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uae EN a a PATRIMONIO BMz4 | Biblioteca | TEMAS DE DIREITO CIVIL RENOVAR A Evolucao da Responsabilidade Civil no Direito Brasileiro e suas Controvérsias na Atividade Estatal da responsabilidade civil no direito racao do sistema dwalista Suméria: 1. Introducao. A evolugi brasileiro, entre a culpa e o risco. A con de fontes & luz dos valores e principios constitucionais. 2. A expansio jurisprudencial da teoria subjetivista ea consolidacio da dogmética ‘da responsabilidade objetiva. A interpretacdo jurisprudencial do art 1,523, Cidigo Civil. O Decreto-lei n® 2.681/1912. A teoria do fortuito interno ¢ externo. Distincies conceit nsdveis. 3. Aiiwidade estatal ¢ a eoolugéio das téenicas de reparagao. A ponsabilidade do Estado e das empresas prestadoras de servico piiblico. Questdes contro vertidas: a revogacdo do art. 15 do Cédigo Civil; o problema da de nunciacdo da lide; a acdo contra 0 ente estatal; a responsabilidade solidéria blico ou ico e privado, ontra 0 agente 1. Introdugao. A evolugao da responsabilidade civil no direito bra- sileiro, entre a culpa e 0 risco. A consagracdo do sistema dualista de fontes & luz dos valores e principios constitucionais, A nogao de direito encontra-se intimamente vinculada a nogio de composigio dos conflitos de interesses, visando o atendimento. ranca. A norma juridica um 86 tempo como dissipadora de divergéncias das finalidades essenciais de justica ¢ s © como regra de conduta, servido de parimetro para 0 comporta- turo da coletividade.' Os pressupostos, critérios ¢ meca- nismos de composigio patrimonial dos conflitos, de modo a repor a favor de quem sofre dano, a representacio pecuniaria equivalente, revelam a trajet6ria da responsabilidade civil ao longo do tempo! Aidéia de respot sabilidade civil relacionavase. tradicionalmen. te, com 0 principio elementar de que 0 dano injusto, ou seja, 0 dano causado pelo descumprimento de dever juridico, deve ser reparado. Nas sociedades primitivas, a regra de Talizo — dente por dente, olho por ole —, absorvida pela Lei das XII Taibuas, deter- minava 0 nexus corporal do violador perante 0 ofendido. Pouco pouco, todavia, separowse a responsabilidade civil da criminal consagrando a Lex Poetela Papilia (326 a.C.) a contengao da res. 1_Y., sobre o tema, a belisima ligio de San Tiago Dantas, Programa de Divito GivitRio de Janeiro, Editora Rio, 197 (ed, historia. p. 98 e's. 2 A bibliografia sobre a matéria ¢ excessivamente ampla © encontrase cata Jogada em alguns dos prineipais autores nacionais, CE José de Agua Di Da Responsabilidade Cit, Rio de Janciro, Forense, 1995, 10" ed.. 2 vols: F Pontes de Miranda, Tratado de Dirato Privado, tomos Ull ¢ LIV, Sio Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, 3* ed; Alvino Lima, Culpa ¢ Risco, Sio Paulo, Revista dos Tribunais, 1960: Agostinho Alvim, Da Inexeeugda das Olnigacies ¢ sas Consepitncias, S30 Paulo, Saraiva, 1972, 4 ed; Miguel Maria de Serpa Lopes, Cuno de Dirito Cv vol. V, Fontes Acontratutas das Obrigacdes — Respon abiidade Cuil, Rio de Jancizo, Freitas Bastos, 1995, 4" ed: Caio Matio da Silva Pereira, Responsabilidade Ciil, Rio de Janciro, Forense. 1996, 7" ed; Sihio Rodrigues, Dire Civil, vol IV, Responsibilidade Civit So Paulo, Saraiva, 1993, 13" ed; Maria Helena Diniz, Curso de Dirito Cail Brasileiro, vol. VI, Responsa bitidade Civil, Sao Paulo, Saraiva, 1904, 8 ed, A cvoluao jurisprudenctal da Fesponsabilidade civil no Brasil € passada em revista, atentamente, por Sergio: Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Ci, Sao Paulo, Malheivos, 1996, © por Rui Stoco, Raponsailidade Ciil e sua Interpretacto Jurisprudence, Sao Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, $* ed: e, na experiencia italiana, Paolo Gendon (a cura di) La Responsabilitaextracontratutal, Milano, Giullre, 1994, V., também, Antonino Procida Mirabelli di Lauro, La nparasione de danni alla Prrvona, Napoli, ESI, 1988, na perspectiva do direito comparado, proponde rhovas técnicas que assegurem a reparagio integral, inspiradas na soldarredade social e na socializagdo :los riscos, com ampla ¢ atwal bibliogratia. Sempre estimulantes fazem-se, ainda de Stefano Rodoti, 1! problema della nsponsabititacivile. Milano, Giullré, 1967, « a tese do anifice da andlie analive criti econdmica do direito, Gtido Calabres, Costa dal incidents ersponsabilia rile Milano, Giff, 1975 pousabilidade civil & responsabilidade patimonial — 0 Senado Fomano teria se sensibilizado com a comocio popular suscitada clos castigos corporais impostos ao jovem Caio Publilio, em estado de nexus em virtude de débito contraido por seu pai, segundo conta Livio, Os ritos corporais macabros, relatados pelo antigo direito romano, sao finalmente banidos das legislacées dos povos civiliza. dos, adquitindo a obrigacio civil feicio unicamente patrimonial, delineandose, entio, 0 arcabouco tedrico que rege até hoje a responsabilidade civil subjetiva, uegocial (tratada especificamente pelo Cédigo Civil Brasileiro no capitulo relative aos Contratos) & extranegocial." O Cédigo Civil Brasileiro, através do art. 159, consagrou a res ponsabilidade subjetiva como regra geral no sistema privado bra- sileiro, a reclamar reparagdo contra todos 08 atos culposos que éausein dano injusto, Pouco a pouco, contudo, percebeu-se a inst ficiencia da técnica subjetivista, também chamada aquiliana, para ‘atender a todas as hipéteses em que os danos deveriam ser repa- rados. Procedeuse, primeiramente, por obra da jurisprudéncia, a uma expansio da responsabilidade subjetiva para hipoteses em que se prestimia a culpa do agente, Em etapa sucessiva, veio o legislador -gular, mediante expressa previsio legislativa, hipdteses em que a reparacao se impde independentemente da conduta culposa do esponsavel, associando a reparagio nao jé a seu comportamento ‘mas a0 risco provocado pela atividade da qual resultou o dano A responsabilidade civil derivada nao do ato ilicito mas de fonte egislativa (ex le)ampliou-se sobremaneira na atualidade, expres sio de tendéncia que se solidifica, no €aso brasileiro, com a Cons Litticio de 5 de outubro de 1988, que projeta o dever de reparagaio para além dos confins da conduta culposa dos individuos Dom feito, os principios da solidariedade social e da justia distré- dutiva, capitulados no art. 8°, incisos I IIL, da Constituicao, segun- do os quais se constituem em objetivos fundamentais da Repiiblica 8. V., por todos, Alberto Trabucchi, Istitusion’ di diritocivile, Padova, Ceelam, 1993. 