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S deaeee | pms Alan Wood AS ORIGENS DA REVOLUCAO RUSSA DE 1861 A 1917 Valter Lelis Siqueire ) Dirogao Antonio Ubirajara Domlencio Inpensso nas cfkinas a (Gréfca Palas Atnona © 1987 Titulo do original: The origins o 1. 0d. 1987 por Methuen & Co, Lis, 111 Now Fetter Lane, London £C4P 4EE ISBN 85.08 03917 4 i | Sumétio Quadro cronolégico 4 Mapa: O Império Russo em 1917____ 9 Mis Introugao | secss-scsieseeeseuaeenieeseiietay 2. Autocracia e oposiggo ___13 regime imperial: contrasts e contradigdes 8 A tradigio revoluciondria____ 19 -Reformaereagéo__ lag Emancipario e reforma administrativa, 1861-81 __ 24 Populismo revolucionério, 1861-81 Retragdo e indusrilizago, coca . Revolugéo versus constituigéo __ «2 Origens do marxismo russo_______ a2 1905 A politica “constitucional””, 1906-16 $1 Guerra e revolugao 56 A Riissia na guerra, de 1914 a fevereiro de 1917 __ 56 A Revolugdo de Fevereiro e 0 “poder duplo”, fevereio-julho de 1917 o A caminho da Revolugéo Bolchevique, agosto-outubro de 191766 Interpretagées e conclusées __ 11 - Glossdrio de termos russos _ 15 Indicagdo bibliogréfica______78 2 5 bal exe Tastee ie 7e8i Emarcpepio doe sonoe, Quadro cronoldgico ca | Tate do 8 | Freee 1586613 | aa 738 Rasturagto d auocci Mal ome 7 res e868 Farllecimenio do gover steel a Sonne nas ‘ere 78 veo 725 Reina do Posro | Pod, 0 Grande) Assam ma npn pri 1376 cuepa 7 "Era das Revolugbe Peocanas™ Reinado de Catarine | | “a8 \ Publicagdo de Viagem de Sto Potersburge Taare Feinado de Aovanare cb ie Radanchor a | 1883 Formagao em Genebra do primeiro grupo. vee mana niisr'o Grape fule Usetae 1 Sotabeie ease i | Tass Wits we toma miso dae Franses 710608 7 sonlrovrta"EslavoTNonOalena ts 7e8ci0i7 / mo Revowug6ee na Europa, Ta3e7001 1653-6 Guerra da Criméia; a Russia 6 derrotada, 1897-1900 eee Ruinado de Alexandre 1388 Alexandre anuncla sua nlengto de abo 7688 Fiimelo Congresso do Pardo Tab lira serviszo, Russo Socialdemocrata (PTRSO), 18 do Junho 1661-1936, 1900 Primeira edigdo de /skre; tundagao do Par- 1015 tio Scelalista Revoluctonario PSA). 10015 Colapso econémico; cificuldades agrariae e industrials. 1916 1902 Publicagao de Que fazer?, de Lenin, 5908 ‘Segundo Congreso do PTRSD; di entre mencheviques e bolcheviques. ‘19085 ra Russo-Japonesa; a Rlssie @ derro- iaseiro-teveraloy 28:27 de fevereiro 5905 27 de fevereiro 12 de margo 1908 2 ae marge 1906-17 1907 ‘de abel 1907-12 a Duma Estatal, 20 de abril- io contra @ “nota de guerra” 1011 ‘Stolypin & assassinado. 2de malo Milyukoy, colapso do. primeiro Governe Provisera, 1912 Massacre nos campos auriferas do Lena; visa de malo Nicheviques e os bolcheviques ‘de Junho 1912.17 1914 2 de Julho 3-4 de julho ‘57 Ge juiho 'e toma primelronl lov nomeado comandante-em-chete, 28 de julho ‘Trotekl @ press. Julho - seiembre 27-30 de agosto ‘Setembro 10 de outubro 20 de outubro 2628 do out (26:26 do outubro 2627 de outubro promulga 0 80 Decreto sobre ‘O IMPERIO RUSSO EM 1917 1 Introducgao A Revolugdo Russa de 1917 é sem diivida o fato mais, sulo XX, Um observa- importante da histéria politica do dor contemporaneo da Revolucio, John Reed, deu a seu famoso relato desses acontecimentos o titulo de Os dec dias que abalaram o mundo, ¢ 0s tremo- res € as reverberagdes provocados pela nuam a ser registrados ainda hoje. Si evento (no momento em que escrev: mundo, Uma da Revolugao rtanto, nao se restringe ples questdo d co, mas € algo ‘que se tenha um entendimento adequado e bem tica — coma Estado e sociedade nascidos dessa Revolucéo — desempenha um papel de extrema importanci Este panfleto se 2 um exame das causas ¢ dos rumos da Revol ‘a emancipagdo dos camponeses- servos da Riissia em 1861 até a tomada do poder pol 2 pelos bolcheviques em outubro de 1917. Uma andlise das conseqiténcias dessas profundas mudancas seré deixada para um futuro estudo. Por que iniciar o exame da Revolugao de de 1861? Nao é necessario adotar a visio da historia para que se concorde com a opinido do préprio Lénin de que as sementes da Revolugao foram langadas ao um Estado absolutista e autocrdtico. E uma lei fisica, se nfo rica, a que nos ensina que a forga de pressio do vapor ccontido em um recipiente rigido, sem espago para sua expan- sii, sem qualquer estrutura etisti rovocara uma explosao ¢ o estilharamento desse recipiente. Essas perigosas forgas e presses, tanto latentes quanto ati- vas, podiam ser constatadas por qualquer um nas décadas que antecederam 0 ano de 1917. A revolucdo sempre cons- tou da agenda tanto da autocracia quanto da oposiglo. Os itelectuais russos constantemente falavam ¢ escreviam sobre os ativistas se organizavam para ela, 0 governo legislava ‘contra ela, ¢ as forgas militares e policiais, combinadas entre si, estavam em constante alerta para sufocé-la. Mas foram ‘as massas, 0 povo russo, que por fim a conecretizou, As pagi- nhas que se seguem procuram descrever e analisar algumas das circunstancias objetivas e alguns dos fatores subjetivos que contribuiram para esse processo, criando as tenses € contradig6es dentro do Império Russo que s6 poderiam ser resolvidas pela revolugdo. Antes, porém, é necessério identi- ficar algumas das importantes caracteristicas do regime cza- rista ¢ as antigas tradigSes revolucionérias a ele opostas. 2 Autocracia e oposicao O regime imperial: contrastes e contradigées ‘0 Império Russo na época da Revolugo era uma terra de incriveis contrastes. Era o maior império em terras con- tinuas do mundo. Estendendo-se da Europa Oriental até a costa do Pacifico, ¢ do Oceano Artico até os desertos da Asia Cent ras chinesas, 0 Império cobria — ica de hoje — uma area quase equiva- lente a um sexto das terras emersas do planeta. Nesse con- 10 imperfeito de territérios ¢ povos, contudo, enquanto Imais de dois tergos das terras ficavam a Urais, nas vastas e geladas extensdes da parte integrante do Império) e do Ciucaso. O primeiro governante russo a se proclamar imperador (diferenciando- se do titulo de czar) (Pedro, 0 Grande, que governou de 1696 a 1725). O reino que herdara de seus ante- eessores moscovitas do século XVII jd era de dimensdes consideraveis, ocupando grande parte da Eurdsia, mas sua maior e mais duradoura realizarZo seria o estabelecimento da presenca da Russia como poténcia dominante no € no leste da Europa, como conseqiiéncia de su: sobre os suecos na Grande Guerra do Norte (1700- significado da entrada da