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RECONSTRUCAO DO DASSADO J6rn Riisen = a qi Teoria da Historia II: Oe os principios da pesquisa historica EDITORA ati | ee ns ee el al FUNDACAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA Reitor ‘Timothy Martin Mulholland Vice-Reitor Edgar Nobuo Mariya L i] UnB Diretor Henryk Siewierski Diretor-Executivo Alexandre Lima Conselho Editorial Beatriz de Freitas Salles Dione Oliveira Moura Henryk Siewierski Jader Soares Marinho Filho Lia Zanotta Machado Maria José Moreira Serra da Silva Paulo César Coelho Abrantes Ricardo Silveira Bernardes Suzete Venturelli Jorn Risen Reconstrucao do passado Teoria da Hist6ria II: os principios da pesquisa histérica Tradugdo Asta-Rose Alcaide Revisdo técnica Estevao de Rezende Martins UnB Equipe editorial Rejane de Meneses - Supervistio editorial Sonja Cavalcanti - Acompanhamento editorial Teresa Cristina Brandio- Preparagio de originais e revisto Fernando M. das Neves - Ivanise Oliveira de Brito . Editoragdo eletrinica Iwanise Oliveira de Brito - Capa Tvanise Oliveira de Brito, Rejane de Meneses e Sonja Cavalcanti . indice Elmano Rodrigues Pinheiro . Acompanhamento grifico Copyright © 1986 by Vandenhoock & Ruprecht Copyright © 1007 by Editora Universidade de Brasilia, pela traducao Tela original: Rekonstruktion der Vergangenteit: Grundbatige einer Historik I: Die Prinzipien der historischen Forschung Impresso no Brasil Colegio Teoria da historia, de Jorn Rusen: Volume I - Razao histérica (publicado em 2001) Volume II - Recanstrugie do passado Volume Ik - Historia viva Direitos exclusivos para esta edicd Editora Universidade de Brasilia SCS Quadra 2, Bloco C, n* 78, Ed. OK, 1¢ andar 70302-907 - Brasilia-DF Tels (61) 3035 4211 Fax: (61) 3035 4223 wwweditora.unb.be direcaogeditora.unb.br wwwliveariauniversidade.unbbr Tados os dircitus reservados, Nenhuma parte desta publicagao poderd ser armazenada ou reproduzida por qualquer meio sem a autorizacao por escrito da Editora. Ficha catalografica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Brasilia Riisen, Jorn R951 Reconstrugao do passado / Jorn Risen; tradugio de Asta-Rose Alcaide.— Brasilia : Editora Universidade de Brasilia, 2007. 188 p. (Teoria da Histéria, 2) ISBN: 978-85-230-0942-7 L, Historiografia. 2. Pesquisa hist6rica. 1. Alcaide, Asta-Rose. II. Titulo. IH]. Série. CDU 930.1 Para Jan-Eicke, Peer Achim, Tom-Arne Sumario Prericto, 9 IntRopucéo A CONSTRUCAO DA CIENCIA DA HISTORIA NA PESQUISA HIsTORICA, 11 Capituto 1 SISTEMATICA ~ ESTRUTURAS E FUNGOES DAS THOMAS HISTORICAS, 23 Explicagdes e o uso de teorias na ciéncia da historia, 26 A explicagdo nomolégica e o problema das leis histéricas, 28 A explicago intencional ¢ o problema das articulagdes hermenéuticas de sentido, 35 A explicacao narrativa e o problema dos construtos narrativos tedricos, 43 A passagem para o todo: da teoria “da” historia, 55 Fungées das teorias histéricas, 75 Conceitos histéricos, 91 CapiruLo 2 METODOLOGIA — AS REGRAS DA PESQUISA ausrOrica, 101 A unidade do método histérico, 104 As operagées processuais, 118 Heuristica, 118 Critica, 123 Interpretacao, 127 As operacdes substanciais, 133 8 Jorn Risen Hermenéutica, 136 Analitica, 145 Dialética, 154 HOoRIZONTES A PLENITUDE DA PESQUISA NA HISTORIOGRAFIA, 169 Bistrocrarta, 173 invice, 183 seven ea NR Prefacio A segunda parte de Teoria da Histéria vem a lume mais tarde do que originalmente previsto, e nfio esgota tudo o que pertence ao dmbito de uma teoria sistematica da historia. Para ndo incorrer no risco de um atraso ainda maior, preferi publicar a parte que se refere 4 pesquisa histérica em um volume separado. Os problemas especificos da historiografia ¢ a fungdo pratica do saber histérico cientifico seréo tratados em um terceiro volume. Razdo histérica, na maioria dos casos, foi comentado por cole- gas cuja opinidio me encorajou a continuar o trabalho e cuja critica me enriqueceu. Agradego, sobretudo, a Karl Acham, Ulrich Herr- mann, Gangolf Hubinger, Karl Ernst Jeismann e Thomas Kombich- ter, a Georg Iggers, F. A. van Jaarveld, Jiirgen Kocka, Wolfgang Kittler, Estevao de Rezende Martins, Maria Beatriz Nizza da Silva e Irmgard Wagner, cujas questées ¢ objegdes muito me instigaram. Minha gratidiio vai também a meus colaboradores de Bochum, Horst Walter Blanke ¢ Friedrich Jaeger, pelo interesse critico que mostraram, pelo desafio de suas expectativas quanto ao andamento do meu trabalho e por seus bons conselhos na reviséo do manus- crito. Devo um agradecimento muito especial a Ursula Jansen e Christel Schmidt pelo trabalho rapido, responsavel e incans4vel em transformar pensamentos desordenados em textos legiveis (pelo menos, assim 0 espero). Nio teria sido possivel produzir este pequeno volume sem a ‘boa vontade de minha esposa, que manteve disponivel para mim o espaco necessério, no cotidiano familiar, para o trabalho de 0 con- ceber e escrever. 10 Jorn Rasen Dedico este livro aos meus filhos, como legitimes represen- tantes do futuro, para quem o passado deve ser reconstruido histo- Ticamente; com sua autonomia, eles sio boas testemunhas de que o futuro vai trazer mais oportunidades do que se poderia esperar historicamente. Introducgaéo A construcao da ciéncia da historia na pesquisa histérica Certa res est, nerinem posse historian recte scribere, qui non sit bonus Logicus’ Bartholomaus Keckermann’ O primeiro volume da trilogia Zeoria da Histdéria tratou das pretensdes de racionalidade formmuladas pela historia como ciéncia. Nele, foi meu objetivo realgar o carater fundamental dessas preten- sdes, seu significado na vida humana pratica. Quis apresentar os fundamentos da ciéncia histérica na perspectiva das operagSes con- cretas da consciéncia histérica. Fundamentos s6 tém valor efetive quando se pode construir sobre eles algo de consistente. Esta cons- trugdo ser analisada, nos dois capitulos que seguem, como produto da pesquisa histérica. Conforme demonstrei no primeiro volume, Razde histérica,* © objeto de uma teoria da histéria é a matriz disciplinar da ciéncia da hist6ria. Essa matriz se constitui das caréncias de orientagao, das *N.do § referéncias a obta Razdo histérica (1° volume da trilogia Teoria da Historia so feitas 96 em algarismo romano, seguido do atimero arabico para pa- gina (ver, por exemplo, a nota 8 desta Introdugdo (1, 32 ss., que significa: Razdo histérica, pagina 32 ¢ seguintes)). 1 “Uma coisa é certa: ninguém pode escrever a histéria corretamente se no for um bom légico” (Nota do revisor técnico) ? B. Keckermann, Opera omnia, Genebra 1614, v. 2, p. 1314, citado por Menke- Glickert, Die Geschichtsschreibung der Reformation und Gegenreformation. Borodin and die Begrindung der Geschichtsmethodologie durch Bartholoméus Keckermann. Osterwick (Harz), 1912, p. 126. 12 Jorn Rusen perspectivas orientadoras da experiéncia do passado, dos procedi- Mentos metédicos da pesquisa empirica, das formas de apresenta- do e das fungdes de orientagdo existencial. Minhas reflexdes sobre a “razfio histérica” concentraram-se basicamente nas caréncias de otientagdo. Com isso, quis demonstrar em que consistem, quando constituem o pensamento histérico como fator importante para a vida pratica, e como elas so apresentadas e realizadas mediante um pensamento histérico cientifico. Os demais fatores ainda serio analisados em separado. Essa andlise seré feita, a seguir, com dois deles: as perspectivas orientadoras com relag&o ao passado e os procedimentos metédicos da pesquisa empirica. Antes de comegar, no entanto, quero expor como se apresenta o vinculo prdprio desses dois fatores com os demais. © pensamento histérico torna-se especificamente cientifico quando segue os principios da metodizag4o, quando submete a re- gras todas as operagbes da consciéncia hist6rica, cujas pretensdes de validade se baseiam nos argumentos das narrativas, nas quais tais fundamentos so ampliados sistematicamente. A razdo, tal como reivindicada pela historia como ciéncia, fundamenta-se nesse principio da metodizacao. H com base nos principios que tomam o pensamento hist6rico racional, isto é, que definem seu carater argu- mentativo-fundante, que a histéria se constréi como especialidade. Como conceber essa construc4o? Se é o principio da metodizagao que transforma o pensamento histérico em ciéncia, cabe perguntar apenas como se faz valer esse principio nos diversos fatores da ma- triz disciplinar. Obtém-se, assim, uma idéia da construgo da hist6- ria como ciéncia espocializada. E precisamente isso que tenciono mostrar a seguir. Nao é nada simples reconstituir, em pormenor, como o principio da metodiza- go se insere na matriz disciplinar, porque os fatores que compdem a matriz nfio aparecem apenas na ciéncia da histéria, mas sdo deter- minantes de tedo o pensamento histérico. De resto, ha quem con- clua, a partir disso, ser desnecessdrio falar em paradigma ou matriz disciplinar da ciéncia da histéria, j4 que nao se conseguiria alcangar qualquer conhecimento inequivoco acerca da construg3o da ciéncia Reconstrugdo do passado 13 da historia ¢ de seu desenvolvimento histérico.’ Prefiro argumentar em sentido exatamente oposto, perguntando: como se da a formagao desses fatores determinantes do pensamento histérico, se s4o eles mesmos que determinam uma forma precisa do pensamento histd- Tico — a cientifica? Como se constituem, de forma especificamente cientifica, esses fatores da matriz disciplinar? Com tal pergunta é possivel lancar um olhar mais agucado sobre a especificidade da ciéncia da histéria do que quando se parte de qualquer padrio fixo de cientificidade (como, por exemplo, do prine{pio metédico da cri- tica das fontes), deixando com isso de levar em consideragio a rela- ¢ao complexa que a ciéncia da histéria, como construto intelectual peculiar (mais precisamente: como um processo intelectual especifi- co), mantém com a vida humana pratica. Minha questio esta, portanto, na investigacdo do modo pelo qual se constituem os fatores da matriz disciplinar, quando a histéria é tratada como ciéncia, Essa constituicdo se dé quando os varios fatores se orientam pelo principio da metodizacao do pensamento hist6rico e da ampliacao sistematica do cardter argumentativo de sua fundamentagao. Em outras palavras: a construgdo da ciéncia da his- téria compreende-se como a impregnagao de sua matriz pelo prin- cipio da metodizagao. Nao é no porqué da definigaio do pensamento histérico por interesses, iddias, métodos ¢ formas que est4 o ponto de partida de sua interpretacdo especificamente cientifica, mas sim no como isso acontece. Metodizacao significa sistematizacio e ampliagdo dos fundamentos que garantem a verdade. Somente quando esse ponto de vista 6 adotado para os diversos fatores da matriz disciplinar é que estes se transfor- mam em estrutura de uma matriz disciplinar. Pode-se recorrer também 3 Recentemente, K. Repgen, Kann man von einem Paradigmawechsel in der Geschichtswissenschaft sprechen? In: Leidinger (Ed.}, Theoriedebatte und Geschichtsunterricht (8), p. 29-77.* *N. do E.: A exemple desta nota, os titulos que aparecem neste ou no primeiro volume so citados com o nome do editor, titulo abreviado ¢ o numero, entre parénteses, da parte numerada da bibliografia. 14 Jorn Risen A conhecida definic3o' de Th. S. Kuhn: a metodiza¢ao do pensamento histérico em geral significa dar forma de paradigma aos fundamentos da ciéncia da historia. Afirmo assim que os fatores essenciais de todo pensamento histérico se transformam em matriz disciplinar e assumem, tanto para si quanto para seu contexto sistematico, novas fonnas. Como referido antes, todo pensamento histérico possui perspec- tivas orientadoras implicitas, nas quais estiio incorporadas caréncias de orientagiio no tempo. Encontram-se também implicitos em todo pensamento histérico procedimentos para garantir empiricamente as assercdes histdricas, Naturalmente, todo pensamento histérico enuncia-se por expressdes orais, literérias, metaféricas ou de outras formas. Afinal, todo pensamento histérico exerce, por certo, fungdes de orientagdo no tempo. Esses momentos nem sempre se apresen- tam, contudo, como fatores diversificados da narragiio histérica, e na realidade nem sempre sio pensados como fatores em si ou em seu conjunto. Quando a histéria se constitui como ciéncia, porém, é diferente. Os diversos tatores diferenciam-se e articulam-se em contextos sistematicos. Ao mesmo tempo, sua diferenciag&o e seus contextos sistematicos tornam-se pensaveis e discutiveis em novas bases. Temos entdo a teoria da historia como atividade de fundamen- tacdo cientifica especifica do pensamento histdrico. “Dar forma de paradigma” significa, pois, construir uma matriz disciplinar que € refletida ¢ explicada mediante uma teoria da histé- ria. F por esse processo que, nos fundamentos da ciéncia hist6rica, o principio da metodizagio se diferencia. “Dar forma de paradigma” pode ser descrito como o procedimento pelo qual o método se inse- re, como principio de cientificidade, na gramdtica do pensamento histérico. As regras de argumentagdo que fundamentam a cientifici- dade do pensamento histérico cristalizam-se nos diversos principios essenciais especializados, nas fungdes do pensamento histérico e em seu contexto sistematico, formando assim uma matriz disciplinar. Esse processo de formagao pode ser descrito come a racionalizagdo do pensamento histérico com vistas 4 constituigae especifica da his- téria como ciéncia. 4 Th. S. Kuhn, Die Siruktur wissenschaftlicher Revolutionen, Frankfurt, 1967. Reconstrugae do passado 18 Ao esbogar esse processo de forma abreviada ¢ esquematizada, nO que seguc, nao tenho a intengao de tratar da historia cientffica concreta, mas de construir uma estrutura abstrata da constituigao da histéria como ciéncia e como forma de racionalizacdo. Para mim, trata-se da “Idgica” do pensamento histérico que define a constru- ¢4o da historia como especialidade. Resta a pergunta se ¢ como o processo histérico, do qual resultou a histéria como ciéncia, pode ser interpretado teoricamente & luz de uma ldgica que utilize essa descric¢do estrutural.> O que significa transformar em ciéneia o pensamento histérico como forma de racionalizagio dos seus prin- cipios? 1. E possivel falar de um processo de racionalizacdo em sentido mais restrito, tendo em vista a caréncia de orientapdo pratica da vida humana, mediante o pensamento histérico: as caréncias de orientacao passam a ser racionalizadas pelos interesses cogni- tivos, As caréncias humanas de se orientar em mci as modifica- des temporais de si ¢ de seu mundo, nas quais tem de se afirmar e marcar posi¢ao, dirigem-se 4 razdo. Elas se referem 4 capaci- dade dos individuos em interago de regular sua comunicagdo segundo as regras de uma argumentagao metédica, discursiva € orientada para 0 consenso. 2. Pode-se falar de um processo de teorizagdo com respeito as ex- periéncias do passado, no qual estas aparecem como histéria sig- nificativa: as idéias, como perspectivas orientadoras das expe- riéncias do passado, s@o teorizadas como quadro de referéncia da interpretagao histérica. Os pontos de vista — que decidem o * Dados das fontes ¢ primeiras avaliagdes encontram-se na documentagao de H. W. Blanke/D. Fleischer/J. Risen, Historik als akademische Praxis: Eine Doku- mentation der geschichtstheoretischen Vorlesung an deutschsprachigen Univer- sitéten von 1750-1900. In: Dilthey-Jahrbuck fiir Philosophie und Geschichte der Geisteswissenschafien 1, 1983, p. 182-255, No percurso evolutivo do pensamen- to hist6rico do Iluminismo até 0 Historicismo, tentei demonstrar empiricamente ‘© processo de paradigmatizacao: J, Risen, Von der Aufklarung zum Historisrms. Idealtypische Perspektiven cines Strukturswandels, In: H. W. Blanke/J, Risen (Ed.), Yon der Aufklérung zum Historismus. Zum Strukturwandel des historischen Denkens. Paderborn, 1984, p. 15-57. 16 Jorn Risen que das modificagdes do homem ¢ de seu mundo vai ser apro- priado cognitivamente como histéria — nao continuam imanentes ac processo de tornar presentes pela narrativa os acontecimentos histéricos do passado, mas sao explicitados e, por isso, passiveis de discuss4o, controle e aplicagio metdédica, 3. E possivel, tendo em vista as regras que o pensamento hist6- Tico segue quando incorpora as experiéncias do passado nos Propésitos que o orientam, falar de wm processo de metodizacao. As garantias de validade de historias sio metodizadas como um sistema de regras da pesquisa empirica. Nao se trata da metodi- za¢o como principio de cientificidade, que diz respeito aos fun- damentos do pensamento histérico ¢ aos fatores determinantes da formago de sentido, mas do sistema especial de regras que vale para a averiguagdo e interpretagao de contetido de histérias, isto é, do “método histérico” em sentido estrito: o canon de re- gras de pesquisa que a ciéncia histérica reconhece como deter- minante para si ¢ com o qual fundamenta sua especializagav. 4. E dificil encontrar um conceito caracteristico para 0 que acon- tece com as formas da apresentagao do conhecimento histérico, quando este conhecimento se transforma em ciéncia. De inicio, a apresentagao ganha novas formas discursivas, especificamen- te cientificas, ¢ perde com isso as possibilidades de expresso literaria, j4 que essa expressaio nao é compativel com as garan- tias cientificas de validade des sentengas hist6ricas. Assim, por exemplo, Ranke se posicionou contra as “formulas poéticas” da historiografia de Guicciardini.® Poder-se-ia falar de um processo de anti-retérica, se por retdrica se entender uma estratégia de apresentagao cuja plausibilidade aos olhos de seus destinatérios esta nfo no discurso racional de uma argumentacio cientifica, mas no intento de conferir 4 apresentagao uma forma (apenas) literariamente atrativa. As formas de apresentacdo sao trans- Sormadas em veiculos de uma argumentacéo histérica discursi- va. Nao se quer dizer com isso, todavia, que a cientificidade da * L. v. Ranke, Zur Krisik neuerer Geschichtsschreiber (Obras completas, 33), Leipzig, 1874, p. 19 ss. Reconstrugao do passado 17 historiografia perca seu encanto literdrio, embora a ocorréncia de um estilo algo seco e de alguns barbarismos técnicos pareca indicar 0 contrério. E preciso realizar um processo de reestrutu- ta¢do de outro tipo. A historiografia nao produz mais o brilho (as vezes ofuscante) da efetivacio do processo histérico por meio do ato da fata; ela nfo apresenta mais a histéria na forma de wna mimesis reprodutora de um fato concreto, renunciando aos tecursos lingitisticos de imaginagées ficticias de efeito empatico. Ela desfaz a aparéncia agradavel da historia, que se apresenta como um quadro alegérico objetivo, ¢ faz aparecer dentro desse quadro alegérico os tragos de um trabalho metédico de reconhe- cimento. Ela renuncia aos meios retoricos, que sé servem para persuadir seus destinatarios, e se contenta com os meios de argu- mentacfio para convencer os outros. Em resumo: a historiografia dé forma ao conhecimento histérico para que este possa apelar 4 capacidade de raciocinar daqueles a quem sc destina ou por quem € utilizado. Isso nav quer dizer que a histria como ciéncia passe a ser sem graca e aborrecida, ou que nado possua mais valor lite- rario. Ao contrario: a evidéncia nao cria restrigdes 4 arte de um discurso oral sensato. A narrativa histérica realiza 4 sua maneira a separagdo entre a verdade e a beleza, que desde o fim da arte se tornou seu tema.’ Ela tem assim a oportunidade de trazer a luz uma verdade livre da magia da arte, mas com uma beleza propria (intelectual e compreensivel). 5. Pode-se falar, em relagdo as fungdes da orientagdo existencial na vida humana pratica, de uma humanizacéio ideolégico-critica. A fixagdo coercitiva da orientagdo do tempo e a formagao da iden- tidade mediante a lembranga histérica sdo diluidas pela ideologia ¢ pela critica. A identidade histérica ¢, ademais, remetida ao cri- tério de humanidade que abrange o reconhecimento miituo. A de- finigdo das fungdes da critica da ideologia leva a equivocos por causa das implicagdes politicas dessa expressio, ¢ com razio a categoria Aumanidade, como critério para a identidade histérica, 7 Cf. J, Risen, Asrhetik und Geschichte. Geschichtstheoretische Untersuchungen zum Begrindungszusammenkang von Kunst, Gesellschafi und Wissenschaft, Stutigart ,1976, p. 30 ss. 18 Jom Risen gera a desconfianca de que se trataria de uma evocagdo vazia de conteudo, Essa desconfianca desaparece, porém, ao se pensar no efeito libertador que é produzido quando se introduz o principio da argumentagio discursiva orientada pelo consenso nas narra- tivas préprias ou de terceiros. Essas narrativas sao identificadas historicamente ¢ ocorrem (ou ocorreram) — forposamente ~ na vida pratica dos homens. Hiananidade, aqui, quer dizer 0 pres- suposto regulativo de uma faculdade raciona! prépria ao género humano nos processos de formagiio da identidade historica. Essa qualidade da espécie possibilita a regulagdo pacifica e consensual das relagdes conflituosas entre identidades hist6ricas particulares. Na medida em que se trata da fungdo de formacao de identidade dos agentes, pode-se qualificar o processo de racionalizagao do pensamento histérico também de humanizagdo. No ceme da ar- gumentagiio especificamente cientifica esti a convicgio de todos, cuja identidade histérica esté em causa, que uma mesma razio thes é comum, tornando-os assim aptos a reconhecer a alteridade do outro na singularidade de si mesmo. 6. As consideragdes a seguir tratam em pormenor de dois desses cince processos de racionalizagao na construcdo da histéria como ciéncia: a teorizagdo € a metodizagado. Sdo eles que constituem a pesquisa histérica como a forma de conhecer, especificamente cientifica, do pensamento histérico. Gostaria de mostrar, ao mes- mo tempo, a interdependéncia desses dois fatores, ¢ desmontar com isso © preconceito de que a pesquisa em si jd esta suficiente- mente constituida por suas regras metédicas — como se o quadro tedrico de teferéncias do trabalho empirico com as fontes desem- penhasse um papel apenas subordinado ou mesmo nenhum. Resta ainda a questao de saber como a teoria da historia deve tratar o processo que, na pesquisa histérica, constrdi a ciéncia espe- cializada. Um compéndio que reunisse todos os pontos de vista que tém vez na pesquisa histérica seria enorme, ¢ sua utilidade duvidosa, a menos que se reduzisse a uma espécie de relatério do que foi ou é usual na pesquisa. Dadas as controvérsias constantes acerca daqui- lo de que se nutre o conhecimento histérico pratico, a tentativa de Reconstrucao do passado 19 ordena-lo sistematicamente recorreu a estratégia de restringir-se ao minimo denominador comum aos especialistas, como a tinica solu- go (meta-)teérica satisfatéria. Na falta de competéncia profissional em todos os diversos campos da ciéncia especializada, restou aos tedricos apenas resignar-se a escrever sé sobre o que, afinal, nio € objeto de controvérsia no discurso dos especialistas. Com isso, a teoria da historia s6 poderia, no melhor dos casos, assumir uma fungao cientifico-propedéutica, desistindo das outras fungdes para quais também ¢ acionada: a fung&o de fundamentagao teérica da pesquisa, a fungio de racionalizag&o pragmatica do texto da nar- rativa histérica e a funcdo de orientar didaticamente a formagao da historia. Com essa perda de fungées, a teoria da historia, que se considera o cénon para qualquer trabalho especializado das es- tratégias de pesquisa da ciéncia histdrica, obstruiria 0 progresso do conhecimento. Como, por falta de competéncia direta quanto aos fatos sobre os quais reflete, ela teria de se limitar ao comprovado, consagrado ¢ habitual, inevitavelmente desviaria seu olhar para 0 desenvolvimento promissor da ciéncia especializada, cuja necessi- dade e oportunidade proclama, sempre que insiste na viabilidade racional do pensamento histérico. Por outro lado, seria igualmente precdrio se a teoria da historia ficasse confinada 4 averiguagdo dos fundamentos gerais e abstratos da ciéncia, e deixasse para os especialistas sua conversio profissio- nal cm ciéncia histérica. Porém, como a competéncia profissional esta inevitavelmente ligada a especializagao, a visio dos especia- listas da construgao de sua propria especialidade nao é zo ipso a mais agucada. A consciéncia da interdependéncia entre o geral e o singular, da conex4o entre a reflexdo metatedrica ¢ 0 conhecimento pratico se perderia demasiado facilmente se, no trabalho de pesqui- sa, fosse tracada uma linha diviséria rigida entre os tedricos como especialistas do geral e os praticos como especialistas do particular. E, acima de tudo, essa interagdo que da sentido a divisiio do trabalho € mostra serem teoria € pratica os dois lados da mesma atividade tacional do pensamento histérico. ® Cf I, p. 38 ss. [ed, bras.]. Jom Risen Uma teoria da histéria que busque analisar a construgaéo da ciéncia da historia baseada em principios gerais que definam a na- tureza cientifica do pensamento histérico, tera de singrar 0 mar do pensamento histérico ao longo de um percurso que ndo deixa de ser perigoso: entre a Cila da generalidade abstrata de principios de um lado e o Caribde de determinagdes detalhadas do processo do conhe- cimento histérico de outro. O que significa isso na pratica para a teoria da histéria? Ela nao pode elaborar o viés especializado da matriz disciplinar, de seus diversos fatores e de sua articulagdo sistemdtica até o nivel em que © conhecimento histérico é imediatamente produzido, ou seja: nio pode voltar, a cada passo, a todos os pormenores do universo da es- pecializacao. Ela teria de permanecer em um nivel médio de abstra- ¢4o, entre os principios abrangentes que se referem a matriz discipli- nar em geral e sua realizacao no nivel das solucSes espectficas dos problemas historicos. A teoria da histéria teria de se limitar a abordar preferentementc as detcrminagécs formais da pritica de pesquisa ¢ deixar a especificag4o do contetido para os especialistas. Dessa for- ma, nao poderd desenvolver sistemas completos de referéncia para a interpretagdo hist6rica (por exemplo, uma teoria refinada sobre a modernizagéo ou uma periodizagdo praticamente completa), mas sim descrever os elementos formais, a estru(ura, o alcance ¢ os limi- tes de tais teorias. As formulagdes concretas dessas teorias sé podem funcionar como exemplos, sem ser o fim, mas apenas o meio da reflexio tedrica. Uma teoria da histéria sistematicamente ordenada, quando disserta sobre o que & o método histérico, tampouco pode apresentar uma tecnologia de pesquisa aprimorada que elenca todas as areas da pesquisa historica. Em vez disso, ela se contenta com a discussao do método histérico, a exemplo da pergunta se ¢ como se diferenciam as varias operagées da pesquisa historica que aparece em todos os processos de pesquisa, etc. A teoria da histéria certamente também se relaciona, desde o nivel médio de abstragéio em que opera, com o estégio presente da ciéncia da histéria. De que maneira? Mediante uma mescla costu- meira de apreensaio empirica do fato e de abordagem normativa do potencial racional. Nao se trata, conforme ja foi dito, de apresentar 40 do passado 2 ou prescrever fatores dominantes atuais da ciéncia da historia da forma o mais completa possivel. Pelo contrario, tendo em vista a pretensiio fundamental de racionalidade do pensamento histérico no processo de sua transformagdo em ciéncia, importa-lhe dar a conhe- cer os padrées assim alcangados. Pode-se afirmar igualmente que a teoria da histéria se esforga por “fixar” tais padrées, ao caracteriza- Jos como téo fundamentais, que a questo de se saber se ha “algo por tras deles” significaria abandonar as pretensées de racionalidade com que se apresentam. Ao mesmo tempo, impée-se acentuar que a formagic cientifica do pensamento histérico, nos padrdes racionais da matriz discipli- har, ndo pode nem deve ser cristalizada ou fixada em um c4non de Tegras dogmaticas. Justamente por causa da distancia relativa que a teoria da historia mantém, desde o seu nivel médio de abstragao, com respeito ao debate atual na ciéncia da historia, surge a possibi- lidade de assinalar tendéncias abrangentes que afetam o futuro de stu desenvolvimento cientificu. O perigo de errar ndo ¢ agravado pelo fato de nao se tratar de preceitos (aos quais, em caso de duvida, ninguém se ateria), mas sim, de preservar a dindmica do processo de transformagio da histéria em ciéncia como um meio de evitar que ocorram fixa¢des falsas na consciéncia de seus sujeilos. Capitulo 1 Sistematica - estruturas e funcgdes das teorias histéricas Mal encontrara a minha verdade, logo tornei a perdé-la, Ao encontrar meus princlpios, porém, adveio-me tudo 0 que procurava. Montesquieu! Pode parecer paradoxal, a primeira vista, que uma teoria da histéria, ao esquematizar a construcio da ciéncia da historia de acordo com os fundamentos da metodizag&o do pensamento hist tico, comece nao com uma metodologia, mas com uma sistemati- ca. Indubitavelmente, a historia como ciéncia se constitui e desfaz em funcado da pesquisa hist6rica, e esta, em fungdo de seus méto- dos. “Teorias” que nao se relacionem (metateoricamente) com a propria ciéncia da histéria, mas sim (objetiva e teoricamente) com o campo da experiéncia histérica, s6 exercem um papel na ciéncia da histéria na medida em que se relacionarem de forma produtiva com a pratica da pesquisa. Seu papel e sua relevancia dependem da regulagado metédica da pesquisa empirica. Por isso, na matriz dis- ciplinar desenvolvida de forma especificamente cientifica, o fator método é também um elemento decisivo para o fator teoria. Cabe a este ultimo a responsabilidade de fomecer o significado constituti- yo da organizacao cientifica do processo de conhecimento histérico, preparando-o para a pesquisa. Nao seria melhor, ent&o, estabelecer primeiro as regras da pesquisa e depois discutir o papel da teoria? Um tal procedimente corresponderia aos avangos tradicionais da teoria da histéria” e, assim, ao que os historiadores tanto defenderam, " Montesquieu, Vom Geist der Gesetze. Ed. v. K. Weigand, Stuttgart, 1965, p. 91. ? Assim, por exemuplo, a de Droysen, que faz seguir a “Metodologia” a “Sistemati- ca”, ou mais precisamente 0 ‘Lehrbuch der historischen Methode’ de Bembeim, que no tem nenhum capitulo dedicado A sistemitica. 