade, criaram uma grande multiplicidade de táticas para
sobreviver neste universo. As fontes governamentais, nascidas nos planos
normativos e designadas para agirem como tal, puderam ser lidas também como
efeitos das reações dos índios diante destas políticas disciplinares. Foi nelas que
percebemos, mesmo no ambiente mais próprio do mundo disciplinar, as diversas
formas de invenção de cotidianos, ainda que vivendo em um não-lugar.
6
CERTEAU, A invenção do cotidiano – I: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 46-47.
186
7
“Quand je parle societé ‘disciplinaire’, elle ne faut pas entendre ‘societé disciplinée’” [Quando eu digo
sociedade “disciplinar”, ela não quer dizer sociedade “disciplinada”]. In: FOUCAULT, Michel. La
pussière et le nuage. In: PERROT, Michelle. L’impossible prison: recherches sur le système
pénitentiaire au XIXe Siècle. Paris: Editions du Seuil, 1980. p. 35.
187
8
KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro; São Paulo; Fortaleza: ABC,
2003, p. 178. Grifo nosso.
9
Ibid., p. 177.
10
ALMEIDA, 2003, p. 82.
188
11
Outubro 1. Registro de hum Officio dirigido ao Comd e Intº das Ordas do Aquiraz para prender hum
Indio. In: Livro 15, p. 163.
12 or
Outubro 5. Registo de hum Officio dirigido ao Dir de Arronches Ordenando-lhe huma prisão. In:
Ibid., p. 166.
13
Julho 24. Officio ao Diror de Mecejana Sobre o mesmo objecto. In: Livro 95, n.p.
14
24. Offo Sargmor Joze Agosto Pinheiro Sobre huns requeremtos q’ se achão em Seu poder. In: Ibid.,
n.p.
189
15
Vide tópico 5.3, p. 208.
16
Abril 26. Registo de hum Officio dirigido ao Cap mor das Ordenanças desta Va ordenando lhe hua
prisão. In: Livro 17.
17
Fevereiro 16. Registo de hum Officio dirigido ao Comde de Cascavel accusando a recepção de hum
Officio e Sobre humas prisoes. In: Livro 16, p. 150.
18
Fevereiro 16. Registo de hum Officio dirigido ao Commad e de Cherabicu accusando a recepção de
huns Officios, e Sobre huas prisoes que elle fes. In: Id. ibid.
190
19
Março 12. Registo de hum Officio dirigido ao Commd e do Cascavel participando-lhe ter entregado
ao Director os Indios dispersos q’ lhes tem recrutado. In: Livro 16, p. 175V.
20
Novembro 20. Officio ao Director de Mecejana Sobre differentes objectos. In: Livro 20, p. 90V.
191
21
KOSTER, 2003, p. 177.
22
Id. ibid.
192
condição de ilícito. Para que a doação do passaporte fosse autorizada, era preciso
que se constasse que o requerente era assíduo na agricultura e estivesse de acordo
com a moral e os bons costumes da civilização.
Um exemplo significativo deste tipo de ação, cuja trajetória conhecemos
melhor, talvez seja o caso do índio Duarte Jose Gonçalves, pescador e morador da
praia do Riacho, em Aquiraz. Foi preso em outubro de 1812, por suspeita de
dispersão e vadiagem através de um mandado dirigido ao Diretor de Mecejana.23
Como sabemos, a busca por índios que vivessem fora de sua vila de origem era
intensa, para que se pudesse de maneira mais efetiva monitorar o cotidiano dessas
pessoas e obrigá-las ao trabalho produtivo. Porém, já observamos também as
exceções que poderiam acontecer, e vendo que o dito índio não era vadio e se
ocupava de seu ofício, o governador autorizou sua soltura no dia 16 do mês
seguinte,24 e expediu esta ordem no dia posterior:
Tendo o Indio Duarte Jose Glz mostrado perante mim que não he
vadio antes se ocupa inteiramente na cultura do seu rossado vivendo
em boa Pás e armonia com os seus visinhos deve vm ce passar-lhe
Passaporte para poder continuar a empregar-se nos dos seus
Rossados juntamente com a sua família por espaço de hum anno
findo o qual deverá ir tirar outro simelhante Passaporte que vm ce lhe
continuará a passar todos os annos [...] Logo porem que elle esteja
sem Passaporte isso deve vmce participar para eu o castigar.25
23
Outubro 1. Registro de hum Officio dirigido ao Comd e Intº das Ordas do Aquiraz para prender hum
Indio. In: Livro 15, p. 163.
24
Desembro 12. Registo de hum Officio dirigido ao Cap mor Comde das Ordas do Aquiras Ordenando-
lhe varias [ilegível] e acusando a recepção de huns Officios. In: Livro 16, p. 67.
25
Novembro 17. Registro de hum Officio dirigido ao Dir or de Mecejana pa dar Passaporte a hum Indio
que não he vadio. Ibid., p. 38.
193
Dois anos depois, em outubro de 1815, dois ofícios foram expedidos pelo
Governador tratando do índio pescador. O primeiro, enviado ao capitão-mor do
Aquiraz, comunica-o do alistamento na companhia de ordenanças da dita vila de
Duarte Jose Gonçalves, e da concessão de baixa da companhia dos índios de
Mecejana.26 Já o segundo ofício, dirigido ao diretor de Mecejana, informou o motivo
de sua decisão e como deveria proceder:
26
Outubro 23. Offo ao Capmor do Aquiraz para assentar praça a hum Indio a quem se desalistou das
Ordas Indias. In: Livro 20, p. 83.
27
Outubro 23. Officio ao Diror de Mecejana pa entregar ao Capmor Supra o Indio Duarte pa assentar
Praça nas Ordas do Aquiraz. In: Id. ibid.
194
28
Septembro 25. Registro de hum Officio dirigido ao Director d’Arronches Ordenando-lhe huma
prisão. In: Livro 15, p. 153.
195
29
CERTEAU, 2008. p. 39.
30
Carta de Pedro Poti a Antônio Felipe Camarão, apud. LOPES, Fátima Martins. Índios, colonos e
missionários na colonização da Capitania do Rio Grande do Norte. Mossoró: Fundação Vingt-um
Rosado, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 2003. p. 81.
31
CERTEAU, Michel de. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 9.
196
32
CERTEAU, 2008, p. 61.
33
“Mandam voltar aos seus lugares os índios e os recrutas apanhados pelo caminho de Alagoas até
aqui. Estas tropas irregulares haviam cometido desordens nos engenhos”. Cf. TOLENARE, Louis
François de. Notas Dominicais. Recife: Departamento de Cultura da Secretaria de Educação e
Cultura do Estado de Pernambuco, 1978. p. 180.
34
MOREIRA, Vânia Maria Lousada. Guerra e paz no Espírito Santo: caboclismo, vadiagem e
recrutamento militar das populações indígenas provinciais (1822 – 1875). In: XXIII Simpósio
Nacional de História. Simpósio: Guerras e Alianças na História dos Índios: perspectivas
interdisciplinares. 2005, p. 1.
197
não tendo domínio da situação, buscaram reger suas ações de acordo com seus
próprios interesses, não apenas ligando-as às determinações coloniais. Seguindo o
pensamento de Certeau, a tática, mesmo só tendo por lugar o outro, “aí se insinua,
fragmentariamente”, transformando os acontecimentos em ocasiões,41 ou guerras
em oportunidades de obter benefícios, como foi o caso da participação indígena na
Revolução de 1817. Embora já não mais fazendo parte das antigas comunidades
tribais, mas inseridos no contexto da sociedade colonial, era justamente aí que o
“índio forjava espaços de sobrevivência no interior de sua nova realidade social”,42 e
tal enunciado foi latente nas vivências de índios que lutaram em conflitos a favor da
Coroa portuguesa, como nos mostra Maria Regina de Almeida:
[...] indo desde os mais básicos princípios de direito até uma alegada
inconstância dos índios, que pode levá-los a retornar aos matos e à
“gentilidade”, se forem maltratados. [...] A partir do século XVIII, além
da civilização dos índios serão invocados os interesses econômicos
da colônia sempre que se trata de recomendar brandura no
tratamento com os índios [...].46
46
PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista
do Período Colonial (século XVI a XVIII). In: CUNHA, Maria Manuela Ligeti Carneiro da. História dos
Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 122.
47
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da Prisão. Petrópolis: Vozes, 2007.
48
CARVALHO, Marcus J. M. de. Os índios e o Ciclo das Insurreições Liberais em Pernambuco (1817-
1848): ideologias e resistências. In: ALMEIDA, Luiz Sávio de. GALINDO, Marcos. Índios do
Nordeste: Temas e Problemas – III. Maceió: EDUFAL, 2002. p. 71.
200
49
MOTA, Carlos Guilherme. Nordeste 1817: Estruturas e Argumentos. São Paulo: Perspectiva /
Editora da Universidade de São Paulo, 1972. p. 98.
50
Ibid., p. 69.
51
Ibid., p. 182.
52
Ibid., p. 173.
53
Ibid., p. 174.
54
Maio 23. Off° ao Sarg.mor Jose Agostinho Pinheiro Dir.or de Soure e Arronches pª ter promptos no
dia 26 do Corre.te 200 Indios das suas Directorias pª se ajuntarem aqui com 100 Indios de Arr. es, e
marchar com elles pª as Fronteiras desta Capª.” In: Livro 21, p. 136V.
201
55
SILVA, Edson Hely. Xucuru: memórias e história dos índios da Serra do Ororubá (Pesqueira/PE),
1959-1988. Tese (Doutorado) ‒ UNICAMP, 2008. p. 89.
56
Maio 26. Proclamação aos Indios do Ceara q.do partiraõ para o attaque das Capit.as Sublevadas.
In: Livro 28, p. 45V.
57
ALMEIDA, 2001, p. 67.
58
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Aula inaugural no Collège de France, pronunciada em
2 de dezembro de 1970. São Paulo: Loyola, 1996. p. 5.
202
rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder”.59 As práticas discursivas são
tão valiosas, justamente pelo poder que tem de instaurar nos homens e nas
sociedades um novo sistema ou uma nova verdade. O que Sampaio quis, e que foi
questão central em todo seu governo, foi tirar o Ceará do estigma de lugar atrasado;
e, para que isso fosse possível, tornou-se fundamental transformar aqueles índios
“bárbaros”, e afastados da civilização, em súditos fiéis dignos da “glória” de
pertencerem ao reino de Portugal, e uma das ferramentas utilizadas foi o poder do
discurso. Mas para que esse poder pudesse ser plenamente estabelecido e
obedecido, deveria funcionar não apenas como uma máquina de repressão, mas
também como uma força reprodutora desse mesmo discurso (no caso, voltado ao
patriotismo). Sobre o poder como exercício puro de repressão, Foucault nos advertiu
que deveríamos considerá-lo muito mais como uma rede produtiva que atravessa
todo corpo social do que uma instância negativa que tem por função reprimir:
59
FOUCAULT, 1996, p. 5.