Riissia para a Eur deve ser exagerado. Igualmente poderosos foram 0s e recfprocos da influéncia da Europa sobre a Russia. O cipal efeito das reformas empreendidas por Pedro remodela¢do da administrapfo segundo 0s padres europeus; outro resul dessas reformas foi tet obrigado os mem- bros ia (dvoryanstvo) a adotarem habitos, modos, educacao ¢ atitudes ocidentais. Assim, Pedro criou uma grande divisdo na sociedade russa — ou ‘melhor, criow duas sociedades. De um lado, havia a edu- cada ¢ ocidentalizada dvoryansivo, que, nos $0 anos que se seguiram & morte de Pedro, se tornou uma nobreza pre- tensiosa, ociosa, possuidora de terras ¢ servos, e gozando da majoria, se ndo de todos, dos privilégios de uma aristo- cracia européia. Do outro lado, havia povo russo (narod), os camponeses transformados em servos, que continuavam a ser implacavelmente explorados, espoliados e confinados, 20 mesmo tempo que continuavam mergulhados em um vasto lodacal de ignorancia, miséria, superstigdo e fome periddica. O abismo social ¢ intelectual que separava a nobreza do narod era uma manifestagao da natureza com- plexa e ambivalente da relagdo entre a Europa ‘‘moderna”” rasada"", que se constituiu em um grande Jeltmotiv da histéria do pais du ‘Outros exemplos da ambi podem ser encontrados na estrutura politica, nas relagdes ‘econémicas, no poderio militar e até mesmo nas realiza- ‘96es culturais da Russia as vésperas da Revolusio. Em primeiro lugar, o imperador russo era um auto- . O que equivale a dizer que nfo havia qualquer restrigio legal ou constitucional ao seu exercicio 5 do poder politico, da escolha dos ministros a funcionérios do governo, ou da formulacdo da politica n séculos XVIII e XIX foram fe propor um tipo de reforma cor poderes do czar, mas nenhuma gado a autorizar a realizacio de biéia nacional consultora e Imperial Duma Estatal, Contudo, a despeito da relutante concordancia do czar com o principio de um certo tipo de politica de participacdo limitada, legalizacao dos partidos politicos e da promulgacio das Leis Fundamentais, a forma de governo continuava a ser a autocraci outras palavras, se 0 autocrata desejass do (¢ com ela a Duma), entio a const da autoridade necessiria a isso. Sem qualquer definigéo, a al”? nfo era apenas em um absurdo poli- Em termos econdmicos, a situagZo era igualmente pro- bblematica. © atraso industrial da Russia com relagdo a ‘outras poténcias européias importantes ficou patente depois da derrota do pais na Guerra da Criméia (1853-6). Como conseqiiéncia, embora nao de imediato, 0 governo deu ini- cio a um programa intensivo de industrializagio por volt da virada do século, conseguiné sformar a Russia, de um dos paises menos economicamente da Europa, em uma das principais poténcias industriais do ‘mundo. Durante esse processo, 0 pais rapidamente assumiu aréncia e substincia de uma moderna economia capitalista. Pela primeira vez em sua historia, a Russia desenvolveu uma grande forca de trabalho industrial, ou proletariado, e uma classe média economicamente poderosa 6 de negociantes, banqueiros, advogados, financistas € triais. Ao mesmo tempo, contudo, a grande maioria da Populacdo, cerca de 80 por cento, ainda era constituida or camponeses organizados comunitariamente, trabalhando e vivendo em suas vilas em cor que haviam sofrido oucas mudangas desde o século XVIII. Até mesmo habitantes das cidades estavam oficialmente re como camponeses, ¢ a Rissia ainda era uma sociedade sur- reendentemente agrdi Por terras, cujos interesses econdmicos ha muito eram negli genciados pelo ise em fator-chave para ‘um entendimento da natureza da Revolugo de 1917. ‘Também vital para um entendimento dos eventos ocor- ridos nesse ano é 0 papel dos militares. E aqui, mais uma vez, vemo-nos diante de outro paradoxo aparent © 0 prestigio do Império Russo dependiam em cia do poderio de suas forcas armadas. O exé major forca militar do mundo e era utilizado néo apenas em campanhas militares no exterior mas também tengo da ordem interna e na represséo dos di que ameagavam a estabilidade do regime. Apés a deri Tussa na Criméia, houve uma sétie de reformas militares radicais, principalmente durante a década de 1870, com o Objetivo de reorganizar ¢ reequipar as forcas armadas do pais de acordo com as modernas técnicas bélicas, Entre- ‘tanto, essas mudancas fizeram com que os russos superesti- ‘massem suas forcas, ¢ um novo desastre militar aconteceu, desta feita diante do Japao, durante a guerra de 1 Poderoso Império Russo foi derrotado por um pai relativamente pequeno que, contudo, havia-se moder de maneira mais bem-sucedida e eficiente que seu enorme vizinho, aparentemente mais poderoso. As previsdes quanto a0 envolvimento da Riissia na Primeira Guerra Mundial exam, portanto, pouco auspiciosas. Se o desastroso empe- ‘ho do pais nesse conflito precipitou ou nao a Revolucao v7 de 1917 € uma questo que discutiremos mais adiante, mas © paradoxo ¢ claro: de um lado, uma grande poténcia impe- rial que ainda contava com formiddveis recursos ‘Também cultural ¢ intelect Jau Il era um pais que aprese Gifeenes. As cerca de dns ddeadas que anecederam 1917 tém sido descritas como a rrussa, a “'renascenca russ que enfatizam a natureza tica de suas realizagdes art wlora ¢ a alta qualidade esté- icas e literdrias, Realmente, ‘muitos poetas, pintores e muisicos russos formavam a van- guarda da cultura européia contempordnea. As peas € os contos de Anton Tchekhov e Maximo Gorki, a poesia de Alexandre Blok e a escola simb« Stravinski e Prokofiev, as t Stanislavski e Meyerhold, ¢ as de Berdyaev e Rozanov foram época de intensa atividade culture gveis mas sem diivida se desti : educadas ¢ & elit tual. Pelos padrdes oci temporaneos, os niveis de educagto e alfab Povo russo eram constrangedoramente baixos. A maioria dos camponeses era analfabeta e, de qualquer modo, eles tinham problemas cotidianos de sobrevivéncia muito mais urgentes do que aprender a ler ¢ eserever. Havia pouco lirismo ou beleza na vida das massas, e para muitos parecia que as elegantes producdes da intelligentsia era resultados de uma omisséo diante da responsabilidade moral com rela- 40 a0 povo russo. Mais uma ver estamos diante de uma contradigao: um pais cujas brilhantes realizacdes artisticas e literdrias colocavam-no na vanguarda européia, mas cuja populagio, em sua maioria, ndo conseguia ler ou escrever sua prépria lingua. wam as classes superiores Outro