2a Jorn Risen outrora como hoje, como evidente: o passo em diregao as fontes, que a ciéncia da histéria da na forma de uma pesquisa regulada metodi- camente ¢ organizada em termos de divisio de trabalho, transfor- mando assim o pensamento histérico em ciéncia. Naturalmente, sio relevantes para essa evidéncia tradicional as perguntas e suposigdes com que os historiadores abordam o material colhido nas fontes, para dele extrair conhecimentos histéricos garantidos pela mcto- dologia. A ssa operagio intelectual, que antecede o trabalho com o material das fontes, ¢ atribuido um valor provisério, “meramen- te” propedéutico ou “meramente” heuristico. O dominio da ciéncia esta onde o acervo das fontes é apreendido sistematicamente. Nesse caso, “teorias” sé desempenhariam um papel, quando muito, aces- sério. Se e até que ponto existem construtos tedricos na pesquisa histérica, depende dos métodos que os historiadores empregam para extrair das fontes as informacées sobre o passado. Assim, pata citar um exemplo extremo, as teorias fisicas sobre os valores médios de tempo na decomposi¢ao de determinados Atomos de axigénio sia um meio que ajuda a datar achados pré-hist6ricos ou dos primérdios da historia, mas certamente nio s4o fatores construtivos do conheci- mento da pré-histéria ou dos primérdios da histéria. Essa evidéncia tradicional da ciéncia da historia se justifica tan- to mais por ficar a cargo dos fundamentos da metodizacao do pensa- mento histérico. A questao é apenas saber se isto acontece de forma satisfatoria. Esta questao recebe uma resposta negativa, se houver obrigagdo de entender a teorizagdo do pensamento histérico como um modo determinado de sua metodizacdo, E isso que tentei tornar plausivel nas reflexdes sobre os fundamentos da ciéncia da histéria.? Por essa razdo ja nao interessa mais se ou quando elementos do pen- samento histérico, em forma de teoria, so importantes ou nfo, mas apenas identificar, descrever e analisar a natureza e a peculiaridade desses clementos, nos quais a estrutura cientifica cspecifica dos pro- cessos cognitivos da ciéncia da histéria se manifestam. Sem divida, essa estrutura é manifesta na regulacdo metédica da pesquisa histérica. Olhando-se mais atentamente, contudo, o fator “método” da matriz disciplinar da formagfio da ciéncia especializada, > CEL ple ss, [ed. bras.] Reconstrugao do passado 25 como acontece na autocompreensao tradicional de muitos pesquisa- dores, nao é possivel ignorar o fato de que a regulagao metédica da pesquisa histérica depende das determinagées prévias sobre 0 que deve ser elaborado como “histéria” a partir do material das fontes. Os pontos de vista do pensamento histérico, que pdem questées ¢ servem dc suposigdes na abordagem das fontes, ndo s40 extrinsecos aele mas alcangam-lhe o ceme da regulagdo metédica: que métodos vém a ser empregados na pesquisa depende de que conhecimentos se quer obter com ela, e isso é decidido pelos pontos de vista que 0 pesquisador aplica 4 matéria. O conhecimento histérico no é cons- truido apenas com informagées das fontes, mas as informacées das fontes s6 so incorporadas nas conexdes que d4o o sentido a historia com a ajuda do modelo de interpretagao, que por sua vez nao ¢ en- contrado nas fontes. Gostaria de dar conta dessa dependéncia do desenvolvimento metodoldégico dos modelos de interpretagao da experiéncia histdri- ca, em que a “tuetudulugia” € prevedida por uma “sistcudtiva”. Por esse meio, deve ser enfatizado 0 principio da metodizagao do pen- samento histérico na medida em que ele, por assim dizer, encontra ocaminho da pesquisa. Os modelos de interpretaciio, que o historia- dor aplica as fontes para fazé-las fluir ¢ para revelar o contetido dos fatos, devem ser discutidos 4 base da configurag4o de suas teorias, a forma pela qual correspondem aos principios da metodizago do pensamento histérico. O que significa a teorizagao dos modelos de interpretagdo na construgao da estrutura especializada da ciéncia da histéria? Para poder responder a essa pergunta sao indispensaveis reflexdes que se refiram 4 especificidade dos construtos tedricos no processo de conhecimento histérico. Trata-se das perguntas, amiude discutidas, se e como se pode entender teorias histéricas como um conhecimen- to legitimo quanto ao fluxo da histéria. A pergunta sobre a teoria coloca-se, 4 luz da nova teoria analitica da ciéncia, também como pergunta quanto ao potencial explicativo de uma ciéncia que, tendo em vista o modelo das ciéncias naturais exatas, ¢ identificade pela sua capacidade de produzir conhecimentos legitimos. Por isso, que- ro tratar em seguida, detalhadamente, do problema da “explicagao e da teoria na ciéncia da histéria’”. De mais a mais, dirigiremos nosso olhar para a funcao reguladora e organizadora dos elementos teéri- cos no processo do conhecimento histérico. No que segue, esses ele- mentos serio caracterizados em trés passos, do geral (teorias que se referem ao Ambito do conhecimento histérico como um todo) para o particular (teorias hist6ricas parciais ou “teorias de aleance médio”) € para o singular (conceitos histéricos). Explicagées ¢ 0 uso de teorias na ciéncia da historia O status ¢ a fungao das teorias histéricas sdo até hoje contro- vertidos. Uma das razées mais importantes da controvérsia € que se qualificam os construtos teéricos do conhecimento cientifico, com o modelo de algumas ciéncias naturais, como conhecimentos legi- timos (nomolégicos), e que se atribui a esses conhecimentos - de acordo com tal modelo — uma fung&o esclarecedora que nfo é bem vista em termos de ditar a medida para a racionalidade cientifica. Fala-se de explicagdo “racional” ou “cientifica” quando se refere ao papel e ao significado das leis na explicagao de fatos‘ e se supde com isso, no préprio enunciado, que sé é racional e cientifica a ex- plicagao que recorra a leis. Para a ciéncia da histéria isso significa que sua racionalidade e, com ela, sua qualidade de ciéncia esto em jogo na seguinte questao: se e até que ponto estaria ela em condigées de fornecer uma explicagao racional, ou seja, se ou até que ponto trabalha com o conhecimento de leis. Aqui est4 um problema fundamental da teoria da histéria: pode aciéncia da histéria corresponder a essa exigéncia de racionalizagao ou nao? Existem leis para a histéria ou nao? Tem a ciéncia da histé- ria capacidade de reconhecer essas leis ou nfo? A ciéncia da histéria dificitmente pode evitar essas questdes. E indiscutivel que a capa- cidade de algumas ciéncias para conhecer leis seja uma das razées para 0 sucesso e o prestigio do pensamento cientifico em si mesmo, até porque seu saber nomoldgico pode ser tecnicamente util. “Assim, por exemplo, em W. Stegmilller, Probleme und Resuitate des Wissenschcafistheorie und analytischen Philosophie, v. 1: Wissenschafiliche Erklarung and Begrindung, Berlim/Heidelberg, 1969, p. 72 ss. Reconstrugae do passado 27 Nunca faltaram, assim, na ciéncia da histéria, tentativas de ele- va-la ao “padrao de ciéncia”, atribuindo-lhe ¢ cobrando-lhe a ca- pacidade de reconhecer as conexées legaliformes das modificagdes temporais passadas do homem e de seu mundo. Um padrao dessa ordem vinha entao a ser vinculado 4 esperanga de controlar, com a ajuda da ciéncia da histéria, as modificagdes temporais atuais do mundo dos homens, da mesma forma que a natureza € controlada pelo conhecimento nomoldgico das ciéncias. O positivismo e 0 marxismo s40 exemplos conhecidos de dou- trinas que atribuem ao conhecimento histérico uma estrutura no- moldgica ~ isto 6, a descoberta ou a utilizagao explicativa de leis histéricas. Aciéncia da historia nunca ficou muito satisfeita com esse modo de alcangar o padrao cientifico, porque seus trabalhos de pesquisa esto obviamente estruturados de forma bem diferente das pesquisas daquelas ciéncias que produzem conhecimentos nomolégicos e sua aplicaydo técniva. Ela udu conseguiu harmonizar a teoria que iden- tifica a qualidade cientifica 4 capacidade de produzir conhecimento nomoldégico, com sua pratica propria de conhecimento, na qual as leis tém um papel meramente secundario. Em seguida, tendo em vista a ciéncia da historia, gostaria de criticar 0 monopélio do processo de explicagéo nomoldgica com base em uma racionalidade cientifica calcada nas ciéncias naturais. Gostaria de mostrar que, embora a ciéncia da histéria no contrarie 0 critério de racionalizagao de que se trata aqui, este nao ¢ suficiente- mente adequado para tomar reconhecivel a racionalidade propria do pensamento histérico em sua expressdo especificamente cientifica (Segdo a). Gostaria de debater, em seguida, um outro modo de ex- plicacdo, referente as agdes das pessoas humanas ¢ que, por isso, ¢ considerado freqtientemente como um modo adequado 4 ciéncia da hist6ria: ou seja, aquele que explica as agdes por meio da indicacéo das razdes em que se fundamentam. Nesse modo de explicagao, as leis nado tém um papel constitutivo; com ele, a ciéncia da histéria fica livre da pressdo de se adaptar as ciéncias que usam o processo nomolégico (Segdo b). Mas também esse processo de explicacao nao representa suficientemente 0 modo préprio de explicagao do 28 Jorn Rasen pensamento histérico, tampouce servindo para demonstrar 0 status ea funcdo das teorias histéricas. Em um terceiro momento da minha argumentag4o, qualificarei de forma especifica o modo de explicar caracteristicamente histérico, que analisa um possivel papel das teo- tias e ao mesmo tempo debate o que se entende por “leis histéricas” de maneira que isso faga sentido (Se¢do c). A explicagdo nomolégica e 0 problema das leis histéricas O esquema de explicagao que eu gostaria de analisar em seguida, em vista de seu significado para a ciéncia da historia, € mencionado, na bibliografia especializada em teoria da ciéncia, como esquema de explicago racional ou cientifica.> Considero essa definigi0 como problematica, porque sugere que as demais formas de explicagio néo sao racionais nem cicntificas. A racionalidade especificamente vicntifica é identificada, sem hesilayao, a maneira de proceder de cerlas ciéncias, em especial aquela que trabalha com teorias em for- ma de leis universais. Pode ser que a representagdo da “cientifici- dade” como equivalente ao modelo das ciéncias naturais seja uma idcia preconcebida muito difundida. Assim como a idéia de que as assim chamadas “ciéncias do espirito” devessem proceder, afinal, da mesma forma que as rigorosas ciéncias naturais (vale dizer: sendo tecnicamente to aplicdveis quanto estas), Nem por isso deixa de ser uma pretensdo inadequada, que nao faz justica as particularida- des de certas ciéncias.* Prefiro optar pela definicao mais cautelosa e (sobretudo) mais pluralista, de “explicaco nomolégica”: ela admite basicamente outros modelos de interpretagdo ¢ néo atrela a raciona- lidade especificamente cientifica a um modelo unico. 5 A literatura sobre a logica da explicag&o nomologica é imensa. G. Patzig fez um breve e instrutivo resumo: Erklirung, in: E. Braun/H, Rademacher (Ed), Wissenschafistheoretisches Lexikon. Graz, 1978, p. 162-169. * E sintomético que Patzig (nota 5) nao dedique nenhuma palavra as outras for- mas de explicago e, quanto a encontrar modos de explicar préprios as ciéncias sociais, afirmar que isso s6 se “explica” pela ignordincia epistemoldgica ("ja que muitos cientistas sociais nfo compreenderam direito o que ¢ realmente uma ex- plicago cientifica”, p. 168) BigHiese Reconstrucao do passado 29 Explicagdes dessa natureza se deixam caracterizar pelo seguin- te esquema.’ Dever ser esclarecido o fato E (explanandum). O que ele esclarece (expianans), consiste de duas partes: de um ou va- rios fatos A (A!, A’,...A"} — estes fatos explicativos séio chamados de dados antecedentes, condigdes genéricas ou condicées iniciais; coloquialmente fala-se de “causas” ou de uma ou mais leis G (G', G?,...G") demonstrando que, cada vez que se trata de fatos da cate- goria A, dao-se os fatos da categoria E . Desse expianans segue sem divida (no caso das leis de validade geral, necessariamente, e, no caso de uma regularidade estatistica, com certa verossimilhanga) o explanandum. Por esse esquema fica claro que o conhecimento nomolégico nao é apenas utilizado para a explicagao que procura um fato para encontrar outro, que possa explicar um encadeamento peculiar de uma articulagao legitima. Com esse mesmo esquema também se pode caracterizar a estrutura de um prognéstico baseado ne conhe- cimento nomolégico. Basta partir dos dados antecedentes e das leis; 0 explanandum revela-se entio como algo que é possivel predizer. No caso da explicagio, o explanandum é conhecido ¢ os dados an- tecedentes cxplicativos sic encontrados com ajuda do conhecimen- to nomoldégico. No caso de uma prognose, os dados antecedentes sao conhecidos e deve-se procurar com ajuda dos mesmos conhe- cimentos nomoldgicos os fatos que necessdria ou provavelmente resultem deles, (segundo Hempel) (I) A é 0 fato. (2) Sempre que se trata de A, também acontece B. (3) B acontece. (1) = Condigao inicial ou marginal (“causa”) (2)=Lei @)=CEfeito”) Explanandum | ” OFC. G, Hempel, Explanation in science and in history (9); do mesmo autor The function of general laws in history (9). 30 Jorn Rasen Um exemplo classico desse esquema € o do modelo que afirma romper-sé um cabo quando nete se pendurar um peso. No caso da explicagdo, trata-se de um encadeamento legitimo do fato do cabo rompido (explanandum), com os dados antecedentes que explicam por que tal cabo se rompcu. Nessc caso, 0 explanans consiste dos dados antecedentes: do fato de que se pendurou no cabo um peso de 2 kg, e da lei que afirma que cabos daquele tipo se rompem sem- pre que tém de suportar um peso superior a I kg. (No caso de um prognéstico, trata-se de encontrar o encadeamento legitimo do fato, de que o cabo foi sobrecarregado com um peso de 2 kg, com 0 ex- planandum, que neste caso se deveria chamar de praedicendum, ¢ que leva ao prognéstico de que o cabo vai mesmo se romper. Este encadeamento que, em vez de explanans agora se deve chamar de praedicens, consiste no fato de ter sido pendurado no cabo um peso de 2 kg, ¢ da lei segundo a qual um cabo nessas condi¢ées sempre se rompe quando tem de suportar um peso maior do que | kg.) Nao resta divida de que tais explicagdes também tém um papel na ciéncia da histéria. Tomemos um exemplo (naturalmente muito simplificado) que mostra o esforgo de usar uma lei para esclarecer um fato e que os historiadores utilizam muitas vezes: a saber, o fato de que o poder aquisitivo das moedas sofre queda. Ao se deparar com um fato semelhante, em que constata que o poder aquisitivo de uma determinada moeda esta caindo, o historiador pode explicar o fato pelos dados antecedentes de uma deteriorac4o da moeda (antes da queda do poder aquisitivo aconteceu depreciagdo da moeda) e da lei de Gresham. Esta lei afirma que, quando se da depreciagao da moeda, as moedas depreciadas nfo saem de circulagio, e por isso o poder aquisitivo da moeda corrente cai.“ O fato a ser esclarecido quanto ao poder aquisitivo depreciado é como se fosse a conclusio dessas duas premissas. Os historiadores que usam esse tipo de ar- gumento aplicam o conhecimento nomoldgico para a explicagao de fatos histéricos. *Tomada estritamente, a lei de Gresham diz apenas que com a deterioragiio de moedas, as moedas ndo-deterioradas (“boas”) desaparecem de circulagaio. Ela po- deria set complementada com uma segunda lei, que diria que o poder de compra das moedas deterioradas ¢ inferior ao das moedas “boas”. Reconstrucao do passado 31 Em geral, as explicagdes que sdo apresentadas na histéria como ciéncia, com ajuda do conhecimento nomoldgico, sao muito mais complexas do que o exemplo citado acima. Basta deitar um olhar na bibliografia de hist6éria econémica, para ficar convencido de que a ciéncia da histéria trabalha inteiramente com um conhccimento complexe ¢ baseado em leis que, por seu grau de universalidade, merecem a denomina¢ao de “teoria”. Assim, sao estabelecidas co- nexées legitimas entre as situagdes dos fatos da vida pratica humana (por exemplo, entre colheitas desastrosas e uma queda na renda dos trabalhadores urbanos na Idade Média) que servem para esclarecer © acontecimento documentado, a cada vez, tanto pela fonte como em termos de tempo e espaco. A pergunta é apenas quanto ao status que tais teorias tém em relacao a ciéncia da historia: trata-se de uma formulagao que recorre a leis especificamente histéricas? A pergunta quanto ao status depende da correlagao entre as tco- Tias utilizadas nomolegicamente na ciéncia da historia ¢ os fatos que devern ser conhecidos historicamente como “historia”. Essa cor- respondéncia é caracterizada por uma tensdo particular: as teorias empregadas nomologicamente pelos historiadores orientam-se pelas modificagées temporais no passado do homem e de scu mundo, mas nao de forma a explicar singularmente cada caso de mudanca exa- minado. Nao servem para deduzir este caso dos antecedentes, mas sim para, por meio destes, explicar determinados elementos do caso a0 articuld-los com outros. Othando-se mais de perto as teorias nomolégicas utilizadas, é possivel verificar que, por elas, nao se explicam justamente aqueles fenémenos que contam como especificamente histéricos. Os fend- menos do passado humano sao especificamente histéricos quando se trata de sua qualidade temporal, de seu valor no decorrer de um tempo considerado importante em termos de sentido e de significa- do. E exatamente dessa qualidade temporal, que os fatos do passado ganham a luz de uma representagéo abrangente da continuidade, que as teorias nomoldgicas prescindem. Na lei de Gresham, por exemple, trata-se das mudangas na circulacao dos valores em geral. Ela encobre o valor que tem 0 papel, no tempo, desempenhado pe- las modificagdes da moeda e, portanto, ndo serve como explicagio 32 Jorn Rusen daquilo que interessa prioritariamente aos historiadores. Estes nao se ocupam primeiro da conexdo estabelecida pelas leis da depre- ciagao da moeda com as mudangas na circulagdo do dinheiro e com o fato de o poder aquisitivo da moeda cair, para entio usar do processo cientifico de pesquisa histérica para chegar a alguma conclusdo mediante a investigagio dessa conexdo e da formula- g4o e fundamentagao das leis aplicaveis. Antes, os historiadores utilizam tais leis para a explica¢ao nomoldgica de fatos econémi- cos concretos dentro de um processo histérico (por exemplo: para uma inflagZo causada pela desvalorizacio da moeda em um perio- do determinado de tempo), mas nao para a explicagao do proprio processo. O status de tais leis, dentro do conhecimento histérico, é considerado secundario, quando se leva em conta que nele se trata da qualidade temporal de fatos, da qual o modo de explicacdo nomoldgica prescinde. O mesmo acontece com as teorias mais complexas, que s¢ refe- tem a perfodos de tempo determinados, ¢ que seriam eventualmenie as mais aptas a valer como enunciados de leis hist6ricas. A teoria das crises agrarias, por exemplo, no fim da Idade Média e no come- go da Idade Moderna,’ refere-se a fatos econdmicos especificos de uma época, sem contudo explicar essa especificidade epocal, pois a pressupde como ja explicada (ndo-nomologicamente). Isto, naturalmente, ndo quer dizer que o conhecimento nomo- légico ¢ a explicago nomolégica néo desempenhem papel algum na ciéncia da historia. Pelo contrario: no processo da cientifizagao do pensamento histérico, a utilizagao de teorias nomoldégicas au- menta. A interpretacao histérica da industrializagdo pode servir de exemplo para ambos, tanto para o status sccundario quanto para a necessidade de tais teorias. Nenhum historiador teria a idéia de de- clarar esse processo come nomoldgico, isto é, derivar a industriali- zaciio, como processo histérico, dos dados antecedentes especificos de certa época, ou de uma ou mais leis universais e abrangentes do desenvolvimento econdmico, temporalmente inespecificas. Por © P. Kriedte: Spitmittelalterliche Agrarkrise oder Kuise des Feudalismus?, Geschichte und Gesellschaft, 7, 1981, p. 42-68, exp. p. 42-45. Reconstrugdo do passado 33 outro lado, tampouco teria a idéia de renunciar, no ambito de uma explicagao historica da industrializagdo, ao conhecimento nomold- gico da economia. O conhecimento nomolégico no 6, portanto, a forma a que a teorizagdo do referencial das idéias conduz para garantir a validade do pensamento histérico. Se assim nio fosse, o trabalho de pesquisa dos historiadores se concentraria na investigac4o desse saber, ¢ ele seria (como acontece com todas as ciéncias que procedem nomo- logicamente) tanto mais coroado de éxito quanto mais universais fossem as leis descobertas. Poder-se-ia ent&o também inverter 0 co- nhecimento histérico pela prognose: quanto mais precisa e genera- lizada a formulac&o de leis da historia, tanto mais se poderia prever com precisdo o futuro e controlar a mudanga atual do homem e de seu mundo, no tempo, mediante planejamento. Decididamente nao é 0 que ocorre, conforme se aprende com um mero olhar sobre a praxis da pesquisa histérica ¢ da utilizagiio pritica dus seus sesultalus. E veade que a id¢ia de uma formula histérica universal para o mundo, de uma lei do desenvolvimento histérico da humanidade em seu todo, possui um grande atrativo como cosmovisao ¢ com isso também grande utilidade ideoldgica. Essa idéia, no entanto, é nao apenas logicamente inconsistente,!” mas também de pouca utilidade para a pratica da pesquisa: uma formula universal desse tipo nfo decifra a experiéncia histérica, mas antes deturpa sua visdo. A possibilidade de prognésticos histéricos nao é apenas contestada pelo modo com que se leva em conta, na andlise da estrutura da explicagao histérica, a pratica cognitiva da ciéncia da historia, mas também pela légica do pensamento histérico, cujos processos de constituigao de sentido deixam patente que a narrativa histérica no se regula pela formas do pensamento nomolégico. Afi- nal, nessa narrativa importam, em tltima andlise, as interpretacdes das experiéncias do tempo constituidoras de identidade e essas in- terpretagdes dependem das representagdes de continuidade que nao se exprimem em formulas de lei. ‘°Cf. H. M. Baumgartner, Narrative Struktur und Objektiviuit. Wahrheitskriterien im historischen Wissen. In: Risen (Ed.), Historische Objektivitat (7), p. 48-67, esp. p. 54s. 34 Jorn Risen O fato de nao se poder caracterizar a forma teorica tipica da ciéncia da historia mediante o esquema da explicagao nomoldgica transparece, afinal, nas préprias andlises epistemoldgicas da explica- go historica, quando se servem desse esquema. Convergiu-se assim para a conclusdo de que o conhecimento nomolégico aplicado pela ciéncia da histéria nas explicagdes histéricas aparece, na maioria dos casos, de forma reduzida (trivial, incompleta, implicita) e, em suas formas mais sofisticadas, muitas vezes ¢ importado das ciéncias nao-historicas. Identificando-se cientificidade e conhecimento no- molégico, fica claro desde logo, no caso da ciéncia da historia, que 0 emprego de tal concepeao causa prejuizo nos resultados. Costuma-se falar de meros esbogos de explicagao ou de explicacdes elipticas."! O fato de a ciéncia da hist6ria lograr reconhecimento, como ciéncia, por também empregar explicagdes nomolégicas em seu ambito, é percebido por ela como um possivel fator de obscurecimento que diminui a validade de seus resultados. Dependendy de até que ponty os historiadores assum a cou- cepcao epistemologica de 0 conhecimento nomoldgico ser 0 indica- dor da qualidade de ciéncia, tém eles de se haver com os comple- xs de inferioridade: seja por meio de recalque ou de compensagao, subentendendo regularidades legais do processo histérico que sé se tornam objeto da pesquisa histérica de forma parcial (ou de for- ma nenhuma). Nesta ultima hipétese, hd uma variante positivista ¢ outra marxista: na positivista (estou empregando o conceito do’ “positivismo” no sentido coloquial), a ciéncia da historia ou bem € incentivada a ajustar seu procedimento de pesquisa 4 obtencdo do conhecimento nomoldégico, e por esse meio finalmente guindar-se 4 categoria de ciéncia, o que nas presentes circunstancias se lhe aplica de forma muito limitada ou de forma nenhuma, ou entio ela é ime- diatamente rebaixada 4 categoria subordinada de mera fornecedora de dados para as ciéncias que recorrem ao modo nomoldégico. Na variante marxista (ortodoxa) séo-lhe prescritas normas legais exter- nas a sua especialidade, com a tarefa de sustenta-las empiricamente, " Por exemplo, B. Hempel, Explanation in science and in history, edigdo em alemio, p. 244 ss. (nota 7). Reconstrugado do passado 35 sendo proibido modificar normas legais fundamentais,'? ou cnt&o se fala da formagao de uma teoria especializada, cujos resultados sio chamados de “‘leis histéricas”. As questées relativas a seu carater nomoldégico e a sua fun¢ao de previsdo sio cuidadosamente contornadas (a afirmacio de que a histéria se pode “fazer” baseada em um conhecimento histérico capaz de previsées, é considerada pela cosmovisio marxista como um ideologema, sem que se tente enunciar qualquer prognose tes- tavel). A explicagao intencional e o problema das articulacgées hermenéuticas de sentido Aespecificidade das explicagées histéricas orientadas pela teo- ria pode ser caracterizada pelo esquema da explicagio nomolégica come ua variaute ud pusiliva, mas uecramente negativa do modo explicativo das ciéncias nao-histéricas. Da a vontade de procurar outros esquemas de explica¢gao para fazer justiga ao procedimento do pensamento histérico. Um desses esquemas oferece a alternativa de procurar a explicagao de atos praticados pela indicagao de razdes Cintengdes) que possam ter orientado esses atos. Parece adequat-se ao pensamento histérico por trés razées: para este, leis no sentido de uma explicagiio nomolégica nfo tém nenhuma importancia; no foram construidas como prognéstico mediante simetria ldgica; ¢, » Assim, por exemplo, escreve G. Brendler: “As categorias hisicas do materialis- mo histérico estiio consolidadas ¢ nio podem mais ser questionadas”. (Sobre 0 principio de parcialidade da ciéncia da historia marxista-leninista, Zeitschrift fir Geschichtswissenschaft. 