54° ed., p. 476. Sobre o nem, wtilizado para “tornar obrigatérios os acordos de vontade que visavam a lazer sirgirdivida de dinheito; ese 0 devedor hao cumprisse a prestacio, ele seria submetido, sem julgamento, a. manus inicio, servindo 0 nexum de ttalo executiria para isso". José Carlos Moret Alves, Dinsito Romano, vol. H, Rio de Janeiro, Forense, 1972, 2 ed. p. 126, expec, natn 1.056, a construgio de uma sociedade livre, justa ¢ solidaria, bem como a erradicayao da pobreza e da marginalizagao ¢ a redugio das desigualda novos contornos da responsabilidade civil. Do ponto de vista legis- lativo € interpretativo, retiram da esfera meramente individual e subjetiva o dever de reparticao dos riscos da atividade econémica ¢ da autonomia privada, cada vez mais exacerbados na era da tecnologia. Impdem, como linha de tendéncia, o caminho da in- agao ¢ do desenvolvi- mento de novos mecanismos de seguro social." Justifica-se assim, inequivocamente, a preocupagio do consti tuinte em prever, ele proprio, certas hipsteses de responsabilidade objetiva e de seguro social (art. 78, XXVIII; art. 21, XXII, "e"; art 37, § 6°), bem como a cumulagao dos danos morais ¢ materiais {art 58, V, X), abrindo caminho para 0 trabalho do legislador infraconstitucionat (basta pensar na Lei n* 8,078/90, © Cédigo do Consumidor) € da jurisprudéncia (em sua importantissima tarefa de definir os critérins de liquidacio dos danos), no sentido de ampliar os confins da reparacio civil e da reparticao social dos les sociais ¢ regionais, nao podem deixar de moldar os tensificagao dos critérios objetivos de vepa 1 Alucida cendéncia pode ser verificada, nitidamente, na experiéncia conti: rental européia © anglosaxdnica, através da obra de Antonino Procida Mira belli di Lauro, La riparacione dei danni alla persona, cit. p. 105 ¢ ss. No direito brasileiro, v. a signfcatha pagina de Sergio Cavalieri Filho, Programa de Rey- ponsabitdade Cv cit, p.319: "tal como ocorve na responsabilidad do Estado, (0s riscos (nas relagdes de consumo) devem ser socalizados, repartidos entre todos, jé que os beneficion xo também para todos. E cabe av fornecedor suravés dos mecanismos te prego, proceder a essa repartigao de custos sociais os danos. Ea justiga distributing, que reparte eqiitativamente os riscos ine rentes sociedade de consumo entre todos, através dos mecanismos de precos, repitase, e dos seguros ociais, evitando, asim, despejar esses cnormes tiscos ‘ombros do consumidor individual.” O mesmo autor, afl. 204, prope a criagio de um seguro social para proteger os passageitos dos fortuitos externos a0 contrato de transporte: "Os seguros sociais, como anteriormente destaca- mos, sio a técnica que se engendrou para socializagao dos riscos, Repartem se entre todos os rscos inevitaveis da vida moderna, sem o qué o dano se torna irreparivel” V., ainda, Wilson Mello da Sil, Responsabilidade sem Culp ¢ Sociatizacaa do Riseo, Belo Horizonte, Bernardo Alares, 1962, e, no direito piiblico, Hely Lopes Meelles, Dito Administrative Braslei, cit, p. 397. 176 Delineiase, assim, um modelo dualista, convivendo lado a lacto a norma geral de responsabilidade civil subjetiva, do art, 159, que tem como fonte 0 ato ilicito, ¢ as normas regukidoras da respon- sabilidade objetiva para determinadas atividades, informadas por fonte legislativa que, a cada dia, se torna mais volumosa. A configuracao de um sistema assim estruturado, embora intui- tivamente compreendida pela jurisprudéncia, passa despercebida pela doutrina dominante, vinculada a vetusta partigio do direito Puiblico e do direito privado. Ao direito civil seria atribuida a dog. matica da responsabilidade aquiliana, deferindo-se ao dominio do direito publico a responsabilidade objetiva, ou seja, o dever de reparacao fundado em previsoes legais especificas. Dai ser tio co- mum o enquadramento da responsabilidade civil do Estado, por exemplo, previsto no art. 37, § 6°, da Constituicio, nos manuais de direito administrativo, subtraindo-a da seara do dircito civil. Ou a consideracéo da responsabilidade objetiva do fornecedor como um instituto auténomo, integrante do que seria um novo ramo do direito. Tal entendimento, todavia, mais do que um mero equivoco metodologico, que reduz gradativamente a amplitude temitica do direito civil, revela uma inquietante ruptura sistematica, a preservar incélume, no campo do direito civil, o predominio do individu lismo. Ao contrario, € de se ter presente que o sistema dualista de responsabilidade atende a um incindivel dever de solidariedade social determinado pelo constituinte, que nao se restringe a relacio entre 0 cidadao ¢ 0 Estado € para cuja efetividade se revela indis- pensivel a sua incidéncia, em igual medida, sobre as relacdes de direito pablico ¢ de direito privado. A mesma confusio conceitual se revela na utilizagio, em sede interpretativa, dos critérios proprios da responsabilidade subjetiv baseada na culpa, para o deslinde de controvérsias relativas a m: térias reguladas pela responsabilidade objetiva, invocando-se nao raro a conduta culposa como pressuposto para se responsabilizar © Estado por danos causados aos particulares, ou para se imputar a0 fornecedor a responsabilidade pelo defeito do produto, Para que se possa compreender o novo quadro dualista de responsabilidad, de maneira a melhor definir 0s critérios inter. pretativos aplicaveis as diversas questes que agitam os tribunais, especialmente no tocante a responsabilidade estatal, ha de se passat ‘om revista, preliminarmente,a evolucio legislativa ¢ jurisprudencial ocorrida no direito positive brasileiro. 2. Aexpansio jurisp: idencial da teoria subjetivista e a consolidagao da dogmatica da responsabilidade objetiva. A interpretacao juris: prudencial do art. 1.523, Cédigo Civil. O Decreto-lei n® 2.681/1912. A teoria do fortuito interno e externo. Distingdes conceit dispensavei Como se sabe, a responsabilidade subjetiva tem sua fonte cons: tituida na conduta soluntiria causadora de dano; € 0 ato ilicito extranegocial, disciplinado, de mancira ampla e genérica, nos t mos do art. 159 do Cédigo Civil: “Aquele que, por acio ou omissio voluntiria, negli ou imperici juizo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. Trés sao, pois, os pressupostos da responsabilidade civil extra- negocial subjctiva, nos termos do preceito transcrito: a) conduta culposa do agente; b) dano; c) nexo causal entre a conduta ¢ 0 dano. Observe-se que 0 Codigo Civil Brasileiro nao cogitou do dolo, fou de qualquer graduacao da culpa, limitando-se a examinar a existéncia da culpa. Na esteira da responsabilidad subjetiva, 0 codificador brasilei- ro absorveu as doutrinas que procuravam akargar a nocio de culp: em favor de uma maior efetividade na reparacio, adotando a dow. rina da culpa indiveta nos artigos 1.518 a 1.521 Dessa forma, 0 Cédigo Civil Brasileiro logrou alcanc: responsével por conduta alheia, atribuindo, assim, 0 dever de re parar a todos os responsdveis pela escolha e pela vigilancia de prepostos ou de pesscas sob sua guarda. Respondem dessa maneira 68 pais pelos atos praticados pelos filhos menores sob sta guarda: 08 tutores ¢ curadores pelos atos dos pupilos curatelados; o patrao pelos atos do prepostos, ¢ assim por diante? violar direito, ou causar pre Eis o imteiro teor do art. 1.521: “Sao também responsiveis pela reparacio civil: ~ Os pais. pelos fos menores que estiveren sob seu poder e-em sta companhia, If — O tutor ¢ o curador, pelos pupilos e curatelados, que *e arem nas mesmas condigdes. IH — O patrio, amo ou comitente, por seus cempregados, servcaise prepostos, no exercicio de trabalho que thes competi fu por ocasito dele art. 1.522), IV — Os donos de hotéis, hospedarias, cas A ampliacio notavel que a teoria da culpa indireta representou nao parecia suficiente a efetividade da uutela pretendida, ja que hos termos do art. 1.523 do Cédigo Civil, tais pessoas, em regra, s6 deveriam ser responsiveis “provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou negligéncia de sua parte”, na escolha ou na vigilancia dos agentes diretamente causadores do dano (a culpa in elegendo e in vigilando). Verifica-se, do dispositivo, que a concepgio do Cédigo nao é objetivista como querem alguns, nem sequer presume a culpa dos (indiretamente) responsaveis, Deve-se a impressionante obra da