fator conflitante a ser considerado na avaliagao das condigdes do Império Russo as vésperas da Revolusio a composigao étnica de sua populacZo. Em 1917, de uma populagio total de 163 milhdes, os russos $6 formavam 40 Por cento. O restante era composto por uma massa enorme heterogénea de minorias nacionais que falavam mt Iinguas e variavam em muito quanto ao mimero de nentes € ao nivel de civilizagao, Durante toda a historia do Império, essas minorias haviam periodicamente expressado seu descontentamento quanto sua condigo de vassalos 2 continuidade da dominagZo russa, Esse descontentamento se manifestava de varias formas, indo do protesto indivi- dual ¢ da desobediéncia civil a insurreigées nacionais arma- das ¢ em grande escala que exigiam separag2o e autonomia. ‘Tais revoltas eram sempre impiedosamente sufocadas. As insurreigdes polonesas de 1830 ¢ 1863, por exemplo, foram seguidas de execugdes ¢ pelo exilio permanente de patriotas poloneses na Sibéria. Das outras nacionalidades, os judeus ‘em particular sofreram uma variedade de restrig6es no tocante a habitagao, educagdo, oportunidades profissionais e ativida- des econdmicas. Também foram tivas de violéncia, incEndios premeditados, saques e estupros — 05 famosos pogroms —, que eram desenvolvides com a icia do governo. Além da Polénia e do “territério 08 sentimentos anti-russos grassavam por todo 0 » € entre as forgas centrifugas que impeliam o regime ezarista em diregao a seu colapso final os moviment independéncia nacional dos povos nfo russas co um elemento de forte carga emocional e extremo vigor. © Império Russo do comego do século XX, portanto, continha uma ie siva ¢ dolorosa pobreza, de fora ¢ fraqueza, de atraso e modernidade, de despotismo e uma urgente mudancas. Por toda parte, conviviam exemy rismo e sofisticaglo, de tecnologia e técnicas pi . de esclarecimento e ignordncia, de tradigées européias e asié- 1s ticas, E claro que essa ndo é uma situagdo historicamente peculiar & Ruissia, pois na verdade pode ser encontrada em muitas sociedades subdesenvolvidas e em desenvolvimento de todo © mundo de hoje. Entretanto, os fortes contrastes contradigdes existentes na Russia do perfodo inter-revolu- cionério que vai de 1905 a 1917 levaram o grande escritor russo Ledo Tolstoi a observar com ironia que a Russia era ““o nico pais do mundo em que Géngis-Khan desfruta do uso do telefone”. igo revolucionaria A dinastia Romanov, que foi destrufda pela Revolugio de 1917, teve origem durante um periodo de 25 anos de agi- politico imediato, nao oferecia qualquer solugo facil para as continuas dificuldades sociais ¢ econémicas do pais, € (08 meados do século XVII foram marcados por muitos dis- i i ¢ cismas religiosos; por isso, 0 wuchevski chamou esse periodo de Desde seus inicios, portanto, 0 novo regime foi ameagado por uma série de desafios potencial- mente revoluciondrios & sua autoridade que acabou por estabelecer um modelo para os préximos trés séculos de selvagem, anarquica endo dirigida para qualquer propésito politico especifico. Nao eram particularmente dirigidas con- instituiglo. Na verdade, era caracterstico de muitos movi- ‘mentos populares dos séculos XVII e XVIII 0 fato de serem comandados por um pretendente ao trono, um impostor que afirmava ser o verdadeiro czar e prometia restaurar 03 » direitos do povo ¢ dar fim a seus sofrimentos. O reinado de terror de Pedro, 0 Grande, provocou uma grande resis- téncia popular que, em seu todo, ele conseguiu cont embora langando mao de uma série de repressdes brutai © fato de cle nao ter apontado um sucessor antes de st ‘morte em 1725 deu inicio a um perfodo de confusdo poli- tica que € por vezes denominado a “Era das Revolugdes Palacianas’’. Entretanto, a rdpida sucesso de personagens mediocres que ocuparam o trono russo entre 1725 e 1762 nao teve qualquer implicacao revoluciondria para o Estado ‘atava-se apenas da mudanca de lum monarca para outro como mera figura de proa de uma ra facsio, panela ou favorito da corte, Entretanto, uma coisa foi demonstrada por essas "‘revolug6es pal nas”, ou sea, a importincia de se preservar a lealdade los le surgiam no papel de “fazedores de Essa tradicdo de golpes milares, originadn mente abordados cianas foi a de 1762, que resultou na ascenso ao trono da , 2 Grande). Foi durante seu longo reinado (1762-96) que ocorreram dois eventos de extrema importancia, cada um deles representando uma diregao importante no desenvolvimento do movimento revo- lucionario durante 0 século e meio seguinte. O primeira deles foi a grande revolta dos cossacos e camponeses, comandada pelo pretendente Emelyan Pugachev entre 1773, © 1775. Por sua extensdo geogrifica, seu apoio numérico, pelo alcance de seu apelo popular e pela grande variedade de seus participantes — cossacos, religiosos cismaticos, ope- rririos, membros de tribos ¢ camponeses — a rebelido Puga- chev representou a mais séria ameaca a estabilidade do Estado russo desde 0 Tempo das Dificuldades, Por fim, @ revolta foi esmagada, o corpo de seu lider, esquartejado, 2 € uma sangrenta sucesso de execugdes ¢ represlias foi desenvolvida nas regides afetadas pela revolta. Pugachev 10 de sua rebelido inata pelo autoritarismo e na insu Se Pugachev foi a personificacio da revolta popular, © caso de Alexandre Radishchey (1749-1802) resume 0 igem de Séo Petersburgo a Moscou. ivro — por sua amarga condenasio idual — foi uma verdadeira gado ¢ exilado para a meiro tiro de uma longa batal (os membros da sia critica, que mais tarde se tor- nou militante e, por fim, revoluciondria. Enquanto as for- ‘sas populares representadas por Pugachev ¢ os desafios inte- lectuais representados por Radishchev permaneceram isola- porém, no inicio do século XX a intelectualidade e 0 narod juntaram forgas, como acontece na combinagao de dois pperigosos elementos quimicos, a exploséo resultante devas- tou a ordem sociopolitica ezarista, da qual ambos eram Produtos. ‘A primeira tentativa declarada de mudanga revolucio- naria a combinar a oposipdo intelectual com as téenicas fami- liares do golpe militar — mas ainda sem participagao popu- lar — foi a malfadada e abortiva Revolta Decembrista de 1825 (assim chamada porque a insurreigio aconteceu no dia 14 de dezembro). A inesperada morte de Alexandre I, i) 2 que reinou de 1801 a 1825, precipitou os planos de um grupo altamente educado, mas de patente média, de oficiais do exército; esses planos consistiam