20, 1972, p. 277-301, cit. p. 290.) Na bibliografia mar- xista mnais recente encontram-se andlises ¢ argumentages muito diferenciadas, como, por exemplo, na coletinea: Kattler (Ed.), Gesellschafistheorie und ges- chichtswissenschafiliche Erklérung (9). Nessa obra, W. Wachter apresenta, em andlises muito precisas e diferenciadas, procedimentos de explicago importantes, para a ciéncia da historia ¢ seu complexo conjunto, tanto de forma abstrato-me- todolégica como em exemplos priticos. Infelizmente, ele ndo aborda o comple- xo integral da cxplicagio narrativa (W. Wachter, Historische Erkidrung, op. cit., p. 151-126). 36 Jorn Rasen nao esto interessadas em explicar os atos dos homens que ja sao “historia” no plano do conhecimento. Esse esquema tem a seguinte estrutura:'? O explanandum é 0 fato de que o agente S (um homem, um grupo de homens, um gover- no, uma na¢ao, uma camada social, etc.) realizou a ago ou um com- plexo de agées x. Esse fato é explicado mediante uma argumentagao em trés etapas. Primeiramente, constata-se que S estava resolvido a alcangar um determinado objetivo Z. Constata-se, em seguida, que S$ estava convencido de se encontrar numa situagao do tipo C. Por fim, constata-se que S estava seguro de que sé poderia aleangar 0 ob- jetivo Z se realizasse a aco x. Em conjunto essas trés constatagdes formam o explanans (ver p. 29). Tomemos o assassinato de César por Brutus para dar um exem- plo da aplicagdo desse esquema. Por que Brutus assassinou César (explanandum)? A resposta é (explanans): 1) Brutus queria salvar a Repablica. 2) Brutus estava convencido de que a Republica esta- va sendy ameagada de morte por César ¢ que ele u puderia matar. 3) Brutus estava convencido de que a Republica sé paderia ser salva se ele liquidasse César. Com essas trés asserges fica clara a razio de Brutus ter assassinado César. Esquema da explicagiio intencional (segundo Donagan) (1) S quer Z. (2) 5 avalia a sua situag&o como C. (3) § esta convencido que, em C, sé é possivel conseguir Z por meio de x. (4) S executa x. $ = sujeito da ago bjetivo da ago natureza de uma situagao (um conjunto de possibilidades de agir) X= ado Explanans Expianandum " Adoto, de forma modificada, a versio que A. Donagan desenvolveu, mediante distingdo critica com respeito ao esquema da explicagao nomoldgica, acerca da especificidade da explicagio historica (novas consideragdes sobre a teoria de Popper-Hempel (9); cf. esp. p. 203). Reconstrucdo do passado 37 Nesse esquema de explicagao, o fato a ser esclarecido nao € posto em um contexto objetivo e regrado de outros fatos (condicées antecedentes) — tal como acontece no esquema da explicacdo nomo- Igica —, mas sim em correlag&o de sentido com intengées. Salta a vista que tais explicagdes sé podem funcionar em relagao a agdes, € mesmo assim s6 quando no se vé nas acdes meros fatos no sen- tido de ocorréncias empiricamente observaveis (portanto, mais do que apenas comportamento), mas acontecimentos cujo significado é determinado por intengdes (conscientes ou inconscientes) daqueles que as executam. As acées siio vistas, por assim dizer, “de dentro para fora”, da perspectiva da intencionalidade da vida humana con- creta. Explicd-las significa reconstruir as razées motivadoras. Elas so explicadas mediante a “compreensdo”, por recurso ao conhe~ cimento das intencdes que levaram a ago. Esse conhecimento nao estd construido nomologicamente. Com o esquema da explicago intencional consegue-se quebrar o monopolio da racionalidade ¢ a exclusividade da qualidade cieuti- fica da explicagao nomoldgica. Uma explicagao de agdes mediante indicacdo das razdes determinantes respectivas é uma resposta plau- s{vel ¢ satisfatéria 4 pergunta por qué? c, portanto, uma explicagio esclarecedora, fundamentadora e, nessa medida, “racional”. Nesse procedimento, o decisive é que o recurso a uma legalidade universal ndio é necessario. E claro que isso sé vale enquanto se pretende explicar a agdo, e nao prevé-la pelo mesmo esquema. Porque, em se tratando de um Prognéstico, o passo que vai da intencao de uma aco até sua exe- cug&o teria de ser expressamente tematizado; e é sabido que as in- tengdes em forma de explanans de uma explicagio intencional nao levam necessariamente 4 ag3o. E preciso introduzir, portanto, um elemento de argumentacao a mais, quando se trata de prever uma agao. Esse elemento tem um papel importante na correlagao legitima entre as intengdes que levam 4 ago e sua efetiva execugdo. Um tal elemento, no entanto, nao é necessario quando se trata apenas da ex- Plicacao de uma agdo ja executada. As agdes ndo acontecem neces- sariamente por causa de um motivo, elas também nao sao derivadas (necessariamente)} de motivos: elas apenas podem ser explicadas 4 38 Jorn Riisen base de motivos. Assim se pode demonstrar, mediante 0 esquema de uma explicago intencional, que explicagdes plausiveis e comple- tas stio possiveis, sem serem interpretadas ao mesmo tempo como prognose. Pertence a racionalizagdo da explicagao intencional ser assimétrica em relacdo 4 estrutura da prognose. O esquema da explicagio intencional parece muito mais apro- priado para caracterizar a maneira de pensar da ciéncia da historia do que o da explicagiio nomolégica. Justamente por tratar da in- tencionalidade da ag3o do homem, o pensamento histérico fica de- sobrigado das exigéncias do conhecimento nomolégico ¢ da possi- bilidade de uma prognose. Como essa intencionalidade constitui 2 concepcSo temporal do passado da humanidade, que faz valer como “histéria” a busca do conhecimento histérico, fica claro, por meio do esquema da explicagao intencional, por que, no conhecimento historico, nao se da preferéncia ao conhecimento nomoldgico. Cha- ma-se a aten¢ao, a0 mesmo tempo, para uma particularidade do pen- samento historico que se refere 4 sua incapacidade de prognosticar: seu cardter reconstrutivo interfere na Stica com que quer justificar o carater histérico das mudangas temporais da humanidade. Ao pensa- mento histérico nao interessa obter conhecimento quanto 4 conexiio legitima entre a intengfo € a execugdo de uma ago. Prefere muito mais tornar compreensiveis as agdes no passado, cujos resultados tém importancia para as agdes no presente 4 luz de suas intengdes. S6 entdo a acdo no presente pode ser relacionada intencionalmente com a acao no passado. Em virtude da sua funcio de formar uma identidade, 0 pensa- mento histérico é referido a intencionalidade da ago do homem. Relaciona experiéncias ¢ softimentos passados do homem (exclu- sivamente com suas pressuposigdes, condigdes ¢ conseqtiéncias) com intengdes de ages do presente (e sofrimentos), e 0 que estiver ainda mais proximo, de escolher a intencionalidade da vida humana pratica como instrumento de ligagio. Agées importantes do passado sao ainda compreensiveis no presente (ou se tornam compreensiveis de novo) pelo recurso a suas intengdes. Com esse recurso, so elas explicadas ¢, por isso e a0 mesmo tempo, apresentadas em forma de pensamento no mesmo nivel das intengdes dominantes. Dessa Reconstrugao do passado 39 forma, tornam-se também evidentes aqueles que necessitam capa- citar-se para couservar na memoria o pensamento histérico (ou ao menos parte dele), para tomarem posicdo no presente e se sentirem de posse do futuro. Com o esquema da explica¢ao intencional, que é expresso por essa forma hermenéutica de pensar, é possivel definir 9 cardter da ciéneia da histéria como reconstrutivo e hermenéutico em sentido posilivo. O fato de que a explicagao intencional siga um esquema no qual as leis (no sentido de uma afirmagao geral baseada na seqiiéncia 16- gica do se/ent&o) nao tém nenhum papel constitutivo, no significa que as explicagdes intencionais e as nomolégicas excluam-se reci- procamente. Antes, elas se completam, sobretudo quando se trata de ag6es complexas, que exigem explicagdes nas quais os motives ¢ as circunstancias tém a mesma importancia (e onde isto nao ¢ 0 caso?). Sera que o esquema da explicagZo intencional também é ade- quado para caracterizar formas tedricas do pensamento histérico especificas da ciéncia da histéria? Para poder responder a esta per- gunta, é antes de mais nada necessario esclarecer a pergunta antece- dente, se e como aparece na explicagao intencional o conhecimen- to em forma de teoria. Um conhecimento dessa natureza é sempre conveniente quando a conexo entre a agdo ¢ a intengao nao esta ao alcance imediato, mas quando as agOes precisam ser explicadas pelas intengdes que nado eram conhecidas — de tado ou sé em parte — pelos agentes, e que eles se moveram instigados pelas intengdes de outros ou deles préprios. Um exemplo flagrante desse conheci- mento em forma de teoria ¢ a psicandlise. A ela pertencem todas as pressuposig¢des profundamente hermenéuticas sobre a estrutura de motivos das agdes dos homens. As teorias articulam, mediante explicagdes intencionais, o significado de conexdes gerais e com- plexas de agdes que revelam os motivos de agSes determinadas. Com isso se define um conhecimento em forma de teoria, que pode ser aplicado perfeitamente na interpretagdo de encadeamentos tem- porais das agdes dos homens. Nada obsta, pois, que se relacione esse esquema, no qual se con- templa um procedimento elememtar da explicacdo plausivel das agdes mediante motivos e cuja racionalidade prépria pode ser evidenciada, Jorn Rusen com a autodefinicao hermenéutica tradicional das ciéncias histéri- cas. O primeiro a fixar a oposigdo entre explicar e compreender" foi Droysen, que tanto a fundamentou em termos de teoria da histéria e do conhecimento como a definiu metodologicamente. Essa oposigao pode ser entendida, por recurso a teoria analitica contemporanea da ciéncia, em sua antiga significacdo, como oposi¢ao entre tipes di- versos de ciéncia (ciéncias naturais e ciéncias humanas), Ha, contu- do, nao poucas objegGes: (1) 4 que se qualifique a especificidade da ciéncia histéria como “hermenéutica” por meio do esquema da ex- plicaciio intencional, (2) a que se veja sua forma especifica de elabo- rar teorias no processo de construir, pela pesquisa, um saber herme- néutico profundo quanto as estruturas intencionais do agir humano ¢ (3) a que se empregue esse saber como recurso explicativo. E certo que a ciéncia da historia tem de empregar explicacdes intencionais quando pesquisa as agdes dos homens. Ela tampouco pode renunciar a essas explicagdes quando se afasta da historia me- rameute factual ¢ se volta para a historia estrulural, Afinal, ua Oliva dos historiadores, estruturas nada mais sao do que o mado de desig- nar o ordenamento sistematico das condigdes sob as quais 0 agir se deu. Referem-se basicamente, por conseguinte, a agdes (pelo menos em poténcia). Isse nde quer dizer, todavia, que esse processo de ex- plicacgo determine a especificidade cientifica propria a ciéncia da histéria, e a diferencie das demais ciéncias. A ciéncia da histéria pro- cede de forma semelhante, explicando por intengdes, assim como se serve também da explicag&o nomoldgica: ela emprega esse pro- cedimento para suas préprias finalidades, sem que estas finalidades sejam alcangadas 36 por um dos dois procedimentos ou pelos dois em conjunto. Por essa raziio, seu use do saber tedrico da hermenéu- tica profunda é apenas coadjuvante. Teorias que cnunciam ¢struturas motivadoras da acZo humana n4o séo genuinamente histéricas. Qual é a razfo de isso ocorrer dessa forma? Porque as correla- ges entre a intengdo da acdo ¢ a propria agdo, que constituem o ob- jeto da explicagdo intencional, nic representam a qualidade prépria a agio do homem que o pensamente histérico investiga. Explicagdes 4 Droysen, Historik (4), p. 403. Reconstrucao do passado al intencionais nao sao suficientes (por principic) para explicar as mu- dancas temporais que so tematizadas como “histéria”, porque essas mudangas n&o siio buscadas ou efetuadas como histéricas. Resumin- do, pode-se dizer que: “histérico”, em termos de agdes do passado, é 0 que no se pode explicar intencionalmente, ou seja, uma conjun- g4o de acontecimentos que nao so compreensiveis como resultado de uma intencdo que buscasse justamente 0 que aconteceu. Embo- Ta seja sempre tentador subordinar acontecimentos histéricos (por exemplo, a industrializagao da Inglaterra, a Revolugdo Francesa, a fundagio do Império Alemao) a um sujeito (uma classe de capi- talistas exploradores, um grupo de revoluciondrios conspiradores, Bismarck) e declarar depois que os fatos decorreram da intencao dos sujeitos. E tentador porque explicagées intencionais parecem bem evidentes, quando se trata de ag¢des humanas, e permitem articular a experiéncia histérica com as intengdes para o futuro de forma que no suscita dividas nem provoca rupturas — apesar de que tudo isso ne selupre conven¢a. Acontecimentos histéricos oriundos da acao do homem nao se deixam compreender satisfatoriamente como re- sultado de intengdes. E uma experiéncia trivial, mas nem por isso menos importante e constitutiva para o pensamento histérico, a de que a maior parte das mudangas temporais que os homens provo- cam, em si préprics e em seu mundo, nao correspondem as inten- gdes que pudessem ter orientado as agdes. Em geral, tudo acaba por ser bem diferente do que se tinha planejado a principio. Wilhelm Busch resumiu essa experiéncia constitutiva do pensamento histé- tico em uma frase classica: Primeiro as coisas acontecem de outro Jeito e, em segundo lugar, diferentes do que se pensou. E justamente essa exporiéncia que torna necesséria a atividade constituidora de identidade do pensamento historico. Se o processo histérico da vida humana nao passa de uma sucessao temporal de intengSes que se concretizam, ento nio se teria a experiéncia ame- agadora do tempo (e da natureza), que torna necessaria a produgdo de sentido mediante a narrativa histérica.'’ Sé assim os agentes, Cf. 1, p. 56 ss, [ed. bras.]. Mais desenvolvido: J. Rasen, Die vier Typen des historischen Erzhlens, In: Koselleck ot alii (Ed.): Formen der Geschichtssch- veibung (3), p. 514-606, esp. p. 520-536, az Jom Rusen buscando realizar suas inteng6es, estariam conscientes da dura- gao de sua subjetividade propria no movimentado fiuxo temporal do agir. O que acontece é, porém, o contrario: como as intencées levadas a cabo nas agdes, em virtude das circunstancias destas, produzem resultados que nao correspondem as intengées, a experi- éncia da mobilidade temporal das agdes humanas deve passar sem- pre por novas interpretagdes (justamente historicas) proprias, de modo que ainda possam ser entendidas com sentido a partir de suas intengdes. Temos aqui um dos enredamentos metatedricos to freqlientes na ciéncia da historia: o pensamento histérico requer a conexdo constitutiva entre experiéncias do tempo ¢ intencdes no tempo, na qual se insinua a constante tentacdo de dissolver pela hermenéutica 0 desafio posto pela experiéncia temporal, que torna necessario 0 pensamento histérico. A consciéncia histérica bem que gostaria de superar a assimetria entre a intengo ¢ o resultado da ago (a légica do processo histérico, de que as coisas acontecem bem diferentes daquilo que se pensava), assimilando-a no esquema da explicagao intencional ¢ de encontrar, nos abismos da intencionalidade hu- mana, os motivos por que a mudan¢a do homem e¢ de seu mundo no tempo ocorrem sempre, em suas agdes concretas, de maneira tal que tem de se constituir em objeto de interpretacao histérica. O desejo de encontrar tais explicagdes reside no fato de que estas naturalmente livrariam a experiéncia histérica do incémodo cau- sado pela desfasagem entre intengao e execugdo de acdes, Se se pudesse explicar intencionalmente os acontecimentos histéricos de modo que isso bastasse para os entender como sendo realiza- ges concretas das intengdes orientadoras do agir, ent&o poder-se- ia compreender a subjetividade dos homens como fundamento de toda a realidade histérica — que, sempre preocupada com a quest4o da identidade, justamente voltaria a perder-se na realidade tempo- tal evolutiva da vida pratica. Isso decorre do fato de que as agdes humanas, que promovem mudancas no tempo, se d&o sob circuns- tincias cujos efeitos néo conseguem ser adequadamente estimados € cujas intengdes tampouco vém a ser plenamente levadas em conta. Tem-se aqui o lado negativo do superavit de intencionalidade do Reconstrucao do passado 43 agir humano, que constitui a historicidade da vida humana prati- ca:'6 tal como todo homem por principio supera, com suas inten- ges (esperancas, aspiragées), as circunstincias dadas de sua vida prdética, assim também as circunstiincias vio além do peso que vem a ter nas intengdes de agir que influenciam ¢ em seus resultados concretos, As explicacées intencionais e o saber tedrico, hermenéutico, que delas resulta tém na ciéncia da histéria um papel semelhante as explicagdes nomoldgicas e do saber legaliforme que lhes corres- ponde: so empregadas, mas nao fornecem a ciéncia da histéria as formas de explicagao e de teoria que lhe sao préprias. A explicagdo narrativa e o problema dos construtos narrativos tedricos Como determinar as formas de explicagao e de teoria especi- ficas 4 ciéncia da historia? Um olhar sobre a constituigdo pratica do pensamento histérico, que define sua natureza ¢ a delimita com relagao as outras formas de pensamento, dé-nos a entender que seria apropriado perguntar se ja nao existiria na narrativa histérica um potencial explicativo que poderia ser utilizado pela ciéncia da histé- tia de forma especificamente cientifica. A argumentagao empregada até agora leva a essa pergunta. Ela mostrou que a ciéncia da histéria serve-se de explicagdes nomolégicas e intencionais, e das teorias aplicadas por elas, sem que qualquer dos esquemas de explicagdes utilizados devesse ser reconhecido como genuinamente histérico. Ao se analisar mais de perto o processo, vé-se que a ciéncia da his- téria procede mediante explicagGes narrativas. O que se pretende afirmar com isso? As explicagdes nomolégi- cas e intencionais aparecem na ciéncia da histéria sempre no con- texto de histérias. Elas sio parte de um conjunto de sentengas. Ex- pressos em termos narrativos, os efeitos temporais das ocorréncias do mundo humano tornam-se mudangas (com sentido e significado). “CE I, p. 98 ss. [ed. bras]. a Jorn Rasen Pode-se dizer também que as sentencas histéricas referem-se a uma seqiiéncia temporal de situagées: elas afirmam que alguma coisa num determinado momento (t!) era assim ¢ num momento mais tar- de (@) era diferente, ¢ num momento ainda mais tarde (¢*) ainda mais diferente. Esta “alguma coisa” (representada simbolicamente com um “S” como o sujeito [de referéncia] de uma historia) pode ser um individuo (por exemplo, Brutus), um grupo de pessoas (por exem- plo, os trabalhadores), um conceito (por exemplo, a humanidade), um alimento (por exemplo, arroz), um prego (por exemplo, 0 prego do trigo), um sistema econ6mico (por exemplo, o artesanato), en- fim: tudo 0 que possa existir no horizonte das experiéncias da vida humana pratica e 2 que se possa atribuir algum significado para a orientagao dessa praxis no tempo. As histérias asseveram que, com este “S”, se passam coisas no decorrer de um periodo de tempo (cro- nologicamente determinado): Brutus mata César para salvar a Repu- blica romana; na segunda metade do século XIX, os trabathadores constréem, na Alemanha, organizagées politicas proprias; 0.concei- to de humanidade adquire, na segunda metade do século XVII, no discurso da sociedade do Iuminismo alem&o, uma acepgdo emanci- patoria, critica e coletiva;'” o arroz € introduzido por volta de 2000 ou 2150 a.C, no sul da China, onde se expandiu até a extensdo que conhecemos hoje, tendo modificado “decisivamente a vida na Chi- na”;'® o prego do trigo na Europa Central decresceu de 1817 a 1825, voltando em seguida a subir." Esquematicamente, esses processos podem ser apresentados como simples seqiiéncias temporais das varias situagées de S: 8, 8,—.. 8, “HL B, Bédecker, Menschieit, Humanitat, Humanismus, Geschichiliche Grundbe- griffe. Historisches Lexikon zur politisch-soziaien Sprache in Deutschland, v. 3, Stuttgart, 1982, p. 1063-1128. "F. Braudel, Die Geschichte der Zivilisation, 15, bis 18. Jahrhundert. Miinchen, 1971, p. 152. “W. Abel, Agrarkrisen un Agrarkonjunktur. Eine Geschichte der Land- und Emndhrungswirtschaft Miteleuropas seit dem hohen Mittelalter. Hamburg, 2. ¢4., 1966, p. 210. Reconstrugao do passado 45 A ciéncia da historia costuma, pois, nfo apenas “narrar” essas modificagdes temporais de algo como seqiiéncia de situagées, mas também explicd-las. Ela expde como se chegou de S, e S,, pasando por uma série de situacGes intermedidrias, a S,- Conforme o que deve ser explicado cla se vale de diferentes modos de explicago e dos conhecimentos tedricos que Ihes correspondem. Ela pode prece- der assim, sem objecdes de ordem logica, na medida em que as ex- plicacdes nomoldgicas e as intencionais no se contradizem; antes, servem umas as outras como compliementares, Considerando mais de perto esses passos argumentativos da explicacdo histérica, cons- tata-se que a explicagdo que leva de S, a S, nunca esta completa no sentido dos esquemas das explicagées nomoldgicas e intencionais. Ela nunca est inteiramente garantida por um conhecimento formu- lado em termos tedricos e empregado para explicar (de forma que o procedimento no aparece, pois, como caso particular de uma regra universal, como aplicagdo de uma lei ou como execugdo de uma intengdo do agir). Invés disso, os passos de S, aS, ¢ ... até Sn sfo efetuados pela narrativa. As explicagSes estio inseridas nela, mas nao cxplicitam integralmente cada passo. O que significa isso? Tomando-se em consideragao (por razdes de simplificagao) apenas as explicagdes nomoldgicas, pode-se caracterizar epistemologicamente esses pas- Sos como segue; S, sé € explicado parcialmente, apenas como $} de S,, enquanto dado antecedente no ambito de uma regra universal {por exemplo, determinada crise econémica ¢ explicada, por recur- so a lei de Gresham, a partir do dado antecedente que consiste na depreciag4o da moeda; nao é a crise econémica que é explicada, mas a inflacHo que, no caso tomado, estd necessariamente ligada a cla). Para poder explicar suficientemente S, como conseqiiéncia temporal de S,, séo captadas informa¢des adicionais (D,) sem re- lagdo nomolégica formal com S., para que S, de S}_e D, se tome assim plausivel (por exemplo, a crise econdmica como resultante da inflagdo e de outros fatores como danos de guerras precedentes, desemprego, etc.). Um procedimento explicativo “histérico” toma- Tia a seguinte forma: 46 Jorn Risen a: 1 Ss, >>Ss, Do, O mesmo esquema vale também para as explicagdes intencio- nais: na ciéncia da histéria trata-se de situagdes (S,) mais comple- xas do que se poderia explicar pelas agdes que se originaram de intengSes (assim como, por exemplo, uma situagao da Republica romana, decididamente marcada pela morte de César, mas para cuja explicagdo o mero assassinato por Brutus no basta, pois outras ex- plicagdes, por exemplo de cunho histérico-constitucional, so rele- vantes). Explica-se intencionalmente uma agao (8), determinante da situagdo S,, mas nao a situacdo em sua totalidade. E preciso procurar para além do explanans (motivagao do agit) outros dados explica- tivos D, (circunstancias ou condi¢ées do agir, que ndo aparecem ou o fazem de forma distinta nos juizos sobre a situagdo que esto pre- seules ua uiulivayav do agir). A ccadeia narrativa de sentengas histéricas explicativas pode ser representada no seguinte esquema:”” Esquema da argumentacao histérica (de acordo com Hempel e Stegmiiller) Esses curiosos passos explicativos, incompletos 4 luz dos es- quemas das explicagdes nomoldgicas ¢ intencionais, nao se baseiam numa subcapacidade intelectual da disciplina “hist6ria”, que ainda nao teria conseguido encontrar as leis que conduzem, de forma ne- cessaria, de S,, pelas varias fases intermediérias, até S$. Tampouco se trata de pontos fracos na explicacao, situados na imensa com- plexidade do dominio de conhecimento da “histéria” e que ainda Stegmiller (nota 4), p. 352-358 (também em: Baumgartner/Riiscn (3), p. 165-172). Reconstrugao do passado a7 n&o teriam sido suficientemente explorados pelo saber nomoldgico ou tedrico de qualquer outro tipo. Essa incompletude, porém, esse déficit de procedimentos explicativos necessérios 4 argumentacao hist6rica, revela apenas a inadequacSo dos modelos de explicagio utilizados. Ela decorre da natureza do pensamento histérico, de seus interesses cognitivos constitutivos, com os quais a “‘histéria” ¢ te- matizada como objeto e cujo formato ndo se adequa ao esquema da explicacado nomolégica e ou intencional. Como nesses esquemas en- tram dados que do informagées adicionais, eles se abrem ao mesmo tempo para a singularidade da realidade da “histéria”. Esse comple- mento explicativo (D,, D,, D,) é objetivamente necessario. Com ele, © pensamento histérico leva em conta as caréncias de orientagao 4s quais se deve. Essas caréncias de orientagao vao, por principio, além do esquema de pensamento das explicagdes nomoldgica ¢ intencio- nal. Pois trata-se, no pensamento histérico,?! de mediar, pela reme- moragéo, entre o superavit de intencionalidade do agir humano, que vai ld das cundigdes ¢ requisitos que lhe so dados, ¢ a experién- cia do tempo passado, de modo tal que a vida humana pratica atual (nos processos vividos, atualmente, de mudangas no mundo dos ho- mens) possa ser orientada. Nesse processo, o pensamento histérico néo tem como apresentar as experiéncias temporais do passado, nem pelo esquema de explicagao nomolégica nem pelo hermenéutico. Gostaria de fundamentar esse ponto, a seguir, um pouco mais, No caso de uma explicag&o nomoldgica, o pensamento histéri- co isolaria a experiéncia temporal do passado do superdvit de inten- cionalidade da vida pratica atual, ao qual, no entanto, deveria ser re- ferido. Peto argumento nomoldgico poder-se-ia constatar, mediante Tecurso as experiéncias do passado, os processos temporais do agir e do sofrer presente que tém as mesmas circunstancias € caracte- risticas do agir e do sofrer passado (que, pelo tempo transcorrido, Pode ser investigado). Saber disso é imprescindivel por causa de seu significado para a competéncia técnica do agir, que se insere nas cir- cunstancias ¢ nas condi¢des que lhe sao dadas (e com que agir isso nao seria assim?). S6 que nao podera servir de orientagado da vida > CEI, p. 575s. [ed. bras]. 48 Jorn Rasen humana pratica se as intengdes concretizadas conduzirem para além das respectivas circunstancias e condigdes. O pensamento histérico recorre, por forca dessa sua fungao orientadora, a experiéncias tem- porais, das quais o esquema das explicacdos nomoldgicas abstrai: experiéncias de mudangas que no correspondem a regularidade interna daquele que passa pela mudanga. Trata-se de experiéncias temporais que, comparadas com as que séo apreendidas nomolo- gicamente, possuem 0 status de contingéncia. Com as informagdes adicionais (D,, D,,..-D,), 0 esquema da argumentagdo histérica ex- plica justamente o que, em S,, S,,...S,, € contingente com relagdo as propriedades $2,S3,...Sn nomologicamente explicavcis. Com toda razio, o debate contempordneo sobre teoria, na ciéncia da historia, assumiu a fungao de superar a contingéncia, atribuindo-lhe assim um status especial ao lado das ciéncias nomo- l6gicas.”