60
FOUCAULT, 2007, p. 8.
61
CERTEAU, 2008, p. 99.
62
Ibid., p. 95.
203
Por meio da análise documental, nos foi possível observar diversas vantagens
que os índios provavelmente enxergaram como motivações, não somente para
participarem da guerra, mas também para se declararem fiéis súditos do rei de
Portugal. Segundo afirma Evaldo Cabral de Melo, em “1817, os índios haviam
massacrado quem quer não se dispusesse a gritar ‘Viva El Rei’”, 63 revelando que,
desde longa data, a Coroa portuguesa representou muitas vezes uma proteção e
fonte de vantagens para as populações indígenas. No caso dos índios aqui
estudados, não aconteceu diferente por uma série de fatores.
Primeiramente, o risco de serem presos caso resistissem. Não havia muita
escolha, já que se havia posto na legislação portuguesa a obrigatoriedade de os
índios das aldeias e vilas servirem como força militar para a Coroa. Tal afirmação
não significa, de forma alguma, assumir uma posição “freudiana” em relação às
ações dos índios do Ceará no momento da guerra, como tradicionalmente a
historiografia referente à Revolução de 1817 tem colocado, segundo a qual as
classes pobres sempre aparecem “manipuladas” pelas lideranças envolvidas nos
combates.64 Diferente do que colocou João Alfredo Montenegro, segundo o qual os
“costumes primitivos, um estado de barbárie” do povo da capitania eram campos
férteis para que o tradicionalismo pudesse potencializar “valores multisseculares de
fidelidade, de lealdade ao Rei”,65 é preciso lembrar de que, assim como disse
Certeau, é justamente na sociedade colonial e em seus diversos ambientes que o
índio criava para si “um espaço de jogo para maneiras de utilizar a ordem imposta
[...]. Sem sair do lugar onde tem que viver e que lhe impõe uma lei, ele aí instaura
pluralidade e criatividade”.66 Aquilo que vinha de cima, ou de todos os lados, não era
algo que fazia dos índios meras peças da manipulação real, mas antes
transformavam-se em oportunidade de vantagens para esses mesmos
63
MELLO, Evaldo Cabral de. A outra independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824.
São Paulo: 34, 2004. p. 63.
64
Como aparece constantemente em MOTA, 1972, p. 88; 144-189.
65
MONTENEGRO, João Alfredo de Sousa. O trono e o altar: as vicissitudes do tradicionalismo no
Ceará, 1817-1978. Fortaleza: BNB, 1992. p. 24.
66
CERTEAU, 2008, p. 93.
204
subordinados. Haja vista que não poderiam sair ou rejeitar esse esquema, faziam da
lealdade ao rei a sua própria sobrevivência.
Em segundo lugar, é preciso estar atento à situação de miséria na qual se
encontravam os nativos: o período era de seca e as vilas de onde foram recrutados
eram extremamente pobres. Diante de tal quadro de fome e pobreza, não é
espantoso pensar no apoio indígena às causas reais, posto que, desde muito tempo,
era ao soberano português que os índios procuravam socorro nas brigas com os
senhores de terra, pois era a própria legislação indigenista da época que os
amparava neste sentido. De acordo com Marcus Carvalho, o “Rei era a última
instância a que poderiam recorrer os camponeses contra as invasões de terra feitas
pela aristocracia agrária. Ruim com D. João VI, pior sem ele”, 67 explicando assim o
porquê do notório “fanatismo monárquico” citado por Evaldo Cabral de Mello.68
Dessa maneira, mostrando fidelidade à causa da Coroa, eles puderam ter certa
garantia de abastecimento enquanto estiveram servindo como soldados na guerra,
tanto de alimentos como de vestimentas. Além disso, por ordem do próprio
governador Sampaio, todos os habitantes do Ceará foram obrigados a prestar
auxílio aos índios, de acordo com esta portaria escrita em maio de 1817, quando
iniciaram sua marcha:
67
CARVALHO, 2002, p. 88.
68
“A população do centro [de Pernambuco], indígena ou mestiçada, era notória pelo fanatismo
monárquico”, o qual é atribuído pelo autor ao descaso com que eram tratados pelo governo
revolucionário de Recife. Cf. MELLO, 2004, p. 63.
69
Maio 26. Portaria Geral a favor do Sarg.mor Jose Agostinho Pinheiro”. In: Livro 21, p. 143V.
70
Maio 26. Officio ao mesmo Coronel Leite, ratificando o conteúdo do officio de 24 e participando a
partida do Sarg.mor Pinheiro com os 300 Indios já annunciados. In: Livro 24, p. 10.
205
71
COSTA, Hipólito José da. Correio brasiliense ou Armazém literário, vol. XXIII. São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado: Brasília: Correio Brasiliense, 2002. p. 353.
72
S I L V A , Edson Hely. Os índios wassú e a guerra do Paraguai: história, Memória e Leituras
Indígenas sobre o Conflito. In. Revista Cabanos, Maceió: FUNESA, n. 1, p. 93-109, 2006.
73
LOPES, 2003, p. 82.
206
74
SOUSA, Mônica H. Mesquita de. Missão na Ibiapaba: estratégias e táticas na Colônia nos séculos
XVII e XVIII. Dissertação (Mestrado) ‒ Universidade Federal do Ceará, 2003. p. 81.
75
TOLLENARE, 1978, p. 178.
76
MOTA, 1972, p. 71.
207
populares nos dois lados do conflito contraria tal enunciado – os próprios grupos
indígenas não foram uniformes nas suas adesões 77 – revelando diferentes tomadas
de posição que não se configuraram simplesmente manipulação. Além disso, assim
como muitos desertavam pelas péssimas condições em que se encontravam as
tropas,78 vários outros se mantiveram fiéis.
Ao contrário do que diz a historiografia tradicional, tal estado de miséria
constituiu-se motivador que determinou as escolhas que os índios tomaram diante
dos fatos: no caso de o índio do Ceará ser um “entusiasmado” súdito do rei
significava sobreviver. Lembrando as palavras de Marcus Carvalho em seu estudo
sobre os índios que participaram das insurreições pernambucanas:
Porém, é preciso discutir sobre esse mesmo espaço de escolha que tinham
os índios. Será mesmo que aqueles homens paupérrimos, famintos em uma seca,
sem poderio bélico e vivendo em vilas arruinadas, sob um regime de vigilância e
disciplina intensa, tinham tanto poder de escolher se iriam ou não para a guerra? É
justamente aqui que entra o conceito de tática trabalhado por Certeau, que se define
por uma “ação calculada que é determinada pela ausência de um próprio. [...] A
tática não tem por lugar senão o do outro”. 80 É bastante provável que as
possibilidades de decisão dos indígenas ‒ frente ao recrutamento ‒ eram pequenas,
senão únicas; deveriam compor o corpo de vassalos do soberano de Portugal. Mas,
uma vez dentro dessa configuração, dela conseguiram tirar vantagens, ou seja,
permanecerem vivos. Michel de Certeau enxergava no seio dos grupos nativos das
Américas sua capacidade de alterar o “espetacular sucesso da colonização” pelo
uso que faziam dela, usando leis, práticas e representações que lhes eram impostas
para outros fins que não os dos conquistadores. Delas faziam outras coisas:
77
Como mostra o trabalho de CARVALHO, 2002.
78
As tropas de Jerônimo Coelho da Silva ameaçavam deserção por falta de pólvora, balas e
alimentos. Cf. MOTA, 1972, p. 178.
79
CARVALHO, 2002, p. 93.
80
CERTEAU, 2008, p. 100.
208
Foi nesse sistema do mundo colonial que esses nativos passaram a ser
súditos “honrados e nobres”, e, posteriormente, “desapareceram” na visão da elite
político-econômica do Ceará. Graças ao seu silêncio (que não foi de forma alguma
constante), transformando-se em “homens ordinários” e caindo no anonimato,
sobreviveram e puderam esperar, fazendo de suas diversas táticas de sobrevivência
“procedimentos que valem pela pertinência que dão ao tempo”.82 Índios que lutaram,
índios gloriosos, índios que “desapareceram”: sobreviveram, esperaram, e hoje
teimam em quebrar o silêncio.
81
CERTEAU, 2008, p. 94-95.
82
Ibid., p. 102.
209
83
SILVA, Isabelle Braz Peixoto da. Vilas de índios no Ceará Grande: dinâmicas locais sob o
Diretório Pombalino. Campinas: Pontes, 2005. p. 80.
84
ARAÚJO, Inesita. A reconversão do olhar: prática discursiva e produção dos sentidos na
intervenção social. São Leopoldo: UNISINOS, 2000. p. 122.
85
Ibid., p. 128.
86
VERÓN, Eliseo. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: UNISINOS, 2004. p. 89.
87
KOSTER, 2003.
210
da Silva Feijó, cuja Memória sobre a Capitania do Ceará,88 escrita em 1814, talvez
tenha sido a primeira obra fruto de um trabalho científico sobre os aspectos naturais
e sociais da região.
Por outro lado, os nativos, alvos de tais práticas discursivas, não agiram de
forma passiva nem estática diante do governo que os nomeava e enquadrava em
lugares sociais e geográficos específicos. Mesmo sem poder ignorar as relações,
representações e até mesmo as identidades que lhes eram impostas, os índios as
exerciam de acordo com seus interesses e possibilidades.89 Sem ter a pretensão de
tentar enxergar naquele Ceará um lugar onde tivessem plena autonomia,
percebemos que, dentre os vários caminhos escolhidos pelos indígenas, um deles
estava relacionado com o abandono ou a desistência de costumes e comunidades
tradicionais e do autorreconhecimento nativo.
Concordamos com Stuart Hall, para quem as identidades nacionais, inclusive
as que tiveram lugar nas Américas do século XIX, eram “formadas e transformadas
no interior da representação”.90 Ou seja, o sentimento de pertencimento a uma
nação, segundo o autor, “é um discurso – um modo de construir sentidos que
influencia e organiza”, tanto as “ações quanto a concepção” que uma pessoa – ou
uma comunidade – pode ter de si mesma.91 Por isso, tais práticas representativas,
cujos efeitos não podemos desprezar, não dizem tudo acerca daquela complexa
realidade a qual se dirigem e nem têm o poder de constituí-la com pleno sucesso.
Longe de serem completamente indefesos às coerções, tais povos também
agiram como sujeitos que negociavam na produção de novos lugares e situações
sociais. Tendo em conta que os sentidos e as identidades são frutos das relações
entre produção e consumo de discursos,92 entendemos que as atitudes de suposta
aderência ao sistema também eram resultados de ações conscientes dos índios,
que muitas vezes usaram do silêncio ou da aceitação para poderem sobreviver.
88
FEIJÓ, João da Silva. Memória escrita sobre a capitania do Ceará. In. Revista do Instituto do
Ceará, Fortaleza: ano 3, p. 3-27, 1889.