jurisprudéncia brasileira a leitura nada literal do art. 1.523, de ‘molde a se estabelecer, nas hipdteses ali enumeradas, uma presti io de culpa, sem a qual dificilmente a vitima obteria éxito judicial, que acabaria sendo sumulada no enunciado n° 341, do Supremo Tribunal Federal: “E presumida a culpa do patrio ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto,” No mesmo diapasio, consolidou-se a presuncio de culpa do guardido de objetos perigosos (instalagdes elétricas, por exemplo). analogamente a previsio do art, 1.527 do Cédigo Civil, que fixa expressamente a presuncdo de culpa na guarda de animais. ‘Tamanha foi a evolucio de tais teses no Brasil que, muitas vezes, se confunde, tanto nos manuais quanto na experiencia pretoriana, a teoria da presuncio da culpa, intensamente aplicada, mediante a qual, em termos praticos, se inverte o nus da prova em favor da vitima de dano injusto, com as teorias nao subjevistas, proprias da Fesponsabilidade objetiva, em que nao se deve cogitar da culpa para a fixagao da responsabilidade. A confusao conceitual se expressa, particularmente, nos confli- tos atinentes ao transportes rodoviarios e aos acidentes de transito, que no Brasil proliferam de maneira espantosa, tendo a jurispri- déncia exercido papel preponderante para que se garantisse a re paracao dos danos. ‘ou estabelecimentos, onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de ceducagao, pelos seus héspedes, moradores ¢ educandos, V— Os que gratui famente houverem participado nos produto do crime, até 4 concorrente quantia § Art. 1.523: “Exceadas as do art. L521, n. V, $6 sero responsiveis as pessoas enuumeradas nesse no art. 1.522, provandose que elas concorreram Para o dano por culpa, ow negtigéncia de sua parte” 179 ‘Com base no velho Decreto-lei n® 2.681, de 7 de dezembro de 1912, cujo art, 17 iatroduziu a presungao de culpa das estradas de ferro pelos danos causados aos viajantes, a jurisprucéncia, conside- rando-o em vigor mesmo apos 0 advento do Cédigo Civil, em virtude do critério da espesialidade, estendeu-o paulatinamente a todas as modalidades de transporte, ferrovidrio ¢ rodoviario. Vale transcre- ver 0 preceito: Art. 17: “As estradas de ferro responderao pelos desastres que rnas suas linhas sucederem aos viajantes ¢ de que resultea morte, ferimento ou lesio corpérea. A culpa serd sempre presumida, s6 se admitinde em contririo alguma das seguintes provas: T— caso fortaito ou forca maior; U1 — culpa do viajante, nao concorrendo culpa da estrada.” Do dispositvo extraise que a hipstese é de presuncio de culpa, no ocorrendo qualquer previsio de responsabilidad objetiva, O certo € que, silente o legislador quanto aos renovados fendmenos sociais, a interpretacio jurisprucencial foi se tornando, passo a asso, mais ousada, ampliandose ulteriormente o espectro da re aragao, através de duas construcées que reduziram significativa rente as catisis exchidentes, dando interpretacio restritiva aos dois isos do supracitado art. 17 mciro higar, entendewse que o caso fortuite inerente a (0 dos equipamentos (tanto nos veiculos antomotores, {quanto nos objetos perigosos que provocam danos), constituise em fortuito interno, incapaz de excluir a responsabilidade presi ida, $6 0 fortuito externo, estranho, portanto, a0 exercicio da da dos veicules o¥ equipamentos, ¢ que teriam 0 condio de afastar o dever de -eparacio Com efeito “entendese por fortuito interno 0 fato imprevisivel, € por iso inevitivel, que se liga 3 organizacio da empresa, quc se relaciona com os riscos da atividade empresarial desenvolvida pelo transportador. O estouro de um pneu do dnibus, o mal sabito do motorista ete, sio exemplos de fortuito interno, por iso que, nio obstante acontecimentos imprevisivcs, esto ligados & organizacao do negocio explorado pelo tansportador (..) O fortuta extera & também fato imprevisivel ¢ inevitavel, mas estranho a organizacio do negocio. F 0 flo que nao guarda nenhuma ligagao com os 180 riscos da empresa, como fendmenos da natureza — tempestades, enchentes ete Em seguida, no caso dos contratos de transporte, nio tendo o art, 17 acima transcrito previsto o fato de terceiro como excludente de responsabilidade, firmou-se o entendimento, unificado pelo premo Tribunal Federal na Simula n® 187, segundo o qual “a responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com © passageiro, nda é elidida por culpa de terceiro, contra 0 qual tem acio rogressiva” A construgao, corroborada por recorrentes manifestagdes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justica, ¢ temperada pela admissdo da exeludente quando o fato de terceiro nao guarda qualquer relacao com a atividade empresaial, equipa- randosse a figura, antes aludida, do fortuito externo. E verse Passagciro atingido por pedra atirada em direcio ao comboio, Ao eximir de responsabilidade a Estrada de Ferro, 0 acérdio recorrido nao divergiu da Sismula n, 187 do Supremo Tribunal, que se refere a culpa de terceiro por fato inerente ao transporte, nao ao ato de pessoa estranha ao trifego de veiculos® Nao dificil perceber a repercussio de tais teses na evolucéo da responsabilidade civil, chegando-se mesmo a identificar, na pa- layra pretoriana, verdadeira presuncio absoluta de culpa, imper meavel a quase todas as causas excludentes, de modo a fazer coin- cidir, em termos praticos, os efeitos da culpa presumida com a responsabilidade objetiva, esta aplicavel somente por definigao le gislativa expressa, Mesmo apés 0 advento do Cédigo de Defesa do Consumidor, que prevé expressamente o fato de terceiro como capaz de afastar 4 responsabilidade objetiva, nos termos do seu art. 14, § 3° vou-se, argutamente, a permanéncia em vigor da aludida 1 Filho, “A Responsabilidade no Transporte Terrestre de Passageiro a Luz do Cédigo do Consumidor”, in Ensaiosfuridicas — O Diveto ‘em Revista, Revista do IBAJ, vo. 1, 1996, p. 208. A materia étrataca pelo mesmo Autor, mais ampla e profundamente, em seu Programa de Responsabilidade Civil cit, p. 198 ese § Acordio unanime no julgamento do Recurso Extraordinario n* L12A1L-RJ, sendo Relator o Min. Octavio Gallot, in RZJ, vol. 121, p, $29 e ss. 81 n? 187, do Supremo Tribunal Federal, considerandose c cludente somente 0 fato de terceiro alheio a atividade do transpor- tador." Equipara-se, pois, o fato de terceiro a elemento de ruptura do nexo causal determinante da responsabilidade objetiva A despeito de, nessas hipoteses, equivaleremsse os efeitos pré- ticos decorrentes da responsabilidade subjetiva ¢ objetiva, por forca, repita-se, de uma interpretacao criativa ¢ corajosa da jurisprudéncia brasileira em tema de presungao de culpa, bem diversa mostra-se 4 concepcio conceitual da responsabilidade objetiva, a qual, surgi da nos albores da Revolugio Industrial, associa a responsabilidad nao ao ato ilicito mas a outra fonte da obrigacéo, a prépria lei.” Com efeito, o surgimento da responsabilidade objetiva associa- se a verificacao da insuficiéncia da dogmatica subjetivista, adstrita idéia de que somente o dano injusto poderia gerar reparacao, face das crescentes clemandas sociais advindas com a industria. lizacao. Elaborou-se, pouco a pouco, construcio doutrinaria — seja através da interpretacio evolutiva do art, 1.382 do Code, seja me diante uma profunda alteracao na politica legistativa — destinada a vincular os danos decorre empresariais, poupando as vitimas da instrucao probatéria, nem sempre simples ou mesmo possivel, destinada a identificar a co duta culposa." 