* S6 que essa atribuigao de status é problematica por duas tazées: primeiro, porque 0 pensamento nomoldgico ¢ ele proprio um meio de supcragao da contingéneia; ele supeia essa experiencia ao revelar regularidades até ent4o desconhecidas, A luz das quais a experiéncia apreendida como contingente passa a ser explicada nomologicamente. Em segundo lugar, porque s6 restaria ao pensa- mento histérico uma unica fungio compensadora: ser responsdvel apenas pelas experiéncias temporais que no pertencem 4 esfera das ciéncias nomolégicas; ficaria dependente, portanto, da competén- cia reivindicada por estas (remetida, por assim dizer, aos residuos de contingéncia que sobrassem das ciéncias sociais que procedem nomologicamente). Na verdade, nunca faltara, no Aambito da vida humana pratica, a experiéncia da contingéncia a ser dominada histo- Ticamente; a questo est4é em saber como avaliar esse dominio me- diante a histéria em relagdo a sua supcracdo (sempre parcial) pelo pensamento nomoldgico. Deve-se explicar “apenas” de forma histé- rica (considerando a superagdo nomolégica da contingéncia como a melhor possivel) ou deve-se esclarecer “exclusivamente” de modo historico, no sentido de “unico” (considerando necessério controlar ®H. Libbe, Geschichtsbegriff und Geschichtsinteresse. Basel, 1977; do mesmo autor: Was heisst: “Das kann man nicht histovisch erkldren?” (9). ayia a Reconstrugao do passado ag a contingéncia de outra maneira do que por sua superagao, ou seja, por reconhecé-la)? Se se pensar na interrelacdo constitutiva com as caréncias de orientacdo da vida humana pratica, na qual o pensa- mento histérico se encontra também como ciéncia, a resposta estd entdo a nosso alcance imediato: o pensamento histérico abre o olhar para a contingéncia das mudangas temporais do homem ¢ de seu mundo (e ultrapassa com isso 0 esquema de sua explicagdo nomo- logica, desvelando as possibilidades de realizagao do superavit de intencionalidade). Pode-se chamar de liberdade aquilo que faz com que os ho- mens vao além, intencionalmente, das circunstancias ¢ condi¢des dadas em sua vida prdtica, e afirmem-se nessas mudangas de si mesmos e€ de seu mundo, de que sao agentes e pacientes por seu proprio agir. E essa liberdade que, antes de mais nada, torna pos- siveis as experiéncias da contingéncia. E com respeito a elas que © pensamento histérice rememora os processos temporais do pas- sado humano, cuja contingéncia € interpretada com possibilidade de liberdade. A contingéncia 6, assim, a sombra empirica projetada pela liberdade do homem. O pensamento histérico domina a experiéncia da contingéncia (do presente) na medida em que nfo é superado mediante conheci- mento nomoldgico na forma de experiéncias generalizadas do passa- do, mas sim por manter-se aberto 4 possibilidade da liberdade. E isso acontcce porque os processos temporais contingentes das mudangas do homem e de seu munde no passado sio enunciados como a his- toria dessas possibilidades, de sua abertura, de seu aproveitamento, desperdicio, fracasso, expectativa, enfim: rememoram-se todas as formas pelas quais 0 homem da testemunho de sua liberdade. No caso de uma explicacgdo intencional, a experiéncia tempo- ral do passado preservaria o trago das intengées orientadoras do agir que permaneceriam presentes nele, mas também nesse caso se perderia a contingéncia, cujo controle o pensamento histérico busca. A contingéncia na concretizacdo de agdes resultantes de in- tengdes consiste no fato de que as agdes dependem de circunstan- cias e condicdes, que as intengdes orientadores do agir nao tém como avaliar adequadamente em sua totalidade e em todos os seus 50 Jérn Risen aspectos. O pensamento histérico mantém aberto 0 espago da con- tingéncia no qual as agdes se efetuam na relagdo com suas intengdes orientadoras e no qual intengdes se realizam. Com isso, ele traz para 0 Ambito de orientacdo da vida pratica um superavit experiencial quanto a intencionalidade do agir humano, ao qual esta tem de con- formar-se, se nfio quiser que sua liberdade seja uma mera aparéncia, O pensamento histérico também se preocupa com isso, quer dizer, basicamente com relacdo a liberdade do homem: ela 6 remetida ao Ambito dos condicionamentos, o inico onde tem possibilidades de se realizar. A evidéncia hist6rica da sua limitagdo funciona como estimulo para motivar a sua ago. Se, A luz dos esquemas das explicagées nomoldgicas ¢ inten- cionais, a argumentagdo explicativa de uma histéria aparece como incompleta, como déficit desses esquemas, pée-se entdo a pergunta Se, em contraste com esses esquemas, seria possivel elaborar um esquema que represente a natureza especificamente histérica da ex- plicagdo. Se a ciéncia da histéria s6 utiliza as explicagdes nomolé- gicas e hermenéuticas de modo subsidiario, quais seriam entdo seus processos préprios de explicagiio? Para se poder responder a esta pergunta, tem de ficar muito cla- To, antes de mais nada, que a pergunta sobre o “por que” é especifica- mente histérica ¢ que, dessarte, requer uma resposta especificamente histérica ou seja, uma explicagao hist6rica. Um explanandum hist6- rico € a modifica¢ao temporal de alguma coisa. Um exemplo episte- molégico classico é o fato de o duque de Buckingham ter seguido, até 1623, o plano de casar o principe Carlos com a infanta espanhola Dona Maria, mas depois de 1623 ter desistido desse plano” O ex- Planans & 0 fato de que ele, em 1623, numa viagem com o herdeiro do trono 4 Espanha, mudou sua avaliaggo quanto A uma possivel li- gagdo entre as casas reais inglesa ¢ espanhola. A relago logica entre 0 explanandum ¢ o explanans é a de uma histéria: seu comeco e seu fim séo a mudanga que é preciso explicar, o meio é 0 acontecimento que explica a mudanga. O préprio narrar a histéria jé é por si um Detalhes em F.C. Dahman, Geschichte der Englischen Revolution, Leipzig, 1844, p. 159-167. Reconstrugao do passado 51 procedimento explicativo.* Explicagdes especificamente historicas sao explicagdes narrativas. Seu esquema tem a seguinte forma: Esquema de uma explicagGo narrativa (segundo Danto) @)SéFemt, (2) G ocorre com § emt, 3)SéHemt, explanandum: (1), (3) explanans: (2) S = “sujeito” de uma historia; F = situagdo inicial; H = situacao final; G = acontecimento Os exemplos, com que a bibliografia especializada elucida a natureza e a estrutura da explicaciio histérica, correm todos o risco de mal-entendidos no caso da historia mencionada da mudanga de opinigo do duque de Buckingham. Como se trata de histérias no Ambito de acontecimentos singulares (mudanga de idéia, amolgadu- tas em carros), tem-se irremediavelmente a impressio de que uma explicapdo narrativa se refere ao nivel da histéria factual, mas nao Aquela que trata de uma ligag&o estrutural entre fatos ¢ onde nao existem pessoas atuantes em primeiro plano. Essa impressao € en- ganosa, porque S pode muito bem ser um sistema sécio-econdmico complexo (como, por exemplo, o da Inglaterra) ou um duque, ¢ F, H podem ser sistemas complicados de propriedades (como, por exem- plo, o de uma sociedade agrdéria de um determinado tipo ou o de uma sociedade industrial nos primordios da industrializagao), e também podem ser diferentes os acontecimentos G, que ocorrem com S, que se pode transformar em H por meio de F. A historia correspondente seria a da industrializagdo na Inglaterra. © esquema de uma explicagao narrativa diz respeito, portanto, também ao pensamento historico em seu todo. Esse esquema é tao 2 Adoto a argumentago de A. C. Danto, Analytische Philosophie der Geschichte 9). 52 Jorn Risen orm risen tipico para a explicagao da ciéncia da historia, como a narracdo his- terica € constitutiva para 0 conhecimento histérico. Por ele é possi- vel tomar plausivel que e Por que os prognésticos nao representam papel algum no pensamento histérico sem que, com isso, a dimensio do faturo esteja-Ihe vedada. As explicagdes histéricas sio dessarte, POF principio, reconstrutivas e nio podem, também Por principio e pela mesma raz4o, tomar-se Prognéstico mediante uma transposi- sao temporal do explanandum para o futuro, Porque 0 explanandum histérico j4 contém em si a diferenga de tempo que poderia ser utili- zada em um prognéstico: a diferenga de tempo entre 1 et, nao se da ~ Como no esquema de uma explicagao nomolégica (se se dotar os antecedentes ¢ 0 explanandum com Coeficientes de tempo) — entre explanans ¢ explanandum, mas no proprio explanandum. Naturaimente, € possivel imaginar t, como se encontrando no futuro, mas isso nao é um prognéstico, apenas um processo histérico ficticio: demonstra-se o que deveria ocorrer com 8, que (ainda) pos- Sui agora a qualidade G, se deixa de ser G para ser H. Esta apresen- tagao de um proceso histérico ficticio nao é rara, faz parte de cada consciéncia histérica em forma de uma Perspectiva ou expectativa de faturo que se refere as lembrancas do passado e é determinada Por intengdes normativas. A simetria entre explicagdo e prognéstico no esquema do pensamento nomolégico Corresponde a simetria en- tre lembranga e expectativa no esquema do pensamento narrativo, e a legalidade abrangente naquele caso corresponde, neste caso, A te. Presentacdo abrangente de continuidade. “Expectativa” nao signifi- al aon no sentido de profecia. Antes, trata-se de uma esperanga Com o esquema da explicacdo narrativa é possivel estabelecer com preciso do que se trata, quando se fala das tio debatidas teo- vias histéricas, Em primeira lugar, as teorias nao surgem de imedia- to (como as leis no esquema da explicagao nomoldgica) como parte constitutiva das explicagdes histéricas no esquema natrativo. Sera que a ciéncia da historia nao é Por esta razio carente de teorias?5 *H. Litbbe, Wieso es keine Theorie der Geschichte gi i , ichte gibt. In; Kocka/Nipperd (Ed.), Theorie und Eredhlung in der Geschichte (3), p. 65-84. spperesy Reconstrugao do passado 53 O esquema da explicag4o narrativa apresentado especifica a expli- cagdo histérica, de tal forma que sua realizacéo propriamente cien- tifica ndo seja mais visivel (assim como as teorias especificamente cientificas da intencionalidade tampouco aparecem no esquema da explicag&o hermenéutica e, no esquema da explicagéio nomoldgica, a forma da lei ainda nao € especifica para teorias nomolégicas cien- tificas. Meras sentencas se/entao ainda nao sao leis e muito menos teorias). Isso nao quer dizer que alguma coisa como “teorias hist6- ricas” ndo possa acrescer-se aquilo que o esquema da explicagdo natrativa apresenta como suas caracteristicas constitutivas ou essen- ciais, sejam introduzidas artificialmente em nome da ciéncia. Pelo contrario: a existéncia, especificidade e fun¢ao das teorias histéricas devem provir dos fatores constitutivos de uma explicagio histérica, deixando-se enunciar de forma plausivel pelo esquema da explicagiio narrativa. Um oihar sobre os demais esquemas pode focalizar aquilo que esta em causa como “teoria”. No esquema nomolégico tem-se uma formulagio genérica das conexées entre os dados proprios aos an- tecedentes e ao explanandum. Essa formulagio, com seu grau de generalidade, “cobre” ao mesmo tempo a conexdo especifica entre as condigées iniciais dadas ¢ 0 explanandum dado (covering law). Esta ‘‘cobertura” genérica encerra igualmente o saber hermenéutico profundo com o qual sfio formuladas, na explicacao intencional, as conex6es entre motivacdo ¢ ago, de modo a remeter determinadas agdes a determinadas motivagGes. Esse saber genérico também ¢ utilizado na explicagao histérica; todo historiador que explica mu- dangas da estrutura social, ao “narrar” o processo de transformacio de uma situagdo em outra, trabalha com conhecimentos em forma de teoria sobre a dinamica da transformagao (Jacob Burckhardt diria: sobre as “poténcias”) das estruturas sociais; desta forma, a especifi- cidade temporal das estruturas é levada em conta, por definigdo, nes- se saber. As teorias histéricas “cobrem” também 0 espago de tempo entre t, ¢ t, ¢ tommam visiveis, nele, os fatos a que se tem de recorrer quando se quer saber de que maneira se passou de F a H. Por recurso a essas teorias pode-se especificar e concretizar o transcurso do tem- po S$ (F) t, + S (G) t, +S (H) t,. Assim, por exemplo, uma teoria do 5a jorn Risen imperialismo “cobre” o espago de tempo do final do século XIX ¢ do comeco do século XX, caracterizando-o com base nos fatores de politica externa nele presentes (em sua relagdo de dependéncia para com seu desenvolvimento interno). A estrutura e a funcdo dessas teorias e de seus elementos, os conceitos histéricos, serio ainda tratadas com mais pormenor. Por enquanto trala-se apenas de seu esboco esquemiatico, de seu status € de sua fungao na explicagao histdrica. E possivel, de maneira seme- thante 4 que aparece no esquema da explicagiio narrativa, descrever a forma tedérica de que o saber histérico se reveste nas explicagdes histéricas especificamente cientificas? O esquema de uma explica- cao narrativa ¢, ao mesmo tempo, o esquema elementar de uma his- téria (comeco, meio, fim da conexdo temporal de uma mudanga, de alguma coisa ou de algum acontecimento). A “forma tedrica” de uma histéria correspondente a esse esquema elementar é o seu en- redo: ele define o comego e o fim ¢ enuncia que ctapas narrativas (atgumculativas) conduzem dy iniciv av ténnine.” Ele “cobre” a histéria como uma lei cobre a conexiio entre os antecedentes e 0 ex- planandum ou como a compreensdo hermenéutica profunda cobre a conexdo entre uma motivaciio e uma ago. Ele fixa também, por as- sim dizer, o fluxo do discurso, da mesma forma que o conhecimento em forma de teoria (nomolégico ou hermenéutico) estipula a que fa- tos 0 explanandum deve ser relacionado pela explicagdo. Para tanto, anecessidade de langar mao de uma argumentagio tedrica propria ¢ complexa, pelo menos em parte, quando os contextos nao sao mais ‘Zo triviais como no caso do duque de Buckingham e de seus planos de casamento, tem de estar bem clara para a ciéncia da hist6ria, ao se pensar, por exemplo, em explicacdes que digam respeito ao cres- cimento da populacao ou a industrializagao da Europa. Com a analogia literdria do enredo, a especificidade e a fun- ¢4o0 das teorias histéricas esto indicadas apenas provisoriamente. Elas so construtos de histérias, construtos narrativos, projetos (ou como mais se queira designa-las metaforicamente) ¢ servem para + Para o significado estrutural e constitutivo do enredo de uma narraco, of. o artigo de P. Ricoeur, “Narrative time”. Critical Inquiry, 7, 1981, p. 169-190. Reconstrugao do passado 55 tornar transparentes as explicagées histéricas que recorrem ao saber nomoldégico ou hermenéutico com seus elementos tedricos. Nelas, todavia, a apresentagdo narrativa de um processo temporal possui, por si mesma, fungdo explicativa. As formas que essas teorias tomam e as fungGes que exercem (ou poderiam exercer) serfio tratadas em pormenor nas segdes se- guintes. Com isso, pretende-se mostrar que as teorias histéricas sio construtos de pensamento em dire¢ao aos quais a raz4o narrativa se desenvolve, quando a histéria se conforma como ciéncia. A passagem para o todo: da teoria “da” histéria Para abordar os elementos tedricos do saber histérico perten- centes 4 argumentacdo histérica especificamente cientifica, gostaria de relaciond-los com a forma de teoria que desde ha muito desem- penha um papel controverse na ciéncia da historia. Refiro-me as teorias que enunciam as histérias como um todo, como um espa- go de tempo que engloba a evolucao temporal do homem e de seu mundo, teorias que aparecem como filosofias da historia materiais, determinadas em seu conteudo. Tais teorias da histéria como um todo sao precarias do ponte de vista tanto histérica como sistematico. Do ponto de vista da historia da ciéncia (sobretudo no espaco de lingua alema), a ciéncia da histéria afirmou-se como disciplina independente no contexto do historicismo do sécule XIX, por oposi- gio a filosofia da histéria desse tipo (primeiro a idealista, sobretudo a de Hegel, mais tarde, 4 materialista). Tais teorias eram considera- das (c ainda o so, para muitos) como ndo-cientificas, até inimigas da ciéncia, porque se desviam da importancia da pesquisa histérica empirica. Na filosofia materialista da historia, o precario nao é tanto seu papel de referéncia negativa para a pretensio de competéncia dos historiadores profissionais, mas o fato de ela ter desempenhado, apesar dessa critica, um papel de forma alguma insignificante para o trabalho empfrico da histéria especializada. Ela ensejou, como qua- dro de referéncias das interpretacées histéricas, a interpretagao dos 56 Jorn Risen dados das fontes,”’ Tal filosofia, contudo, nao aparece explicitamente na pesquisa como um instrumento do conhecimento histérico ope- tado ¢ controlade metodicamente, mas sim como um fator velado, por vezes até reprimido (e por isso ndo menos eficaz, apenas mais incontrolado), que atua sobre a interpretagdo historica do passado do homem ¢ sobre a fungdo de orientag&o pratica dos resultados obtidos pela interpretacdo e¢ apresentados historiograficamente. A mesma ambivaléncia mostra-se também no plano da andlise sistematica da matriz disciplinar da ciéncia da histéria. Assim como nao resta divida acerca da existéncia do fator “idéias” nos funda- mentos da ciéncia da histéria ¢ de que esse fator se articula em “teo- tias” especificamente cientificas, tampouco se deve dar por garantido que a “histéria”, como supra-sumo do cognoscivel historicamente, come o todo do conhecimento histérico, pode ou nao ser formulada teoricamente, e que essa formulagdo pode ou ndo ser utilizada como fator do trabalho histérico cientifico especializado. Falar de “hist6- tia” ¢ t&éo banal ¢ natural no dia-a-dia du listuriadur, quanto € diffcil © mesmo quase impossivel evidenciat em seu discurso a presenga do elemento tedrico correspondente 20 conhecimento histérico. Por isso é muito importante esclarecer, no ambito de uma teoria da histéria que queira manter-se em um nivel médio de abstragao entre o principio fundamental e geral da metodizagdo, por um lado, ea formagcao de teorias histéricas explicitas, por outro, o que real- mente quer dizer teoria “da” histéria. A esse respeito, quero, antes de mais nada, levantar a questao se “a” histéria é algo que existe, para que a ciéncia da hist6ria possa pesquisa-la empiricamente e apresenté-la historiograficamente. Como existem argumentos fortes que visam negar essa questo, quero entdo examinar se um conheci- mento histérico em forma de teoria, que verse sobre a totalidade da hist6ria, ainda possui algum sentido ¢ pode (ou até deve) ter fungao, Tos processos cognitivos da ciéncia da histéria. A pergunta se existe “a” histéria, como estado de coisas susce- tivel de ser investigado e apresentado na historiografia, nao é uma 7Isto se pode constatar bem no exemplo de Droysen. Cf. J. Risen, Begriffene Geschichte. Genesis und Begrindung der Geschichtstheorie. Yn: J. G. Droysen. Paderborn, 1969. Reconstrucdo do passado 57, pergunta empirica, mas (meta-) tedrica. E verdade que a primeira vista a idéia de que se poderia elaborar uma “historia geral”, como a suma e unidade global de todas as histérias especiais, nao parece tio esdrixula. Afinal de contas, hd suficiente evidéncia de histérias mun- diais ou universais mais ou menos bem sucedidas. Tais empreendi- mentos parecem somente problematicos do ponto de vista pratico & empirico. Do ponto de vista pratico, so problematicos por causa da dificil tarefa de comprometer os especialistas de campos especificos do desenvolvimento histérico com uma concep¢ao abrangente da totalidade, de maneira tal que, nele, possam fazer valer sua pericia. Do ponto de vista empfrico, s4o problematicos diante da imensidao da experiéncia do passado revelada pela pesquisa histérica. Muitos historiadores, contudo, nao consideram abusiva a idéia de uma historia abrangente, na qual se efetivariam os esforgos em- preendidos até agora pela pesquisa histérica e pela historiografia, poderia ser uma espécie de assintota do desenvolvimento da cién- cia (aproxima-se constantemente, mas nunca se ulcanga). Essa idéia € amitde apenas uma idéia regulativa, abscéndita, indireta, meio consciente ou inconsciente, da atividade cognitiva da histéria. Qual é 0 pesquisador ou historiador que nao acredita encontrar-se no ca- minho da historia “definitiva”, na quai desembocariam, em ultima andlise, todos os esforcos cognitivos e historiograficos? Ja existe uma idéia dessas, de forma mais elaborada e com forte pretensio vinculante, no marxismo-leninismo, como idéia de uma regularida- de geral do desenvolvimento historico, que reine passado, presente e futuro na unidade de um processo histérico unico. A vista da abundancia inestimavel do saber historico e de sua constante expanséo, fruto do afinco da pesquisa histérica, a idéia de um todo da histéria, que possa ordenar essa riqueza, que insira a pesquisa especializada no contexto abrangente das representagdes histéricas e que as encadeie com todas as demais em uma totali- dade que faga sentido, s6 nfo é atraente para os amantes do caos. (E como poderia surgir uma preferéncia por resultados cadticos do pensamento historico, tendo em vista a pressdo, na profissionaliza- ao na ciéncia da hist6ria, para se produzir clareza metédica nesse pensamento?) A quest&o esta apenas em saber se a ordem, 4 qual 58 Jorn Rusen conduz a disciplina metodica especificamente cientifica do pensa- mento histérico, requet necessariamente a idéia “da” historia como Tepresentacdo de um processo temporal abrangente, de contetdo de- finido que, em ultima anilise, determinasse a consciéncia histérica. Por principio, a resposta a essa pergunta é um niio, ainda antes de quaisquer ponderacdes pragmaticas e empiricas. Por que isso? Porque nao é possivel pensar de modo logicamente consistente uma tal idéia da totalidade da histéria, que encerrasse em si todas as de- mais histérias.”* Pois uma histéria é, como construto mental e como experiéncia temporal interpretada, incvitavelmente particular. Ela tem sempre um comego ¢ um fim, para além dos quais se podem imaginar comegos ¢ fins de outras histérias. Por isso, a idéia de uma hist6ria de todas as hist6rias, uma histéria das historias, é contradit6- ria, Uma tal histéria jd teria diante de si, a seu lado ou fora de si, por forga de sua prépria estrutura narrativa, outtas histérias (no minimo pensaveis). Por conseguinte, ela nao poderia, dotada de comego ¢ fim, conter, abranger e ordenar todas as historias ¢ as conexdes entre elas pela mera referéncia a si mesma. Como experiéncia temporal interpretada mediante a atribuigao de sentido pela narrativa histérica, a historia ¢ scmpre particular. Ela nao pode ser concebida como universal sem deixar de ser histéria, isto é, estruturada narrativamente. Nao gostaria de me contentar com essa argumentacao formal, mas Tecorrer ainda a um argumento material, que se aparenta a uma fundamentacio da concep¢do de uma historia universal, abrangente, integral. Em sua evolugdo temporal, a espécie humana nao constitui justamente uma histéria, na qual se integrariam todas as hist6rias particulares dos homens, grupos, cstados, sociedades, povos, cultu- tas? E nao seria ent&o essa historia o estado de coisas empirico, cuja possibilidade é logicamente contestada? Contra esse argumento, pode-se objetar que a referéncia 4 espécie biolégica “homem” como critério de determinagiio de uma histéria total da humanidade pde » Principalmente H. M. Baumgartner chamou a atencao para esse fato: Narrative Struktur und Objektivitat. Wahrheitskriterien im historischen Wissen. In: Risen (Ed), Historische Objektivitdt, 7, p. 48-67, em especial p. 54-57. Apenas resumi sua argumentagdo. Reconstrucdo do passado 59 justamente a particularidade (uma especie distinta das demais e de- pendente delas na cadeia evoluciondria), que se quer suprimir. Essa historia, como histéria de uma espécie, é particular. A universalidade de que ela deveria estar revestida, em relagdo ao conhecimento his- térico acumulado, falta-lhe porque ela se bascia em caracteristicas bioldgicas, invariaveis ao longo do tempo. Com isso, essa historia nao pode ser obtida a partir de tais caracteristicas nem apreendida interpretativamente. A histéria biolégica da espécie humana exctui —nAo inclui — a histéria da humanidade, tal como a ciéncia da histé- ria tematiza. Dessarte ela nao pode ser a histéria integral ¢ universal em questao, cuja concepcao ¢ sempre buscada na interpretagao or denadora da experiéncia humana do tempo. E outra coisa falar “da” histéria como determinagao da espécie humana, falar da “humanidade” nao como algo biolégico, mas como algo historico. Pois trata-se da especificidade da vida humana pratica, que se pode descrever mais adequadamente como historicidade™ ¢ que sO se pode apreender empiricamente no campo da experitncia histérica. Essa determinacdo histérica da espécie é universal e englo- ba todas as experiéncias historicas. Se ela for definida, todavia, como uma historia, entdo ela mesma define as caracteristicas que qualifi- cam a vida humana como humana em uma tnica vertente temporal. As demais vertentes possiveis seriam assim privadas da qualificagao de humanas e s6 poderiam ser julgadas como desumanas. Come pode uma definigao da espécic histérica evitar esta au- tocontradi¢ao — ja que se trata de uma qualificagao de humanidade universal e abrangente? Isto é possivel, se se conceber a humanidade nao como o estado de coisas empirico de uma evolugio historica, mas como 0 principio para todos as possiveis cvolugdes, cuja uni- versalidade vai além de todas as experiéncias, mesmo quando se entende as experiéncias temporais como histéricas, como manifes- taco da qualidade humana do homem no processo de mudancas temporais de si mesmo e de seu mundo. Também a idéia da conformidade a uma lei geral da evolugio histérica pode ser contestada como paradoxal, nao s6 formalmente, PCE Lp. 56 os,[ed. bras.) 60 Jorn Rasen mas também por meio de argumentos materiais, Formalmente, va- lem também para essa idéia as objegdes, suscitadas acima,*° contra a caracteriza¢ao do conhecimento historico mediante o esquema de uma explanagdo nomolégica. Se levarmos em conta essas objegdes, ao declarar a conformidade a leis gerais como enredo, como cons- truto que sustenta uma histéria universal, a pretensa universalidade da conformidade a leis est4 entdo em contradic¢’o com a particulari- dade de todo construto teérico que sustente a interpretagfo narrativa da experiéncia temporal. Em termos de conteido, a idéia de uma formula histérica universal (a lei “da” histéria), que — por princi- pio — da a entender o futuro como previsivel e 0 processe histérico, por via de conseqiléncia, como controlavel, pode ser refutada pela remissdo de Popper 4 evolucdo do conhecimento humano.*! Como o decorrer da evoluc&o histérica depende da expansao do conhe- cimento humano e como esta expansdo nao pode ser prevista por meio de métodos cientificos, assim também nao é possivel prever 0 decurso futuro da histéria.”? Com essa critica é possivel evitar uma falsa objetivagao da historia quando se trata de abordar, pela interpretagdo, o campo do historica- mente cognoscivel, no qual o pensamento enceta seu caminho para a historia. No caso “da” hist6ria ndo se trata de um estado de coisas objetivo que pudesse ser medido e determinado pelo conhecimento em sua totalidade. Pensar a historia dessa maneira pressupGe consi- deré-la desde um ponto de vista absoluto, cuja adogiio no é possivel CE p. 28 ss. 3 Refiro-me a K. Popper, A miséria do historicismo, Tibingen, 1965, p. XI. 2 Embora a argumentagéo de Popper scja dirigida unicamente contra um dos prinoi- pais principios do materialismo histérico na sua expressio ortodoxa, marxista-le- ninista, no se chegou— até onde sei - a tentar justificar a idéia de uma legalidade histérica geral e da pretensdo de atribuir ao conhecimento historico a faculdade de prever, mas tampouco a propor uma nova formulagdo clara do “teorema da legalidade” diante dessa abjegao. E de notar que N. Iribadschakov (Zur Kritit der biirgerlichen Geschichtsphilosophie, Frankfurt, 1975) discute detalhadamente o problema das leis histdricas e critica os téoricos “burgueses” (inclusive Popper), tas no trata da argumentagdo de Popper aqui referida. Esse argumento foi dis- catido também por M. Comforth, que se ocupa exclusivamente da polémica de Popper contra Marx ¢ 0 marxismo (Marxistische Wissenschaft und antimarxistis- ches Dogma, Frankfurt, 1973). Reconstrucao do passado 61 demonstrar se se negligenciar a dinamica temporal interna da vida humana pratica, de cuja apropriagao cognitiva afinal se trata. Ao par- tir desse ponto de vista, dever-se-ia pensé-la, a histéria, como com- pleta, como terminada, sem precisar pensar também cm um recome- go, tal como resultaria dos efeitos do agir humano que modificam 0 mundo ¢ cuja intencionalidade sempre vai além das circunstancias em que se originaram. Isso, porém, nada significa além do fato de que © sujeito deve situar os interesses e as caréncias presentes em seu ponto de vista no contexto da histéria a conhecer, cuja consti- tuigdo ¢ a fonte mesma do conhecimento histérico. Buscar adotar esse ponto de vista significaria negar, junto com a pluralidade de E; muitos possiveis pontos de vista, negar a objetividade por consenso & dos conhecimentos histdricos, que se baseia em um tal pluralismo.