89
PINTO, Milton José. Comunicação e discurso: introdução à análise de discursos. São Paulo:
Hacker, 2002. p. 44.
90
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997. p. 53.
91
Ibid., p. 55.
92
Ibid., p. 47.
211
93
ARAÚJO, 2000, p. 138.
94
Provavelmente, Sampaio teve contato com a obra de Feijó, escrita durante o mandato deste
governador, em 1814.
95
PINTO, 2002, p. 28.
96
PINHEIRO, 2008, p. 274
97
FEIJÓ, 1898, p. 3.
98
Agosto 17. Officio dirigido ao Naturalista João da Silva Feijo p a informar se nesta Capnia ha algûa
mina de carvão. In: Livro 33, p. 88V.
212
105
KOSTER, 2003, p. 180.
106
Ibid., p. 177.
107
Ibid., p. 178.
108
“[...] quasi todos os açasinios que sucedem na Capitania são perpetrados por Indios que andão
dispersos ou por motivos de Indias disperssas que pela maior parte são prostitutas”. Cf. Outubro 9.
Registro de hum Officio dirigido ao Coronel Comandte do Aracati Pedro Joze da Costa sobre varios
Objectos. In: Livro 15, p. 179.
109
KOSTER, 2003, p. 176.
110
Ibid., p. 178.
111
Na nota 26 do Viagens, o autor fala de informações que recebeu acerca de dois índios que foram
ordenados padres, mas abandonaram o sacerdócio por problemas com bebidas. Cf. Ibid., p. 180.
112
O único resquício que se tem notícia, de língua indígena falada atualmente no Ceará é da etnia
tremembé, presente nos rituais do torém.
113
KOSTER, 2003, p. 181.
114
Ibid., p. 180.
214
como os significados que o representam, não tendo sido nunca “algo pronto,
cristalizado, e imanente”. Nos discursos indigenistas do século XIX, frutos de
“condições históricas, culturais e políticas” específicas, a figura do índio acabava
sendo dotada de extraordinária pluralidade e dinamismo,115 e as práticas discursivas
de Sampaio revelam tal heterogeneidade. Dessa maneira, pelo fato de um texto ser
um tecido de outros textos, e de que “toda a produção discursiva é um
reconhecimento de outros discursos”,116 passaremos agora a analisar os escritos do
governador do Ceará, procurando percebê-los como prática social atravessada por
outras falas e produtora de novos sentidos e relações.
também a glória que eles teriam ao defender as causas do rei: os mesmos que,
agora “gloriosos”, eram anos antes depreciados por Feijó por sua “falta de
sentimentos e de virtudes moraes”. Percebemos, mais uma vez, que o objetivo do
governador “era tirar o Ceará do estigma de lugar atrasado. E, para que isso fosse
possível, seria fundamental transformar aqueles índios bárbaros e afastados da
civilização em súditos fiéis, dignos da ‘glória’ de pertencerem ao reino de
Portugal”;123 e sua prática discursiva tinha um papel fundamental nesse sentido.
Mas o ápice de tal posicionamento do governador, no sentido de enaltecer os
índios que lutavam em nome do rei, está presente no documento intitulado
“Proclamação aos Indios do Ceara q.do partiraõ para o attaque das Capit.as
Sublevadas”, do dia 26 de maio de 1817. Utilizando-se de palavras que
engrandeciam a participação daqueles índios na guerra, Sampaio dirigiu-se
diretamente aos “Leáes, e Valorozos Indios do Ceara” e os incentivava a lutar contra
aqueles que feriam os direitos divinos do rei lusitano:
123
COSTA, 2010, p. 9.
124
In: Livro 28, p. 45V.
217
125
HALL, 1997, p. 66.
126
ARAÚJO, 2000, p. 162.
127
Outubro 16. Offo ao Director de Arronches pa fazer com que os Indios abrão Rossados p r causa do
gd numero de Vadios que andão espalhados, e Outras provid as Sobre o mesmo fim. In: Livro 21, p.
e
184V.
218
todos os Indios seus dirigidos servindo-lhes este como de penhor da minha gratidão
e reconhecimto”.128 Podemos observar, com essas palavras, a tentativa de enaltecer
sua própria gestão, na medida em que mencionava a certeza do aumento de
prosperidade dos cearenses, que teria ocorrido somente após seu mandato. Foi uma
forma de valorizar seu trabalho, ao mesmo tempo em que influenciou respeito junto
aos seus novos companheiros no governo de Goiás.
Em constante mutação nas diversas fontes aqui analisadas, as palavras
referentes aos índios no Ceará do início do século XIX se adequavam às diversas
representações e situações vivenciadas por esses povos nativos. Para Bakhtin, a
palavra, socialmente ubíqua, penetra, serve de trama para todas as relações sociais
entre grupos e indivíduos em todos os domínios. De bárbaros a nobres, todos esses
termos e textos são indicadores das contínuas transformações sociais vivenciadas
pelos indígenas nos mais variados contextos.129
Por mais que parecesse contraditória, tal prática discursiva tinha um claro
objetivo de imprimir uma nova realidade na capitania e civilizar os seus nativos,
disciplinando suas ações, limitando seus espaços e impondo novos modos de vida.
Punindo delinquentes e glorificando os que estivessem alinhados aos seus planos, o
governador não só delimitou espaços, mas procurou aproximar os índios aliados ao
resto da sociedade, completando assim os objetivos integracionistas da legislação
indigenista vigente. Na medida em que “é pela negação ou afirmação da diferença
com o Outro que se constitui a própria identidade”, 130 vemos que, nessa lógica, os
indígenas eram cada vez mais obrigados a deixar hábitos antigos, e a abandonar
costumes tradicionais, a trabalhar de maneira produtiva, e, defendendo as causas do
rei, deveriam a igualar o seu jeito de viver com o da sociedade que os cercava:
enfim, a deixarem de ser índios.
Se existir é ser reconhecido como legitimamente diferente, e a existência real
supõe a possibilidade real de afirmar a diferença, “qualquer unificação, que assimile
aquilo que é diferente, encerra o princípio da dominação de uma identidade sobre
outra, da negação de uma identidade por outra”, como coloca Bourdieu.131 Ao
inserir, por meio de suas práticas discursivas, os índios como partícipes do corpo de
128
Janeiro 12. Circular dirigido aos Dir es dos Indios desta Capnia participando-lhes a entrega do Govo
res
della aos Govern interinos. In: Livro 22, p. 164V.
129
BAKHTIN, Mikhail (V. N. Volochínov). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas
fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 41.
130
ARAÚJO, 2000, p. 158.
131
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. p. 129.
219
súditos do rei português, Sampaio buscava, mesmo que fosse um projeto a médio
ou longo prazo, cumprir as diretrizes pombalinas e afastar definitivamente os índios
de suas culturas, tradições e identidades.
O discurso, além de funcionar como uma pista sobre práticas que existiam e
se quis combater – como foi o caso do livre acesso que os índios tinham de uma vila
para outra – ele também pode ser percebido a partir de seus efeitos. Os sentidos
produzidos por ele estão intimamente ligados às definições das identidades sociais
assumidas por seus usuários e consumidores.132 Pensando nos múltiplos efeitos que
um discurso pode produzir,133 percebemos que várias reações indígenas vindas
dessas práticas indigenistas – de imposição de regras e limites civilizadores –
estiveram ligadas à questão da identidade, mais exatamente à aparente negação
por parte dos índios de modos de vida tradicionais e a sua autoinserção no modelo
imposto pelo poder estatal.
132
PINTO, 2002, p. 46-47.
133
VERÓN, 2004, p. 83.
134
CARVALHO JÚNIOR, Almir Diniz de. Índios cristãos: a conversão dos gentios na Amazônia
portuguesa (1653 – 1769). Tese (Doutorado) ‒ UNICAMP, 2005, p. 1.
220
a “sua diferença por contraste àqueles com quem foram forçados a conviver”.135
Para Boccara, a produção do próprio “ser” indígena se constituía por meio da
constante mestiçagem e contato com o elemento externo, o “outro”, seja ele o setor
dominante ou não. A máquina social indígena necessitava da mescla, ou melhor, da
mestiçagem: nutria-se do outro para elaborar seu “ser”. Os indivíduos e grupos
resultantes dessas relações e situações de contato – mestiços – eram os mesmos
indígenas que, diante das particularidades de cada momento, transformavam e
ressignificavam suas identidades, lugares sociais e autoidentificações, a partir de
suas próprias reações frente ao que era imposto.136
Mesmo as várias saídas de índios do seu habitat e seu alistamento às
companhias de ordenanças de brancos – que ocorreram durante todo mandato de
Sampaio – ou até as negações abertas da identidade indígena não revelam simples
atitudes inertes frente ao processo de disciplinamento da população. Entendemos
que tais atos representaram ações conscientes de homens e mulheres que, frente a
determinadas situações, lançaram mão do abandono de suas comunidades de
origem, ou mesmo do silêncio, para continuarem sobrevivendo em uma sociedade
que cerceava cada vez mais os limites impostos.
Vários são os exemplos na documentação em que percebemos as tentativas
de muitas pessoas para saírem das vilas de índio onde, por lei, seriam obrigadas a
residir, como foi o caso de Miguel Baptista dos Santos. Identificado como “homem
pardo”, enviou requerimento em 1812 ao secretário do governo da capitania,
queixando-se que o diretor de Monte-Mor Velho estava obrigando-o “a viver de baixo
de sua direcção pelo motivo de ser Cazado com uma India que foi sua dirigida”. 137
Em relação a pedidos de índios para se desprenderem da obrigação de
permanecer em suas vilas, um dos casos mais antigos, já citado no capítulo anterior,
é o de Theodosio dos Santos Cruz, que, por meio de um requerimento de fevereiro
de 1813, conseguiu que o governador ordenasse ao diretor de Mecejana que lhe
desse “baixa na Companhia em que se acha alistado” e que não o “embarace para
elle poder fazer o seu estabelecimento, e morada aonde lhe convir”.138 No mês
135
CARVALHO, 2005, p. 1.
136
BOCCARA, Guillaume. Antropologia diacrónica. In: Nuevo mundo mundos nuevos. 2005.
Disponível em: <http://nuevomundo.revues.org>, p. 5.
137
Maio 21. Registo de hum Officio dirigido ao Director dos Indios de Monte Mor o Velho. In: Livro 95,
p. 34.
138
Fevereiro 20. Registo de hum Officio dirigido ao Diror de Mecejana pa dar baixa a hum Indio para
não ficar Sugeito a Va alguma. In: Livro 16, p. 153.
221
139
Abril 22. Registo de hum Officio ao Dir or de S. Pedro de Baiapina pa dar baixa a 2 Indios da sua
Direcção q’ se passarão pa Va Nova d’El Rey. In: Livro 17, p. 25.