's da atividade produtiva aos riscos 8. Sérgio Cavalier Filho, A Respensabitidade no Transports Trrestre de Passageino 4 Luz do Cidigo do Consuoador, cit, p. 208 e &., 0 qual trz 4 colacio decisbes do STF ¢ do ST], destcando'se 0 acérdio proferide & unanimidade pela 3" Turma do Superior Tribunal de Justia, sendo Relator o Ministro Eduardo Ribeiro, assim ementado: "Responsabilidade Civil — Estrada de Ferro. Lesoes fem passageira,atingida por pedra atirada do exterior da composigao, © fato de terceiro que ndo «xonera de responsabilidade o transportadar € aquele que com o transporte quarda conexidade, inserindo-xe nos riscos préprios do Aeslocamento. O mesrio nio se verifiea quando intervenha fat inteiramente estranho, devendo-se 6 dano a causa alheia a0 transporte em si A prevencio de atos lesivos, de natareza do que se cogita na hipdtese, cabe & autoridade ppblica, inexistindo fundamento juridico para transferir a responsabilidade a 10 A evolucao da responsabilidade civil, das teorias da culpa ao reco € elegan- temente sistematizada por Louis Josserand, “Fvolucio da Responsabilidade (Givl” (wad. Raul Lima), in Revista Foren, vol. 86, 1941, p, 52 € 8 1 O art, 1.382 do Cédigo Civil Francés, em que se findamenta a responsabi lidade aquifiana, tem 2 seguinte redagio: “Tout fait quelconque de Phomme, 182 im primeiro momento, a técnica da responsabilidade ob- \ge-se aos acidentes de trabalho, expandindo-se posterior- ‘mente para diversos campos da producio econdmica, sempre no sentido de imputar o dever de reparar Aqueles quc, por granjearem Iucro em certas atividades empresarias, devem assumir os riscos do inforuinio. Dai ser também chamada, em seus diferenciados mati. 26s, comno teoria do risco, invoc fundamentos tedricos, razdes de ordem moral ¢ de eqiidade, ji refletidas no vetusto brocardo romano ubi emolumentum, ii onus, ou ubi commoda, ibi incommoda. Como observou Georges Ripert, em piigina clissica, “quanto mas as forcas de que o homem dispde sio mukiplicadas por meio mais os homens jetiva c ndo os doutrinadores, dentre os nismos complicados suscetiveis de agir a distincia, quanto m1 amontoados e prOximos dessas maquinias dificil se toma descobrir a verdadleira causa do c estabelecer a existéncia da falta que o teria causado, Na de Josserand, o acidente torna-se anénimo. A prova, aids, cr feita perante o juiz; worna-se necessirio, pols, intentar de éxito sempre problematico”."” incias impulsionaram a firme tendéncia legislativa que, nos atmos cingiienta anos, tem transformado a dogmatica da responsabilidad citi} em todo © mundo, fomentando, na Eu ropa, intimeras leis disciplinadoras da responsabilidade civil ¢, nos Tais circu qui cause 3 autrai un dommage, oblige celui par Ia faute duguel if est arrive i le réparer.” Caio Maio da Sitka Pereira, Responsabitidade Civil cit, p. 16 exalt a inovadora contribuicio dle Raymond Salelles (Les acidents de heal la responsabilité civile — Essai une thooreobertive de a responsabilité deuce, Paris, 1897). qual, valenutose do vocal fat inserid no preceito sustenton que qualquer fato do homem constitutivo de dano devetia enscjar Feparagio, © mio apenas a conduta eulposa do agente, como pretendia, A ‘expressio fant, por sua vez teria 0 sentide de cats eno de culpa, Na sensivel leitura de Caio Mario da Sika Pereira (p. 17), “argumtentando com preceitos {que originatiamente teriam em vista a responsabilidade fundada na culpa desenvolve (Saleilles) uma teoria em face da qual o dever de ressarcimento independe da culpa". O amago de sua profissio de fe objetvita desponta quando diz que "a woria objetiva é umn teoria social que considera o homen como fazendo parte de uma coletividade e que o trata como ama atividade ‘em confionto com as individualidaes que © cerearn’ Georges Ripert, O Regimen Denweritico « 0 Duelo Civil Moder, Sto Patio, Editors Saraiva (trad. J. Cortezia), 1987, p. 331 lel Estados Unidos, a abertura do caminho para a universalizacao do seguro social, entrevendo-se uma espécie de securtizacdo das ativie dades produtivas."* No caso brasileiro, anote-se a consolidacao dessa linha evolutiva no campo dos acidentes de trabalho, nas atividades do Estado, nas relagées de consumo, no transporte aéreo (Lei n’ 7.565/86), nos acidentes mucleares (Lei n® 6.453, de 17 de outubro de 1977), configurandose um crescimento expressivo das situacdes juridicas disciplinadas peta responsabilidade objetiva, a caracteriza a duali- dade do modelo (entre a culpa e o risco)."* Diante disso, parece inteiramente injustificada a licdo, ainda presente nos mantiais de dircito civil, segundo a qual a responsabilidade civil, em regra, seria aquiliana ou subjetiva, sendo a responsabilidade objetiva excepcio- nal, engendrada e aplicada pelo direito public. ‘Uma vez introduzida no ordenamento positive a responsabili- dade objetiva, para cuja configuragao se exige a presenga de apenas teés elementos, quais sejam: a atividade deflagradora do dano, dano ¢ 0 nexo causal entre este © a referida atividade, ha de se Perquirir as causas de exclusio da responsabilidade — de modo a evitar 0 que se constituiria na chamada teoria do risco integral — em consonancia com cada fonte normativa, tendo-se presente trés premissas metodoligicas: a) a incompatibilidade da técnica da res- ponsabilidade objetiva com a pesquisa da culpa, mesmo que pre- sumida, devendo o operador, para tanto, romper com a légica subjetivista to arraigada em nossa tradicao cultural; b) a neces dade de compreender as causas de exclusio de responsabili previstas nas fontes normativas de maneira casuistica, como ele. mento de desconstituigio do nexo causal — entre a atividade e 0 dano — nao ja da culpa do agente, que nao esté em jogo; c) a solucio dos conflitos cm matéria de responsabilidade civil deve 1 CE. Antonino Procida Mirabelli di Lauro, La nparaione dei danni alla persona, cit, p. 105 © ss, No que tange a responsabilidade do produtor nia recente cexperincia européia, , Ugo Dractia ¢ Cesare Vacca (a cura di), Reponsbilita al produttoree nuove ferme di tutela del consumatore, Milano, EGEA Giullte, 1997, bbem como Joao Calvio da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, Coimbr: Almedina, 1990. 14 Para uma resena das diversas fontes normativas que prevéem a responsi bitidade objetiva no direito positivo pitrio, v. Maria Helena Diniz, Responsbi dade Crit cit. p. 40 es, atender aos aludidos principios constitucionais da solidariedade social e da justiga distributiva, que informam todo o sistema, im- pedindo que se reproduza, de maneira acritica, a téenica indivi- ‘dlualista para os novos modelos de rep 3. Atividade estatal ¢ a evolueao das téenicas de rep: pousabilidade do Estado ¢ das empresas prestadoras de servico piiblico. Questées controvertidas: a revogacdo do art. 15 do Codigo ‘© problema da denunciacdo da lide; a ago contra o ente pliblico ou contra 0 agente estatal; a responsabilidade s dos entes pablico e privado da responsabilidade civil da administracao piiblica.!” A primeira etapa, dos Estados absoltos,caracterizase pela iresponsabilidade gles The King can dono wrong O funcionétio piblico que, no exer: dentemente responsabiliado, pessoalmente, sem que o dever de responsabilidade por parte do Estado, No intuito de temperar a doutrina da iresponsabilidade, avtrouse que a administraio pit sepa 1s Vassobre o tema, Caio Técito, “Tendéncias