> A objetividade por consenso seria transposta para objetividade por fundamentapao, com o que se obteria o contrario do que se preten- dia com a concepgao de histéria como um todo, como um estado de ; coisas cognoscivel (“objetivo” no sentido de dado prévia e indepen- dentemente do sujeito) e com a adoce do respective ponto de vista “absoluto” (no sentido de despojado do pluralismo das diferentes f caréncias ¢ interesses). Ao invés de um conhecimento dinamizado - © movido pela multiplicidade dos pontos de vista (a busca de con- » Senso) dever-se-ia encontrar uma verdade independente de pontos y de vista (“objetiva”) e por isso néo-relativa, clara (para no dizer: f absoluta), Entretanto, como esta 86 poderia existir se baseada na ve- Tificagdo de estado de coisas empiricamente dado, tem-se a trans- f feréncia dos critérios de sentido e significado do estado de coisas, televantes para a verdade, para o arbitrio das decisdes. Por detras do objetivismo (tedrico) “da” historia esconde-se a ideologia de um decisionismo pratico. Estara, com isso, 0 esforgo tedrico por uma totalidade da histé- Tia limitado a uma critica (metateérica) de uma falsa coisificago da i historia? Por mais que essa critica contribua para salvar a contingén- cia da experiéncia histérica de ser posta de lado no pensamento da histéria como um todo, para devolver ao tempo sua forga geradora b BCE Lp. 138 ss. [ed. bras]. 62 Jam Risen de historia e para defender e descerrar o espaco da liberdade humana contra a ambi¢fo cega de poder sobre a histéria, nao fica tesolvido o problema de uma apreensde tedrica da histéria como um todo como um espaco da experiéncia histérica. Esse problema se pe com forga ainda maior depois da critica 4 falsa filosofia da histéria. Se se admitir (metateoricamente) que todo conhecimento histérico de contetido empirico e que todas as histérias sio necessariamente particulares, ndo se abandonaria ent&o a unidade da experiéncia his- torica, e se contentaria com uma multiplicidade de histérias que, em iltima andlise, estariam conectadas por meras decisées arbitrérias? Sera que, em lugar de um falso objetivismo, nao se teria um subje- tivismo problematico que, afinal, precipitaria no caos a experién- cia histérica em seu conjunto? Que sentido tem o apelo a liberdade humana, quc critica a unificagao forgada da hist6ria, se esta critica acaba por levar sé a uma representago da contingéncia, na qual a indisponibilidade das ocorréncias histéricas transforma-se na im- possibilidade de conhecer suas inter-relagdes? A condenagdo do conhecimento histérico como um todo ao caos ¢ inevitavel, se se pensar no “todo”, com respeito 4 experiéncia histérica, apenas como 0 conteiido de uma historia tnica, como tem- po petrificado em objeto histérico. Esta alternativa: ou “a” historia como histéria universal abrangente, no sentido de uma filosofia ma- terialista da histéria ou 0 caos desordenado da experiéncia historica, nao sé nao ¢ obrigatéria, como simplesmente exclui outras possibili- dades de se conceber teoricamente a historia como totalidade e, com isso, ordenar em pensamento o dominio da experiéncia historica. O erro de raciocinio embutido em tais dicotomias™ consiste em que “a” histéria € procurada como algo universal ao mesmo tem- po para além e para fora das historias particulares. Se se procura “a” historia nas histérias, ent&o se encontram possibilidades para pensar na histéria como totalidade, sem incorrer em contradigdes fatais. Nem € preciso procurar, demorada ¢ penosamente, teorias alternativas a filosofias da histéria insustentaveis, para poder dizer algo com sentido sobre a suposig4o de uma totalidade em relagao * Essa objecdo vale também para a distingdo entre hist6ria universal e historia mul- tiversal de O, Marquard. (Universalgeschichte und Multiversalgeschichte (8).) Reconstrucao do passado 63 a experiéncia histérica. Na linguagem da historiografia, em que o conhecimento histérico se manifesta nos construtos narrativos, nas “historias”, essas suposigées j4 estao presentes conceitualmente, embora nem sempre na forma de teorias elaboradas da histéria como um todo, mas sim de modo pré-tedrico e banal. Esse modo é 0 de conceitos elementares, que indicam a estruturagdo geral ¢ clemcn- tar da experiéncia histérica ou que, em outras palavras, sinalizam a apreensao interpretativa da histéria como um todo. Os conceitos ele- mentares (como, por exemplo, desenvolvimento, processo, época, etc.) abrangem, metaforicamente, 0 dominio total do que é historica- mente cognoscivel, “a” historia como espaco da experiéncia. Neles, "esse dominio ¢ igualmente preparado para a apropriago narrativa nas historias particulares.* A historia € apreendida, pela linguagem e pela metafora, como campo de experiéncia, como o supra-sumo do que é interpretavel historicamente (na narrativa). Essa apreensdo se di no dominio glo- hal da experiéncia do tempo, antes de serem elaborados, em for- ma de teorias, conceitos elementares ou categorias. Essa apreensiio nao depende da conceituagaio de uma teoria especifica. Tirar dai a conclusio que 0 conhecimento histérico possui carater fundamen- talmente poético, “literario” ou “retorico”, n&o convence, se esses termos tiverem a conota¢aio de “ndo-cientifico” ou “incapaz de ser cientifico”.* Nesse caso, ter-se-ia simplesmente ignorado 0 poten- cial de racionalizagio, que 0 pensamento histérice sempre possui, ao apreender, pcla linguagem, o campo da experiéncia do que € his- toricamentee cognoscivel. E pelo alcance tedrico de seus concei- fos elementares que a ciéncia da histéria decide a justificagado e a abrangéncia de sua pretensdo de cientificidade, De que teoria da histéria como um todo se trata? Trata-se de uma discussao explicita dos principios, por referéncia aos quais a experiéncia do tempo se toma experimentavel, cognoscivel, pes- quisavel e narravel como histéria. Esses principios tem origem no *H. White refere expressamente esses dados lingilisticos: Meta History. The his- torical imagination of the Nineteenth-Century Europe. Baltimore/London, 1973; do mesmo autor: The tropics of discourse. Essays in cultural criticism. Baltimore/ London, 1978. 36 Assim H. White (nota 35). 64 Jérn Risen processo de orientagao existencial e sdo expressamente aplicados (e com isso, especificados) as experiéncias da mudanga temporal do homem e de seu mundo. Eles apreendem — de modo especificamente cientifico— as experiéncias temporais de maneira tal que o passado, ao longo do processo de progresso do conhecimento e da ampliagao das perspectivas, se torna presente, reforgando assim a identidade dos envolvidos na experiéncia temporal tematizada. Trata-se de uma abordagem explicita da idéia de continuidade. Essa idéia ¢ determi- nante para a fung%o de atribuigao de sentido da narrativa histérica ¢ abrange as trés dimensdes do tempo, com o que transforma as ex- periéncias temporais em fatores da formagSo da identidade huma- na.?’ Tais princfpios da atribuig&o histérica de sentido abrangem o Ambito total do conhecimento histérico especificamente cientifico e recobrem, nesse sentido, “a histéria”. Mas, para focalizar isolada- mente o plano no qual tais suposigdes de totalidade da significagao histérica esto localizadas, e da mesma forma filtrar o universal dos processos do pensamento histérico que levam 4 particularidade de uma histéria (ou “das historias”) € necessdrio perguntar com preci- so quais os elementos tedricos, que dizem respeito 4 histéria como um todo e que agem nos processos de formagao da identidade pelo conhecimento histérico. Trata-se dos elementos de orientagiio da existéncia humana, que delimitam a “histéria” como um dominio préprio, especifico de pen- samento no campo geral dos fatores que orientam a vida humana pratica e os “predispdem” ao conhecimento especificamente cienti- fico. Esses elementos constituem um sistema de conceitos elementa- res com 0s quais a experiéncia do tempo pode ser transformada em conhecimento historico. Esse sistema remete a experiéncia temporal ao dominio do que € historicamente cognoscivel. Ele “define” (no sentido de delimitar) a historia como um campo de experiéncia ¢ constréi ao mesmo tempo, para esse dominio, o modelo de inter- pretagdo adequado. Pode-se falar também de um sistema de univer- sais histéricos, que distingue previamente o campo da experiéncia histérica do dominio mais abrangente da experiéncia do tempo em geral € o remete a “interpretagdes histéricas” (histéricas no sentido ” Cf. 1, p. 64-66, 89-91 fed. bras]. Reconstrugao do passado 65 da atribuicao narrativa de sentido as experiéncias do tempo, com auxilio das representagdes de continuidade com o fito da formagao de indenidade)** Tais sistemas se apresentam absolutamente capazes de teorizar: como teorias do carater histérico do homem e do seu mundo. Tam- bém se poderia falar de uma (em contraste com disciplinas empiri- as) antropologia histérica teorica. Do ponto de vista formal, ela explicita os conceitos elementares ou as categorias do conhecimento histérico, as mudancas temporais do homem e de seu mundo como processos continuos, que tornam a mudanga temporal experimenta- da cognoscivel como processo historico. Do ponto de vista material, tais sistemas explicitam, do ponto de vista sincrénico e diacrénico, os fatores que sio determinantes nesses processos. Uma tal antropologia historica teorica nao ¢ considerada pe- los historiadores profissionais como pertencendo ao campo de sua especialidade. Os que se dedicaram a essa questo foram, antes, alguns poncos isoladns” (e ainda o s4o).*° A razdo para tanto pode estar na circunstancia de essa teoria lidar com pressupostos funda- mentais e contextos abrangentes da pesquisa histérica, o que deixa indefinida a competéncia de tal ou qual especialidade ¢ chama a participacdo direta da filosofia e das ciéncias sociais. Por outro lado, essa teoria é 0 local onde, no dmbito da busca do conheci- mento referente ao homem, s4o igualmente postos os trithos que levam 4 ciéncia da histéria e 4 sua pesquisa empirica. Pode-se es- clarecer aqui, metaforicamente, no que consistem a unidade da ex- periéncia histérica ¢ o contexto interno de todas as histérias (pos- siveis): a assinatura do homem “paciente, esforcado e ativo, tal como ele é, sempre foi e sempre sera” (Jacob Burckhardt).*' Uma elaboracio tedrica desse tipo do todo “da histéria” j4 mereceria ser tefictida também no scio da ciéncia da histéria, ou seja, a atengio do historiador. 2 Mais pormenores em I, p. 58 ss. ® Penso, por exemplo, em K. Lamprecht e em K. Breysig. Assim, por exemplo, A. Nitschke, Historische Verhaltensforschung (8). “J, Burckhardt, Weltgeschichtliche Betrachtungen, Obras completas, Berlin, 1929- 1934, v. 7, p. 3; na edigdo critica a cargo de P. Gans: J. Burckhardt, Uber das Studium der Geschichte, Miinchen, 1982, p. 226. 66 Jorn Rasen Em scguida gostaria de mencionar alguns pontos de vista im- portantes para uma antropologia histérica tedrica dessa natureza, sem ter a pretensdo de um trabalho completo ou de tentar um es- boco sistematico. Apenas em indicagdes esporadicas posso chamar a atengdo para a questao de se e como tais pontos de vista j4 foram levados em conta nessa elaboracio. Formalmente, o abarcamento tedrico da totalidade do histérico Se apresenta como sistema de categorias historicas. Elas caracteri- zam a historicidade da mudanga temporal do homem e de seu mun- do na forma de conceitos histéricas elementares. Por exemplo: do legado do Iluminismo — progresso ¢ seu contraconceito, regresso; do legado do historicismo — desenvolvimento ¢ individualidade; do legado da pés-histdria — processo, mudanga estrutural, transforma- go (dos sistemas sociais). Com essas categorias, o tempo é tema- tizado como historia. “Em si”, como pura ocorréncia, 0s processos temporais ainda nao representam histéria possivel de ser conhecida; s6 quando aparecem come “tendéncias”, conv “épucas” ou “evulu- gdes” (para dar outros exemplos de conceitos histéricos elementa- res), 4 tuz portanto de categorias desse tipo, podem ser considerados como histéria e apreendidos pela pesquisa. Tais categorias sao “antropolégicas”, na medida em que repre- sentam produtos do trabalho interpretativo do homem, nos quais o tempo da natureza é transcendido em tempo humano. Essas catego- rias expressam o tempo como tempo humano, como tempo social; com elas, o tempo interior da subjetividade humana, que se exprime continuamente na pratica da vida, torna-se visivel no espelho das condigées reais da vida. Como sintese lingiiistica manifesta da capa- cidade transcendente do agir humano, as categorias tornam deciftd- veis os tragos do espirito humano no processo de mudanga na vida humana pratica. Essas categorias podem ser trabalhadas sistematica- mente ¢ se apresentam em forma de teorias explicitas. Nao existem muitos exemplos delas ¢ o mais destacado seriam os “Conceitos so- ciolégicos elementares”, de Max Weber.” 2M. Weber, Wirtschaft und Gesellschaft. Grundriss der verstehenden Soziologie, ed. por J. Winckelmann, Kéln, 1964, p, 142. Reconstrucae do passado 67 Materialmente, o abatcamento tedrico da totalidade do histé- tico apresenta-se como um sistema de suposigdes quanto as razbes da mudanca temporal do homem e de seu mundo. Elas caracteri- zam a historicidade dessa mudanga temporal na forma de fatores de mudanga elementares e universais que 0 homem e seu mundo, no decorrer do tempo, produzem e experimentam na pratica, Determi- nagSes dessa natureza ordenam as experiéncias historicas sincréni- ca e diacronicamente. Elas segmentam os campos de experiéncias para chamar a atenedo para a interdependéncia entre diversos fatores fundamentais da mudanga histérica ¢ tornam contextos diacrénicos compreensiveis mediante recurso as forgas geradoras da mudanga. Pode-se exemplificar o primeiro caso com a distingao conhecida en- tre trabalho, dominagao e cultura; o segundo, com a tese inseguranca instintiva do homem e com seu reverso, 0 modo de agir humano, intencional e superabundante, para a autopreservagdo ¢ para o do- minio do mundo. Temous, com essas suposivOes basicas, universais hisidricus. Servem como um guia geral, com o qual os processos temporais, que so considerados historia pelo enquadramento categorial, po- dem ser matcrialmente determinados ¢ diferenciados. Esses univer- sais constituem um sistema de coordenadas com o qual se consiréi © quadro de referéncias da interpretagao hist6rica. Para essas supo- sigdes fundamentais de toda interpretagao histérica existem muitos exemplos de explicagdo tedrica, na maioria dos casos como antropo- logias, a0 menos chamadas e interpretadas assim. Um dos exemplos mais conhecidos é 0 capitulo sobre Feuerbach em Ideologia Alema de Marx e Engels.” O fato de também os historiadores, incluindo os que nao s&o adeptos de uma teorizagio sistematica ¢ séio mesmo re- feridos como seus opositores, nao desdenharem tal trabalho tedrico, mas considerarem-no importante como “introdugdo 4 pesquisa e 4 Teflexo histéricas”, é exemplificado pela teoria das trés poténcias e seis condicionalidades de Jacob Burchkardt.* ® Edigo critica em: Deutsche Zeitschrift fir Philosophie, 14, 1966, p, 1199-1254. “1, Burckhardt, Weltgeschichiliche Betrachtungen, Obras completas (nota 41), ¥. 7, p 20-121; edigio critica: Uber das Studium der Geschichte (not 41), p. 122-153, 173-204, 254-341. Um exemplo instrutivo de como se pode desenvolver, a 68 Jorn Rasen Naturalmente, em teorias que — por principio — interpretam historicamente as experiéncias temporais, surge a referéncia nor- mativa constitutiva do pensamento histérico.* Os universais histé- ricos nfo sé delimitam o campo da experiéncia histérica no Ambito da experiéncia temporal, mas definem também a medida e a dire- g&o para a ampliagdo das perspectivas, que devem ser alcancadas pelo processo cognitive da ciéncia da hist6ria (processo orientado pela teoria, o que significa aqui ter como fundamento a apreensao tedrica da histéria como um todo). Esses universais fixam os para- metros da generalizagiio, que as normas do pensamento histérico sofrem, no processo de ampliag4o das perspectivas, ao atribufrem sentido. ‘Na forma tedrica de uma antropologia histérica, a referéncia normativa do pensamento histérico ja esta sintetizado com seu referencial de experiencial. As atribuigdes normativas de sentido 4s referéncias do pensamento histérico a seu objeto transpdem- st scuupre também para o quadro interpretative que ordena a experiéncia histérica. A denominagéo “antropologia” ja indica como isso é possivel, A “humanidade” & ao mesmo tempo o regu- lador do referencial de experiéncias ¢ do referencial de normas no pensamento histérico.* A experiéncia histérica € estabelecida no Ambito de todas as possiveis experiéncias temporais do homem ¢ por ele demarcado como um campo especial, no qual as experién- cias do passado so empregadas significativamente para a interpre- tagHo do presente e a expectativa do futuro. Essa demarcacdo seria va e “historia” como (possivel) contetida da consciéncia histérica, como substancia da experiéncia histérica, seria vaga e pensavel arbitrariamente, se nfio se tratasse de experiéncias determinadas, partir da concepeao tebrica de uma antropologia historica, um grande empreendi- mento esta na Geschichte des Altertums {Historia da Antiguidade], de E. Meyer. primeiro volume: Geschichte des Orients bis zur Begriindung des Perser~ reiches (Stuttgart, 1884) comega com uma introdugdo, na qual Meyer, partindo de Elementen der Anthropologie, earacteriza as estruturas da evolugao histérica ¢ define assim 0 lécus de sua “Historia da Antiguidade”. “CEI, p. 108 ss. fed. bras.]. “SCF. os resultados esclarecedores na apresentapao histérica de H. Bédecker (nota 17). Reconstrugae do passado 69 quer dizer daquelas que foram filtradas com a ajuda das normas, que lhe dio um sentido, do campo total de todas as possiveis expe- riéncias temporais. E possivel confirmar isto tanto formal quanto materialmente. Formalmente, as categorias ou conceitos elementares (experimen- taveis) ordenam os processos temporais nas mudangas do homem e do seu mundo de forma tal que elas aparecem em um contexto que (tendencialmente) chega até ao presente e faz, antecipar o fu- turo, de conformidade com as experiéncias. Antropologicamente, a experiéncia temporal fixa-se como histérica quando se relaciona em linha direta com os pontos de vista que os autores ¢ os destina- larios do conhecimento historico consideram como decisivos para sua identidade. Por meio dessa referéncia histérica acontece algo com os pontos de vista dos sujeitos do conhecimento histérico: eles passam a ser tratados de forma comunicativa. Certificam-se sobre as histérias os que comunicam entre si a solidez temporal de seus pontos de vista na vida presente, Esta certificagao € cientifica ua medida em que for determinada pelas regras de uma argumentagao orientada pelo consenso. Consenso, na comunicacao sobre pontos de vista historicamente confirmados, quer dizer o reconhecimento reciproce da diversidade, ¢ com iste o reconhecimento mutuo das identidades, respectivamente atribuidas a partir de pontos de vista diversos. A antropologia historica teérica deve assim categorizar a experiéncia temporal como histérica, de modo que ela possa fun- cionar como meio da formag%o do consenso na luta social atual pelo reconhecimento. “Humanidade”, como critério normativo da categorizagdo da experiéncia historica, sintetiza esse principio do reconhecimento. Quais as conseqiiéncias desse ponto de vista para o sistema de categorias dos universais histéricos ndo posso desenvolver aqui em detalhe, porque extrapolaria o ambito de uma teoria da histéria. Po- dem ser indicadas, todavia, algumas das condigdes que uma antro- pologia histérica teérica deveria preencher, se quiser corresponder aos principios determinantes do pensamento histérico que a teoria da histéria elabora, pela reflexdo, e que exprimem sua pretensio de ser racional. 70 Jorn Rusen A qualificago histérica da humanidade, mencionada acima,’” que elabora a determinagdo da espécie humana a base da experi- éncia histérica e nao da biolégica, precisaria desenvolver-se dentro de um sistema de universais. “Humanidade”, como determinagao de espécie, nfo surge na forma de uma histéria objetiva, que (de- sumanamente) desperdigaria sua particularidade na universalidade da espécie. Ela é situada, como fator constitutive da ago ¢ do so- frimento humanos, onde sua mobilidade temporal por si propria en- gendra sentido. E por esse sentido que 0 pensamento histérico tem que se empenhar, se ndo quiser inserir a experiéncia do tempo passa- do em um contexto de sentido com o presente (de modo orientador, apontando para o futuro) de maneira objetiva e nao arbitraria. (Aqui esta incluido o trago hermenéutico fundamental de todo pensamento histérico.) O que iste quer dizer materialmente? O pensamento his- torico sé pode assumir sua fungZo nos processos sociais de formagao da identidade humana se interpretar a experiéncia do tempo passado categorialmente, de maneira que essa experiéncia possa ser inserida no horizonte de referéncia dos entendimentos miituos que geram a identidade dos homens. Os critérios de sentido determinantes desses horizontes devem se transformar cm categorias da experiéncia his- torica. “Humanidade” € por si propria um critério diretor desse tipo. Na sua verso constitutiva de ciéncia, ela delimita empiricamente o Ambito da experiéncia histérica no campo de toda articulag’io pos- sivel da vida humana pratica, seus pressupostos, suas condigdes, circunstincias e conseqiéncias. Como critério normative da am- pliagdo de perspectivas, ela regula a formagao do consenso acerca do significado das mudangas temporais no passado do homem e de seu mundo para o uso pratico na vida presente e para a projec3o de perspectivas de futuro. Por fim, enquanto supra-sumo da qualidade tacional da vida humana pratica, fornece cla também o ponto de vista determinante para que os processos temporais da vida humana pratica tenham sentido. Como critério de sentido desse tipo, “humanidade” deve ser ainda elaborada, no ambito de uma antropologia historica, para “CE p. 55. “CET, p. 142 ss. (ed. bras.]. Reconstrugao do passado 71 funcionar como construto categorial dos pontos de vista determi- nantes da experiéncia temporal do passado. A determinagae racio- nal da humanidade — como capacidade humana de comunicagao argumentativa, dirigida ao consenso —, decisiva para a constituic¢ao da histéria como ciéncia, adviria a fungdo de idéia regulativa. Nas mudangas temporais do homem ¢ do seu mundo, 0s processos de entendimento comunicativo devem ser identificados ¢ ponderados como chances racionais da vida humana prdtica. Isto nao quer di- zer que as determinantes racionais do conhecimento histérico na realidade histérica seriam apenas copiadas, como se a experiéncia histérica meramente ecoassc a pretensiio de racionalidade do co- ahecimento histérico (como em Hegel, em que a historia aparece racional aquele que a vé como racional).” Pelo contrario, a expe- riéncia histérica deveria ser categorizada de tal maneira que nela aparecam os tragos daquela qualidade humana, que o pensamento histérico, na sua verso especificamente cientifica, reclama para si com suas pretenses de verdade. Assim, $6 para citar um exemplo: na andalise da ordem sincré- nica da experiéncia histérica, as relagdes categoriais entre trabalho, dominagao e cultura ndo podem ser ordenadas arbitrariamente, mas 1m de ser articuladas de tal maneira que a socializago humana pos- sa ser interpretada como a luta dos sujeitos pelo reconhecimento mi- tuo. O potencial racional ativo na socializagao humana deveria ser legivel na autoproducdo cultural do homem (a0 menos como possi- bilidade). “Dominag4o”, por exemplo, apareceria, ent&o, sempre a juz de sua legitimacao, ou seja, como dependéncia do homem de homens, para os quais o elemento “consenso” seria constitutivo (a0 menos como possibilidade).*" Isto naturalmente ndo quer dizer que experimentar a dominaco deva ser tornado legitimo por si e que a histéria sempre legitime o status quo. Pelo contrario: diz-se que essa experiéncia, 4 luz da caréncia de legitimagao fundada no critério © CEG. F. W. Hegel, Die Vermunft der Geschichte, ed. por }. Hoffmeister, Hamburg, 1955, p. 31. * Maiores desenvolvimentos em J. Risen, Geschichte als Aufilirang? Oder: Das Dilemma des historischen Denkens zwischen Herrschaft und Emanzipation, Ge- schichte und Geseilschafi, 7, 1981, p. 189-218. 72 Jorn Risen do consenso, deva ser posta em evidéncia ¢, com isso, também ¢ sempre, sujeita a critica, Conseqtientemente, as mudangas tempo- rais, sob as condi¢des da vida humana pratica, como viabilizadoras de chances (positivas ou negativas) de reconhecimento, precisam ser cognosciveis diacronicamente como processos nos quais a busca por reconhecimento é tida como o impulso elementar e geral do agir humano em quaisquer circunstancias. Com base em tais categorizacdes, a experiéncia histérica apa- rece ent’o como manifestagio de como o homem realiza sua his- toricidade no agir e no sofrer, e de como essas realizagdes podem ser tomadas como manifestagdes de humanidade com as quais pode ser relacionada sua concepgio normativa (reconhecimento comu- nicativo pleno) tanto positiva quanto negalivamente, afinmativa como criticamente. Na relacdo positiva, a ciéncia da histéria colo- caria as esperan¢as e as expectativas do seu presente no plano da experiéncia. A experiéncia lhe concederia uma especificagdo tem- poral c matcrialmente definida, uma dircgao temporal concreta. Ela poderia, por exemplo, pela rememoragio dos processos que assegu- ram institucionalmente as chances de reconhecimento, fazer conhe- cer riscos de regressio e defender o que foi conquistado. Na relagao negativa, poderia potenciar esperangas ¢ expectativas, indicar as restrigdes 4 institucionalizagdo praticada, até agora, das chances de Teconhecimento, identificar as tendéncias para a superagao de tais restrigdes ¢ estimar as chances de futuro 4 vista dessas restrigdes ¢ de seus motivos. B nessa forma que © pensamento histérico, com suas pretensdes de ampliar e realizar as chances racionais nos pro- cessos de formacao da identidade por meio da consciéncia histérica, se justificaria por meio da experiéncia historica. Nessa forma, 0 pen- samento histérico ndo se submete cega ¢ afirmativamente as marcas do vencedor nem catapulta a razo (como forma da vida pratica), cega ¢ criticamente, para além das manifestagdes histéricas. Ficam assim indicadas as possibilidades e os limites de uma antropologia histérica teérica como abarcamento da histéria como um todo. Inevitavelmente surge a pergunta acerca de como se passa da possibilidade a realidade, da apreensao tedrica da totalidade do histérico 4 reconstrugdo de contextos histéricos reais nas histérias Reconstrugdo do passado 73 particulares, ¢ acerca de sc ¢ como s¢ procede tcoricamente nesse caso. Esta pergunta pode ser formulada assim: Se as teorias histd- Ticas — como construtos narrativos — tém um papel importante no conhecimento histérico, que se aplica a experiéncias temporais reais e leva a hist6rias particulares, como é que se passa de uma antro- pologia histérica geral a estrutura teérica de tais construtos? Se a teoria geral da histéria ndo desempenha papel algum na construgio (orientada pela teoria) de histérias, ent4o teria apenas fungdes mar- ginais no 4mbito de uma teoria da histéria? Dessa forma no valeria a pena o esforgo de uma apreensio tedrica e poder-se-ia deixar tran- qiilamente o conhecimento histérico, seus conceitos clementares ¢ seus pressupostes fundamentais por conta da intuig&o pré-tedrica dos pesquisadores. O que acontece, porém, é justamente o contrario. Nos cons- trutos teéricos das histérias baseadas na experiéncia, os universais histéricos tém um papel muito importante (por exemplo, o conceito de progresso na historiografia do Iuminismo ou as representagdes das forgas econédmicas elementares da mudanga social na ciéncia contemporanea da histéria). Como é que isto acontece? A passagem do esbogo da suma de todas as histérias possiveis para as determi- nagées conformadoras das histérias reais esté sempre presente ja na apreensdo tedrica do todo da historia. O que torna tais apreensdes Plausiveis, que critério funciona em caso de divida quando é neces- sario escolher entre apreensdes concorrentes? E a experiéncia tem- poral do mundo, isto ¢, a experiéncia do presente, que toma plausi- veis sistematizacdes categoriais gerais da experiéncia histrica, e é também ela que conduz, da apreensio da histéria como um todo de historias possiveis, narraveis com sentido, ds interpretagdes tedricas de histérias reais. Aexperiéncia do presente conduz da histéria possivel 4 historia Teal. Ela introduz o tempo real na rede dos universais histéricos, tecida sistematicamente. E com ela que essa rede produz também Tepresentagdes dos processos temporais reais. As representagdes de continuidade, decisivas para as constituigdes de sentido da narrativa histérica, concretizam-se, a partir dos universais da antropologia his- térica, mediante a experiéncia temporal do presente, predominante. 