140
Novembro 2. Registro de hum Officio dirigido ao Dir or de Mecejana pª dar Passapte a hum Indio q’
tem rossados no Parasinho. In: Ibid., p. 176V.
141
Novembro 20. Registo de hum Officio ao Director de Soure p a desalistar huns Indios da sua
Direcção. In: Livro 18, p. 10V.
142
Novembro 23. Offo ao Diror d Arres pa desmembrar das Ordas Indias, hum Indio q’ esta estabelecido
no Curú. In: Livro 19, p. 123V.
143
Outubro 23. Officio dirigido ao Dir or de Mecejana para desaldear Felix dos Santos Cardoso e
outros. In: Livro 22, p. 97V.
222
144
Ofício de 14/01/1815. In: Livro 93, n.p.
145
Requerimento anexo ao ofício de 14/01/1815. In: Ibid., n.p.
223
146
ALMEIDA, 2003, p. 153.
147
“Indios do Ceara nas vossas veias corre ainda o Sangue dos Algudões dos Camarões dos
Pinheiros dos Tavares dos Capelins e de outros m.tos heroes que se distinguirão assim nos attaques
sobre o gentio como na primeira restauração de Pernambuco”. Cf. Proclamação aos Indios do Ceara
q.do partiraõ para o attaque das Capit.as Sublevadas. In: Livro 28, p. 45V. APEC. Grifo nosso.
148
Ofício de 14/01/1815. In: Livro 93, n.p.
149
Requerimento anexo ao ofício de 14/01/1815. In: Ibid., n.p.
224
150
Abril 28. Offo ao Sargmor das Ordas da Va Visa Rl Sobre hum Indio q’ pertende ser Vaqueiro das
Fazas [danificado] Gados. In: Livro 20, p. 8V.
151
Ofício de 20/05/1815. In: Livro 93, n.p.
152
Requerimento anexo ao ofício de 20/05/1815. In: Ibid., n.p. Grifo nosso.
225
157
ELIAS, Juliana Lopes. Militarização indígena na Capitania de Pernambuco no século XVII:
caso Camarão. Tese (Doutorado) ‒ Universidade Federal de Pernambuco, 2005, p. 131.
158
BOURDIEU, 1998, p. 142.
159
Outubro 28. Registo de hum Officio dirigido ao Commnd e do Cascavel participando lhe ter
reprehendido hum Sugeito. In: Livro 16, p. 11.
227
Mães não tiverem sido Indios não estão no caso” de serem recrutados, abrindo
exceção para os que tivessem outras origens além da indígena.160 Observamos com
isso que, nesse período, a condição nativa, além de ser inferior, era ainda mais
monitorada e sofria mais coerções do que as outras categorias de homens livres.
O exemplo mais representativo de negação da identidade indígena está
registrado em ofício de dezembro do mesmo ano, dirigido ao capitão-mor do
Aquiraz, onde lhe escreveu acerca de alguns nativos que se encontravam dispersos
(fora de suas vilas e sem a documentação exigida):
160
Fevereiro 4. Registo de hum Officio dirigido ao Comde das Ordas do Aquiras pa remetter presos a
esta Va todos os Indios q’ andarem dispersos, e sem Passaporte. In: Livro 16, p. 136.
161
Desembro 12. Registo de hum Officio dirigido ao Cap mor Comde das Ordas do Aquiras Ordenando-
lhe varias [ilegível] e acusando a recepção de huns Officios. In: Ibid., p. 67. Grifo nosso.
228
162
HALL, 1997, p. 67.
163
CARVALHO JUNIOR, 2005, p. 6.
229
164
BOCCARA, 2005, p. 10.
165
Os povos são anacé, gavião, jenipapo-kanindé, kalabaça, kanindé, kariri, pitaguari, potiguara,
tabajara, tapeba, tapuia-kariri, tremembé, tubiba-tapuia e tupinambá. Cf. PALITOT, Estevão Martins.
Introdução. In: PALITOT, Estevão Martins (Org.). Na mata do sabiá: contribuições sobre a presença
indígena no Ceará. Fortaleza: Secult / Museu do Ceará / Imopec, 2009.
230
166
ALBUQUERQUE, 2002, p. 20.
167
Ibid., p. 19.
231
visão simpática aos índios, mas que os enquadra como vítimas de poderosos
processos externos à sua realidade”.168
Inseridos nesta nova historiografia, tentaremos mostrar que os índios no
Ceará colonial não foram simplesmente “arrastados pela história”, mas também
tiveram e foram artífices de sua própria. Para Boccara, longe de serem meros
espectadores da história, o dinamismo e a abertura cultural dos índios lhes
permitiam tirar proveito do próprio sistema colonial, possibilitando manejar a seu
favor os elementos do dominador.169 Acompanhando esse pensamento, nosso
objetivo aqui é perceber, por meio de requerimentos registrados na documentação
do governo de Manuel Ignácio de Sampaio, de que maneira os indígenas,
conscientes de suas posições sociais, usavam, de maneiras diversas, “regras [...] do
mundo branco para poder sobreviver e construir espaços de liberdade”. 170
Outra corrente de pensamento, que também pretendemos ir de encontro, é
aquela que imagina as atitudes dos nativos, frente à colonização, apenas no sentido
de reações abertas, como deserção ou guerra. Para além deste simplismo,
observamos que os índios, por questões de necessidade, aprenderam a inserir-se
naquele universo que os dominou, e souberam ocupar determinados lugares,
apropriaram-se de diversos elementos, caminhos e táticas para conseguirem
alcançar seus interesses. Se alguns traçaram como caminho a resistência armada,
outros fizeram nascer novas formações sociais, ou ainda passaram a ser
intermediadores imprescindíveis ao sistema colonial, ou mesmo se valeram das vias
legais em busca de seus direitos.171 Para além de identificar apenas registros de
choques e negações indígenas diante da colonização, nossa análise se debruça em
casos nos quais os índios se apropriaram, por meio das vias legais, desse mesmo
sistema colonizador para realizarem seus objetivos.
Os nativos não foram constantemente “obstinados e redutíveis opositores do
projeto colonial”, já que “ao utilizarem mecanismos próprios da cultura” europeia
estavam “defendendo perspectivas de ação e reação ou (re)criação de seu próprio
mundo”.172 De pedidos individuais até requerimentos comunitários relativos a tributos
168
MONTEIRO, John Manuel. O desafio da história indígena no Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes da.
GRUPIONI, Luís Donizete Benzi. A temática indígena na escola: novos subsídios para professores
de 1º e 2º graus. São Paulo: Global, 2004. p. 227.
169
BOCCARA, 2005, p. 6.
170
CARVALHO JÚNIOR, 2005. p. 323.
171
BOCCARA, 2005, p. 06.
172
ALBUQUERQUE, 2002, p. 51.
232
173
ALMEIDA, 2003, p. 92.
233
Mecejana, sobre o “Requerimto incluzo de João Correia Indio dos da direcção dessa
Villa”. Manda-o ainda que compareça à sala do governo, “em execução do
Despacho nelle proferido”, para que dê explicações pelo não cumprimento da “Carta
precatoria do Dezembargador Juiz de Fora desta Villa da Fortaleza”, 174 revelando o
nível de envolvimento que poderia ter um índio em questões jurídicas ou de natureza
semelhante.
O segundo requerimento, expedido no mês seguinte, foi produzido pelo índio
Egidio Dias de Moraes da vila de Arronches, e registrado em ofício do mesmo
secretário dirigido à câmara desta vila, no qual reclama dos danos causados em sua
propriedade:
Notemos que aquilo que o índio requerente queria defender era algo vital para
o governador: a sua lavoura, que não só era prova de seu trabalho como também
algo de extremo valor aos planos do poder real de desenvolvimento econômico e
civilização da população. A plantação de Egídio, provável fonte de seu sustento,
passava a ser garantia de que fosse pelo menos despertado no governo algum
interesse em atender seu pedido. Percebemos que ser um índio nessa sociedade
não significava que ele estivesse fadado a ocupar um lugar completamente
marginal, desprezível e sem representatividade. Por mais que pertencesse a uma
“casta” que, em âmbitos sociais e políticos, era inferior aos brancos, a ponto de
“demandar” cuidados especiais das autoridades, Egídio soube somar seus
interesses com os do governo – que era o de manter-se em uma terra produtiva de
forma adequada – e, assim, ocupar uma condição social que lhe possibilitava lutar
por seus interesses.
Mesmo em posições desfavoráveis, os índios souberam muitas vezes
movimentar-se nessa sociedade de forma surpreendente, a ponto de terem
conseguido realizar certas ações que desconcertariam os mais conservadores.
174
Maio 23. Registo de hum Officio dirigido ao Juiz Ordinario da Villa de Mecejana. In: Livro 95, p. 35.
175
3 de Junho. Registo de hum Offo dirigido a Camara da V a de Arronches. In: Ibid., p. 40.
234
176 o e as a
Desembro 4. Registo de hum Officio dirigido ao d Comd das Ord de Aquiraz p fazer q’ sugeito
mate huma Vaca q’ destroe os rossados visinhos. In: Livro 16, p. 56.
177
Março 1. Registo de hum Officio dirigido ao Sarg mor das Ordas de Va Viçosa Real Ordenando huma
prisão. In: Ibid., p. 160.
178
Março 10. Officio ao Juis Ordino de Mecejana. In: Livro 95.
235
Por esses dois exemplos, percebemos que os requerimentos dos índios iam
muito além de uma busca para agradar ao governador ou uma tentativa de provar
que estavam agindo da forma desejada pelo poder político, partindo inclusive de
pessoas que estavam presas. E nesse caso de 1814, Sampaio registrou mais uma
vez o que já dissemos anteriormente: os indígenas não estavam em pé de igualdade
com os brancos, como é deixado bem claro no documento. Mesmo assim, essa
situação não era inibidora da ação e articulação dos nativos em prol de seus
objetivos, estando eles ou não de acordo com o governo. Observamos também a
considerável variedade de intenções associadas a essas petições, sugerindo a
múltipla situação social dos índios. Mais do que um grupo coeso e uniforme, a
população indígena no Ceará era heterogênea, composta de individualidades e
setores diferentes, com histórias, conjunturas e possibilidades particulares. A própria
existência de requerimentos tão diversos – indo do pedido de soltura até a isenção
de funções da elite indígena local – é uma prova nesse sentido. Porém, mesmo com
toda essa diversidade, pudemos observar que essa condição não barrou a
organização de certos grupos – como foi o caso dos oficiais índios de Arronches –
que, a partir das demandas de determinados momentos, se uniram e agiram, de
acordo com o que lhes era possível, para conseguir aquilo que queriam.
179
Outubro 26. Rego de hum Officio ao Diror d’Arronches sobre varios objectos. In: Livro 19, p. 108.
236
180
14 de Abril. Registo de hum Officio dirigido ao Director dos Indios da Villa de Mecejana. In: Livro
15, p. 4V.