Atma sobre a Responsabilidade Givi! do Estado”, in Revista de Disrito Adimiistativo, vol. 35, 1989, p. 262 e ss Hely Lopes Meirelles, Dinrto Administativo Braslaim, Sio Paulo, Malheiros, 1995, 20" ed, p. 555 e ss, que se retere A responsabilidad civil da administracdo prblica e nio do Estado, por considerar que, "em reqra, essa responsabilidade fuurge de atos da Administracia, ndo de atos do Estado como entidade politica”, aduzindo que “os atos politicos, em principio, nao geram responss- bilidade civil” (p. 535, nota 1); Maria Syivia Di Pietro, Dito Administration, Sio Paulo, Atle, 1997, 8 ed, p. 408 e si: Renan Miguel Saad, 0 Ato Ilicto ¢ 1 Responsebildade Ciel do Estado, Rio de Janciro, Lumen Turis, 1994, p. 49 ss; Maria Helena Diniz, R fe Ci eit. p. 427 e 8, 8s blica s6 no estaria adstrita a reparar os danos a que desse causa quando agisse no desenvolvimento de atividadles proprias do Esta do, no exercicio de sua soberania e poder de império. Quando, ao revés, desempenhass: atividades de gestio do patriménio e servicos piiblicos, o Estado deveria ser equiparado aos cidadaos comuns, atraindo a teoria subjetiva do direito civil em matéria de responsa- bilidade. As dificuldades para distinguir os atos de império (gover: namental activities) e de gestao (proprietary activities), normalmente enirelagados ou superpostos, levaram a derrocada da elaboracio doutrinaria (embora enha perdurado, como regra, no direito in- glés, até a Crown Proceedings Act, de 1947, ¢, nos Estados Unidos da América, até 0 Federal Tort Claims Act, de 1946). revela a tentativa do direito publico, a partir do inicio do século XX, em construiras garantias do eidadao contra 0 Poder Piiblico, desenvolvendo mecanismos para se res ponsabilizar o Estado de maneira ampla. Em homenagem ao flo- rescente principio da igualdade, pretendeuse que o dever de re paracao vinculasse indistintamente particulares € Poder Puiblico ¢, sob outra perspectiva, que os dnus decorrentes dos danos produ. Zidos pela administracao publica fossem igualmente repartidos por toda a comunidade, ndo recaindo somente sobre a vitima Aterceira fase, finalmente, O desenvolvimento das doutrinas do direito administrative de- sencadearam-se em wés etapas, Inicialmente, exigiase a culpa do funcionario ou preposto para que se pudesse vincular a adminis: tragao publica ao dever de reparar. Diante da pratica de um ato ilicito praticado pelo agente estatal, 0 Estado responderia, Dai a da culpa admi do agente estatal que, desenganadamente, influenciou o art, 15 do Cédigo Civil Brasileiro: designarse tal elaboracio como a teor tra As pessoas juridicas de direito piiblico sao civilmente respon: veis por alos dos seus represent sem danosa terceiros, procedendo de modo contrario ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressive contra os causadores do dano Hes que nessa qualidade cau & Caio Tacito, Tendéncias Atuais sve a Responsabilidade Civil do Estado cit. pp. 265 © 264 As dificuldades atribuidas a vitima no sentido de demonstrar a conduta culposa do funciomitio ptiblico, intensificadas pela com- plexidade © agigantamento da maquina estatal, incentivaram o desenvolvimento de uma segunda corrente, no seio do direito ad- ministrative, denominada teoria da falta impessoal do servico prublico (ou simplesmente teoria da culpa administrativa). De acordo com tal orientagao teérica, o dever de reparacao do Estado decorre da falta do servigo, nao ja da falta do servidor. Bastaria demonstrar a falha ‘ou 6 mau fincionamento do servigo publico, como fundamento do dano cattsado ao particular, para que se impusesse o dever de reparacio em face do Estado, entendimento que, no caso brasileiro, amplion, significativamente, 0 espectro interpretative do aludido art. 15 do Codigo Civil Finalmente, o desenvolvimento te6rico da responsabilidade ob- © a consagragao nas Cartas constitucionais dos principios da igualdade e da justica distributiva permitiram a afirmacao da teoria do risco aplicada a administragio publica. Formulada através de varios matizes, notadamente mediante a teoria do risco integral que assumindo © eririo todo e qualquer dano derivado da atividade estatal, ¢ a teoria do risco administrativo, adotada pelo diteito brasileiro, mitigada pela ad missio de excludentes, a responsabilidade objetiva do Estado aten- de a conquistas politicas proprias do Estado contemporineo. Sublinhowse, com efeito, que "o nsca ¢a solidariedade social so, pois, os suportes desta doutrina que, por sua objetividade e partilha dos encargos, conduz & mais perieita justica distributiva, razio pela qual tem merecido o acolhimento dos Estados modemos, inclusive © Brasil, que a consagrou pela primeira vez no art. 194 da CF de 1946". admite causas de exclu: 17 Hely Lopes Meirelles, Dieta Administativn Brasilia, cit, p. 557, que con sidera desde a Constituigio de 1946 abolida a teoria subjetia na responsabi lidade da administragio publica no Brasil. V.. também, do mesmo autor, Direto Municipal Brasileiro, So Pawo, Matheiros, 7 ed, p. 584 e ss. exp. nota 65, O art. 194, CF de 1046, tinha a segninte diccao: “Ax pessoas juridicas de dieito piblico interno sio chilmente responsiveis pelos danos que os seus funcions: Flos, nessa qualidade, catsem a terceiros. Paraigrafo tinico: Caber thes acio regressiva contra os funcionatios causadores do dano, quando tiver havido culpa deste, 187 Desde entio, autores de escol pronunciaram-se f A revogacao do art. 15 do Cédigo Civil," tese entretanto fortemente combatida pela doutrina e jurisprudéncia majoritarias, ao argumen to de que 0 texto constitucional nao seria auto-aplicivel, tendo como destinatario o Iegislador ordinario: “o referido paragrafo Ainico (do art. 194, CF de 1946) nao impie a responsabilidade do Poder Piiblico em qualquer caso, mas legisla para os casos em que Lal responsabilidade se define pelo risco, 0 que € muito diferente. Qualquer pessoa, em regea geral, responde pela culpa; mas, pode, excepcionalmente, responder pelo risco. Se ele (0 Poder Pablico) opera num setor onde a responsabilidacle se apura segundo a teoria do risco — suponhamos como transportador — a sta responsabi lidade € objetiva’."” voravelmente 1s V., por todos, Aguiar Dias, Da Responsabilidade Civil, vo, Ul, cit, p. 655 € 0 seu comentitio a famom decisio do Supreme Tribunal Federal, no jalgamento do RE né 4.692, de 91 de janeiro de 1947, "Culpa e Risco Administrativos’ in Revista de Direto Admiaistrativo, vo. 13, p- 65 es, na qual resslta: Einiludivel 19 sentido deste dispostiva (art. 194, CF de 1946), de franca acolhida a0 prinespio da culpa administrtiva, Nao fora assim e ficaria sem explicacio a clfusula “.. quando tiver havido culpa destes’, mostrar, com deshambrante areza, que pode haver responsabilidad das pessoas juridicas de direito pr biico independemtemerte de culpa dos seus agentes. Nio hi como fugir 40 argumento oferecido pelo texto constitucional”, merecendo registro, ainda, © voto vencido do Min, Orosimbo Nonato, 19 Agostinho Alvim, Da Inewcucio das Obrigagcse suas Consaiénrias, So Pato, Saraiva, 1972, 4" ed, p. 300, No mesmo sentido, pronunciouse 0 STE, através dda maioria vencedora no acérd#io mencionado na nota anterior (RE n° 4,625 tendo o Min. Hahnemann Guimaraes assim se manifestado: “Entendo, data ria, que © propésita do art. 194, da Constituicao, fol, apenas, o de manter 6 preceito do art. 15 do Cédigo Civil.” Para Amobio Tendrio Wanderley, in