7 Jorn Risen Constroem-se 4 luz de universais histéricos, por exemplo, pe- riodizagées gerais a partir de experiéncias do presente do tipo “nao- mais [ocorrendo]” ou “ainda-ndo [ocorrendo]”, que tornam proces- sos temporais cognosciveis como histéricos, Os universais histéricos tecem, igualmente, com as experiéncias temporais do presente, uma rede de perspectivas teéricas que capturam as experiéncias tempo- rais do passado. Com o fito de orientar, estas vém a ser relacionadas narrativamente ao presente de maneira tal que produzem uma pers- pectiva de futuro como diretriz do agir. Essas referéncias da antropo- logia histérica ao presente (que ainda se encontram em um nivel de abstracZo muito alto) introduzem tempo real, uma cronologia preci- sa, na rede categorial de interpretagdes gerais: a partir do agora, um “ndo-mais” e um “ainda-nao”. Isto nao se refere apenas, nem mesmo principalmente, a cronologia das determinagGes temporais externas (da natureza), embora naturalmente represente um momento incon- tornavel de estruturagdo da relagao dos universais historicos 4 expe- rigucia, Vista porém simplesmente em si, uma cronolugia de dadus fisicos nao é histérica: as datacGes feitas por ela nao sao histéricas, porque lhes falta a referéncia constitutiva 4 dimensao de sentido em que se forma a identidade humana. Sem o entrangado dos universais histéricos, que estrutura temporalmente essas dimensdes de senti- do (tempo pensdvel e experimentavel como sentido), a cronologia das datas fisicas no faz sentido. S6 por meio desse entrangado os processos temporais naturais (mareados por dia, més ¢ ano) transfor- mam-se em tempo histérico. 86 nele se constituem as épocas como grandezas ordenadoras dos processos temporais, mediante as quais 0 proprio presente pode ser caracterizado como processo temporal. Por recurso ao contexto sistemdatico dos universais da antropo- logia histérica consegue-se distinguir, na vida pratica presente, a ex- periéncia concreta de “nunca-mais” do passado e do “ainda-nao” do futuro. E nesse contexto que pode elaborar a representacao concreta, material, da continuidade, com a qual se pode elaborar, sistematica e metodicamente a cxperiéncia temporal do passado. Tais representa- ges da continuidade abrangem tendencialmente todo o campo das mudan¢as temporais pensdveis como histéria. Elas 0 centram, pois, nas experiéncias presentes das mudangas temporais, de modo que Reconstrucdo do passado re) estas Ultimas sejam situadas de forma geral em processos temporais que englobam passado e futuro, com o que é possivel representar cursos de acdo repletos de experiéncia ¢ de expectativa. E essa relac3o das antropologias histéricas 4s experiéncias do presente (que por sua vez, naturalmente, j sio mediadas teorica- mente ¢ determinadas por pontos de vista normativos) que concreti- 7a a apreensao tedrica da experiéncia histérica. O olhar histérico tor- na-se, com esse procedimento, parcial. Na medida em que, a partir das experiéncias do presente, so trazidos a baila contetdos gerais predominantes, que dizem respeito a todos os que vivem numa mes- ma época (por exemplo, o avanco da tecnologia de guerra por meio de armas nucleares ou as revolucdes bioldgicas na agricultura), pro- duzem-se processos temporais como representa¢ées de um processo global articulado, de uma tendéncia geral, de um desenvolvimento abrangente. Ela ainda ndo tem a forma de uma historia narravel, mas pré-estrutura tais histérias, ao determinar o curso dos processos vemmporais que devem ser claborados como historias, se quiserem ser conforme 4 experiéncia (do presente) e eficazes como orienta- go. Quanto mais se parte dos contetidos concretos das experiéncias atuais da vida pratica, tanto mais s¢ destaca, sobre o pano-de-fundo das representacdes gerais dos processos temporais, 0 arcabougo teé- tico de histérias parciais — teorias hist6ricas propriamente ditas. Fungiées das teorias histéricas As teorias histéricas sdo construgSes de processos temporais, que servem de fio condutor para as histérias. Elas tém por base representagdes gerais dos processos temporais, que sdo obtidas ao se preencher um sistema de universais histéricos com experiéncias do presente altamente generalizadas. As representagdes dos pro- cessos temporais aparece como uma periodizacao geral ou como Tepresentagdes do fio condutor do desenvolvimento histérico. Po- dem ser elaboradas como teorias da evolugao social. Exemplos co- nhecidos so os teoremas do materialismo histérico ou a teoria de Max Weber da desmistificagdo e da racionalizagdo universal. Tais 76 Jorn Risen teorias adquirem a posi¢ao singular de status intermedidrio, entre os universais histéricos de uma antropologia histérica te6rica por um lado, e o construto teérico de historias parciais reais, ou seja, teorias histéricas em sentido restrito, do outro. Correm sempre, por isso, 0 risco de serem objetivadas como construgdes de uma tnica histéria universal, abrangendo todas as historias parciais concretas, ou entdo de se perderem no tempo nenhum das estruturas abstratas. Nem por isso elas s4o desnecessdrias. Elas so o elo argumentativo necessario entre os universais da antropologia histérica que demarcam (“defi- nem”) o campo da experiéncia temporal, interpretando as experién- cias histéricas, e os quadros tedricos de referéncia da interpretagao histérica, com os quais determinadas experiéncias temporais do pas- sado sao elaboradas e atualizadas. Nao se analisa aqui seu status tedrico em separado. O impor- tante é fazer apenas ver que as teorias encaminham a experiéncia temporal do presente a via da interpretacio historica. Elas canalizam as experiéncias do presente para o arquivo da lembranya, av eluborar aexperiéncia atual da mudanca do homem e de seu mundo, entre um. “nunca-mais” e um “ainda-nao”, na representagdo gera] de um pro- cesso histérico. Com esta representacdo, a lembranga da mudanga passada pode ser mobilizada e¢ relacionada ao presente. Teorias histéricas séo elaboragdes dessas representages dos processos sob a forma de construgdes de processos particulares. O tipo, a medida ¢ a dimens&o da determinagdo dessa singularidade dependem de que experiéncias temporais particulares do passado sejam empregadas e atualizadas natrativamente. Assim, por exem- plo, a teoria da modernizagao da feig¢do concreta a uma teoria geral do progresso, tendo em vista a experiéncia presente propria das tensdes entre os paises industrializados ¢ as nagdes em desenvolvi- mento.*' Essa teoria tem por base uma representagao do processo temporal, na qual determinada experiéncia do presente é generali- zada como diretriz dos processos histéricos. De que representagao se trata? A de que o pensamento tecnolégico da otimizagio dos meios (racionalidade de fins) se impde a todas as determinagdes de 51H-U. Wehler, Modernisienmgstheorie und Geschichte (8). Reconstrucao do passado 77 sentido predominantes no agir humano, e a de que seus vinculos com a tradi¢ao, assim como a racionalidade de valores nela pre- sente, desaparecem. Estabelecida a relac&o dessa diretriz com as tensSes concretas entre as sociedades altamente industrializadas (sobretudo no Ocidente) ¢ os paises em desenvolvimento, entio resulta o modelo basice da teoria da modemmizag4o, que pode ser elaborado como referéncia interpretativa da histéria da Idade Mo- derma (0 que, de fato, j4 ocorreu intimeras vezes). Que nessas concretizagGes os pontos de vista normativos tam- ‘bém tém um papel importante, fica claro j4 no fato de o direcio- namento mencionado (no exemplo da teoria da modernizacdo) ser F posto como progresso. Com essa qualificagéo normativa, a teoria da moderniza¢ao estabiliza a identidade cultural das sociedades in- dustriais do Ocidente {e langa naturalmente também um desafio as outras culturas, 0 que torna agudo o problema da objetividade por consenso).” Como outro exemplo de como se pode obter, a partir de pers- pectivas gerais de interpretagio dos processos temporais de mu- dancga do mundo humane, construtos de evolugées histéricas parti- cularcs, gostaria de mencionar novamente a interpretagdo da ética protestante por Max Weber. Ela pressupde uma antropologia histé- rica que constitui a historia de forma genérica na intencionalidade, vinculada a interesses e formada pela interpretagio, da socializagio humana. Essa antropologia é aplicada 4 experiéncia predominante atual do sistema capitalista da economia e da burocracia, produ- zindo — como representagdo geral do processo temporal — a conti- nuidade abrangente da racionalizagao ¢ da desmistificagtio. Weber introduz nesta representag4o a questi (decorente das normas da subjetividade burguesa tradicional) das chances da liberdade hu- mana, destilando, por meio dela, os contextos genéticos das formas modernas de vida e atribuindo-thes sentido religioso. Ele elaborou Para esse problema da objetividade por consenso, cf. J. Risen, Die Kraft der Erinnerung im Wandel der Kultur. Zur Inmovations- und Emeuerungsfunktion der Geschichtsschreibung. In: B. Cerquiglini / H. U. Gumbrecht (Ed.), Der Diskurs der Literatur- und Sprachhistorie, Wissenschafisgeschichte als Innovationsvor- gabe, Frankfurt, 1983, p. 29-45. 78 Jom Rasen dessarte um questionamente histdrico, teorizavel via sociologia da religiao, mediante o qual sua famosa tese poderia ser testada empi- ticamente.** Nao afirmo que Weber tenha de fato procedido to “dedutiva- mente” — esta é uma questdo de sua biografia —, mas apenas que sua tese ganha assim um perfil de teoria da histéria, cujo significado, conferido pelo proprio Weber (e nao sé por ele), s6 pode ser tornado piausivel a luz de tal construto teérico. As teorias histéricas sao referéncias para perguntas ou constru- tos de hipéteses com os quais é possivel apreender estados de coisas empiricos. Elas fornecem fios condutores de historias, que séo cria- das e tecidas por si mesmas, de como que se elabora e apresente, a partir delas, mediante argumentagao fundante, a estrutura de sentido de uma histdria. Isso pode ser precisado na dtica do esquema de uma explicacao narrativa. O contexte explicativo da relacdo tem- poral entre t, ¢ t, —na qual, no tempo t,, S passa pela situagao G, de modo que § deixa de ser F ¢ passa a ser H — € esquematizado pela narrativa. De que forma isso se dé? Tal ocorre porque uma teoria histérica qualifica o periodo estudado de maneira que S, com as suas modificagées F, G e H, apareca como caso particular de uma evolu- ¢&o genérica (por exemplo: o imperialismo alemdo aparece, 4 luz de ‘uma teoria historica do imperialismo, como a realizagao particular de uma tendéncia evolutiva dos Estados de determinado nivel de desenvolvimento cm determinada época). Para o cardter histérico de uma teoria abrangente desse tipo (“covering”), que explique narrativamente o fenémeno, é decisivo que ela no trate o estado de coisas de uma forma abstrata, olhando o fenémeno a ser explicado apenas no que tenha em comum com fendmenos semelhantes. Com esse procedimento, a teoria 0 apre- sentaria apenas como “caso de ...”. Pelo contrario, as caracterizacgoes 3M. Weber, Gesammelte Aufsdtce zur Religionssoziologie, v. 1, Tubingen, 1922. Acerca da discussio sobre a tese weberiana da rela¢Ao histérica entre capitalis- mo € protestantismo, cf. M. Weber, Die protestantische Ethik,'v. 2: Kritiken und Antikritiken, ed, por J. Winckelmann. Minchen/Hamburg, 1968; C. Seyfarth/W. M. Sprondel, Seminar: Religion und gesellschafiliche Entwicklung. Studien zar Protestantisnus-Kapitalismus These Max Webers. Frankfurt, 1983, Reconstrucao do passado 79 abstratas da teoria devem ser utilizadas também para revelar a parti- cularidade de cada fendmeno. (Era isso que Max Weber queria dizer ao diferenciar com rigor o tipo ideal, como componente essencial de uma teoria histérica, da nogao de género).** Os fenémenos aparecem 4 luz da teoria, que os ordena em processos abrangentes ¢ os torna compreensiveis, a partir desses processos, justamente nao apenas como “um” caso, mas “um caso particular’. Assim, por exemplo, 0 imperialismo alemao pode ser caracterizado com a particularidade do “atraso”, quando se recorre a interpretagdes tedricas da época e de seu desenvolvimento. A teoria histérica n&o suprime a contingén- cia dos processos que interpreta, mas a destaca ¢ ihe da visibilidade, ao indicar com a maior precisdo possivel a conjuncao de circunstan- cias, sob as quais as mudangas estudadas ganharam perfil préprio. Seu desempenho especifico, seu ganho argumentativo com relagdo a descriciio de senso comum das mudangas, reside no fato de ser ela que elabora os recursos conccituais, com os quais (a) se caracteriza cur precisdo as respectivas conjungdes determinamtes, (b) se cons- tata sua natureza no processo temporal abrangente e sua relagao com outros fendmenos (semelhantes) do mesmo periodo, e (c) se identifi- ca os fatores decisivos nelas atuantes. Como € que isso acontece? O processo em questdo, que S entre t, et, se modificou de F em H, é projetado para o plano do conheci- mento tedrico acerca de mudangas de mesmo tipo (ou semelhante) e do mesmo periodo. Trata-se entdo nao mais deste S particular, mas de um estado de coisas do tipo de S (por exemplo, socieda- des com uma determinada estrutura socioeconémica, constituigdes de um determinado tipo), em fungao do que F e H aparecem sob o Angulo de caracteristicas estruturais. Essas determinagdes nao abstraem do tempo de que se esta tratando, mas esse proprio tem- Po passa a ser caracterizado genericamente no ambito de teorias telativas ao desenvolvimento e 4 época. Nesse plano tedrico, Get, (na forma de um contexto complexo de desenvolvimento), passam a valer como perspectivas aplicaveis ao empirico. Eles esclarecem os dados das fontes de tal forma que a pergunta por que S, entre t, *M. Weber, Gesammelte Aufsdtze zur Wissenschafislehre (4), p. 20 ss. 80 Jorn Rusen et, Se modifica de F em H, pode ser respondida com preciso, com conceitos construidos teoricamente e comprovaveis, em um proces- so de argumentacdo, construido para esse fim e controlavel. Essa teorizagao de uma argumentagao histérica pode ser ca- racterizada ainda da seguinte maneira: analise-se um episédio da tealidade histrica, o periodo entre t, € t, ¢ a modificagao de 8, de F em H. Essa realidade 6, em primeiro lugar, processada teorica- mente ou dissecada analiticamente em sua possibilidade objetiva. Pensa-se, com isso, na formulagio de uma perspectiva tedrica, com a qual a realidade estudada deve ser focalizada. Trata-se da possibi- lidade, buscada pelo historiador por forga do sistema de universais da antropologia histérica teérica, de especificar e aprofundar o co- nhecimento disponivel sobre a realidade estudada em sua relacaa com a experiéncia. Esse conhecimento é tornado “objetivo” por essa relagio com a experiéncia e pela referéncia ao presente operada pelo emprego dos “universais”. E com essa perspectiva que so processadas as informagoes das fontes, naturalmente de maneira hipotética e interrogativa, e ndo com a pretensiio de ter tudo resolvido. Junto com essas informagées, os pontos de vista ¢ as interpretagdes, dissecados tedrica e analitica- mente, séo integrados na unidade consistente, argumentativamente coerente, de uma hist6ria. Nessa passagem da possibilidade objetiva para a realidade histérica, a particularidade do complexo G, em t, fica clara — e de forma mais profunda e diferenciada do que ocorre- ria sem essa lente tedrica. Individualidade histérica e uso de teorias nado esto em contradi¢ao — conforme quer o preconceito de muitos historiadores acerca da teoria da hist6ria; pelo contrario, fomentam- se mutuamente. E possivel deixar de lado o passo que o conhecimento histérico da em diregao 4 dimensao da possibilidade objetiva, indo além da aparéncia da realidade a ser conhecida, tal como esta nas fontes. Ex- por-se-ia com isso, contudo, o estatuto ¢ a fungéo das teorias histd- ricas a sérios mal-entendidos. Isso é possibilitado de duas maneiras opostas, nas quais se espelha e aborda o confronto constante entre as concepgées da ciéncia da histéria “burguesa” e “marxista”: por um lado, ao conceber (como Max Weber) teorias histéricas (complexes Reconstrucdo do passado 81 de tipos ideais) como meros construtos mentais, rigorosamente dis- tintos da historia real, ou entéo, por outro lado, ao considerar (como no marxismo-leninismo ortodoxo) as teorias histéricas como 0 local do pensamento histérico, no qual se conhece a verdadeira esséncia das mudangas histéricas, de que os dados empiricos das fontes se- riam meras “manifestagdes”. As duas posigées representam posigées unilaterais equivocadas acerca de percepgdes corretas. A primeira vé nas teorias historicas apenas construtos subjetivos, acentua o seu carater apenas hipotético e a mantém, assim, aberta as experiéncias, embora tenda a superes- timar ou subestimar o carater “objetivo” de conhecimento histérico tedrico, de que esta revestido por referir-se 4 experiéncia concreta da vida. Ha nisso 0 risco de, por excesso de subjetividade, o pensamen- to histérico diminuir as chances de apreender a experiéncia histérica mediante sua elaboragdo teérica. A segunda vé nas teorias histéricas apenas o reflexo de estados de coisas objetivos ¢ acentua esse carater Objetivo de tal forma, que seu carater hipottico é negligenciado ou subestimado. Por excesso de objetividade em seu arcabouco teérico, ela expée o pensamento histérico ao risco se fechar ds experiéncias histéricas. Essas posturas unilaterais deve ser superadas pela mediagao entre subjetividade e objetividade na formagao histérica da teoria histérica. Isso sé é possivel, quando se leva em conta que a referén- cia das teorias histéricas 4 experiéncia é mediada pela vida concre- ta. As teorias histéricas s6 se vinculam 4 experiéncia pelo “atatho” tomado pelos universais da antropologia histérica te6rica para re- lacionar-se ao presente vivo, 4 vida pratica atual e as experiéncias ¢€ intengdes predominantes de quem pensa historicamente. O inte- ressado em investigar as fontes hist6ricas trabalha com base nes- sa referéncia original (orientada por normas) 4 experiéncia. Nessa teferéncia originaria da teoria de toda a histéria possivel 4 presenga viva do historiador ¢ de seu publico — na qual a possibilidade da hist6ria se toma “objetiva” (e a universalidade da apreensao tedrica a0 se concretizar, se fragmenta) referéncia originaria 4 experiéncia —, a subjetividade e a objetividade do pensamento histérico no se con- trapSem. Sao interdependentes: ¢ a objetividade da vida pritica, que 82 Jorn Rusen sem sujeito pratico (homens que agem e sofrem) nao seria nada, ¢ é a subjetividade desse sujeito, sem cuja objetivacio na vida pra- tica, ficaria fora do mundo e jamais se poderia individualizar na consciéncia histérica (desenvolver uma identidade densa). Nao se trata, pois, de o referencial de experiéncias das teorias histéricas consistir exclusivamente do trabalho com as fontes, ou de teorias serem “meras” suposigées, que seriam ou confirmadas pe- las fontes, e assim consolidadas como saber histérico “sdlido”, ou rejeitadas e em seguida abandonadas. Na histéria da ciéncia é fato incontroverso que as teorias histéricas nao sdo refutadas pela mera Teferéncia a fontes que se contradigam: em geral, elas se mantém, adaptando-se as novas circunstancias (reinterpretagaio, mudanga de avaliacdo e até omiss4o). Isso decorre de sua relagéo com as in- formagées das fontes ser intermediada pela referéncia 4 experién- cia da vida. A wiltima instancia para a plausibilidade empirica de uma teoria historica é sua funcdo de orientacdo da vida pratica {empirica) do historiador e dos destinatarios e receptores de suas historias, As teorias histéricas n3o so recipientes vazios de pensa- mento, que se véio enchendo com a Agua das fontes; sio antes como esponjas imidas, que absorvem a Agua das fontes muito melhor do que se estivessem completamente secas. Falando trivialmente: elas trazem consigo o saber prévio em forma de uma teoria altamente sofisticada, sem que se saiba precisamente o que se quer buscar nas fontes. E isto que J, Kocka enfatizou, ao definir as teorias histéricas da seguinte maneira: trata-se de “sistemas explicitos ¢ consistentes de conceitos e categorias, que servem para apreender e explicar de- terminados fenémenos ¢ fontes histéricas, mas que nfio podem ser derivados inteiramente dessas fontes”.*° Quais as fung6es das teorias historicas no processo cognitivo da ciéncia da histéria? J4 foi mencionado que o carter argumentativo da narrativa histérica pode ser reforgado com elas. Essa fungao basi- ca se efetiva nos diferentes campos do processo cognitive da ciéncia da historia de diversas maneiras. Gostaria de caracterizar essa diver- sidade a seguir, de modo resumido, baseando-me nas determinagées \Kocka, Theorien in der Sozial- und Gesellschaftsgeschichte (8), p. 9. Reconstrucao do passado 83 funcionais de J. Kocka.** Parto do pressuposto de que nem todas as funcdes listadas séo exercidas por toda e qualquer teoria. Prefiro afirmar justamente 0 oposto: que as diferengas funcionais podem ser utilizadas para a demarcacdo dos tipos de teorias. 1. As teorias histéricas assumem, no processo cognitivo da ciéncia da historia, uma funcdo explicativa. Com elas podem ser enun- ciados argumentativamente as premissas de cada uma das inves- tigagSes, 0 questionamento dominante contido em sua referéncia ao presente, seu valor relativo ¢ sua fungao nos contextos abran- gentes do conhecimento histérico, assim como as orientacdes que delas se podem esperar. As teorias histéricas tém significado explicativo especifico ao fundamentarem os pontos de vista de acordo com os quais se decide o que tem ou no importancia no manejo das fontes. Um bom exemplo para a fungao explicativa das teorias his- téricas s¥o as teorias do fascismo (cujo resultado empirico, toda- via, suscita vigorosas controvérsias)*” No entanto, elas tém a vantagem de pér em evidéncia as premissas politicas e os critérios correlatos de valoragao implici- tos em toda tentativa de interpretagao do fascismo. Os opositores 4 teorizacdo preconizam o minimalismo normativo e, com isso, omitem a discussio de suas prernissas normativas. 2. No processo cognitivo da ciéncia da historia, as teorias histéricas exercem uma funcdo heuristica. Com elas, podem ser formula- das as quest6es que sao aplicadas 4s fontes na forma elaborada de uma grade de hipdteses. Por forga de seu carater construtivo, elas permitem questionamentos particularmente precisos. Com essas teorias logra-se extrair das fontes, de modo aualiticamen- te mais diferenciado, os fatos — melhor do que seria possivel —, sem © questionamento orientado por elas, “puramente a partir das fontes”. Isso vale para todos os tipos de fatos histéricos, pois * Ibid., passim. . *" Exemplificando: W. Wipperman, Faschismustheorien. Zum Stand der gegen- wartigen Forschung. Damnsiadt, 1972. In: E, Noite (Ed.), Zheorien tiber den Fas- chisrmus. Kénigstein, 6. ed., 1984, 8a jdm Risen as informagées das fontes s6 so guindadas a condicdo de fato historico quando relacionadas significativamente com outros fatos. Essa relagao nao se encontra, como tal, nas fontes e re- sulta somente da apreensdo interpretativa a partir do presente. Tal apreensio é tanto mais precisa quanto mais estiver formatada teoricamente. Isso é cvidente pata todos os assim chamados fatos de ordem superior, ou seja, fatos obtidos artificialmente a partir das informacées das fontes mediante agregagao de dados dessas fontes sob orientac4o tedrica. De certa maneira esses fatos sio assim construidos pelo historiador. Encontrei um exemplo concreto na discussdo critica que Christian Meier faz da interpretacado de M. Gletzer da Repablica romana tardia (esse exemplo tem a vantagem de no pertencer ao campo da historia moderna, no qual a discusso teérica est tio adiantada, que 4s vezes ja parece ser tema especifico desse cam- po de pesquisa), Meier mustra como ¢ por que essa interprelagdo foi feita nao com uma “familiaridade com as fontes ¢ ao mes- mo tempo com o mundo nelas testemunhado”, mas por meio do construto abstrato de um “quadro de questées, cujos clementos foram, com efeito, obtidos das fontes, mas que por sua vez teria necessariamente de ir bem além do que esté testemunhado nas fontes”, com o que se alcanca o “distanciamento e 0 questiona- mento”, dos quais “se torna possivel e aparece como necessdria uma investigacdo abrangente da estrutura politico-social”.* 3. As teorias histéricas exercem, no processo cognitivo da ciéncia da histéria, uma funcdo descritiva. Elas reforgam os elementos construtivos, refinando assim o rigor distintivo dos conceitos ¢ 0 alcance das definigdes explicitas, das distingdes analiticas e das sinteses diferenciadas a estas correspondentes. Assim, por exemplo, com base em periodizag6es construidas teoricamente, é °* Chr. Meier, A contribuigdo de Matthias Gelzer para o conhecimento da estrutura da sociedad ¢ da politica na repiblica romana tardia. In: J. Bleicken/Chr, Meier! HL Strasburger, Matthias Gelzer und die Romische Geschichte, Kallmiinz, 1977, p. 29-56, cit. p. 52. Reconstrugao do passado 85 possivel definir com preciso a relevancia dos fenémenos histé- ricos como etapas de desenvolvimento, vale dizer: a marca hist6- Tica dos estados de coisas. No esquema da explica¢ao histérica, isso Se expressa assim: as propriedades F, G e H do sistema S podem ser atribuidas descritivamente com maior preciso aos tempos t,, t, ¢ t,. A titulo de cxemplo das vantagens descritivas das teorias histéricas, remeto a tipologia da legitimagae do poder de Max Weber (que pode ser interpretada e utilizada como teoria histérica). Os fatos complexos da legitimago do poder, no cam- po de interse¢do entre poder e cultura, podem ser elucidados com ela, sendo iguaimente possivel caracterizar sua particularidade histérica melhor do que se conseguiria sem 0 recurso a uma tipo- logia explicita. Digo o mesmo de uma tipologia narrativa, com a qual se pode caracterizar, no processo histérico, as diversas for- mas da historiografia.” 4. As teorias histéricas exercem, no processo cognitivo da cién- cia da historia, uma fungde de perivdizuvao. Essa fungao deve ser considerada apenas parcialmente como um tipo préprio da fungdo descritiva. A razio para isso est4 na circunstancia de que toda descrigdo da especificidade temporal dos fenémenos histé- ricos requer periodizagdes prévias. Em qualquer periodiza¢ao, contudo, estio embutidas teorias histéricas. A controlabilidade e a aplicago das periodizacées esto positivamente correlacio- nadas com o alcance de sua explicag&o teérica. Assim, as tipolo- gias dos processos temporais admitem periodizagées relativas a contetidos particulares, e por isso sio melhores do que todas as meras diferenciagdes cronolégicas (algo simplistas) de processos temporais. Com as categorias tedricas dos processos evolutivos & possivel também constatar ¢ tomar cmpiricamente plausiveis, em processos complexos, atribuigdes a contra-tempo (anticronias e diacronias). ® Assim, por exemplo, B. H. White (nota 35) trabalha tipologicamente em suas pesquisas com a historiografia do século XIX; cf. J. Ritsen, Die vier Typen des historischen Erzahleas. In: Lutz/Koselleck/Riisen (Ed.), Formen der Geschichtss- chreibung (3), p. 514-605; do mesmo autor: Yon der Aufkldrung zum Historismus. Idealtypische Perspektiven eines Strukturwandels (aota 5, Introdugao). 