237
Índios (mesmo depois de sua extinção), pudemos coletar registros de tentativas por
parte de lideranças indígenas que, agindo em grupo, buscaram anular este conjunto
de leis.
Durante o mandato de Sampaio, a questão legislativa sobre os índios esteve
algumas vezes em evidência, por tentarem abolir, eles próprios, esta lei que, desde
o século anterior, fazia diminuir sua representatividade e seu direito a terra.
Aumentava o poder leigo sobre eles e, consequentemente, recrudescia a violência a
que estavam submetidos. As ações dos índios neste governo tiveram início em
1814, quando os nativos de Vila Viçosa Real elaboraram um enorme
requerimento181 dirigido à Dona Maria I, pedindo a abolição da legislação pombalina,
“justamente para quem outrora havia declarado extinto o Diretório” 182 em 1798.
Trabalhado por Maico Xavier, o autor desenvolveu uma análise detalhada e
profunda sobre este requerimento, reservando-o um capítulo inteiro de sua
dissertação. Neste documento, os indígenas “narraram sobre a dinâmica entre eles
e diretores evocando acontecimentos que se deram desde a elevação da Aldeia da
Ibiapaba” à categoria de vila, “citando o nome de cada um e descrevendo, segundo
eles, os males que aqueles haviam praticado”.183
Apresentando detalhes de seus cotidianos, bem como dos sofrimentos e
injúrias que padeciam diante de cada diretor, os nativos se colocaram diante das
autoridades na busca de alterar o plano legislativo sob o qual viviam. Pediam, ao
final das trágicas descrições, que “Vossa Magestade Fidellicima mande recolher o
Directorio por hum Decreto para que os senhores brancos, e outras qualidade de
pessoas que residem nas terras dos Indios cada hum procure as suas Patrias”. 184
Mais do que a extinção da lei, a vontade dos nativos foi além, propondo inclusive o
fim do poder dos diretores, a saída dos “extra-naturais” e, enfim, o estabelecimento
definitivo de sua própria autonomia em suas terras. Ao ratificar uma “ancestralidade,
citando nomes de Principais e destacando a participação nas guerras e serviços dos
brancos”,185 podemos ver, pela dimensão dessa ação, a enorme capacidade dos
índios de transitar entre os elementos do Império, a quem estavam submetidos.
181
Parte deste requerimento foi trabalhada no capítulo 3, item 3.4, vide p. 88.
182
XAVIER, Maico Oliveira. Cabôcullos são os brancos: dinâmicas das relações socioculturais dos
índios do Termo da Vila Viçosa Real – século XIX. Dissertação (Mestrado) ‒ Universidade Federal do
Ceará, 2010, p. 81.
183
Ibid., p. 84
184
Requerimento anexo ao ofício de 20/10/1814. In: Livro 93, n.p.
185
XAVIER, 2010, p. 108.
238
186
BOURDIEU, 1998, p. 118.
187
Ofício de 20/10/1814. In: Livro 93, n.p.
188
XAVIER, 2010, p. 109.
189
Ibid., p. 108.
190
Maio 12. Offo ao Sargmor e Diror de [?] Villa Visa pa dar a sua Informação sobre 1 requerimento q’ os
Indios levarão ao Throno do Principe pedindo abolição d’alguns artigos do Directorio. In: Livro 20, p.
19.
239
em Viçosa: justamente àqueles que faziam parte do grupo social denunciado pelos
requerentes.
Já em agosto de 1816, o tema voltou a aparecer na documentação, desta vez
em um ofício dirigido ao governador do Maranhão, no qual foram tratados assuntos
diversos. Em certa parte do documento, Sampaio pediu ao líder do governo
maranhense uma cópia do Regimento das Missões contido no “Directorio dos Indios
de 1757 de que prezentemente muito necessito” para que, com isso, pudesse dar
seu parecer à Mesa de Desembargo do Paço “sobre hum requerimento dos Indios
desta Capitania em que pedem que se revogue ou annulle o dito directorio”,191 em
referência ao documento de 1814 por nós analisado anteriormente. Este trecho
novamente nos sugere o que já dissemos: passados quase dois anos, esta polêmica
questão continuou insolúvel, já que Sampaio ainda haveria de dar seu parecer sobre
ela. Além disso, os índios não deixaram de lado o desejo de alterar as leis que os
comandavam, mostrando que não eram passivos neste universo em que viviam.
Mesmo inseridos em ambiente no qual não mais tinham nenhuma liberdade de
manifestar seus costumes e cotidianos próprios, isso não os impediu de agir. Foi
justamente neste “novo” mundo e com a apropriação de seus elementos – inclusive
das leis e dos recursos jurídicos – que tentaram realizar os seus objetivos.
Este não foi o único evento em que os nativos procuraram alterar a legislação
que lhes regia na busca de concretizar seus interesses. Num momento de
importante contribuição a serviço da Coroa, os índios foram premiados, em 1819,
pelo rei Dom João VI, por conta de sua participação na Revolução Pernambucana
de 1817. Conforme dissemos anteriormente, a inserção destes nativos na guerra,
demonstrando lealdade ao monarca, possibilitou-lhes “conseguir diversas vantagens
individuais”, além de “melhorias para suas comunidades, como aconteceu no caso
da isenção dos impostos”.192 No mês de fevereiro de 1819, o soberano do Império
português expediu um decreto “isentando os indios do Ceará, Pernambuco e
Parahyba de pagarem o subsidio militar, e porcentagens aos Directores das aldeias”.
De acordo com o texto do Instituto do Ceará sobre a administração de Manuel
Ignácio de Sampaio, os nativos que lutaram nos conflitos foram premiados
191
Agosto 31. Registo de hum officio dirigido ao Exmo Governador do Maranhão [...] sobre a copia do
Regimto das Antigas Missoens dos Indios. In: Livro 23, p. 111V.
192
COSTA, 2010, p. 12.
240
Por obediência a essa ordem régia, Sampaio expediu em setembro deste ano
uma circular a todos os diretores de vilas de índios no Ceará, onde os ordenou que
[...] de ora em diante não deve Vm ce mais receber dos Indios dessa
Direcção os 6 por cento que ategora lhe tocavão do producto das
culturas dos mesmo Indios mas tambem que no fim de cada quartel
mandará receber na Thesouraria Geral do Real Erario desta
Capitania o ordenado que a Junta da Real Fazenda lhe arbitrou na
forma das Ordens de S. Magestade.194
193
ADMINISTRAÇÃO Manuel Ignácio de Sampaio (1º visconde de Lançada), Revista do Instituto do
Ceará, Fortaleza, ano 30, p. 240, 1916.
194
Setembro 16. Circular dirigido aos Directores de Indios desta Capitania para não perceberem mais
os 6% que ategora cobravam das culturas dos d os Indios. In: Livro 22, p. 86.
195
COSTA, 2010.
241
196
Desembro 16. Officio dirigido ao Cap mor de Monte Mor o Novo em resposta á Officios do dito
Capitão Mor. In: Livro 22, p. 126V. Grifo nosso.
242
197
BOURDIEU, 1998, p. 123.
198
BOCCARA, 2005, p. 7.
199
ALMEIDA, 2003, p. 92.
243
200
GARCIA, Elisa Frühauf. As diversas formas de ser índio: políticas indigenistas e políticas
indígenas no extremo sul da América portuguesa. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2009. p. 304-305.
244
201
Dezembro 1. Registo de hum officio dirigido ao Governador e Capitam General de Pernambuco
pedindo-lhe que na ocasião de mandar perseguir os Gentios indomitos, q.’ vagueão nas extremas
desta com as Cap.nias de Pernambuco e Paraiba, participe a este governo p. a se darem iguáes
providencias. In: Livro 23, p. 37.
245
Figura 14 - CARTA topográfica dos termos da vila do Crato, e S. Antonio do Jardim, capitania
do Ceará, levantada por Antonio Joze da Silva Paulet,Tenente Coronel Engenheiro, 1814.
202
ELIAS, 2005, p. 88.
247
203
CUNHA, 1998, p. 133.
204
PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 117.
205
Ibid., p. 129.
206
CUNHA, 1998, p. 136.
248
207
CUNHA, 1998, p. 136.
208
Ibid., p. 136-137.
209
CERTEAU, 2008, p. 46-47.
210
PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 129.
211
Id. ibid.
212
CERTEAU, 2008, p. 94-95.
249
213
VALLE, Carlos Guilherme Octaviano do. Aldeamentos indígenas no Ceará do século XIX: revendo
argumentos históricos sobre desaparecimento étnico. In: PALITOT, Estevão Martins (Org.). Na mata
do sabiá: contribuições sobre a presença indígena no Ceará. Fortaleza: Secult / Museu do Ceará /
Imopec, 2009. p. 130.
214
Ibid., p. 131.
215
Ibid., p. 131-132.
250
em meio aos gentios. De acordo com Sampaio, em ofício do dia 27 de maio, dirigido
ao Coronel Alexandre Leite, comandante das tropas das fronteiras, os “generais
traidores da corôa do Rio do Peixe procurão salvar-se entre o Gentio Pajaú”. Em
seguida, revelou uma das razões pelas quais enviou uma tropa de trezentos índios
recrutados de vilas próximas a Fortaleza: “Os Indios que ora lhe envio [...] são muito
próprios para atacar o Gentio, e tirar do meio delles os taes coroas”216, como já
vimos no capítulo anterior. Mas parece que tal missão de ataque ao gentio não teve
o sucesso esperado, pois, no dia 18 do mês seguinte, Sampaio lamentava-se ao
mesmo Coronel por não ter iniciado a investida das tropas para o Recife em uma
data anterior, lembrando-lhe de o quanto “teria sido util esta marcha se pudesse já
ter tido lugar, o que evitaria a fuga dos taes rebeldes de Pernambuco para o Gentio
de Pajaú”.217
Conforme podemos observar, os relatos acerca do contato destes povos com
os insurgentes pernambucanos não dão esclarecimentos dos acordos acertados,
dos interesses em jogo, ou de mais detalhes sobre o envolvimento desses índios
nos conflitos, bem como sobre o desenrolar dessa história; porém podemos
compreender, com base nesses registros, que diferentemente do que apresenta a
historiografia tradicional relativa à Revolução Pernambucana de 1817, segundo a
qual os agentes sociais periféricos sempre aparecem na condição de “manipulados”
pelas lideranças envolvidas nos combates,218 as participações de indígenas nesses
conflitos indicaram sua capacidade de negociação com as diversas partes
envolvidas e a busca pela realização de seus próprios interesses. De acordo com
Marcus Carvalho, em muitos casos, os indígenas saíam fortalecidos e com mais
poder de barganha das alianças que faziam com os proprietários, revelando que “as
comunidades tinham interpretações próprias daqueles acontecimentos e agiam de
acordo com elas”.219 A aliança dos gentios do Pajahú com os insurgentes “não era
algo que fazia dos índios meras peças da manipulação”, mas antes se constituíam
“oportunidade de vantagens” para eles.220 Além disso, como mostra a própria
216
Maio 27. Offício ao mesmo Coronel Leite, remetendo-lhe 2ª Via de offício de 26, e tornando a
insinuar-lhe a sua marcha ate o Recife. In: Livro 24, p. 11V.