em se estabelecer um putsch militar que derrubaria a autocracia ¢ introduziria ‘um tipo de monarquia constitucional ou até mesmo uma forma de governo republicano. A rebelido foi facilmente sufocada; cinco de seus lideres foram enforcados ¢ mais de 100 outros, sentenciados ao exilio na Sibéria. A princi- pal razio de a revolugao nio ter acontecido foi o fato de do existir uma situagdo revoluciondria, Quando os Decem- bristas decidiram tomar as ruas nfo havia um estado de ‘emergéncia nacional mas apenas uma pequena desavenga ‘com relagao a sucessao imperial. Tampouco havia uma crise econémica, uma , um desarranjo na ordem social ou uma agitarao popular; na verdade, nenhura das circunsténcias objetivas que normalmente se constituem em pré-requisitos de uma revolucdo bem-sucedida se fazia Presente, como aconteceu depois em 1917. Mas, apesar de ter falhado — ¢ talvez porque tenha falhado —, a Revolta Decembrista pode ser realmente considerada como 0 inicio do movimento revolucionério do século XIX. Seus mem- bros passaram a ser reverenciados como mirtires, e os ide- ais ¢ 0 exemplo desses “‘nobres revolucionéri ram a inspirar as geragdes seguintes de reformadores, ra cais e revolucionérios. reinado do novo czar, Nicolau I, que governou de 1825 a 1855, tem sido deserito como “‘o apogeu do absolu- tismo””. Mas, a despeito da natureza reacionéria, militarista c obscurantista de seu governo, este também conheceu uma atividade intelectual extremamente vigorosa, da qual uma das mai foi o assim chamado durante a década de istas eram intelectuais 'a para os problemas russos 10 exemplo da civilizacdo européi dental. Eram objetos particulares de sua admiragfo as digdes ocidentais de um governo constitucional, do respeito 23 pelas leis ¢ 0 individuo, da filosofia racional e da predomi- Alguns dos Ocidentalistas mais radicais tam- luenciados pelos pensadores socialstas fran- pordineos e pelas teorias do filésofo aleméo Hegel, todos descritos por um importante Ocidentalista como’a “élgebra da revolugio". Rebelando-se instintiva- mente contra a crueza da realidade russa contemporénea, (0s Ocidentalistas radicais da década de 1840 comevaram pensar na revolug2o como a tinica forma de wma mudanga dessa realidade para melhor. Por outro lado, os Eslavéfilos afirmavam que © que havia de errado com a Russia de Nicolau I devia ser identi ficado na ja excessiva europeizagdo, na enorme burocracia com aquilo que eles acreditavam ser a ade russa. Tomando como ponto de partida de sua filosofia as tr i ‘mentos da Igreja Ortodoxa Russa, os Es que 2 futura grandeza da Russia estava tudes imaginérias de seu passado moscovita. Todos falavam da decadéncia e da ‘‘podridio” da moderna civilizagto européia e contrastavam-nas com as imaculadas virtudes is do campesinato russo. Acima de tudo, fa da comuna cam retorno das vir- prova da inerente jo povo russo com relaréo ividade e a0 egocentrismo divisor da sociedade do homem europeu. ‘io € preciso exagerar 0 impacto da controvérsia. centre Ocidentalistas e Eslavéfilos na futura historia intelee- tual, e até mesmo politica, da Russia. Muitas das posterio- res disputas e divisOes entre os intelect rentes facgGes, escolas de pensamento e partidos politicos, podem ser analisadas em termos dos que buscavam 0 que acreditavam ser uma soluso racional, Iégica ¢ universal para os problemas da Russia e dos que defendiam o respeit pelas idiossinerasias das préprias tradigdes culturais esociais da Russia. Ad 3 Reforma e reac4o Emancipagio e reforma administrativa, 1861-81 A emancipasio dos servos tem sido descrita tanto ais importante ato legislativo de toda a historia quanto como “‘indigna do papel em que foi Nao vale a pena nos determos na polemica sobre es que levaram 0 governo a tomar essa deciséo. O Tessa so as condiedes ¢ conseqiléncias desse ato. Contudo, ¢ importante lembrar, ainda que de forma sucinta, que Alexandre II (reinando de 1855 a 1881) no aboliu a servidao em conseqiiéncia de um desejo altruista melhorar a sorte do narod russo. Mais que a filantropi foi o medo que o forgou a embarcar num proceso depois da derrota na Criméia, como essencial & sobre cia econémica e politica do Império. A meméria das hor- das de Pugachey ainda atormentava Alexandre quando este declarou em 1856 que, se a servi 2 sua liberdade técnica ¢ legal, ou seja, eles néo eram mais propriedade privada de seus mestres ¢ estavam livres para negociar, se casar, pleitear ¢ adquirir propriedades, Em lugar, depois de um periodo de ‘‘obrigacdo tempo- a”, durante 0 qual continuavam a desempenhar algu- mas das obrigacdes pertinentes & sua antiga condigao de jam comecar a fazer uma série de “pagamentos ao governo pelos lotes de terra que Ihes 5; esses lotes eram desmembrados da pro- priedade de seus antigos amos. O alto nivel desses pagamen- tos compensatérios, fixado em 6 por cento de juros por lum periodo de 49 anos, significava que os camponeses eram forgados a pagar um prego por suas terras muito acima do valor corrente de mercado, e representava uma compen- sagdo “dissimulada"’ a dvoryanstvo pela perda do trabalho servil. Outra caracteristica importante desse ato legislative era o fato de os camponeses, embora livres, ainda continua- rem organizados ¢ legalmente ligados a vila de sua comuna, ou obshchina. Tanto a liberdade quanto a terra que recebe- ram Thes eram atribuidas no de maneira individual, mas coletiva. A comuna exercia amplos poderes econdmicos ¢ semijuridicos sobre seus membros. Os impostos, os paga- mentos compensatérios ¢ outras obrigagdes eram recol dos ¢ pagos comunalmente; em areas onde a terra era pet dicamente redistribuida entre os camponeses, em vez de ‘transmitida por heranga, a obshchina era responsdvel pela redisiribuigao dos tre as familias da comuna; nenhum ‘comuna sem permissio dos ancidios ‘© poder de exilar seus membros indesejaveis para a . Os camponeses ainda ¢ sujeitos a0 castigo corporal, ao recrutamento agamento de impostos individuais e a certas outras Ges de que outras classes sociais eram isentas. Em outras palavras, 0 campesinato nfo gozava do mesmo status que as outras classes da sociedade russa. Constituia mais uma 6 “‘casta’” em separado, com suas préprias estruturas inter- nas, procedimentos i ‘0s métodos agricolas pri ceiros ¢ 0s impedimentos & mo! setor agricola da economia ru ‘menos estagnado nos préximos 40 anos, Também em ter- ‘mos de protesto popular, o campo permane ‘este periodo, embora as dbvias iniqilidades ¢ as des econdmicas impostas pelos est tenham sido mais tarde postas em evidéncia de maneira dramatica pelo ressurgimento dos distiirbios da massa cam- ponesa no inicio do novo século. Em seguida a abolic4o dos direitos senhoriais sobre 18 antigos servos, o governo foi logicamente forgado a enca- rar a necessidade de se estabelecer uma nova forma de orga- nizagdo de governo local e de procedimentos juridicos que substituissem as velhas i s feudais ainda em prética no tempo da servidao. Assim, foi esbocada uma legislagdo que, iniciada em 1864, estabelecia novos érgaos de governo local nos chamados conselhos rurais, ou zemstva. Estes foram estabelecidos tanto a nivel dist cial, e compreendiam trés ‘element funcionérios remunerados ou civis do zemstvo e profissio~ nais contratados pelos conselhos, como professores prima rios, médicos, advogados, agrénomos e outros especialistas ‘téenicos que na verdade eram responséveis pelo trabalho cotidiano nas areas do bem-estar puiblico sob a responsabi- lidade do zemstvo. Entretanto, um maior mimero de restri- 90es administrativas e financeiras significava que o trabalho do zemstvo ¢ de seus equivalentes urbanos, os conselhos citadinos, era obstruido e debilitado. O zemsivo também ” ido em extenso geogréfica e, na época da Revolugfo de 1917, funcionava apenas em 43 das 70 pro- vincias do Império Russo. O sistema eleitoral também dei- xava muito a desejar. O direito ao voto dependia do nimero de propriedades do votante, ¢ essa exigéncia era fixada em ‘um nivel elevado para se assegurar que uma enorme pre- ponderancia dos membros do zemstvo fosse proveniente da nobreza latifundidria e mesmo das classes ricas urbanas. Apesar de haver uma certa representatividade camponesa ois da emancipa- era bastante cada vez mais dos capriahos da burocracia da capital. Ape- sar desses empecilhos, os zemstva conseguiam um notavel sucesso na promopdo do bem-estar e dos servigos puiblicos nas areas onde existiam. Também ofereciam aos membros da sociedade um forum em que podiam obter uma certa \da que a nivel local; a intelectuali- a oferecida a oportunidade, através das atividades profissionais que faziam dela o “‘terceiro elemento" do zemstvo, tanto de prestar servigo quanto de adquirir experi- éncia com relagao a vida do narod russo. ‘A-administragdo da justi¢a na Russia antes da emanci- pacio dos servos era notoriamente ineficiente, lenta, cor- rupta e socialmente discriminatria. Em 1864, um novo sis- tema ju: foi introduzido, tentando-se pela primeira vez na histdria da Russia incorporar alguns conceitos e prin- cipios da Europa Ocidental referentes ao “‘predominio da iigamento através de um jtiri, igualdade perante a formagdo adequada e preservacao dos juizes, estabele- cimento de uma ordem dos advogados, amincio publico dos julgamentos e separacdo entre 0s poderes judicidrio, ivo e executive. Como no caso dos zemstva, 0 novo representava um grande avanco com rela 40 aos injustos e complicados procedimentos por ele subs- titufdos. Contudo, também nao deixava de apresentar suas imperfeigdes. Entre as mais notérias, podemos citar a pre- 44 servacio das cortes dos camponeses locais que ainda tinham © direito de impor a punicao corporal. Além disso, a poli- cia ainda gozava do direito de prender © punir sem julga- ‘mento pessoas consideradas indesej politicamente. Em tem que se empregassem castigos cor- jesmo a pena de morte na repressdo da desor- licava que as nogdes da modern: prudéncia demorassem a atingir tanto a consciéncia oficial quanto a popular. Contudo, por mais imperfeito que fosse, seu nfo-conformismo e suas da recém-estabelecida profiss nharam um importante papel na governo. © governo local e as reformas judicidrias foram as mais importantes (al de toda uma série de mudangas administrativas e institucionais que afetou a maior parte dos aspectos da vida russa durante este periodo. As reformas do sistema educacional secundério e superior, (05 novos descnvolvimentos nas financas, 0 abrandamento da censura ¢ uma completa revisao da organizag&o, treina- ‘mento, recrutamento e equipamento do exército russo foram todos sintomas da transigéo por que lentamente passava @ Riissia, de um semifeudalismo para algo que se aproximava da moderna sociedade capitali xais desse processo jé foram as novas instituigdes, ainda sobre velho regime — dos quais, ¢ clar Sbvio —, ¢ 0 czar reformista recusava-se terminantemente @ dar ouvidos aos membros de mentalidade progressista pertencentes & nobreza que o instavam a “coroar suas reformas com uma constituigao". O periodo das “Grandes de oposicdo a0 2 Reformas”” foi também uma era de crescentes, embora frus- tradas expectativas; opondo-se & recusa do governo de alte- rar a estrutura politica do czarismo e desapontados pelo ato de emancipacio, mais mais membros da intelligentsia radical deixavam-se atrair pela possibilidade de uma revolu- ‘¢40 popular como tinico meio pelo qual 0 povo russo pode- ria realmente obter “terra e liberdade”’. Estas duas pala- vvras — terra e liberdade (zemmlya i volya) — mais tarde se tornaram o sfogar ¢ o grito de guerra do movimento revolu- ciondrio populista russo que formaria o maior foco de opo- sigdo A politica do “Czar Libertador”. Populismo revolucionério, 1861-81 Populismo revolucionirio — ou narodnichestvo — & a expresso usada para descrever tanto as teorias quanto as atividades préticas da intelligentsia militante da Russia das décadas de 1860 ¢ 1870 que tentou provocar uma mudanga social e politica fundamental no pais, segundo 0 gue entendiam como os interesses do narod russo. Se neces- sirio, isso deveria ser obtido através de uma re i lenta. Quaisquer que fossem suas diferencas ou coletivas — e havia muitas delas —, os populistas (na- rodniki) compartilhavam todos de uma visto comum da destruicdo da ordem sociopolitica czarista e de sua substi- ‘igo por uma sociedade agrério-socialista baseada nas tra- digdes do coletivismo e na ‘Ao da comuna campo- smo ocidental. A obshchina, acreditavam cles, era uma garantia de que isso podia ser conseguido. Os narodniki no se opunham & industrializagao enquanto tal, O que eles defendiam era que 0s principios comunais da obshchina camponesa e 0 cooperativismo dos trabalha- ‘males da exploracao, da proletarizacao e do empobrecimento do modo capitalista de producio. car inspirago em algumas das opinides dos Eslavé A ver na