56 Jorn Riisen 5. As teorias histéricas exercem, no processo cognitivo da ciéncia da historia, uma fimeao explanatéria. Elas organizam (no esque- ma da explicagAo narrativa) 0 passo de t, para t,, no qual acontece Gcom §, de modo que § se muda de F em H. Elas “cobrem” essa mudanga na medida em que caracterizam seus fatores essenciais ¢ sua relagao sincrénica ¢ diacrénica como articulados estrutural- mente num tempo proprio. Poder-se-ia falar de uma “lei abran- gente” (covering law), no sentido da teoria analitica da ciéncia, © ver, nas teorias historicas, um saber especificamente histérico legaliforme, se falar de “leis” niio estivesse tio sujeito a mal-en- tendidos e, em vista do mundo histérico do homem, tio carrega- do ideologicamente (com a conseqiléncia fatal de ver a histéria como: algo que pode ser produzido por meio do conhecimento de leis historicas). As teorias histéricas tm em comum com leis, no sentido do esquema da explicacio nomolégica, o indicarem os Contextos gerais que conduzem de F a H, no periodo de tempo f, até t, passando por G no tempo t, Na linguagem cozrente dos historiadores, costuma-se chamar isso uma “tendéncia evolutiva” ou algo parecido. Sentengas desse tipo designam processos de um modo genérico no qual o estado de coisas histérico, estudado a cada ‘vez, sé enquadra (junto com outros possiveis) ¢ passa a ser considerado, assim, uma coneretizagao particular do geral. Nessa medida, pode-se falar, em analogia formal com a explana- 40 nomoldgieca, de tcorias histéricas como um saber referente a tegularidades historicas legaliformes. Tal no se aplica, contudo, quando se tratar de meras indicagdes vagas, pré-tedricas, de ten- déncias. Aplica-se somente quando se tratar de sentengas com- plexas e diferenciadas, has quais tanto se distinguem, sincrénica € anacronicamente, os fatores que formam 2 tendéncia quanto se evidenciam suas relapdes estruturais © funcionais, A analogia tem, porem, limites estritos, que se encontram no cardter narra- tivo do saber tedrico, na sua fungio Propria de ser o fio condu- tor explicito ou o construto de constituicdo narrativa de sentido uma narragio histérica, uma historia. Distinguir rigorosamente as regularidades histéricas das que so utilizadas nas explicagdes “Cf. sobretudo Kocka, Sozialgeschichte (13), p. 100. Reconstrugiio do passado 87 nomoldgicas acarreta duas conseqiléncias: nao é possivel usa-las para fazer progndsticos, ¢ elas servem apenas para tomar cog- noscivel a singularidade propria ao explanandum histérico. Elas subsumem processos concretos (mudangas temporais) a repre- sentagdes gerais (em forma de teoria), com o fito de utilizar tais representagdes para realcar a singularidade dos processes. 6. As teorias histéricas exercem também, pois, no processo cog- nitivo da ciéncia da histéria, uma jiuncdo individualizante. Re- firo-me, com essa expressio, a filosofia da historia ¢ 4 teoria do conhecimento tradicionais, que distinguem com rigor o “proce- dimento individualizante”, como especificamente histérico (ou préprio as ciéncias da cultura), do “procedimento generalizan- te” das ciéncias naturais.©' Essa distincao dificilmente permite reconhecer a natureza e a fun¢do das teorias historicas, mesmo que elas sejam generalizacdes destinadas a garantir uma indivi- dualiza¢ao precisa, controlavel formal ¢ materialmente. Trata-se do passo do pensamento histérico, que vai da realidade concreta das mudancas temporais a serem explicadas historicamente 4 sua possibilidade objetiva, de modo a tornar cognoscivel essa reali- dade, diferenciadamente e na dimens&o profunda de sua especifi- cidade temporal. Essa fungiio individualizante de uma explicagio narrativa orientada pela teoria consiste em que somente com ela se pode esclarecer a especificidade temporal do processo a ser explicado. As teorias histéricas nao abstraem da singularidade dos processos temporais, de seu marco epocal, para investigar as estruturas desses processos — isso acontece na dimensiio da antro- pologia histérica teérica, aqui pressuposta. Elas tomam ¢ss¢ mar- co visivel ao formularem as determinacgdes gerais por meio das quais um estado de coisas hist6rico pode ser situado no processo temporal. Para poder “explicar”, por exemplo, a caga as bruxas no século XVI como um fenémeno medieval tardio ou como mo- demo precoce (ou seja, a partir de uma determinada constelagio temporal epocal) so necessdrias sentengas gerais acerca do que “ Assim, por excmplo, H. Rickert, Individualisierende Methode und historische Wertbezichung, In: Baumgartner/Riisen (Ed.), Seminar: Geschichte und Theorie (Q).p. 253273 88 Jorn Risen valha como Idade Média tardia ou como Idade Moderna preco- ce. Tais sentencas ocorrem no d4mbito de um saber, em forma de teoria, acerca dos processos temporais da histéria curopéia, que “abrangem” ou “cobrem” inimeros fendmenos histéricos e suas diversas interdependéncias, A grande diversidade dos fendmenos ¢ superada, abstrativamente, pela teoria, mas ndo escamoteada em mera listagem exemplificadora de um processo geral. Essa diversidade é distinguida analiticamente, com precisio, mediante © saber tedrico (por exemplo, com respeito a uma periodizagao de processos no apenas cronolégica, mas materialmente especi- ficada). Torna-se assim patente a diversidade do tempo em seus contextos concretos, sincrénicos e diacrénicos. 7. As teorias historicas exercem, no processo cognitivo da ciéncia da histéria uma fiunedo comparativa. Esta fung4o decorre, por via de conseqiiéncia, da generalizagio explicativa da especifi- cidade temporal descrita acima. O saber teorico assim obtido funciona como pano de fundo da comparacio histérica. Evi- dencia-se por seu intermédio 0 que tém em comum evolucdes diversas no contexto de uma tendéncia epocal (por exemplo, a industrializagao inglesa e a alema). Quanto mais os elementos comuns forem cnunciados teoricamente (no sentido de concei- tualmente mais diferenciados e complexos) tanto mais se pode indicar com maior clareza e precisdo as particularidades ¢ difc- rencas dos respectivos processos, Um exemplo dessa compara- ¢4o orientada teoricamente na historiografia contemporinea é 0 debate sobre o “capitatismo organizado”. Mas no sé compa- tages dentro da mesma época dio resultados com a ajuda das teorias histdricas. Elas sio muito proveitosas especialmente as comparagdes entre épocas distintas, nas quais se destaca a indo- le de periodos de tempo diversos (por exemplo, a Antiguidade e a Idade Moderna), seja para, por recurso a uma época, compre- ender melhor fenémenos de outra,® seja para poder determinar “Ct HA. Winkler (Ed), Organisierter Kapitalisnmus. Voraussetzungen und An- flinge, Govingen, 1974. A titulo de excmplo, ver W, Nippel, Mischverfassungstheorie und Verfassungs- vealitét in Antike und frither Neuzeit, Stuugart, 1980. Reconstrugao do passado 89 de todo a caracteristica de grandes épocas. Tais comparagdes sio impossiveis sem os parametros de uma teoria abrangente dos diversos processos. Q mesmo vale para todas as tentativas de uma periodizac4o intracultural: nelas, a teorizagao objetiva — indispensdvel — alcanga a dimensio das representagGes gerais do processo temporal, para ver de que forma elas estiio presentes nos fundamentos das teorias historicas. 8. As teorias histéricas exercem uma funcdo diferenciadora no processo do cognitivo da ciéncia da histéria. Por meio da and- lise sincrénica e diacrénica dos fatores de processos temporais especificos, as teorias histéricas delimitam objetos especiais de investigacdo e dirigem a atengde da pesquisa empirica para a in- terdependéncia complexa entre eles. A teoria da modemizagao, por exemplo, diferencia as diversas dimensées da modernizacio (econdmica, politica, cultural) e caracteriza as ocorréncias prd- ptias a cada dimensfo que podem torar-se objeto de pesquisas proprias, ¢ a respecliva interdepeudéucia. A viséu do todo ganha em acuidade quando o conjunto é distinguido dos contextos com- plexos que o compdem. O desempenho abstrativo da teorizagao niio deve, no processo cognitivo histérico, reduzir a complexida- de dos dados empiricos, nem a substituir por representagées uni- laterais ou monocausais. Pelo contrario, deve deixa-la aparecer, gera-la mesmo. 9. As teorias histéricas exercem, também, no processo cognitive da ciéncia da histéria, uma fungdo critica, Isso quer dizer que, quando a pesquisa empirica se realiza no 4mbito de um quadro de referéncias explicitamente tedrico, é possivel evidenciar even- tuais lacunas na pesquisa, sob dois pontos de vista. Por um lado, o contraponto cntre tcoria ¢ empiria pode indicar com precisio onde faltam dados das fontes para sustentar ou para concretizar as perspectivas tedricas. Por outro, pode indicar que dados das fontes nao estejam suficientemente cobertos pela teoria (exphi- cados), Em ambos os casos tem-se ocasifio para novas investiga- goes produtivas. 10.Finalmente, nao se deve omitir que as teorias historicas podem exercer uma funcio didatica sempre que conhecimentos historicos, 90 Jorn Rasen obtidos pela pesquisa, siio utilizados para orientagao pratica. Elas permitem proceder, com pertinéncia empirica, as simplificagdes do saber histérico, que em determinadas situagées didaticas (por exemplo, nas escolas) sao inevitaveis. Elas poem explicitamente a disposicao os critérios que definem a relevancia de informagdes histéricas particulares para o conhecimento dos respectivos esta- dos de coisas estudados, ¢ permitem que se possa decidir o que seja uma simplificacdo equivocada ou uma simplificacdo “essen- cialista”. Todas essas fungdes naturalmente néo devem fomentar a im- pressao ilusdéria de que as teorias histéricas séio apenas construtos de narrativas ¢ ndo sejam elas mesmas narrativas. Elas fommecem a estrutura da argumentacao, o esqueleto da constituigdo narrativa de sentido, mas nao apresentam o préprio sentido construido nar- tativamente, como se ndo importasse o preenchimento da estrutu- ta, a “musculatura” cmpirica. Delo contrario: as teorias histéricas apresentam, em sua referéncia (narrativa) 4 experiéncia histérica, apenas pré-esbocos de caracterizagao da especifidade histérica dos estados de coisas estudados. A caracterizago propriamente dita so ocorre com 0 preenchimento empirico ¢ com a concretizacéo das perspectivas tedricas. Com isso, as teorias (quando sdo construfdas corretamente, isto é, abertas 4 experiéncia) nao sao depreciadas, mas apenas modificadas de acordo com a experiéncia. A narrativa histérica ¢ sempre mais do que a mera fabricag3o de construtos tedricos. Embora estes sirvam para reforgar ¢ realizar o potencial argumentativo da narrativa histérica como seu potencial racional, sentido de uma historia nfo se esgota no seu construto narrativo tebrico. Este sentido se efetiva sempre que, nas narrativas histori- cas, os fatos apresentados falam por si proprios, para além de sua posi¢do relativa no construto significative da teoria, ao tempo em que assumem vida narrativa propria e concretizam o sentido que a teoria lhes atribui. (Assim, por exemplo, quando, numa inves- tigagao histérica do holocausto, depois da utilizagao de todos os Tecursos tedricos dispon{veis com respeito ao sentido histérico que estd sendo questionado, afirma-se: “Os mortos estéo em poder de Reconstrucao do passado 91 um segredo que nds, Os vivos, nao somos nem dignos nem capazes de alcancar”.* Esse superavit de sentido dos fatos para além da explicacao argumentativo-tedrica do seu contexto significative é, ao mesmo tempo, 0 aspecto “selvagem” da constituig&o narrativa de sentido. E uma fonte importante da compreensao histérica, que nao deve ser esterilizada pela racionalizagao cientifica da constituicdo histérica de sentido e — numa construcao correta — nem o pode ser, tendo em vista o carater hipotético e abstrato das teorias historicas. A intui- ¢4o produtiva como fonte do progresso do conhecimento deveria ser possivel, no processo da constituico narrativa ¢ cientifica de sen- tido, também quando nio se elaboram teorias, mas os fatos geram um superavit de questées ou de sentido em relacao 4 teoria. O li- mite da cientificizagZo na fabricagdo argumentativa de perspectivas orientadoras que déem sentido ao passado dos homens ¢ 0 limite de sua teoriza¢ao. Tornar consciente esse limite por meio da metateo- ria da historia pode ter como resultado que ela se manienha aberta de forma produtiva (para ambos os lados). Isso quer dizer que as teorias continuam problematizAveis, sem se dogmatizar, ¢ que, por outro Jado, a competéncia dos historiadores profissionais continua a depender estritamente do meio da comunicagdo argumentativa ¢ nao pode abandonar, descontroladamente, o rigor do pensamento, escapando para os encantos atraentes das aparéncias agradaveis. Conceitos histéricos Conceitos histéricos so os recursos lingilisticos das sentencas historicas. E 0 material com que sao construidas as teorias histéricas € constituem o mais importante instrumento lingilistico do historia- dor. Sua formagao e utilizagdo decidem se e como o pensamento histérico cientifico se realiza. Por meio, de sua utilizagdo no man¢jo “Elie Wiesel, Trivializing the Holocaust: semi-fact and semi-fiction, The New York Times, 16/4/1978, cit. por W. van Kampen, Holocaust. Materialien zu einer amerikanischen Fernsehserie itber die Judenverfolgung im “Dritten Reich”, Dis- seldorf, 1978, p. 14. 92 Jorn Risen interpretativo das fontes decide-se também, portanto, o valor das teorias histéricas. Por isso, pode-se considerar e resolver a polémica acerca da utilidade e da vantagem de teorias para o pensamento his- torico, também uma polémica acerca da natureza, formagao e apli- cago de conceitos histéricos. Para se entender melhor o que os conceitos histéricos repre- sentam e significam no processo cognitivo da ciéncia da histéria, cabe distinguir entre nomes prdprios e categorias histéricas (08 materiais da apreensio teérica do todo da historia). Antes de mais nada, é necessario distinguir os conceitos historicos dos nao-his- toricos, porque ambos ocorrem sempre juntos no uso corrente da linguagem do conhecimento histérico e nunca sao distinguidos um do outro com clareza. Os conceitos sio “histéricos” quando na designacao dos estados de coisas se referem 4 “historia” como a supra-sumo do que esta sendo designado. Vale dizer: exprimem, ex- plicita ou implicitamente, a qualidade temporal de estados de coisas do passadv humany, qualidade que esses estados de coisas possuem numa determinada relagao de sentido e significado com o presente e o futuro. Os conceitos nfo sio histéricos porque se referem ao passado, mas porque lidam com a relagao intrinseca que existe, no quadro de orientagdo da vida pratica presente, entre a lembranga do passado e a expectativa do futuro. Muitos conceitos da linguagem dos historiadores nao sio especificamente historicos (por exemplo, “economia”, “trabalho”, “constituigaio”, “camponés”, “cidade”). Max Weber denominou-os “conceitos-géneros”. Eles designam, nos estados de coisas, complexos de qualidades que eles tem em comum com outros estados de coisas, independentemente de sua relevincia nos processos temporais. Assim que essa relevancia é (co-}designada (por exemplo, “economia da Antiguidade tardia”, “trabalho” como forma abstrata de vida nas sociedades modernas,* “institucionalizagéo constitucional” como o modelo de constitui- ¢40 do século XIX, “camponés” no sistema de serviddo da Idade Média, “cidade” como “polis antiga”), temos conceitos histéricos. SCE. K. Marx, Grundrisse der Kritit der politischen Okonomie, Berlin [RDA], 1953, p. 24. Reconstrucao do passado 93 Max Weber deu-lhes o nome de “tipos ideais”. Eles designam, nos estados de coisas, complexos de qualidades cuja relevancia (junta- mente com outros estados de coisas) transparece nas mudancas tem- porais do homem e de seu mundo, tematizadas como “historia”. Nomes préprios (por exemplo, Napoledo It, Prassia, Roma, o Partido Progressista, a Constituic&o outorgada de 5 de dezembro de 1848) esto aquém dessa distingao. Designam estados de coisas do passado em sua ocorréncia singular; referem-se a eles diretamente, sem precisar sua relevancia histérica propria no contexto do pro- cesso temporal em que ocorreram. Na maioria das vezes trata-se de designagSes lingitisticas que j4 vém do estados de coisas nas fontes; no entanto, esses estados de coisas podem receber o nome mais tar- de, pelos historiadores (quando s4o apreendidos, por exemplo, nas fontes, sem terem sido referidos diretamente). Categorias historicas (por exemplo, continuidade, progresso, desenvolvimento, revolucdo, evolugdo, época) designam contextos temporais gerais de estados de cuisas, com base nus quais estes apa- recem como histéricos. Nao se referem diretamente a nenhum estado de coisas, mas estabelecem a qualidade historica da mudanga tempo- tal dos estados de coisas. Na maioria dos casos, essa qualidade nao € conferida aos estados de coisas pelas fontes, mas ¢-lhes atribuida pela atividade cognitiva dos historiadores — decerto mediada pela relevdncia que possuem na tradic&o de que depende toda atividade interpretativa da ciéncia da histéria como condig&o de sua possibi- lidade.* As categorias histéricas nao sio simplesmente sobrepos- tas as informagées das fontes designadas por nomes préprios, nem lhes sdo exteriores: elas sfo, isso sim, previamente dadas, na forma da tradigdo, juntamente com os estados de coisas do passado mais importantes para a vida pratica atual. Elas est4o contidas em todas as orientagées temporais, nas quais a vida pratica precede qualquer atividade de orientagdo consciente e explicita. Em contrapartida, no processo cognitive histérico efetuado de modo cientifico (especiali- zado), os estados de coisas (enquanto informagdées das fontes) sao ti- tados de seus contextos originais (tradicionais) de sentido e isolados “CEL, 73 ss., 1, 81 ss. [ed. bras.]. 94 Jorn Risen como fates verificaveis; a tradi¢do é artificialmente transformada em resquicio,” com o que os modelos categoriais de interpretacfo sao liberados da atividade cognitiva da formagao de teorias.* Conceitos historicos (pot exemplo: mercantilismo, bonapartis- mo, pietismo, reforma, Estado absolutista, cidade medieval, pélis an- tiga), designam nos estados de coisas referidos por nomes préprios, as qualidades histéricas pré-esbogadas pelas categorias histéricas. Ao mesmo tempo, projetam a luz da interpretagao histérica, que as categorias histéricas langam de forma difusa sobre o conjunto da experiéncia historica (portanto, sobre todos os possiveis estados de coisas histéricos), sobre estados de coisas singulares da experiéncia histérica ¢ os considera como fatos histéricos. Conceitos histéricos sao o recurso lingitistico que aplicam perspectivas de interpretagao histérica a fatos concretos e exprimem sua especificidade tempo- ral. Designam, pois, a relevancia que os estados de coisas referidos possuem, no contexto temporal, em conjunto com outros estados de coisas, ¢ que udu sau designades por numes proprios. Conceitos histéricos mediam categorias e nomes préprios. Eles introduzem a realidade temporal dos estados de coisas designados por nomes pré- prios no contexte de sentido designado pelas categorias. Em relagaio as categorias histéricas, eles possuem uma fungao particularizante e, em relagdo aos nomes préprios, uma fungao generalizante. Eles fazem com que interpretagées histéricas gerais “convirjam” com a comprovagiio de fatos reais. Ambas fungées, tomadas em conjun- to, resultam na fungao de concretizagao histérica, (Na linguagem corrente tende-se a chamar de “concreto” aquilo que tem nome prd- prio, No pensamento histérico, todavia, essas designacdes por nome proprio so abstratas, porque nelas se abstrai da qualidade temporal histérica do designado.) Ha controvérsia sobre como se deve efetivar 0 status dos con- ceitos histéricos de mediadores entre as categorias e os nomes proprios na pritica cognitiva da ciéncia da histéria. Essa polémica © para mais detalhes, ver adiante, p. 121 s. “Tem-se um exemplo da elaborago de uma categoria historica em Chr. Meier, Fragen und Thesen zu einer Theorie historischer Prozesse. In; Faber/Mcier (Ed.), Historische Prozesse, (3), p. 11-66. Reconstrugae do passado 95 envolve a questio de como se produz da melhor maneira a referén- cia temporal histérica dos estados de coisas, mediante os conccitos histéricos. Essa referéncia temporal é um contexto complexo. Por um lado, contém a relagHo do pensamento histérico ao passado, mediante a qual se enuncia o que os estados de coisas realmente foram (ou— para empregar a conhecida expressio de Ranke — como aconteceu ao certo). Por outro lado, contém a relagéo do pensa- mento histérico ao presente e ao futuro, mediante a qual se enuncia © que os estados de coisas do passado realmente significam para a orientacdo temporal da vida pratica presente voltada para o futuro (também isso se pode exprimir por uma expressdo de Ranke — como aconteceu ao certo). Os dois componentes encontram-se numa Telag4o de tensdo, na qual a tens3o entre recordag%o e expectativa gera o tempo como fa- tor particular da vida humana pratica, como determinante intencio- nal da aco humana. Essa tenso atinge a pratica cognitiva histérica exatamente quando ela se organiza, lingdistivauente, com conccites historicos. E nessa atividade que ela deve ser dominada, aproveitada e inserida na produtividade da pratica cognitiva. Pode acontecer que se chegue ao extremo do objetivismo ou do subjetivismo, analoga- mente a determinago de “histéria” como conteddo da consciéncia histérica humana. O objetivismo da formagio histérica dos conceitos pressupde que a qualificacdo histérica do passado humano a set conhecida deve ser encontrada, em Ultima instancia, nas fontes que manifestam, em- piricamente, o passado. Entdo também deveriam ser colhidos nas fontes os conceitos histéricos determinantes para a interpretacao his- torica das informagées das fontes. A formagao histérica dos conceitos & submetida 4 diretriz de se manter o mais préxima possivel da lin- guagem das fontes, assumindo, pois, um comportamento mimético em relagdo a linguagem das fontes. Isso requer, enfim, o preceito da objetividade do pensamento histérico. Somente assim se evitaria que o sistema conceitual da interpretagao atual do mundo seja trans- posto acriticamente para o passado, distorcendo, dessa maneira, 0 Cf. I, p. 67 ss. [ed. bras.]. 96 Jorn Rusen acesso lingilistico 4 especificidade de cada estado de coisas passa- do sob exame ¢ abreviando abusivamente a diferenca temporal entre outrora e hoje. Essa proximidade as fontes da linguagem conceitual interpretativa dos historiadores foi fortemente preconizada, por exem- plo, por O. Brunner, Ele exigia da histéria constitucional medieval “que a terminologia que emprega seja tomada o mais possivel das proprias fontes, de forma que o sentido dessas fontes possa ser inter- pretado corretamente com ajuda desses conceitos..."”" O subjetivismo da formacao histérica dos conceitos pressu- pée que o conhecimento da relevancia de um estado de coisas no processo temporal depende do significado desse estado de coisas para a orientagao temporal da vida pratica contemporanea. Por isso também os conceitos histéricos, mediante os quais 0 passado ganha seu significado histérico (para se tomar visivel como histéria), tém. de constituir-se a partir de pontos de vista que, em ultima insténcia originam-se nas caréncias de orientagiio do presente. A formagéo histérica dos conceitos fica submetida a diretriz de proceder cons- irutivamente, distanciando-se das fontes e obedecendo a pontos de vista claros na atribuicio da interpretagio. Somente assim seria pos- sivel comprovar o carater especificamente histérico de um estado de coisas passado, uma vez que ele resulta sempre post festum de uma constelagao temporal formada pelo estado de coisas com outros, an- teriores e posteriores. Como essa constelagao de forma alguma pode aparecer na linguagem das fontes, esta nio pode servir de instancia decisdria para os conceitos histéricos. 0. Brunner, Land und Herrschaft. Grundfragen der territorialen Verfassungsges- chichte Osterreichs im Mittelalter, Viens, 5. ed., 1965, p. 163. E recomendivel contudo ressaltar, contra o uso ingénuo desse conhecido argumento de Brunner, que ele proprio destaca na mesma passagem: “Nada mais falso do acreditar que o trabalho histérico pudesse prescindir dos conceitos modemos” id.). Fieca sem solugao, aqui (no plane da reflexto metatedrica, metodolégica), o problema de como a linguagem das fontes ¢ a linguagem dos conceitos modernos podem ser adequadamente unificadas numa linguagem prépria 4 interpretago histérica. ‘Trata-se do problema de uma constituigSa de sentido especificamente “historica”, que nao pode ser resolvide por uma simples historia dos conceitos, mas sim por uma historia dos conceitos rigorosamente problematizada. A historia de conceitos precisa de conceitos para seu proprio trabalho; estes no podem ser idénticos aos resultados das pesquisas em que sto utilizados. Reconstrugao de passado a7 Essa construtividade da linguagem conceitual histérica foi en- fatizada sobretude por Max Weber na sua teoria do tipo ideal. Segundo Weber, o tipo ideat como conceito histérico “é obtido por meio da ampliago de um ou mais pontos de vista e pela jungdo de certa massa de fendmenos particulares, difusos e distintos, aqui mais ali menos, por vezes nenhum, que se juntam aos pontos de vista res- saltados unilateralmente para formar um conjunto uniforme de idéias. Em sua pureza conceitual, esse conjunto de idéias nfo pode se en- contrado empiricamente em parte alguma da reatidade, ¢ uma utopia. Resulta para o trabalho histérico o encargo de, em cada caso parti- cular, verificar até que ponto a realidade estd perto ou longe daquela imagem ideal...””! Com seu caréter construtivo, os tipos ideais decifram a qualida- de histérica do estado de coisas que designam. Eles sao, portanto, conceitos construidos (na linguagom de Weber), conccitos gonéti- cos — ou, como se diria melhor hoje: conceitos narratives. Um tipo ideal é “uma construgao intelectual para a medida e a caracterizagao sistematica de contextos individuais, significativos em sua singu- Jaridade”.” Essa formulag&o nada mais diz que um tipo ideal é um conceito tedrico, que deve ser construido de maneira que seja possi- vel designar, com ele, a qualidade temporal que advém aos estados de coisas do passado, na medida em que devem ser pensados como histéricos. A oposicfo entre objetivismo ¢ subjetivismo na formagao his- térica dos conceitos nao é necessaria. Pode ser resolvida como a que diz respeito a toda compreensio da histéria.* O objetivismo, que faz depender o indice de pertinéncia dos conceitos histéricos de sua proximidade 4 linguagem da fonte, esta fundamentalmente equivocado ao atribuir historicidade diretamente 4 linguagem da fonte, ou seja, a capacidade de enunciar o que apresenta como um estado de coisas em sua qualidade temporal histérica especifica. 7M, Weber, Gesammelte Aufidize zur Wissenschafislehre (3); p. 191. 