RDA, vol. 46, 1956, p. 498: "Nem a paixio mais audaciosa, nem a mais fria insensiilidade a luz chegaviam a afirmar qute uma tal incompatibiiade (para que se conclua pela ab-rogacio ticita) exista entre o art. 194 da Constituicio 15 do Codigo Civil. O art. 194 da Constituinaa admite que 0 Estado sa responsabilisado sem culpe, mas nio determina que sem culpa rleresponda. Daiiou a natéria para li ordinénd’ (grifou-se). V., também, Alfredo de Almeida Paiva in ADA, vol, $3, 1953, p. 88 e xs, 0 qual se extiba em acérdao do TJSP, de 1952, assim ementado: “A culpa ¢ 0 fundamento da responsabild le civil das pessous juridicas de direito piiblica; a Constiwigao nao trouxe modificacio & lourina do Cédigo Civ.” Parece de todo modo signiicativo qite, mesmo no svancado voto vencido, nio se tenhi alvitrado a pera de validade do art. 15 Na mesma linha metodoldgica, ainda hoje influente em nosso direito civil, lecionava aquela conceituada doutrina: “Nao nos pax rece, todavia, que 0 art. 194 invocado tenha trazido, nesse ponto, a alteracao pretendida, A Constitui¢ao atribui responsabilidade 20 Poder Puiblico, mas esta se entende segundo a lei civil; seria, aids estranhavel que a Lei Magna descesse as questoes secundirias do fundamento da responsabilidade, quando € certo que o estatuto politico fica sempre nos principios mais gerais. E também estra- navel seria que a Constiuiga0 agravasse, por aquela forma, a responsabilidade do Poder Pablico, até aqui orientada, ordinaria nte, pela culpa e, 86 excepcionalmente, pelo risco. Sob a égide da Constituigio de 1988, entretanto, parece inegé- vel a consagracio definitiva e expressa, como antes assinalado, da responsabilidade objetiva das pessoas juridlicas de direito pablico, expandindosse, inclusiv \cla com construcio jurispr dencial que a precedeu, 0 dever de reparacio para os entes privados prestadores de servigos publicos, nos seguintes termos: Art. 87, § 6% “As pessoas juridicas de dircito piblico e as de dircito ‘privado prestadoras de servicos ptiblicos responderio pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a ter- Ceiros, assegutrado o diteito de regresso conta o responsive nos casos de dolo ou culpa.” Escaparia aos objetivos do presente trabalho o exame dos mith tiplos aspectos atinentes ao tema, ai incluindo-se as causas exclu dentes da responsabilidade estatal, amplamente enfrentada pela nualistica.”! Bastard aqui enfrentar algumas controvérsias que, do Cédigo Civil, tou court, por forca do art. 194 da Constituicao de 46, engen drando, a0 revés, 0 Min, Orosimbo Nonato, eminente civlista, uma interpre- tacio construtiva do art. 15, em que assinal: “O art. 13 do Cédigo civil proclama a responsabilidade do Estado por ato contririo ao direito de seu Fepresentante. A idéia de ato contriio a0 direito mais ampla do que a de 10 contririo a lei expressa, E a disposicio ainda que inserta no Cédigo civil € de direito piblico e dominada pelos principios deste. fm Agostinho Alvim, Da Inexecucao das Obnigacies ¢ suas Consepiléncias, cit 200, sd. 21 Sobre © tema, v. Luis Roberto Barroso, Constiuic da Republica Faderativa ‘do Brasil Anotada, Sio Paulo, Saraiva, 1998, p. 37 © 55, com mumerosas ¢ atualizadas referéncias bibliografica c jurisprudencial 139 ainda nao solucionadas ua doutrina ¢ jurisprudéncia brasileiras, justifican as adverténcias metodolégicas anteriormente langadas O primeiro ponto altumente controvertide diz. com a distingao, engendrada pela éoutrina, entre 0s atos da administracao puiblica ‘omissivos © comissivos, de modo que s6 cm relagao a estes tiltimos incidiria a responsabilidade abjetiva, restando os danos decorrentes de atos omissivos sancionados pela formula do art. 15 do Codigo Civil Arg o, que “a omissio pode ser uma condigao para que outro evento cause 0 dino, mas ela mesma (omiissio) nao pode produzir o efeito danoso. A omissio poder ter condicionado s:1a ocorr rentase, nesta diveg mas nao o causou". Daqui decor ©» Tal éa posgio do Sapremo‘iibunal Federal. valendo confers entre tanta 2 deeisiotmanime de de outubro de 1973 tendo como Relator © Minne ‘omar Baleeiro, in ADA, vl 12, p16" Responde chalmente 6 mance por culpa no caso de prejuzos por imundayses” Destaqese, no voto do Kolar: "No STF hf cra ce SO anos, fol snantidaacondenacto do municipio dle Sakador pela presriedade dow exgoros pina, em rario. da qual ot desir a apogratia de SabaadorAvaijo. Eo fandamento esa ny ela andnima do Servo Dbl, niponsbie fdas hse” Oreximbo Nose ea CF de 047 (in RDA. vol. 15, p. 8), aflrma que ofamdamente th esponsabidade etal “ha que ser procurado nos prineipion da solar due soca, do exbrio do consincio chal © nox de qe’, mest ems se watando de hipoese de omit to Poder Piblico.O aresto, wesand sobre 1 detrei, por parte do powo, da sede do ano A Gusts, Scorn Campos, scabou presvando a doutina da culpa sibjetna, doar 1S de aries. segundo qual, “em nowo direito, » responsbilidade do Estado wilco. © at 15 diz claramente que as peson uridicas de dete pablico so respon eu Togo aplasos dos comentarnas (A Goncalves de Olvera,“ Responsabi tide Chiledo Extado em Nowo Diteto™ in RDS, vol 10. 1047, p 128 ese Fontes de Miranda, Comentinos & Contino de T946, Tomo V1 Ste Paulo 1860, 3 ep. 369.¢ an. € Tatade de Diao Pade wo. 8. ct, p22 Asbo Lendrio Wanderley, ep. 486: Alferd de Almeida Pat cit, p89) tem tireto pica xj corsisuida por conceituadoxadogados de Esta (por sob a Culposo dos individuos a quem incumbe a gestio do patriméni reria que, “no caso de comportamento omissivo, a responsabilidad do Estado € subjetiva, atraindo a teoria da culpa andnima ou falta de service’ ‘O argumento impressiona por sua argticia, mas nao colhe, Nao 6 dado ao intérprete vestringir onde o legislador nao restringiw, sobretudo ci se tratando do legislador constituinte — ubt lex nan distinguit nec nos distinguere debemus*" A Constituigao Federal, ao Introduzir a responsabilidade objetiva para osatos da administragao publica, altera inteiramente a doguiatica da responsabilidade neste campo, com base em outros principios axiologicos e normatives (dos quais se destaca 0 da isonomia © 0 da justiga distributiva) perdendo imediatamente base de validade 6 art. 15 do Codigo Civil, que se torna, assim, revogado ou, mais tecnicamente, nio foi recepcionado pelo sistema constitucional Nent se objete que tal entendimento levaria ao absurdo, confi- gurandose uma espécie de panresponsabilizacao do Estado diante de todos os danos sofridos pelos cidadaos, 0 que oneraria excessi- vamente o eririo € suscitaria uma rupuira no sistema da responsa. bilidade civil. A rigor, a teoria da responsabilidade objetiva do Estado comporia causas excludentes, que atuam, como acima ja ido, sobre o nexo causal entre a fato danoso(a agio adiminis- tativa) ¢ 0 dano, de tal sorte a mitigar a responsabilizacio, sei que, para isso, seja preciso violar o texto coustitucional € recorrer 2s Maria Helena Diniz, Reponsabilidade Coil. ct, p. 485, invacando a donna de Onwaldo Arinha Bandeira de Mello ¢ Celso Antonia Bandeira de Mello, fentie outros, além de colecionar farta jurisprndéncia na mesma directo: RJTIBS, vol. 87, p. 38%; RI]. vols. 47, p. 378, € 70, p. TDA; Revise dos Triana, vol. 445, p. 100; vol. 511, p. 116: WoL 580. p. 70: vol. 544, p. 80; vol 550, p. Ut: vol 605, p. 58; vol. 607, p. 55: RDA, vol. 122, p. 169. 