comuna eamponesa, com suas tradigBes de vismo, responsabilidade mitua ¢ redistribuigdo da terra, embrido de uma futura sociedade s idéias ainda eram amorfas e sujeitas ges, mas seu amélgama entre 0 50 coletivismo camponés russo certam io da histéria do. popi Nicolau. Tehernichevski que 0 aristocrético Herzen, Tchernichevski se tornou um dos principals porta-vozes e idedlogos da nova geracdo pés-Criméia da intelligentsia, composta por rapa- zes € mogas mais obstinados, materialistas, impacientes, descompromissados ¢ revoluciondrios em suas opinides que 6 “homens dos anos quarenta’". Em seus préprios escritos, Tehernichevski provou ser mais erudito ¢ desapaixonado que Herzen na abordagem das questdes econ6micas, sociais ¢ politicas da época. Nada devendo & visio idealizada da obshchina defendida pelos Eslavofilos, etomando por base conecitos hist6ricos ¢ econémicos mais sélidos, Tcherni- chevski argumentava, contudo, que a manuitengdo ¢ o revi- goramento da comuna constituiam a melhor garantia de uum futuro justo para 0 povo russo. Tampouco se deixou iludir pela crenga de que algo de bom se produziria das negociagées sobre a emancipagdo dos servos. Na época, sua posieao intelectual era a de instar seus letores a nao se dei- xarem iludir pelas aparentemente boas intencdes de Alexan- 3 dre Il, € propunha que a resposta aos problemas do povo ralmente nas mos do préprio povo: “*S6 os machados dos camponeses podem nos salvar. Nada além deles tem qualquer serventia [...] Fagamos com que a Rus- sia pegue em armast"’, Contudo, foi sé nos anos que se seguiram imediata- mente & emancipago que ocorreu uma forma de atividade revoluciondria pritica. A reago imediata dos servos eman- ‘cipados foi uma mistura de surpresa, édio e desdnimo que ‘se expressava através de distiirbios em todo o pais. Distir~ bios que eram répida e brutalmente reprimidos. Depois da indignagio inicial, contudo, é notavel a rapidez com que 0 ‘campo se acalmou ¢ aparentemente se conformou, ainda que de forma relutante, com a nova situagao. Também a intelligentsia comesou a manifestar seu descontentamento. ‘A primeira organizagdo revoluciondria desde os Decembris- tas — auto-intitulada Zemlya i volya (Terra ¢ liberdade) — foi estabelecida, embora sua composiedo, participantes objetivos ainda fossem obscuros e no conseguissem reali- zar nada de conereto, Ao mesmo tempo, 0 aparecimento e ‘a circulago de um grande mimero de panfletos politicos ¢ propagandistas de natureza mais ou menos inflamada leva- ram alguns observadores a chamar esses anos de “era dos ifestos"”. Um deles em particular é digno de comentério. lava-se Molodaya Rossiya, ‘Jovem Riissia’”, ¢ foi escrito por um estudante de 19 anos, Pedro Zaichnevski (1842-96). A despeito do tom violento de sua retérica de cardter um tanto adolescente, 0 Molodaya Rossiya real- mente estabelecia um programa coerente de objetivos sociais, ¢ politicos, além de um roteiro sangrento para a ago revo- lucionéria que tinha por finalidade o assassinato de todo ‘0 “bando imperial”. Também identificava com clareza 0 problema da relago entre a intelligentsia revoluciondria € ‘© narod, um problema que Zaichnevski abordava através da proclamagio de que as massas revolucionérias deviam ser orientadas por uma organizagdo partidéria disciplinada 2 ¢ centralizada que, além disso, estabeleceria uma ditadura se concretizasse faz de seu manifesto uma das manifestagdes dessa tendéncia do pensamento A sangrenta repressio do levante nacio: de 1863, 0 desaparecimento da Zemiya i vol idiu que a causa fundamen- tal da mistria do povo era 0 Estado autocritico — 0 que em linguagem popular significava 0 czar. Assim, que ele mesmo deveria matar Alexandre, seu intento em 4 de abril de 1866, Seu se seguiu um periodo de i vezes chamado de 0 “Terr Karakozov, para escapar da muitos membros da intelligent Suiga, onde continuaram seus estud Pedro Tkachev (1844-86). 3 Lavrov acreditava que era tarefa da intelligentsia enga- jar-se em um programa de educaco, preparasio e propa- sradualmente aumentaria seu préprio nivel de fo, bem como o do povo, até o ponto em que achev, Bakunin des- igentsia doutrinar © povo. Pelo contr confianga na insur- reigéo camponesa espontinea — a dar 08 camponeses a em uma revolugo de amplitude nacional que pu‘ truir 0 Estado ezarista e permitir que o povo se organizasse federagdo de comunas auténomas, com govern “Nao devemos agir como professores do povo”, ‘mas devemos conduzi-lo & revolta’”. Conduzir 0 povo & revolta também constituia um dos pontos bésicos da filosofia de Tkachev. Contudo, contrariamente a Baku- nin, antiautoritério ¢ anarquista, Tkachev estabeleceu a ‘expresso mais articulada daquele populismo “‘jacobino”” que encontramos no manifesto de Zaichnevski. Tkachev, «eo revolucionéria e para conduzir as massas tanto antiga ordem quanto a construgto da 4+ ¥ das opinides de Lénin quanto & organizaglo partiddria ¢ & relagio entre 0 partido revolucionério ¢ o proletariado. 'No verdo de 1874, ocorreu um fenémeno espantoso. ‘Sem lideranga, sem organiza¢io e sem planejamento, milha- res de jovens intelectu fo homens quanto mulheres, deixaram suas casas, universidades e empregos para se jun- tar a um espontineo movimento de massas, quase uma ¢ru- zada, a fim de se pregar o evangelho socialista através do ‘campo russo. Esse movimento foi chamado de “indo para © povo” (khozkdenie v narod). Nao havia nenhum indicio imediato do movimento. Ele representava uma curiosa mis- tura de teorias socialistas semidigeridas (tanto de lavrovistas quanto bakuninistas), uma simpatia gemuina pelo sofrimento do campesinato ¢ um entusiasmo juvenil de servi causa nobre, e foi marcado por um compromisso € ul quase missionérios. Mas tudo no passou de um misero fiasco. Muitos se desencantaram com a natureza acabru- nhada, conservadora e inerte dos préprios camponeses; ‘outros foram dizimados pelas doengas endémicas do campo rrusso; alguns foram presos pela policia local e muitos chega- ram a ser detidos por camponeses desconfiados e entregues, ‘as autoridades por ‘falarem contra Deus ¢ o czar’. Cente- nas foram aprisionados e depois levados ais clara ou tragicamente 0 continuo abismo que separava, as classes educadas da Russia do narod. © fracasso do “‘indo para 0 povo” em realmente con- seguir impressioné-lo forgou 0s revoluciondrios a repensa- rem a situacio. Passaram entdo a reverter as técnicas de ‘organiza¢ao, o planejamento