217
Junho 18. Officio ao mesmo Coronel Leite em resposta ao seu officio de 7 do corr e., e ordenando-
lhe que faça immediatam.te recolher-se ao respectivo districto o Cap.mor João de Araujo Chaves com o
seu destacamento, e sobre varios outros objetos relativos a revolução, e a entrada das tropas desta
Cap.nia na da Paraiba. In: Ibid., p. 22V.
218
Como vemos constantemente em MOTA, 1972, p. 88, 144 e 189.
219
CARVALHO, 2002, p. 67.
220
COSTA, 2010, p. 11.
251
historiografia aqui referida, o fato de ter havido participação indígena dos dois lados
revela também a variedade de modos de vida e interesses entre as comunidades
nativas.
Mas 1819 parece ter se constituído como o período crucial na história desse
grupo. Na última fronteira a ser conquistada pelas mãos disciplinadoras do governo,
explodiu o conflito entre os “gentios do Pajahú” e os proprietários rurais. Notemos
que, até então, as referências documentais sobre eles são escassas, mas aqui o
fato de ter havido interferência no plano de desenvolvimento agrícola fez com que
eles ressurgissem nos registros do governador. O motivo para tanto movimento foi
que, nesse ano, Sampaio recebeu informações de moradores dos arredores da Vila
Crato que reclamavam os prejuízos agrícolas que lhes tinham causado os índios
bravios da região – os mesmo que, dois anos antes, abrigaram os revolucionários
pernambucanos. Por conta disso, formou-se uma Comissão para realizar o ataque
àquele grupo “indômito”, e diversos documentos foram expedidos da sala do
governador no dia primeiro de março, sendo o primeiro deles uma portaria a favor de
Gregório do Espírito Santo, morador de Jardim, e que viria a ser o líder dessa
investida:
Qualquer Official Militar de Milicias ou Ordenanças e em geral todos
os Habitantes desta Capitania a quem for apresentada esta minha
Portaria deverão prestar a Gregorio do Espirito Santo todo o auxilio
que por elle lhes for pedido a bem da importante Comissão de que
está encarregado do ataque do Gentio de Pajahú ficando-me
especialmente responsavel todo aquelle que assim o não praticar
tendo esta Portaria vigor tão somente por espaço de seis mezes.221
222
Março 1. Offo a Gregorio do Espirito Santo morador no Jardim para formar huma Bandr a e hir
atacar o Gentio de Pajahú. In: Livro 28, p. 152.
253
223
Março 1. Officio dirigido ao Ill.mo e Ex.mo Senh Governador da Paraiba sobre a expulsão do Gentio
que ficão nas fronteiras das Capitanias de Pern co Paraiba e Ceará; Março 1. Officio dirigido ao Ill. mo e
Ex.mo General de Pernambuco sobre a expulsão do Gentio. In: Livro 30, p. 47V e 48.
224
Março 28. Porta a favor de Gregorio do Espirito Santo. In: Livro 28, p. 162.
254
225
Dezbro 24. Offo a Gregorio do Espirito Santo morador no Jardim agradecendo-lhe a prompta
execução q’ dada as ordens deq’ he encarregado. In: Livro 29, p. 16.
226
BOURDIEU, 1998, p. 116.
255
elementos do próprio sistema no qual estavam inseridos. Sem muitas vezes poder
livrar-se dele, subvertiam-no “a partir de dentro”, usando e deformando suas regras
para conseguirem aquilo que queriam.227 Da mesma forma aconteceu com os agora
“índios do Pajahú”, que naquele momento concordaram em se aldear para que
cessassem as investidas contra eles. Mas pelo visto, de acordo com o que conta a
historiografia,228 sua esperada redução não foi definitiva, e a história desse contato,
repleta de choques, delinquências, negociações e “atrevimentos”, estava longe de
chegar a um fim.
227
CERTEAU, 2008.
228
VALLE, 2009.
256
229
BOCCARA, 2005, p. 05.
230
MAIA, Lígio José de Oliveira. Cultores da vinha sagrada: missão e tradução nas Serras de
Ibiapaba (século XVII). Dissertação (Mestrado) ‒ Universidade Federal do Ceará, 2005. p. 189.
231
CERTEAU, 2008, p. 38.
232
ELIAS, 2005, p. 88.
257
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ALEGRE, Maria Sylvia Porto; MARIZ, Marlene da Silva; DANTAS, Beatriz Góis.
Documentos para a História Indígena no Nordeste. São Paulo: FAPESP, 1994.
BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989.
CARVALHO JÚNIOR, Almir Diniz de. Índios cristãos: a conversão dos gentios na
Amazônia portuguesa (1653 – 1769). Tese (Doutorado), UNICAMP, 2005.
______. Textos, impressão, leituras. In: HUNT, Lynn. A nova história cultural. São
Paulo: Martins Fontes, 1992.
COSTA, João Paulo Peixoto. A disciplina nos sertões: Manuel Ignácio de Sampaio e
um projeto de civilização no Ceará (1812-1820). Revista História. Rio de Janeiro:
2011.
CUNHA, Maria Manuela Ligeti Carneiro da. Política indigenista no século XIX. In:
______ (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,
1998.
262
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1994. v. 1.
GOMES, José Eudes Arrais Barroso. As milícias d’El Rey: tropas militares e poder
no Ceará setecentista. Dissertação (Mestrado) ‒ Universidade Federal Fluminense,
2009.
MAIA, Lígio José de Oliveira. Cultores da vinha sagrada: missão e tradução nas
Serras de Ibiapaba (século XVII). Dissertação (Mestrado) ‒ Universidade Federal do
Ceará, 2005.
______. O desafio da história indígena no Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes da.
GRUPIONI, Luís Donizete Benzi. A temática indígena na escola: novos subsídios
para professores de 1º e 2º graus. São Paulo: Global, 2004.
SILVA, Isabelle Braz Peixoto da. Vilas de índios no Ceará Grande: dinâmicas
locais sob o Diretório Pombalino. Campinas: Pontes, 2005.
265
SOUZA, Marcelo José Lopes de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e
desenvolvimento. In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo Cesar da Costa;
CORRÊA, Roberto Lobato. Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1995.
REFERÊNCIAS E FONTES
Série “Registro de ofícios do governo do Ceará aos militares desta capitania”. Livros:
33 (1812), 34 (1813 – 1814), 35 (1814 – 1815), 37 (1817), 38 (1817 – 1818) e 39
(1818 – 1820).
Fontes impressas
FEIJÓ, João da Silva. Memória escrita sobre a capitania do Ceará. In: Revista do
Instituto do Ceará. Fortaleza, tomo III, p. 3-27, 1889.
Crônicas e memórias
COSTA, Hipólito José da. Correio brasiliense ou Armazém literário, vol. XXIII.
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Brasília: Correio Brasiliense, 2002.
GOVERNO DA CAPITANIA
Livro 15
14 de Abril. Registo de hum Officio dirigido ao Director dos Indios da Villa de
Mecejana, p. 04V.
Maio 21. Registro de hum Officio dirigido ao Director dos Indios da Villa de Soure J e.
Agostinho Pinheiro, p. 25.
Maio 25. Registro de hum Officio dirigido ao Director dos Indios de Soure Joze
Agostinho Pinheiro sobre huã prizão, p. 34.
Junho 22. Registro de hum Officio dirigido ao Sargto mor de Monte mor Novo sobre
os Commdes de Districto.
Agosto 9. Registo de hum Officio dirigido ao Sargmor e Diror dos Indios de Monte mor
o Novo, p. 103V.
Septembro 15. Registo de hum Offo dirigido ao Cel. Commde da V.a do Aracati
Ordenando-lhe huma prisão, pág. 142.
Septembro 16. Registo de hum Officio dirigido ao Coronel Comde da Granja Franco
de Careo Motta sobre varios objectos, p. 143.
Septembro 25. Registro de hum Officio dirigido ao Director d’Arronches Ordenando-
lhe huma prisão, p. 153.
Septembro 23. Registo de hum Officio dirigido ao Capmor da Va do Aracati sobre
Commdes de Districto, pág. 153.
269
Septembro 30. Registo de hum Officio dirigido ao Director dos Indios de Soure sobre
varios Objectos, p. 161V.
Outubro 1. Registro de hum Officio dirigido ao Comde Intº das Ordas do Aquiraz para
prender hum Indio, p. 163.
Outubro 5. Registo de hum Officio dirigido ao Diror de Arronches Ordenando-lhe
huma prisão, p. 166.
Outubro 8. Registo de hum Officio dirigido ao Capm Franco de Salles Gomes Comde
de Sta Cruz da Uruburetama Sobre Varios Objectos, p. 172.
Outubro 9. Registro de hum Officio dirigido ao Coronel Comandte do Aracati Pedro
Joze da Costa sobre varios Objectos, pág. 179.
Livro 16
Outubro 28. Registo de hum Officio dirigido ao Commnde do Cascavel participando
lhe ter reprehendido hum Sugeito, p. 11.
Janeiro 9. Registo de hum Officio Circular dirigido aos Capes Mores e Comdes de
Ordas remettendo lhe a Copia da Carta Regia Sobre o estabelecimto do Banco do
Brasil, p. 11V.
Novembro 13. Reggisto de hum Officio dirigido ao Comd e de Sta Cruz Franco de
Salles Gomes Sobre Varios Objectos, p. 32.
Novembro 17. Portaria ao Diretor de Soure p a mandar buscar huns Indios de sua
Villa que se achão presos, pág. 37V.
Novembro 17. Registo de hum Officio dirigido ao Commd e do Cascavel Ordenando-
lhe huãs prisões de Indios dispersos, p. 37V.
Novembro 17. Registro de hum Officio dirigido ao Dir or de Mecejana pa dar
Passaporte a hum Indio que não he vadio, pág. 38.
Desembro 1. Registo de hum Officio dirigido ao Capmor do Sobral Ordenando-lhe a
prisão de huma India, p. 49.
Desembro 2. Registo de hum Offo dirigido ao Referido Director pa prender huns
Indios dispersos, p. 53V.
Desembro 4. Registo de hum Officio dirigido ao d o Comde das Ordas de Aquiraz pa
fazer q’ sugeito mate huma Vaca q’ destroe os rossados visinhos, p. 56.
Desembro 12. Registo de hum Officio dirigido ao Capmor Comde das Ordas do Aquiras
Ordenando-lhe varias [ilegível] e acusando a recepção de huns Officios, p. 67
270
Abril 22. Registo de hum Officio ao Diror de S. Pedro de Baiapina pa dar baixa a 2
Indios da sua Direcção q’ se passarão pa Va Nova d’El Rey, p. 25.