24 CL. Carlos Maximiliano, Hermeneuica ¢ Aplicacio do Dist, Rio de Janeiro, Forense, 1980, 9° ed, p- 247, 0 qual, comentando o vetwsto brocardo, adie ‘Quando 0 texto dispoe de modo amplo, sem limitagoes evidentes, € dever ldo intexprete aplicsto a todos os casos particulares que se possam engsadrar tna bipotese yeral prevista expliciamente: nao tente distingnir entre as cit ‘amstincias da questio e as ontras campra a norma tal qual 6, sem acrescemtar condigSes novas, nem dispensar nenbinmna das express". V., ainda, Aguiar Dias, Da Responsabibdade Civil. xol. MI, cit, p. 658: "Nao acedemos 2 esa dow tvina, por entender que a expressio “causados’, tilizada pelo texto consti CGonal, empresia a0 dan maior énfase do que 8 atribuica aos atos dos fan 198 A responsabilidade aquiliana. Alids, conforme jé asseverou 0 Supr mo Tribunal Federal, “a responsabilidade objetiva do Estado nio importa reconhecimento da teoria do risco integral, admitindo-se, para excluia, a prova do comportamento doloso ou culposo da vitima’.* Tomese, como exemplo, a hipétese em que se configuram danos a particulares decorrentes de enchentes de vias piiblicas, tragicamente corriqueiras nas centros urbanos brasileiros.® Intime ras vezes, tem-se manifestado o Judicidrio, em desapreco as suces- sivas previsoes constitucionais, no sentido da necessidade de se comprovar 0 mau funcionamento dos servigos ptblicos de escoa mento de aguas — timpeza de galerias, contencao de encostas, 2% Lufs Roberto Barrow, Constituigio da Repiblica Federation do Brasil Anotada, it, p. 143, referindose a acordo do STF publicado na RDA, vol. 179180, p. 193, 0 mesmo autor tz & colagio outra decisio do STF (RE 116.685, sendo Relator 6 Ministro Carlos Velloso, publicada na RDA, vol. 190, p. 195), de cuja ‘ementa extra: “A consderacio no sentido de licitude da ago administrativa € irrelevante, pois 0 que interessa ¢ isto: sofrendo o partictilar um prejuizo, n razio da atvag3o esaal, regular ou irregular, no interesse da coletivdade 6 devida a indenizagio, que se assenta no principio da igualdade dos dnus € encargos sociais" (p. 142) 28 A possibilidade de se chegar a resultado pritico semelhante, através das técnica da vesponsabil dade subjetiva ots objetiva, demonstra que a opcao do julgador & muitas vezes puramente ideoligica. Sio emblematicos desta cons ‘atagio 0 tear de alguns acdrdaos: “Na avaliagao de ato omissivo do Poder Pailico nao se aplica a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, por tratar-se de responsabildade subjetva, aprecivel segundo os cttérios do caso. fornuito e as regras da concorréncia de causas” (JMG, 8* CC, Ap. Civ. n 76.928-1, julg. em 16/5/89, in Adeoas n* 124.669); "Morte por afogamento, ‘em razao de enchente de via publica provocada por obstrucio das galerias de ‘iguas phuviais. Responsbilidade do Municipio pelo mau funcionamento do servigo de limpeza das galerias, Comprovado o mat furtcionamento do sistema de escoamento das aguas e nao demonstrada a ocorréncia de culpa da vitima mpdese a condenagao do Municipio na composicio dos prejuszos" (T]RJ, 5° CC, Ap. Civ. n* 2577/86, julg. em 20/9/86, in Adeoas n* 113.568). “Respon sabilidade do Munie‘pio por danos conseqiientes 20 deslizamento de encosta nna qual haviam sido realzadas, mas de modo instislat6rio, obras de contengao. Defesa consistente na slegagdo de caréncia de recurios financeiros: post bilidade de acolhéta, ante a falta de provas, atribuido ao réu_ 0 respective ‘nus, por tratarse de fato impeditivo (..)” (T]RJ, 5* CC, Ap. Civ. 1.359/88, jig. em 9/8/88, in. Adoas 1120-266). 192 ete. —, para que se imponha a condenagao da municipalidade. Se, ao revés, 0 operador adotasse a teoria do risco administrativo, nos termos da previsio constitucional, a construcao nao determi naria uma atribuicio ilimitada de responsabilidade a cargo do Po- der Pablico. Caberia ao julgador, no exame do caso concreto, ver racterizaria forca maior, capaz de exchuir 0 nexo causal entre a agio preventiva do municipio e os eventos danosos. Ao invés de se perquitir a falta do servigo, nem sempre de facil constatacao pericial, sobretudo apés ficar se a enchente, por sua intensidade, ¢ a verificacio da calamidade, é de se examinar se 0 evento é previ sivel e resistivel, cingindose a investigagio aos pressupostos da responsabilidade objetiva, Ouva questio controvertida diz com o dircito de regresso, por parte do ente publico, contra o agente responsavel, nos casos de dolo € culpa, consoante a die¢do do art. 36, § 6°, da Constituicao. Segundo parte da doutrina ¢ jurisprudéncia, o dispositive autori- zaria a denunciagio da lide, senao compulsoriamente, nos termos do art. 70, III, do CPG, segundo 0 qual é a litisdenunciagio obri- gatoria “aq indenizar, em acao regressiva, 0 prejuize do que perder a deman- rovidencia facultativa, com a finalidade de Je que estiver obrigado por lei ou pelo contrato a da”, ao menos como assegurar o regress: 2» Assim, José Carlos Barbosa Moreira, in Diteto Aplicado — Arérdaos ¢ Votos, Rio de Janeiro, Forense, 1987, p. 159 ¢ ss. No Superior Tribunal de Justica ae Ie 2" Turmas (contariamente as 3° e 4 Turmas da mesma Corte) tem «imitido a denunciagio da funcionstio. No julgamento por unanimidade do Resp. n* 34.980-1 SP, in RSTJ, vol. 77, p. 101, o Ministro Milton Luiz Pereira, da J? Turma, asim se pronunciou: “Embora de natureza diversa, as respon ssbilidades do Estado (isco admministraiva) ea do fmcionsio publica (culpa), «cla a este a condugio culpora do veielo mostra-se incensurével o alitre ddo autor en, prontamente, chamclo para o polo passvo da relagie processual Se nao inchutdo, desde logo, © preposto, surgiria a denunciagio da lide (art. 70, I, CPC). Considerando o direito de regresso (art. 87, parigrafo 6°, CF), © homenageando-se o principio da economia procesnal, € recomendavel que ‘agente puiblico, apontado como responsivel pelos danos causads 2 tereeiros, presente aaa resposia, produza prova eacompanhe ainsiruyao e julgamento. da legalmente a sua qualificacio no polo passiva.” A mesma posigio € expressa pela 2" Turma, por maioria, in RTS). vol. 62, p. 216, Nesta diregio posicionouse também © STF, in RT, vol. 544, p. 260, Em dou: Demais, nao esté ve i © arguinento, todavia, ndo merece aplauso, Em primeiro lugar a denunciagao. prevista no Cédigo de Processo Civil, supoe iden lidade de fundamento entre as demandas, © que nao ocorre no caso de acao de responsabilidade subjetiva contra o agente proposta pela administragao, ja que esta, ao contratio, foi acionada com fundamento na resgonsabilidade objetiva.