da conspiragio e as des clandestinas que objetivavam a “desorganizacdo” do Estado, Em 1876, um segundo partido Zemlya i volya foi fundado. Seu programa era impecavelmente populista em ‘orientagio mas seus principais membros cada vez mais ou a desconsiderar a estratégia mais ampla de preparagto das massas para a revolucdo social. A crise dentro do Zemlya i volya foi resultado da questo especifica do ter- ror. Uma politica de resisténcia armada e conseqtientes tiro- isdes evolufra para ten- 3s do govern € mem: Cherny peredel (Diviso Negra), se opunha ao uso da vio- Iéncia politica por ser ela contraproducente, uma traicio ‘a0s principios populistas ¢ no levar aos objetivos méxi- mos da revolugdo. A outra, a Narodnaya volya (A Von- tade do Povo), se dedicou a continuidade da campanha de terror, argumentando que isso enfraqueceria o Estado apressaria o inicio de uma situaco revoluciondria. Em 26 de agosto de 1879, o Comité Executivo da Narodnaya volya condenava solenemente Alexandre {I & morte, e, depois de varias tentativas fracassadas, 0 Czar Libertador foi final- ‘mente feito em pedagos por um atentado terrorista a bomba em 12 de marco de 1881. Os Iideres da conspirago foram presos, julgados ¢ enforcados em praca publics Seria um erro considerar a execurio dos conseqiiente da Narodnaya volya como o fim do opulismo revolucionario na Riissia. A subseqilente reago do governo e a crescente preocupacéo de um niimero cada vez maior de intelectuais com as teorias revoluciondrias de Karl Marx (1818-83) ndo significavam que a tradigfo popu- lista morrera. A filosofia revoluciondria de Marx se basea- va em um estudo da histéria industrial e da economia poli- das sociedades capitalistas evolufdas da Europa Ociden- tal, ¢ muitos ainda continuavam a acreditar que suas idéias, jo bascadas nas classes socias, de uma revolugo “burgués- democratica” i livro. O assassinato de Alexandre II do primeiro grupo marxista russo em 1883, portanto, ndo marcaram o fim € 0 comego de dois capitulos consecutivos da histéria do movimento revo- luciondrio. © populismo ¢ 0 marxismo russos foram, como lois elos consecutivos’’. A despeito do Partido Bolchevique-Marxista io populista com sua crenga no valor da ha socializago da terra e na necessidade de um caminho ndo capialta de deeavolvimente devers perma- nnecer como uma poderosa forsa — do ponto de vista do soverno —, bem como perigosa, na cena politica russa até 1917, chegando a ultrapassar essa data, Retracao e industrializagSo, 1881-1905 Nao é de surpreender que a reagdo do sucessor do czar com rela¢do ao assassinato politicamente futil de seu pai tenha sido implacével. Alexandre III (reinado de 1881 a 1894) era por natureza intolerante, autoritério, tremen- damente chauvinista, desconfiado com relagio aos intelec- -semita. A eminéncia parda que se colo- ‘cava por tras do trono era o Procurador do Santo Sinodo (© ministro do governo responsavel pelos assuntos da Igre- ja), Constantino Pobedonostsev (18. homem que combinava uma extrema erudi¢ao com um édio que bei- ava a parandia no tocante a qualquer coisa que se v. contra os principios do governo autocratico, a orto religiosa ¢ 0 smo russo. Desprezava os que conti- nuavam a falar de uma forma de governo constitucional 3 para a Russia, acusando-os de “retardados e macacos per- vertidos”, ¢ suas rel relago as mudancas iam deixando marcas em todo o reino, num perfodo que por vezes € chamado de ‘era dos feitos insignificantes”. © primeiro fr ‘mente denominada ppouco antes de sua morte, Alexandre II havia autorizado seu ministro do Interior, o conde Loris-Melikov (1825-88), 1 preparar um projeto que, nao tivesse ele morrido, pode- ria ter levado & convocago de uma assembléia nacional consultora capaz de deliberar e orientar quanto & prepara- io. Embora nfo passasse de um esbogo imediatamente descartada pelo impera- dor, que a desereveu como um ‘documento criminoso”. Loris-Melikov foi demitido, Numa tentativa de livrar © ;rumento tempordrio, o Estatuto das Medidas para a Preservago da Ordem Nacional e da Tranqililidade Piblica (14 de agosto de 1881) acabou por ser sistematicamente renovado a cada trés anos até 1917, ¢ tdo amplos eram seus poderes que a Russia se transformou efetivamente em ‘um Estado policial. Lénin certa vez descreveu essa legisla io draconiana como “a constituigdo de facto da Russia” ‘Além de abandonar o plano de Loris-Melikov e incre- mentar os poderes arbitrdrios da policia, o governo de Ale- xandre procurou, através de outras formas, reverter, ou pelo menos enfraquecer, os efeitos das reformas de seu pre- decessor. Cada vez mais processos criminais eam removi- dos da jurisdigfo das novas cortes ja que a apelacio es sraduaimente passando para os procedimentos extra ¢ tribunais especiais em que 0s processos eram amide Julgados a portas fechadas. Da mesma forma, 0s zemstva 13 38 @ independéncia. E 0 que é imento em 1889 de novos cor- pos de funciondrios governament ados diretamente pelo governo e com amplos poderes administrativos sobre s zemstva acabou por remover a pouca autoridade que eles possuiam. Isto ndo representou, como por vezes se alega, a restauragéo dos direitos dos latifundiérios sobre ‘95 camponeses, mas um fortalecimento da autoridade do governo central sobre as comunidades locais ¢ regionais ‘como um todo. Néo € surpreendente que as suspeitas do regime com ais e regionais se estendessem aos relagao as iniciativas ortodoxas do Império. Judeus, poloneses, catélicos, protestantes balticos, mugul- manos da Asia Central e sectarios russos foram todos, em maior ou menor grat mal coneebida de “ru Giscriminatérias foi posta em agéo com o objetivo de erra- dicar varias manifestagbes de identidade nacional ndo russa ¢ de préticas religiosas nao ortodoxas. Mesmo o uso das Iin- ‘2uas nativas — por exemplo, 0 polonés nas escolas polone- sas — foi sistematicamente prescrito e 0 aprendizado do Fusso tornou-se compulsério em algumas das terras frontei- rigas & Ruissia, Como jé mencionamos antes, a comunidade Judaica foi alvo de um tratamento particularmente retalia- dor e de raciais, Artistica ¢ intelectualmente, 0 reinado de Alexandr no se distinguiu por nenhuma realizacio particularmen- te notavel ¢, na verdade, 0 governo exerceu uma censura ‘mais estrita, cerceou a imprensa e provocou o fechamento de muitos periédicos. Nas escolas e universidades, a rein- trodusdo do principio hierérquico assegurou que