Abril 26. Registo de hum Officio dirigido ao Capmor das Ordenanças desta Va
ordenando lhe hua prisão.
Junho 12. Registo de hum Officio ao Diror de Arronches pa reprender os Indios de
Pitaguari pa não incomodarem os seus Visinhos, p. 62V.
Junho 22. Registo de hum Officio ao Commde de S. Cosme estranhando a ter
prendido hum homem individamente, p. 65.
Julho 6. Registo de hum Officio ao Capmor do Ico com Resposta ao seu Offo de 26 de
Março sobre o castigo q’ deu ao preso Escro de Joaqm Jose de Carvalho, p. 102.
Julho 17. Registo de huma Circular aos Diretores de Va Viçosa, Baiapina, Almofala,
Monte Mor o Novo, Monte Mor o Velho pa poderem passar passaporte aos seus
Indios, p. 108V.
Julho 19. Registo de hum Officio ao Diror de Arronches respondendo a huns Offos pa
nomear hum Indio pa Commde delles, p. 109V.
Agosto 16. Registo da Portaria ao Dir or de Va Viçosa pa das todos os Indios q’ o Corel
Simplicio pedir, p. 129.
Agosto 30. Registo de hum Officio dirigido ao Sargmor de Monte mor o Velho pa
reprehender huns Indios q’ andão atirando frexas aos Gados.
Septembro 9. Registo de hum Officio ao Cap.m Manoel da Cunha Freire Pedrosa
agradecendo-lhe o Donativo que deo para a Fortalesa, p. 143.
Novembro 2. Registro de hum Officio dirigido ao Dir or de Mecejana pª dar Passapte a
hum Indio q’ tem rossados no Parasinho, p. 176V.
Livro 18
Novembro 16. Registo de hum Officio ao Director de Monte mor o Velho p a remetter
huns Indios presos pa esta Capal, p. 06V.
Novembro 20. Registo de hum Officio ao Director de Soure pa desalistar huns Indios
da sua Direcção, p. 10V.
Desembro 15. Registo de hum Officio ao mmo Sargmor Commde Sobre Varios
Objectos, p. 29.
Março 22. Registo de hum Officio ao Diror de Soure, encarregando-o da Direcção
dos Indios de Mecejana visto á avançada idade do actual Diror, p. 115.
272
Livro 19
Julho 12. Portaria ao Diror d’Arres pa fornecer ao Revdo Vigº daquella Va 12 Indios pª a
reedificação da Igreja.
Julho 23. Rego de hum Offo ao Commde do Siupe Ordenando huma prisão, p. 39V.
Outubro 26. Rego de hum Officio ao Diror d’Arronches sobre varios Objectos, p. 108.
Novembro 23. Offo ao Diror d Arres pa desmembrar das Ordas Indias, hum Indio q’ esta
estabelecido no Curú, p. 123V.
Fevereiro 13. Portaria aos Directores das 3 Vas de Indios pa obrigarem os Indios a
virem á Praça Vender Marisco, p. 178.
Livro 20
Abril 28. Offo ao Sargmor das Ordas da Va Visa Rl Sobre hum Indio q’ pertende ser
Vaqueiro das Fazas [danificado] Gados, p. 08V.
Abril 29. Offo ao Capmor do Sobral accusando hum Offo e pa prender o q’
acompanhou a matar o Indio Fidelis, p. 09V.
Maio 12. Offo ao Sargmor e Diror de [?] Villa Visa pa dar a sua Informação sobre 1
requerimento q’ os Indios levarão ao Throno do Principe pedindo abolição d’alguns
artigos do Directorio, p. 19.
Agosto 12. Circular aos Directores de Arres [Arronches] Soure, e Mecejana Sobre os
Indios Corros que comettem faltas qdo [quando] vão de Viagem, p. 60.
Outubro 23. Offo ao Capmor do Aquiraz para assentar praça a hum Indio a quem se
desalistou das Ordas Indias, p. 83.
Outubro 23. Officio ao Diror de Mecejana pa entregar ao Capmor Supra o Indio Duarte
pa assentar Praça nas Ordas do Aquiraz.
Novembro 20. Officio ao Director de Mecejana Sobre differentes objectos, p. 90V.
Janeiro 23. Officio ao Diror de Mecejana pa mandar Soltar no dia 28 do Corre a 2
Capes Indios q’ elle prendeo, p. 134.
Fevereiro 9. Officio ao Dir.or de Mecejana pa fazer passagem de hum Indio pa as
Ordas brancas do Aquiraz, p. 138V.
Março 21. Circular aos Directores de Arronches, Soure e Mecejana pª mandarem 6
Indios diariamte com mariscos a vender na feira.
Fevereiro 15. Officio ao Capmor de Sobral Sobre diferentes Objetos, p. 139V.
Maio 30. Officio director de Monte-mor o Velho pª não dar mais Indio algum a Antº
da Silveira pelo mal tratamto que lhes dá, p. 164.
273
Maio 30. Officio Circular aos Directores de Arronches, Soure e Mecejana Sobre o
mmo Objecto do Officio Supra, p. 164V.
Livro 21
Outubro 1. Officio ao Dir or de Baepina accusando huns officios, e Outros objectos, p.
40V.
Outubro 9. Officio ao Capmor do Ico accuzando huns Officios, e Outros Objectos, p.
42V.
Março 5. Offo ao Director de Mecejana estranhando lhe a maneira por q’ se tem
conduzido tão mal há tempos a nesta parte, p. 98.
Porta ao Sargto [sargento] mor Diro [diretor] de Arronches pa examinar 2 Indios
Corre.os [correios] vindos de Pernambuco sobre os objectivos abaixo declarados, p.
114V.
Portaria ao Diretor de Arronches para examinar de 2 indios de Pernambuco
objectivos abaixo declarados, p. 121
Off° aos Directores de Arronches, Soure e Mecejana pª terem promptos em estado
de defesa todos os Indios daquella direcção pª qualquer operação, p. 132V.
Maio 23. Off° ao Director de Mecejana pª q.e no dia 26 do Corr.e mez se deve achar
nesta Cap.al com 100 Indios armados de Arco e Frecha pª marcharem pª as
Fronteiras, p. 136.
Maio 23. Offo ao Sargmor Jose Agostinho Pinheiro Diror de Soure e Arronches pa ter
promptos no dia 26 do Correte 200 Indios das suas Directorias pa se ajuntarem aqui
com 100 Indios de Arres, e marchar com elles pa as Fronteiras desta Capa, p. 136V.
Maio 24. Off° ao Cap.mor de Monte mor Novo pª ter todos os Indios promptos no dia
29 do Corr.e pª se unirem aos 300 Indios q’ o Sarg.mor Pinheiro leva pª as Fronteiras,
p. 140.
Maio 26. Offo ao Capmor de Monte mor o Novo pa entregar ao Sargmor Pinheiro os
Indios q’ se lhe Ordenou tivesse promptos, p. 142V.
Maio 26. Portaria Geral a favor do Sarg.mor Jose Agostinho Pinheiro, p. 143V.
Junho 1. Off° ao Sarg.mor Jose Agostinho Pinh. Ordenando lhe q’ se não achar no Ico
o C.el Leite, marcha com os Indios ate se incorporar com elle, p. 153V.
Julho 5. Offo aos Directores de Mecejana e Soure para Obrigarem os Indios a
plantarem Mandioca vista a grande falta que se tem sentido.
274
Livro 22
Junho 14. Officio dirigido ao Director de Mecejana sobre o que ordena o Directorio a
respto da venda do vinho e outras bebidas nas Villas de Indio, p. 30.
Setembro 16. Circular dirigido aos Directores de Indios desta Capitania para não
perceberem mais os 6% que ategora cobravam das culturas dos dos Indios, p. 86.
Outubro 23. Officio dirigido ao Diror de Mecejana para desaldear Felix dos Santos
Cardoso e outros, p. 97V.
Outubro 27. Officio dirigido ao Sargmor Commande into das Ordmas desta Capital para
fazer prender Francisco de Paula grumete, q’ acaba de desertar da Escuna Velha do
Rio, p. 100.
Desembro 16. Officio dirigido ao Capmor de Monte Mor o Novo em resposta á Officios
do dito Capitão-Mor, p. 126V.
Janeiro 12. Circular dirigido aos Dires dos Indios desta Capnia participando-lhes a
entrega do Govo della aos Governres interinos, p. 164V.
Fevereiro 8. Officio dirigido ao Director de Arronches para a prizão do Indio Correio
Felippe da Silva, p. 174V.
275
Livro 23
Maio 1. Registo de hum Officio dirigido ao Exmo Snr. [excelentíssimo senhor]
Governador e Capitam General de Pernambuco, implorando a sua protecção a favor
do estabelecimento do Correio pa comunicação das principais Villas desta Cap nia
[capitania] com Perco [Pernambuco], p. 04V.
Fevereiro 26. Registo de hum officio dirigido ao Governador e Capitam General de
Maranhão sobre a correspondencia do Correio do Ceará com o do Maranhão, e
remettendo-lhe as instruções pa a mesma correspondencia, p. 24.
Dezembro 1. Registo de hum officio dirigido ao Governador e Capitam General de
Pernambuco pedindo-lhe que na ocasião de mandar perseguir os Gentios indomitos,
q.’ vagueão nas extremas desta com as Cap. nias de Pernambuco e Paraiba, participe
a este governo p.a se darem iguáes providencias, pág. 37.
Março 1. Registo de hua Carta dirigida ao Chanceller da Relação do Maranhão
pedindo lhe que concorra quanto puder para a ampliação do Correio do Ceará até a
dita Cidade do Maranhão, p. 44V.
Março 2. Registo de hum officio dirigido ao Exmo [excelentíssimo] General do
Maranhão sobre a creação de hum correio de comunicação regular entre esta e a
Capitania da da [dita] Cidade do Maranhão, q’ se faz absolutamente necessário por
cauza da Relação; e remettendo o Projeto pa o mmo [mesmo] estabelecimento, p.
45V.
Setembro 17. Registo de hûa carta dirigida ao Chanceller do Maranhão,
agradecendo-lhe ter concorrido pa o =convenio= do General, em quanto a ampliação
do Correio, e sobre mais objectos do mesmo Correio, p. 63V.
Outubro 16, Registo de hum officio dirigido ao Exmo [excelentíssimo] General do
Maranhão, remettendo-lhe o mappa geral de todas as partidas e chegadas do
Correio do Ceará nas suas Agencias, e a lista dos donativos que offereceram os
Negociantes e outras pessoas desta Capnia [capitania] para supprir as faltas no
estabelecimto, no caso de as haver, e sobre outros objectos relativos ao mesmo
estabelecimento do Correio, p. 66.
Dezembro 15. Registo de hua carta ao Coronel Bento Joze da Costa, de
Pernambuco, em resposta as suas duas cartas de 22 de Setembro, e 23 de
Novembro de 1814.