* Alias, com tal conviccao tem se pronunciads, intimeras vezes, as 3! € 4* Turmas do Superior Tribunal de Justica, valendo por em realce a seguinte ementa da lavra do Ministro Barros Monteiro: A denunciagao da lide 96 deve ser admitida quando o denun. ciado esteja obrigado, por forca de lei ou do contrato, a garantir © resultado da demanda, caso o denunciante resulte vencido, vedada a intronissio de fundamento novo nao constante da acio originaria®™ trina, Belizirio Anténio de Lacerda, "A Responsabilidade Administrativa ¢ a Demunciacao da Lide”, in Revista Juniica, vol. 180, ontubro 1992, p, 144, sustenta que, com a entrada em vigor da Lei n® 8.112/90, que implementou © Regime Unico dos Servidores Piblicos Cis da Unido, e cujo art. 122, § 2", admite a acio regressva, sem exigir, contude, para a sua propositura, ane cesidade do trinsito em julgado da decisio de eondenagao da administragio pplica, como exigia 9 art. 197, § 2 do anterior Estatito dos Funcionarios Pablicos Gril da Unito, pode “a acio de regresso ser mancjada por essa (administragéo piiblica) no mesino processo em que estiver sendo demanda dy 28 A propésito, bem sintetiza Luiz Fabio Guasque, in Resta Juridica vol. 179 setembro 1999, p. 145: "As causae petendi dos pedidos contra o Estado ¢ 0 particular em fundam=ntos diferentes, nio havendo-conexao nem pelo pedido ‘nem pela causa de pedir conforme os termos do art, 108 do CPC. Portanto, rio é cabivel a denuaciagio da lide nas agies de responsabilidade civil do Extado, B® REsp. n® 2.967, julg. em 28/10/90, in Theotonio Negro, Cidigo de Processo Civile Lapstacan Processual em Vigor, Sio Patio, Saraiva, 157, 28° e. p. 129, onde sio relacionadas ouras decisdes no mesmo sentido (RST) vol 14, p. 440; RT, vol. 492, p. 159; RTPERGS, vol. 167, p. 273 e vol. 168, p. 216, JTA, vo. 98, p. 122). ese aduz: “Assim hide ser, pela obvi razao de que mio possivel introduzit nos autos uma uova demand, com produgao de prova pericil ¢ testemunhal, entre denuinciante e denuinciad. V, também, 0 vote fio Ministro Eduardo Ribeito (4 Turma) in RST]. vol. 84, p. 202 ¢ ss ea decisio do TJSP, in RT, vol. 571, p. 81, teformando decitio de primeira instancia e contra o parecer do MP, sendo Relator o hoje Ministo Silney 194 Em seguida, observe-se que a denunciacao da lide, nestes casos, a0 suscitar a longa instrugio processual indispensavel a demons tragdo da culpa do agente, representaria um obstaculo a reparagao pretendida pelo constituinte no art. $7, em bases objetivas, justa: mente para se facilitar a tutela jurisdicional.” Além disso, como ja evidenciado em doutrina, mesmo sob a perspectiva da administracao publica a demunciagao da lide nao se mostra isenta de objecdes, ji que a defesa teria que assumir a culpa do agente, quase que reconhecendo o pedido, para efetuar a litis- ntemente do, que ocorre com os particulares denunciantes, compete-the denunciagao."! “Eis aio dilema da Fazenda: difer ‘ao de- hunciar, confessar a culpa de seu preposto, deserevendo a conduta culposa deste em todos os pormenores essenciais, para que obter éxito no pretendido exereicio do direito regressivo.” Igualmente restritiva mostrase a interpretacdo que rejeita a propositura de acao indenizatéria diretamente contra 0 funcions: io, com base na culpa, em detrimento da acao contra a adminis tracio piblica. A hipstese ocorre com freqiiéncia, sobretudo quan- do a prova da culpa ou dolo se mostra evidente e a execucio contra Sanches, assim ementada: "Respons tivo — Detendo asassinato por outro no presidio — Denunciacao da lide a Diferencas entre os findamentas juridicos ddas respectivas responsabilidades.” © acérdio, invocando a ligio de Vicente Greco Filho, entre outros conceitados autores, asinaln que “as pretensies (dos autores e da demineiagio) tém titulos inteiramente distintos (a respon sabilidade objetiva e a culpa ort dolo do denunciado)’ w Partilha de tal entendimento Renan Saad, O Ato Histo © a Responsabilidade Civil do Estado, cit, p. 62, que argamenta, cor arya: "Aliés, a prevalecer 0 emtendimenta diverso, notivel seria © acréscimo temporal da demanda, pre inelicando ainda mais a vitima do evento danoso. E, com efeito, nao foi da intengio do Constivuinte agravar @ prejuizo das vitimas dos atos danosos decorridos da atividade estatal, pelo que se depreende do principio insculpido fda Constiniigao Federal, a0 editar a responsabilidade civil objetiva do Estado, Através da denunciacio da lide, sera diseutiela, nos ats da agao indenizatora, aquilo que se pretendes afastar na norma constiticional, ow se, a culpa WV. também, no sentido do texto, Hely Lopes Meirelles, Dieta Administration Basilio, cit, p- 420. w Voto do Juiz Nekon Altemani, do TACSP (in RT; vol. 566, p. 112 € «8, invocadlo pelo Juiz Ferraz Nogueira, da 3! Camara do 1" TACSP, o julgamento, dda Ap. Ca, n° 300.125, uly. em 16/5/88, im ADV.COAD, n 40-197 dade Civil co Estado — Carter obje- carcereiro — Inadmissbilidade 195 © patriménio do agente se apresenta, para o autor, mais atraente (imaginese 0 nao implausivel contraste: de um lado, 0 robusto patrimOnio do funcionario faltoso e, de outro, os cofres endividados de um modesto municipio). Finalmente, nao sao trangdilas doutrina ¢ jurisprudéncia acerca da co-responsabilicade da administragao ptiblica e das pessoas ju- ridicas de direito privado prestacioras de servicos ptiblicos. Cuidar seia de responsabilidade soliddria ou subside sponsabilida- de da pessoa juricica de dircito piiblico em relacio a entidade privada? A responsabilidade subsididria vem sendo sustentada com base na regra geral da nao presun¢ao de solidariedade no direito civil (art. 896, caput, CC) ou a partir da independéncia patrimonial entre as pessoas fisica e juridica: “nem mesmo em résponsabilidade soliddria lo Estado é possivel falar nesse caso, pois trata-se de pessoas dele distintas, sujeitos de direitos e obrigagdes. No maximo, poder seia falar em responsabilidade subsididria do Estado, uma ver exau- ridos os recursos daentidade prestadora de servicos piiblicos. Afinal de contas, se 0 Estado escolheu mal aquele a quem cometeu a execucio de servicos piiblicos, deve responder subsidiariamente, caso 0 mesmo se terne insolvente © argumnento, entretanto, em que pese 0 respeito de que € merecedor, nao se mostra convincente. A uma, porque o fato de serem pessoas distintas, antes de afastar a solidariedade, constitui-se no seu pressuposto: s6 hua solidariedade porque ha pessoas juridicas distintas ¢ independentes, nao se podendo cogitar de co-responsa bilidade — conjunta ou solidaria — em se watando de uma tinica pessoa, Demais disso — ¢ mais importante, a responsabilidade sub- sididria em razio da ma escolha equivaleria, do ponto de vista técnico, a reinsercio da culpa in vigilando no ambito da responsa- bilidade objetiva, com o qué, definitivamente, nao se pode concor- dar 58 Sobre o tema, v. Renan Saad, O Ato Mica ¢q@ Responsabilidade Civil de Estado, cit, p. 60 € ss, qual destaca a decisio do STF, sendo Relator o Min. Oct vio Gallott, admiindo a agio contra o funcionatio priblico direta ¢ inde: pendentemente da acio contra 0 Estado. Para o autor (p. 61), "facultae a vitima acionar um ou outro”. Nessa diregio, aliis, encontrase a ja aludida decisio do STF, proferida na Sessio Plensria de 18/6/80, in RT, vo. 544, p. 260 e 1% Sergio Cavalieri Filko, Programa de Reponsabilidade Civil cit, p. 159. 196 Assim é que, sem desconhecer a complexidade da matéria, ha de se considerar solidaria a responsabilidade dos entes puiblico & privado, no caso do art. 87, § 62, nao prevalecendo, nesta hipétese, a regra geral do art, 896 do Cédigo Civil. Parece, ao revés, haver previsao legislativa expressa aplicavel a espécie: o Cédigo de Defesa do Consumidor admite, como fornecedor, “toda a pessoa fisica ou juridica, publica ou privada, nacional ou estrangeira” (art. 3°, Lei n? 8,078/90). A prestacao de servicos piiblicos constitui, portanto, relagao de consumo, sendo a vitima dos danos provocados pela administracao publica 0 consumidor final ou equiparado (art. 17, Lei n® 8.078/90), 0 que atrai para tais hipéteses a disciplina dos acidentes de consumo, de modo a gerar a solidariedade dos diversos entes ptiblicos e privados que se apresentem como fornecedores dos repectivos servicos, prestados (direta ou indiretamente) pela atividade estatal. 17 Sn

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