as cl ses inferiores da sociedade nao tivessem acesso a uma. caso adequada. Esta politica foi estabelecida proposital- mente — segundo as palavras de um famoso memorando 2 Se a atmosfera predominante na década de 1880 era de estagnac4o, mediocridade e repressdo, havia uma drea em que um modesto progresso estava sendo obtido, abrindo, camino para realizagdes mais espetaculares na década ital nem méo-de-obra necessirios a um pro- sgrama mais amplo de industrializacao, certos ac: tos importantes efetivamente ocorreram entre 18 industrial da Russia. O estabeleci ‘ou 0 crescimento industrial e urbano, lade da mao-de-obra acompanhava 0 dustrial. A produgéo de ferro, ago, carvdo ¢ petrOleo aumentou significativamente, ¢ a constru- gio de estradas de ferro expandiu os 1 500 quilémetros de Iinhas em 1861 para 30 500 em 1890. Da mesma forma, a forca de trabalho industrial mais que duplicou entre 1860 € 1890, atingindo um milhéo e meio. A maior parte dessa expansZo era resultado da iniciativa privada — particular- mente na construgio de ferrovias. Contudo, a indicagao de Sergei Witte (1849-1915) como ministro das Finangas 33 marcou uma reviravolta decisiva no desenvolvi mento industrial da Russia. \bora muitos elementos do chamado te’” jd’se fizessem presentes antes de 1893, foi que, com seu entusiasmo, forcou a aplicagio de um programa de répida expansio industrial com profundas conseqdén- cias sociais e poli , © ndo apenas econémicas. As distin- is do “sistema” eram as seguintes: 0 papel « de lideranga assumido pelo governo no tocante ao plancja- ‘mento e as finangas, a énfase nas induistrias de bens de capi- tal endo nas de bens de consumo, o levantamento de fun- dos através de crescente tributagdo imposta ao jé sobrecar- egado campesinato © 0 incentivo ao investimento macigo do capital estrangeiro — particularmente francés, belga britinico. O ponto central do programa era a notavel expansio da construcio de ferrovias — sendo 0 projeto mais espetacular a construgo da Ferrovia Transiberiana, com 7000 quilometros de extensGo € ligando a rede ferro- vidria da Riissia Européia & costa do Pacifico. As enormes cexigéncias da Transiberiana com relagio a industria meta- Iirgica e de carvio desempenharam um importante papel ‘no processo de industrializacao como um todo, e set tér- mino por volta de 1901, com a conseqiente quedi encomendas governamentais, contribuiu muito para Go econdmica que se seguiu 4 expansio de Wi indistria entre 1890 e 1900 ilustram essa expansio: vao subiu de 367 milhdes de puds (1 pud = 16,38 q ara 995, 0 minério de ferro, de 106 para 367, ¢ 0 petrdleo, de 241 para 632 milhdes. Entre 1887 e 1897, o valor da pro- duc&o téxtil subiu de 463 milhoes para 946 milhdes de rublos. Essa répida taxa de erescimento se caracterizou pela alta concentragdo da produao em regides geograficas-chave — Sio Petersburgo, Moscou, a Ucrania, os campos petroli- feros de Baku ¢ os Urais — e por uma alta concentragio de trabalhadores em indistrias de grande escala. Em 1900, uase metade da mio-de-obra industrial se localizava em fabricas que empregavam mais de 1 000 operérios — miimero muito alto pelos padrées europeus contemporéneos, A maior parte dos comentaristas concorda que as condigdes de moradia ¢ trabalho eram geralmente consternadoras, ‘com longas jornadas de trabalho, baixos salérios, acomoda- es € dispositivos de seguranca inadequados e um eédigo Punitivo de leis trabalhistas que penalizava com rigor a que- 4 bra da dist industrial. Evidentemente, os sindicatos ¢ os par fticos eram proscritos. O que tanto atrala os investidores estrangeiros era a mio-de-obra barata, as altas taxas de lucro e a situacdo politica aparentemente esté- so bastante desenvolvida do prok receptividade com relagdo agitacdo e propaganda dos ativistas revoluciondrios. Entre estes, cada vez mais se con- tavam os que, atraidos peas teorias de Karl Marx e Friedrich Engels, comecavam a ver na classe trabalhadora industrial, , 0 maior veiculo para a mudanca ia. E nesse cendrio de continua rea- so industrial e de desenvolvimento que devem ser buscadas as origens das relapdes capit do marxismo russo. 4 Revolugao versus constituicao Origens do marxismo russo © primeiro grupo revolucionério marxista tipicamente rrusso foi fundado na Suica em 1883. Aut ara a Liberagdo do Trabalh erro acreditar que o marxismo era desco antes dessa data. Na verdade, fc andlise feita por Marx da economi revoluciondrio possa derrubar seu governo “bur estabelecer um Estado de trabalhadores soci 4“ tanto, a aplicagdo dessa teoria na Riissia apresentava alguns ia era um Estado autocra- ualquer liberdade politica, sem uma classe média politicamente consciente ¢ economicamente pode- ado atrasado. A principio, ‘bros do Liberagio do Trabalho, especialmente Plekhanov, devotaram suas habilidades te6ricas a0 repidio da causa populista, argumentando que a obshchina nao se constituia smo, na Rissia, levar a uma revolugdo socialista do letariado era inevitével. Durante a década de 1890, enquanto a mAo-de-obra russa crescia em nimero e forea, comecou a surgir um cres- ajudavam a organizar greves Em 1898, foi feita uma ‘obtido pelo Cong: ranga do nascent “ © “partido”, portanto, nfo tinha nenhuma organizagto formal, programa comum, verdadeiros membros ou agén- cias centrais e s6 existia no nome. Em 1903, foi feita uma segunda tentativa de organizacdo de um partido embora o que na verdade ocorreu foi a fatal PTRSD em duas facodes principais eirrecon: Foi durante o intervalo entre o primeiro e © segundo ccongresso que um papel decisivo na bi tido comegou a ser desempenhado por um jover intelec- ‘wal marxista chamado Vladimir Ilych Ulyanov, mais conhe- 70-1924). Lénin estava sso do Congreso de se cada vez perturbado por certas tendénci democrata, tanto na Russia quanto na Europa. Em primeiro lugar, preocupavam-no as teorias “revisionistas” de Eduard Bernstein, socialdemocrata alemao que sugeria que a transi- © socialismo podia ser obtida sem uma revolugao proletaria. Em segundo lugar, Lénin criticava os socialde- Mocratas russos que argumentavam que o parti concentrar a atencdo dos trabalhadores na luta econdmi de despertar a const acreditava que essa oriei da tarefa politica vital de se derrubar 0 de deixar a Sibéria em 1900, viajou pela Europa e com Plekhanov ¢ seus seguidores, fundou um novo ria. Suas opinides sobre a 0

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