276
Livro 24
Maio 19. Officio ao mesmo Coronel Leite sobre varios objectos relativos á revolução
do Crato, p. 05.
Maio 24. Officio ao mesmo Coronel Leite, confirmando o conteúdo do off° de 23, de
que vai 2ª Via, insinuando-lhe que vá restaurar as Villas de Portalegre, de Souza, e
do Pombal, e depois marchar em direitura no Recife, p. 09.
Maio 26. Officio ao mesmo Coronel Leite, ratificando o conteúdo do officio de 24 e
participando a partida do Sarg.mor Pinheiro com os 300 Indios já annunciados, p. 10.
Maio 27. Offício ao mesmo Coronel Leite, remetendo-lhe 2ª Via de offício de 26, e
tornando a insinuar-lhe a sua marcha ate o Recife, p. 11V.
Maio 31. Officio ao mesmo Coronel leite participando a chegada dos presos do Crato
á esta Capital, e ordenando-lhe que vá atacar o Rio do Peixe, e Pombal, e seguir
para o Recife dê pª onde der, p. 13.
277
Junho 18. Officio ao mesmo Coronel Leite em resposta ao seu officio de 7 do corr e.,
e ordenando-lhe que faça immediatam.te recolher-se ao respectivo districto o Cap.mor
João de Araujo Chaves com o seu destacamento, e sobre varios outros objetos
relativos a revolução, e a entrada das tropas desta Cap. nia na da Paraiba, p. 22V.
Livro 30
Março 1. Officio dirigido ao Ill.mo e Ex.mo Senh Governador da Paraiba sobre a
expulsão do Gentio que ficão nas fronteiras das Capitanias de Pernco Paraiba e
Ceará; Março 1. Officio dirigido ao Ill.mo e Ex.mo General de Pernambuco sobre a
expulsão do Gentio, p. 47V e 48.
Maio 15. Officio dirigido ao Dezor [desembargador] Joze Francisco Silva Costa
Furtado em resposta a carta do dito Dezor de 11 de Março de 1816, p. 64V.
Julho 28. Officio dirigido aos Gov res do Bispado para providenciarem sobre os
procedimentos do Vigario de Arronches, p. 90.
Agosto 13. Officio dirigido aos Governadores do Bispado em ampliação de outro
dirigido aos mesmos Governadores em 28 de Julho, e que está regdo ap. 90 deste
mmo livro, p. 93.
Desembro 4. Officio dirigido ao Vigario Capitular do Bispado accusando-lhe a
recepção de officios, p. 107V.
Fevereiro 12. Offo ao Vistad. desta Capnia Antº Gomes Coelho sobre as 4 Fregas de
Indios de Monte mor o Velho Mecejana Arronches, e Soure e participando-lhe as
Ordens mas sobre os mmos, p. 110V.
Livro 26
Abril 27. Registo de hûa Ordem dirigida ao Ajudante de Milicias Francisco Xavier da
Camera para a fazer publicar aos Pescadores da Prainha desta Villa, p. 06.
Maio 1. Registo da Representação e Projecto para o Estabelecimto do Correio desta
Capitania com a de Pernambuco que o Illmo Sr Govor [ilustríssimo senhor governador]
Manoel Ignacio de Sampaio fez pessoalmente ver á Junta da Real Fazenda desta
Capia [capitania] e que a mesma Junta aprovou mandando lavrar o Termo de
aprovação que ao diante vai copiado datado de 9 de abril de 1812, p. 08.
278
Livro 27
Abril 30. In: Livro 27, p. 83.
Maio 11. Rego da Portaria ao Intendente enterino da Marinha pa mandar tratar a hum
Indio q’ esta com bexiga.
Maio 28. Rego da Portaria ao Intendente da Marinha pa mandar tratar ao Indio Pedro
Dias, p. 88.
8bro [outubro] 1º. Regto de offo ao Agte da Granja sobre o corro do Maranhão com as
circunstancias q’ do mmo [mesmo] [ilegível], p. 101.
Agosto 12. Rego [registro] de offo [ofício] ao Administrador Geral do Corro sobre os
Indios Correios, com as providencias que seguem, p. 152V.
Agosto 31. Rego [registro] de offo [ofício] ao Agente do Sobral sobre a nova Agencia,
e outros objectos do Correio, p. 156V.
Livro 28
Julho 1. Portaria ao Inte Intro da Marinha pa mandar tratar hum doente pelo Hospal Rl
Militar, p. 10V.
Julho 1. Carta ao Age [agente] do Corro [correio] do Ceará em Pernambuco
agradecendo-lhe varios Obsequios, p. 10V.
279
Julho 12. Offo [ofício] ao Administrador Gl. [geral] do Corro [correio] dando-lhe varias
Ordens Sobre os abusos dos Indios Correios, p. 11V.
Maio 26. Proclamação aos Indios do Ceara q.do partiraõ para o attaque das Capit.as
Sublevadas, p. 45V.
Agosto 4. Portª ao Inte da Marinha pª q’ se distribua o pano de Algudão pelo Indios q’
forão á Campanha, p. 58.
Novembro 26. Offo ao Adminor Geral do Corro de Pernambuco agradecendo-lhe a
protecção sobre o Corro do Ceará, p. 70.
Fevereiro 14. Porta ao Inte Intro da Mara pa q’ os Edificios publicos botem luminarias
pela occasião do Principe Sr. Dom Pedro ter Cazado, p. 79V.
Setembro 15. Officio ao Escrmor da Granja Jose de Almeida Fortuna pa Observar os
passos de 1 Frade q’ ahi chegou, p. 103.
Fevro 13. Offo a Jeronimo Joze Figueira de Mello sobre a sua irregular conduta, p.
149V.
Março 1. Porta a favor de Gregorio do Espirito Santo, p. 151.
Março 1. Offo a Gregorio do Espirito Santo morador no Jardim para formar huma
Bandra e hir atacar o Gentio de Pajahú, p. 152.
Março 28. Porta a favor de Gregorio do Espirito Santo, p. 162.
Junho 4. Porta ao Escrao Deputado da Junta da Real Fasenda sobre o feliz Nascimto
de huma Princesa, p. 164V.
Livro 29
Dezbro 15. Carta ao Administrador Geral do Correio de Pernambuco tendo presente
hûa Carta tendente ao agasalho do Indios Correios, p. 13.
Dezembro 15. Carta ao Agente do Correio da Parnaiba sobre cousas tendentes a da
[dita] Agencia, p. 13V.
Dezbro 24. Offo a Gregorio do Espirito Santo morador no Jardim agradecendo-lhe a
prompta execução q’ dada as ordens deq’ he encarregado, p. 16.
Fevro [fevereiro] 24. Offo [ofício] ao Admor [administrador] Geral do Corr o [correio] [...]
Sobre o extravio dos Corros e dando as Ordens sobre os mmos [mesmos], p. 25V.
280
Livro 33
Registro de hum Officio Circular, dirigido aos Coroneis, e Commandes dos
Regimentos Miliciannos desta Capitania, em que lhe ordena Remettão os Mappas
do estado actual dos Regimtos dos seus Commandos, e da mesma sorte em todos
os trimestres, pág. 01.
Maio 21. Portaria a Francisco Xer. Torres Commde da Guarnição desta Va. pa.
mandar soltar a India Anna Francisca, p. 04V.
Julho 9. Officio dirigido ao Coronel do Regimento d’homens pardos da V a do Icó,
ordenando-lhe que escute a ordem de 20 de Março, e que deve evitar o sistema que
ategora tinha, q’ era de quase nunca cumprir as ordens do Govo, pág. 73V.
Agosto 17. Officio dirigido ao Naturalista João da Silva Feijo pa informar se nesta
Capnia ha algûa mina de carvão, p. 88V.
Setembro 2. Portaria ao Comde da Guarnição, sobre o castigo dos dois Indios Pedro
Fernandes, e Antonio Franco Peixoto, p. 101.
Dezembro 17. Ordem de soltura a favor de varios individuos, como abaixo se
declara, p. 177.
Livro 34
Fevereiro 25. Rego do Officio circular aos Coroneis, e comdês dos regimtos respetivel
a Passaportes, pág. 24V.
Dezembro 28. Rego do Officio ao Coronel de Cavallaria do Sobral pa mandar hum
destacamto do seu Regimto a conduzir huns prezos de Almofala pa esta Capal, p. 130.
Dezembro 29. Rego do Officio ao Corel de Cavallaria do Sobral a respto dos Presidios
no mmo espreçados, p. 130V.
Janro 5. Rego do Offo ao Coronel de Infanta Miliciana do Ceará e Jagoaribe sobre
serto objecto relativo ao Capm Anto Franco da Sa, p. 142.
Abril 30. Rego do officio ao Teme Comde do destacamto do Sobral, dando varias
ordens sobre o mmo destacamto, p. 183.
281
Livro 35
Agosto 29. Rego [registro] de officio ao Ajude [ajudante] Miguel Joaqm da Fonceca
com novas ordens pa a condução dos prezos pa o porto do Itapajé, p. 51V.
Livro 37
Abril 2. Offo ao 2º Teme d’Armada Real Encarregando-o do Commando dos Presidios
daCosta do Termo da Va do Aracati.
Livro 38
Fevereiro 14. Offo [ofício] ao Sargmor [sargento mor] Ferra [Ferreira] Sobre diferenttes
objectos, p. 43.
Fevereiro 23. Offo ao Sargmor Ferra accusando huns Offos e Ordenando huma Soltura,
p. 49.
Livro 39
Dezbro 18. Offo ao Alfes Chaves sobre os presidios da Costa e pa capturar os vadios
das Praias pa sentarem praça na tropa de Linha. In: Livro 39, p. s/n.
Abril 3. Offo ao Sargmor Joze Felix mandando prender o Indio Andre de Lima e seu
filho Braz de Lima, p. 63.
Abril 27. Registo de hum Offo dirigido ao Sargto Mor das Ordenanças desta Va
Antonio Je Moreira, p. 18V.
Abril 27. Registo de hum Officio ao Commdee do Districto do Cascavel o Capm
Anastacio Lopes Ferra do Valle, p. 19.
Março 10. Officio ao Juis Ordino de Mecejana.
24. Offo Sargmor Joze Agosto Pinheiro Sobre huns requeremtos q’ se achão em Seu
poder, p. s/n.
Maio 8. Registo de hum Officio dirigido ao Capitão Jose Agostinho Pinheiro, p. 25.
Maio 21. Registo de hum Officio dirigido ao Director dos Indios de Monte Mor o
Velho, p. 34.
Maio 23. Registo de hum Officio dirigido ao Juiz Ordinario da Villa de Mecejana, p.
35.
3 de Junho. Registo de hum Offo dirigido a Camara da Va de Arronches, p. 40.
Julho 24. Officio ao Diror de Mecejana Sobre o mesmo objecto, p. s/n.