2 Pid., p. 201. BCE, p. 70s. 38 Jorn Risen 8 Essa é uma pretensao inadmissivel, Porque essa qualidade temporal ndo pode estar expressa nas fontes; ela depende de contextos ante- Tiores e posteriores que se encontram aquém ou além do horizonte de tempo das fontes. Nesse sentido, o construtivismo na formacio dos conceitos histéricos & cbjetivamente necessario. Na formagdo histérica dos conceitos é preciso transpor construtivamente a dis- l4ncia temporal do presente com relagéio ao objeto histérico, o que Bao é possivel com um “voltar a linguagem da fonte” simplista, A opinifio de que as fontes ja conteriam, em principio, a interpreta~ $80 histérica, de que a histéria jd estd escrita diretamente nas fon- tes, bastando apenas 1é-la— hermeneuticamente — & ingénua. Esta ingenuidade, evidentemente, nio pode ser criticada ¢ anulada em beneficio de outra, assegurando que a linguagem do presente é sufi- Ciente para formar historicamente os conceitos. A formagio histéri- ca de teorias, na qual os conceitos adquirem sua construtividade, seu Carter ideal-tipico, supera tanto uma como outra ingenuidade. E, entretantn, unilateral e enganoso que Weber caracterize tipo ideal como “utopia” e distinga a realidade historica de seu for- mato conceitual na linguagem dos historiadores. No entanto, esta Certo que os conceitos histéricos e a linguagem da fonte, na qual o Passado como conteiido da experiéncia é “real” {isto ¢, existe em- Piricamente como resquicio), so diferentes ¢ que ¢ dessa diferenga que efetivamente se constrdi (a partir das distncias temporais) o tra- balho de interpretagdo historica. No entanto, é também equivocade que se enfatize exclusivamente o carater subjetivo desse trabalho, Como se apenas o presente transpusesse suas préprias caracteristicas Pata o passado, pretendendo que as fontes nada mais seriam do que um invélucro para a interpretagao, que lhes é atribuida post festum. A realidade do passado como Tesquicio ¢ fundamentalmente Nesta concepeao se encontra uma grande parte do legado filoséfico do historicis- mo, como, por exemplo, na formulago de A. Boeckh de que a histéria seria o conhecimento do conhecide (Enzyklopddie und Methodlenlehre der philosophis- chen Wissenschaften, ed. por €. Bratuschek, Leipzig, 2, ed., 1886 [Nova edicko da primeira parte, Dannstadt, 1966}, p. 11). Acerca dessa teoria da historia, of, J. Risen, Asthetik und Geschichte. Geschichtstheoretische Untersuchungen num Begriincungszusammenhang von Kunst, Geselischaft und Wissenschaft, Stuttgart, 1976, p. 705. Reconstrugdo do passado 99 diferente da realidade que ela tem no 4mbito de orientagao da vida pratica atual, em que atua como tradig&o. A “ampliagaio” construti- va dos conceitos histéricos, enfatizada por Weber, consiste em que © trabalho cognitivo histérico esta, com efeito, vinculado 4 tradicao, mas é a0 mesmo tempo ultrapassado pela critica. O conteido expe- riencial das fontes é controlado metodicamente ao ser incorporado as perspectivas significativas do passado, nas quais este aparece como historia. “Utépicos” sao os tipos ideais quando nao aparecem em nenhum lugar na linguagem das fontes, tal como foram concebidos construtivamente. Isso nado quer dizer, todavia, que eles se situariam para além da experiéncia histérica, na terra de ninguém das, criagdes subjetivas de sentido. O trabalho de construgiio do historiador, no qual ele ultrapassa conscientemente a linguagem das fontes, € justa- mente orientado pela intencdo de designar o mais precisamente pos- sivel a qualidade histérica do que as fontes dizem sobre 0 passado. Por meio da “ampliagio dos pontos de vista” na formagao histérica dus vonveitos, destacam-se com procisio aquelas constelagSes tem porais de estados de coisas do passado que a linguagem das fontes nao tem como expressar. Trata-se da designacao conceitual daquilo que se poderia deno- minar de a esséncia histdrica de um estado de coisas (¢ este seria o verdadeiro sentido de “ideal” na expresso “tipo ideal”, ele formularia positivamente o que Weber abordou apenas negativamente como nao “real”, no sentido da realidade dos resquicios do passado). E o que é historicamente essencial nas manifestagdes do passado nas fontes (repetimos mais uma vez) nao aparece nelas mesmas, mas tem de ser obtido pelo questionamento construtivo, mediante a constitui- go histérica das teorias. Assim, os conceitos histéricos mantém-se, como construcées teéricas, relacionados com os fatos. Sua utilidade é medida pelo que se consegue extrair das fontes como historicamente essencial. A utilidade das construgdes conceituais ideal-tipicas depende CEL p. 7358. / / / “Em Weber isso aparece (gnosiologicamente de modo muito impreciso) como in- teresse fundamental do conhecimento de “patticipar da comunidade dos ‘homens da cultura™ (Wissenschaft als Beruf, Gesammelte Aufedtze zur Wissenschofis- lehre (4), p. 600). sempre de até que ponto elas conseguem esgotar a experiéncia his- torica. (E evidente que elas dependem ao mesmo tempo de normas que Ihe dao o sentido e que também decidem 0 que é essencial.) Mediante a conceituag&o construtiva, o passado é integrado as pers- pectivas nas quais desenvolve sua eficacia orientadora como histé- ria. Ou soja: é mais real, do que se existisse apenas como resquici ¢ fosse expresso na linguagem das fontes. mice Capitulo 2 Metodologia - as regras da pesquisa histérica Inteligéncia sem método ndo é menos prejudicial & ciéncia do que 0 método sem inteligéncia. E, Bernheim! “Método histérico” 6 um conceito equivoco.” Ele indica, de um Jado, o conjunto de todas as regras de procedimento observadas pelo pensamento histérico, quando procede cientificamente. Trata-se da tessitura das diretrizes que conduzem o pensamento histérico 4 pes- quisa empirica, a reflexdo sobre os pontos de partida ¢ 4 teorizagao, conferindo-lhe a dindmica do progresso cognitivo, da ampliagao das perspectivas ¢ do reforgo de identidade.* S40 as mesmas diretrizes da transformagiio do pensamente histérico em ciéncia, cientifizagao, cuja observancia permite diferenciar, racionalizar ¢ fundamentar re- flexivamente a matriz disciplinar.* O “método histérico” refere-se, de outro lado, em sentido estri- to, a operagdes especificas de conhecimento conhecidas como “pes- quisa histérica” e abrange suas regras basicas. E esse 0 conceito classico de método histérico, desenvolvido pela ciéncia da historia no processo de sua especializacdo e transformado em verdadeiro canone doutrinal. O conhecimento dessas regras e sua competén- cia para as empregar na pratica definiram e definem o historiador como especialista. Esse conceito do métedo, em comparazdo com 0 ' B Bernheim, Lehrbuch der historischen Methode (11), 5. ed., 6. ed., p. 103. 2 Para a historia de conceitos, cf. J. Risen / W. Schilze, Historische Methode (10). > Para detalhes cf. I, 100 ss. 4 Mais detalhes, ver p. 13 ss. Primeiro conceito, mais orientado para a teoria do conhecimento e da cigncia, esté muito mais perto da prética. Ele docurnenta a cons- tituigao especializada da ciéncia da historia (refletida pela teoria da historia) no seu todo. Nesse sentido mais estrito, mais perto da pra- tica, ele recobre uma parte da matriz disciplinar, E nessa parte que séo formulados os principios seguidos pelo pensamento histOrieo quando este coneretiza materialmente suas perspectivas orientado- Tas do passado humano, ao transformé-lo em histéria para os fins de orientagao no presente, mediante a investi igacdo empirica. : S&o as regras da garantia de validade empirica das histérias, por meio da pesquisa histérica, que inserem o pensamento histérico no movimento do progresso cognitivo. Também aqui estas regras devem (de acordo com a tradigao da teoria da histéria desde Droysen) ser chamadas de “método histé- rico”. Por essa razio, escolhi como titulo do capitulo a tradicional ‘Metodologia”. Ao contrario da metodologia epistemolégica, que reficte © conjunto de todos os principios metodolégicos da matriz disciptinar, aqui s6 se focaliza a técnica de pesquisa especializada ou, para ser mais exato, suas regras orientadoras. Ao contrario da tealio “a fora da histéria, todavia, hoje em dia essas Tegras nao mais definidas com tant i eo" nade ae ta clareza que se possa falar, sem mais, A situacdo no campo da reflexéo da teoria da historia é bas- tante confiusa (0 que em ultima andlise esté documentado pelo fato de que teorias abrangentes da ciéncia da historia nem abordam a questo do “método”).5 Na medida em que aumentaram, no desen- volvimento da especialidade, a diferenciagSo interna, o alcance ¢ a especializacao das técnicas de pesquisa, Pperdeu-se a conscién- cia de sua unidade, somente dentro da qua! faz sentido falar-se de ‘ método historic” em termos especializados. Quase jd nao existem investigacdes e apresentagdes dos contextos sistematicos das int- meras ¢ miltiplas técnicas da pesquisa histérica, em contraste com as variadas exposicdes dessas técnicas pelos profissionais de cada * Assim também em Faber, Theorie der Ge ; a reschichtswissenschaft, hiedes Geschichte als Wissenschaft (ver item 4 da bibliografia de eae justia) ° Reconstrugao do passado 103 campo especializado.* Tais exposigdes se somam para fornecer um panorama da prdtica atual de pesquisa. Nao formam, contudo, um conhecimento de principios transversais ¢ abrangentes, que defi- nam a pesquisa histérica como uma pratica cognitiva propria, Se, por um lado, as apresentagdes da tecnologia da pesquisa histérica sfo demasiado sumarias, nao revelando a floresta dessas pesquisas por detras das arvores da especializagao, por outro lado, as investi- gacdes gnosiolégicas ¢ epistemolégicas acerca da metodologia da ciéncia da histéria so demasiado amplas.’ Embora estas perguntem pelos principios regulativos transversais que constituem a historia como ciéncia, nao focalizam expressamente o sistema especial de regras que define “pesquisa” como campo préprio do conhecimento histérico. Por esse motivo, gostaria agora de tentar primeiramente iden- tificar esse sistema de regras, estratégico para a pesquisa histérica, sob o Angulo critico da unidade do método histérico. Parto dos re- sultados de uma tecnologia de pesquisa altamente desenvolvida e especializada da ciéncia da histéria ¢ vou tentar descobrir neles 0 que se pode considerar, transversalmente, como “historico”. Num segundo momento de minha argumentagao, tenciono ca- tacterizar este principio metédico transversal da pesquisa historica a partir de diversas operagdes, cuja unidade sistemitica constitui “o” método histérico. Essa diferenciag4o se situa tansversalmente em telagdo 4 que ocorre com 0 método histérico nas técnicas especiali- zadas de pesquisa. Ela busca tornar visiveis as operagdes do pensa- mento histérico ¢ as respectivas regras determinantes, que aparecem © Assim também em Le Goff / Nora (Ed.), Faire de I’histoire (13). Nota-se tam- béma falta, no manual de estilo enciclopédico de Le Goff / Chartier / Revel (Ed), La nouvelle histoire (13), de um verbete proprio para “método”. Assim também em Schwemmer, Theorie de rationalen Erkidrung, Zu den methodischen Grundlagen der Kulturwissenschaften (9). Esse conceito amplo de metodologia, que abstrai da regulagdio metédica da pesquisa histérica, é tipico também da teoria da histéria marxista, Ver J. Riisen / Z. Vasicek, Geschichtswis- senschaft zwischen ideologischer Funktionalisierung und fachlicher Figenstiindi- gkeit. Zur Entwicklung der Historik in der DDR. In: J. Spittmann-Ruehle et alii (Ed), ideologie wd geselischafiliche Entwicklung in der DDR. Kéln, 1985, p. 143-157. 104 Jorn Rusen em todas as técnicas histricas de pesquisa. No fundo, o que este subcapitulo busca € apenas atualizar um saber tradicional da teoria da histéria e de sua diferenca para com a heuristica, a critica e a in- terpretagéio como operacdes transversais da pesquisa histérica, uma vez que essa distingao se presta a reativar a consciéncia evanescente da unidade interna do metodo histérico (em sentido estrito). No terceiro e ultimo subcapitalo quero abordar € debater © pro- blema fundamental que move a ciéncia da histéria em vista dase. eras determinantes da Pesquisa histérica, desde que foi posto em hivida © canone classico do método histérico: a relagdo entre os procedimentos hermenéuticos e analiticos de pesquisa. Com esse tema, os problemas da explicagdo histérica retornam ao nivel em ae niio aparecem mais como assunto de um raciocinio metateérico sa re varios esquemas de explicacdo, mas come questées vivenciais Propna pesquisa concreta. A unidade de método histérico Pesquisa histérica é um Processo cognitivo, no qual os dados das fontes sto apreendidos e elaborados para concretizar ou modi- ficar empiricamente Perspectivas (teéricas) referentes ao passado humano, A pesquisa se ocupa primariamente da tealidade das ex- periéncias, nas quais o passado se manifesta perceptivelmente, ou seja: de ‘fontes”. Essa metdfora exprime a referéncia fundamental da pesquisa historica a experiéncia: do testemunho empirico atual do passado “fluem” para o historiador informagées sobre 0 que ‘01 © caso no passado, ao que se deve referir, se o saber historic produzido Por ele deve ser considcrado empiricamente pertinente. A pesquisa é, por conseguinte, 0 processo no qual se obtém, di 5 dados das fontes, © conhecimento histérico controlavel. “_ f ve certo hi o isco de se air sob 0 encanto da met4fora das ‘ontes (¢ da metafisica da histéria do século XIX a ela vinculada) Se esse processo for entendido, unilateralmente, como se a historia dele resultante tivesse sido apenas extraida das fontes, como bastasse que a pesquisa deixasse transparecer as informagoes das Reconstrugao do passado 105 fontes — deixd-las “fluir” — para obter a histéria buscada (“colhida”). Obviamente as coisas so acontecem assim. O fluxo das informa- gdes © a produgao do saber pela pesquisa sio, per principio, defini- dos pelas perspectivas determinantes da atribuigdo de sentido, com as quais o pesquisador vai as fontes. Suas perguntas pré-formulam as respostas das fontes. Suas perguntas j4 contém possiveis respos- tas, embora apenas possiveis, ndo reais. A pesquisa é 0 passo meto- dicamente regulado, ¢ por isso intersubjetivamente controlavel, das respostas possiveis as reais. Ela apreende a informagéo das fontes 4 luz de perspectivas teéricas previamente elaboradas, e elabora a informago apreendida sob estas perspectivas, para que se realizem empiricamente em histérias com contetido efetivo. A pesquisa € 0 trabalho de responder empiricamente 4s per- guntas historicas. Ela transmuta o empirico e o teérico em historias concretas. E evidente que isso niio se deve tomar como se 0 pesqui- sador trabalhasse com teorias prévias definitivas ¢ completas, for- necendo apenas sua confirmagéo empirica (embora essa distor¢ao da pesquisa possa perfeilamente ocorrer sob pressio ideoldgica, sobretudo quando as teorias que orientam a pesquisa so fixadas politicamente, de fora da especialidade, ¢ impostas dogmaticamen- te aos profissionais como pré-estruturagdes inamoviveis dos resul- tados de suas pesquisas). A elaboragio de questionamentos produ- tivos ¢ hipsteses complexas de trabalho pertencem 4 pesquisa, pois as premissas cultutais dos critérios histéricos de sentido, que se péem zo historiador a partir do contexto social do seu trabalho, ain- da nao representam, por si sds, perspectiva histérica alguma com a qual seja possivel pesquisar. Elas precisam, primeiro, ser tomadas aptas a isso pelo esforgo de teorizagdo. O processo da pesquisa vai também além do mero procedimento de apreender as informagdes das fontes sob a égide de teorias. Ele continua até a conformagao historiografica dos resultados das pesquisas, porque ¢ nela que, em iltima andlise, se decide que interpretagdo lhe cabe em relagdo a outros resultados e como pode ser integrada no saber histérico dis- ponivel até entio. Na pratica do conhecimento nunca se pode afirmar, com exa- tidao, quando comega e quando termina o processo da pesquisa, 0 erm ease que the é Precedente em termos de reflexdo e 0 que lhe segue, vez que as diversas operagdes do pensamento histérico — distinguidas metateoricamente pela teoria da historia ~ esto intimamente liga- das. Dessa maneira, quando uma determinada operacio é efetivada, de certa maneira todas as demais (ou pelo menos algumas outras) tendem a realizar-se sucessivamente, Mesmo assim, é possivel deli- mitar ° campo das operagées do conhecimento histérico, conhecido como “Pesquisa”, sem perder de vista a fluidez com que 0 processo cientifico pratico se dé. E determinante Para essa delimitacao 0 cri- kerio da referéncia operacional & experiéncia, Regra geral, a expe- niéncia historica € tematica em tedos og processos de conhecimento da cigucia da historia. No caso da pesquisa histérica, todavia, isso se dé de modo particular. A saber: as informagdes so elaboradas e ponderadas em relacao direta com 0 testemunhe empirico do passa- do ~ 0 que, quando, onde, como e por que foi 0 caso, Isso acontece de forma operacional, isto 6, na forma de uma tegulagdo metédica, que garante duas coisas: de um ladu, que as assergoes em histérias, de que alguma coisa ocorren de tal forma e nfio de qualquer outra, podem ser verificadas pelo testemunho empirico atual do passado. Pode-se falar do principio da orientag4o controlével das fontes no Processo cognitivo da historia. Por outro lado, o sentido de pesquisa como relagdo operacional do processo cognitivo da historia vai mui- to além. 0 Process Cognitivo é referido metodicamente as fontes, de mancira tal que delas se obtém constantemente novas informa. £0es, com © que se cnriquece ¢ aprofunda o conteudo experiencial do conhecimento histético. O proceso cognitivo da histéria é inte- grado, mediante sua regulamentacao metédica, no movimento do Progresso do conhecimento? Esse movimento nio deve ser visto como uma acumulago in- findavel de conhecimentos sobre 0 Ppassado humano, que resultaria da apurag&o de um nimero sempre maior ¢ mais recente de infor- magées das fontes. Essa concepgo ¢ abstrata. Por mais que possa ser ‘itil a liberdade do pesquisador e a ambi¢ao de querer constituir © carater cientifico do conhecimento humano, ela ofusca 0 fato de —— * CEI,p. 115 ss. Reconstrucdo do passado 107 que o progresso do conhecimento orientado pela pesquisa tem um objetivo definido. Sao as perspectivas tedricas sobre o passado hu- mano que decidem o tipo de informagao a ser extraido das fontes, ¢ em que medida isso vai acontecer. Est delimitado, pois, o problema da unidade do método his- térico. O que permite, afinal, dada a multiplicidade dos construtos narrativos teéricos implicitos ou explicitos, falar de “o” método histérico? Nao resta divida que os procedimentos, com os quais as informagdes so extraidas das fontes e elaboradas, modificam-se consideravelmente em fungdo das conjecturas ¢ questdes com que 0 historiador aborda as fontes. Com efeito, 4 luz de determinada abor- dagem, pode ser considerada fonte alguma coisa que, com relagao ao quadro de referéncias de uma outra pesquisa, a0 mesmo tempo ¢ sobre o mesmo tema, nao o scja. A multiplicidade dos procedi- mentos metédicos, por meio dos quais podem ser obtidas de tes- temunhos empiricos informagées controlaveis quanto ac passado, nao pode ser escamoteada e sO assusta quem sustenta dogmatica- mente um procedimento unico em detrimento de todos os demais. Mantido o critério da objetividade por consenso, a multiplicidade dos procedimentos metédicos é indispensdvel, sem que tal acarrete, em Ultima andlisc, um saber histérico heterogéneo ¢ incompativel, mas sim possibilite a ampliag&o da perspectiva histérica, eficaz na orientagdo do agir.’ O critério da objetividade por consenso outorga 4 multiplici- dade de procedimentos metédicos na pesquisa histérica seu cardter de racional, de constitutiva da ciéncia. Por outro lado, contudo, for- nece um ponto de referéncia para construir a unidade “do” método hist6rico nessa multiplicidade e para evitar a conseqiiéncia nefasta da anarquia metédica na pesquisa historica. A histéria é constituida como ciéncia por meio do principio metddico da metodizagao das refer€ncias normativas. Se este principio, por um lado, Libera o processo do conhecimento histérico da pluralidade de pontos de vista diferenciados que formam perspectivas, integra, por outro, essa pluralidade de perspectivas histéricas, marcadas por pontos > CE Lp. 1385s. 108 Jérn Risen de vista determinados, na unidade do processo de ampliacio de perspectivas em geral. Do ponto de vista especificamente cientifico, as perspectivas histéricas tem origem na abordagem, orientada teo- ticamente, das experiéncias do passado, Essas abordagens estabele- cem, por seu lado, 0 método com que tal experiéncia é apreendida. Se a multiplicidade de perspectivas concretas pode ser integrada na unidade de um processo geral de ampliagao de perspectivas, que caracteriza a historia como ciéncia, entio é também possivel inte- grar a pluralidade de processos metédicos na pesquisa histérica “no” metodo histérico. De que modo as regulagdes metédicas da pesquisa hist6rica correspondem a unidade do conhecimento histérico, embu- tido na prine{pio da ampliagdo das perspectivas? Esta pergunta pode ser respondida de duas maneiras: formal e materialmente. Do ponto de vista formal deve-se investigar como a colocagao do conhecimento histérico em perspectiva, que ocorre no plano tedrico do processo cognitive da historia, atinge as regras de provedimento da pesquisa, Se o conhecimento histérico obede- ce, de forma especificamente cientifica, a0 principio da objetivi- dade por consenso, ele inclui, Por conseguinte, a pluralidade dos aspectos da vida contemporfnea, criando assim um sem-nimero de perspectivas diferenciadas, Estas estio, contude, relacionadas entre si de tal forma que a unidade do saber histérico nao se perde nessa variedade, mas — inversamente — ganha com ela, ou seja, com a qualidade de um processo dindmico de ampliacio constante das perspectivas. Isso significa, para o plano da pesquisa empirica, nada mais do que a sincronizagdo do Progresso cognitivo com a amplia- §Go das perspectivas, Pela pesquisa, as perspectivas so aplicadas aos testemunhos empiricos do passado, Com elas, os dados empiricos das fontes sio apreendidos de forma tal que o status dessas perspectivas softe uma mudanga qualitativa: de uma conjectura questionadora resulta um saber cmpirico material (sempre Passivel ¢ capaz de aperfeigoamen- to). Formalmente, a unidade do método histérico consiste na coesdo interna das regras de procedimento, que garantem a dindmica dessa mudanga. A insergéio do conteado material das fontes nas perspectivas determinantes do passado estd regulada na forma de um processo com Reconstrugao do passado 109 tendéncia a ser constante, no qual o conteiido experiencial de teorias histéricas aumenta de modo continuo, de maneira que o espago de sua concretizagaio ¢ diferenciagdo narrativa se amplia de forma per- manente. ; Tudo isso pressupde, obviamente, a abertura de perspectivas orientadoras a experiéncia. Materialmente, pois, a unidade do me todo histérico depende do enquadramento teorico da pesquisa his- torica, que abrange o dominio da experiéncia histérica como um todo. Na realidade, nao existe pesquisa empirica que abranja tudo, porque o todo no se apresenta como estado de coisas empirico, nem mesmo pode ser pensado como tal."* Nao obstante, as abordagens te- 6ricas (implicitas ou explicitas) dos dados empiricos do passado hu- mano (com as quais se regula metodicamente a pesquisa histérica) dependem também de decisées tedricas prévias acerca do que seja o carater especificamente histérico do passado humano. Os quadros de referéncia que emolduram a interpretagao historica do passado humano na forma de uma antropologia histérica tedrica constituem o contetido material da unidade do método histérico. A maultiplicida- de das experiéncias reais do passado humano ¢ integrada, por meio da abordagem teérica do todo das experiéncias possiveis do passa- do, na unidade de uma estrutura categorial. Somente esta estrutura torna as experiéncias do passado apreens{veis ¢ interpretaveis como histéricas. De sua unidade consistente decorre a unidade de uma re- gra abrangente, que media de forma consistente a multiplicidade das varias técnicas de pesquisa. (Seria talvez melhor falar da unidade de uma regulacdo abrangente.) O progresso do conhecimento nac se mede apenas formalmente, pelo alcance de sua sicronizagio com 0 principio metédico da am- pliagdo das perspectivas, mas também materialmente, por sua cor tespondéncia aos critérios dominantes de sentido da imerpretagao histérica. Sao esses critérios de sentido que decidem, em Sltima andlise, como os dados das fontes sdo organizados como conteii- dos de histérias. Para tanto, é determinante a identidade respecti- va dos destinatarios (potenciais), a quem s&o dirigidas as historias "Cf. acima p. 56 ss. jo Jorn Risen sujes contetidos so garantidos pela pesquisa. Materialmente, pois a unidade do método histérico, na multiplicidade dos varios proce- dimentos de pesquisa, é assegurada porque e progresso do conheci- mento é dirigido para o movimento de reforco de identidade. E por causa desse reforgo que a pesquisa é posta em ado. ; Com isso, nem a multiplicidade de métodos da pesquisa histé- tica é materiaimente restringida, nem o progresso do conhecimen- to historico € limitado por sua sincronizag&o com a ampliacio das perspectivas. A multiplicidade dos métodos ¢ apenas ordenada, inte- grada em uma unidade, na qual 0 processo de pesquisa corresponde metodologicamente 4 unidade do conhecimento do passado huma- no, que qualifica esse conhecimento como histérico. ; Como fica entao essa unidade formal ¢ material do método his- térico? Em primeiro lugar, quero responder a essa ita apresen- tando o esbogo da regulagao propria a pesquisa historiea, ao ob. ter © upreender informagées das fontes, Trata-se, portanto, de uma possibilidade de regulagio que abrange a multiplicidade das varias teonicas de pesquisa e integra as unidades em um processo de co- nhecimento orientado. Deve-se, assim, descrevé-lo mais como 0 fato de que a obteng3o ea apreensio de informacées das fontes so passiveis de controle intersubjetivo. Dessa forma, as informagées obtidas pela pesquisa so “objetivas” no sentido de “serem apoiadas em experiéncias controlaveis”. O método histdrico deve ser entdo mais bem descrito como o fato de que essa obtengdo € apreensao sdo reguladas pelo aumento constante das informagdes. . Ambos os fatos sfio abstratos. Com eles ainda nao fica claro 9 como”, por meio do qual a pesquisa histérica Segue os princi- pios da ampliagao de perspectivas e do reforco de identidade. Esse ‘como” consiste na organizag&o regulada do processo de pesquisa. Com essa organizacao, as perspectivas teéricas relativas ao passado humano abrem-se para o fluxo permanente dos fatos, originalmen- te obtidos das fontes na qualidade de informagées. E essa organiza- ¢0 que permite trabathar e analisar esse fiuxo permanente de informa- §6es de maneira tal que preencha, narrativamente, a abordagem teérica. A teoria ¢ a empiria do saber histérico mediam-se, portanto, pela Reconstrucio do passado 1 pesquisa regulada. A fim de poder circunscrever o carater regulado | da pesquisa histérica, que pemmite falar “do” metodo histérico, a pes- quisa deve ser tratada como um processo uniforme do conhecimento histérico. Para tanto, importa distinguir o processo do conhecimento histérico em fases, ¢ identificar a pesquisa como uma dessas fases. O conhecimento histérico pode ser definido como processo, a0 se entender as histérias como respostas a perguntas ¢ ao se analisar © procedimento regulado, que leva da pergunta 4 resposta. De inicio é possivel diferenciar, de modo puramente esquemético, trés fases principais desse procedimento. Na primeira, que se poderia cha- mar de formulagdo da pergunta histdrica, caréncias de orientagio no tempo so enunciadas como perguntas histéricas. Na segunda fase, trata-se de dirigir essas perguntas as fontes, ¢ obter destas as informagdes necessérias para respondé-las. A terceira e ultima fase consisie entdo em formular as informagdes obtidas das fontes como respostas as perguntas postas. Poder-se-ia falar aqui da fase de for- macdo da resposta histdrica. A partir dessa distingfio genérica ¢ possivel definir melhor a pes- quisa como a fase do processo de conhecimento histérico que parte de uma pergunta historica posta ¢ chega 4 formagiio da resposta his- térica. Encontra-se essa fase no trabalho pratico do historiador. Ela se situa entre a formulacdo da hipétese de trabalho, que dé a partida & pesquisa propriamente dita, e leva até a formulayao das modifica- des que a hipdtese de trabalho sofre ao passar pelas fontes. Determinante para a pesquisa, como fase do processo do conhe- cimento histérico, é 0 principio metédico do proceso da relagao a experiéncia, que insere o saber histérico no movimento do progresso cognitivo. O sistema de regras “do” método histérico pode ser foca- lizado com a pergunta sobre como esse movimento do progresso do conhecimento é posto e mantido em andamento. Ele é disparado pelos impulsos de questionamento que surgem no contexto social do pensamento histérico. Sua dinamica especi- ficamente cientifica, contudo, s se instala por meio de regulagdes metédicas. Sao essas que operam a abertura da referéncia as fontes, da constituigao narrativa de sentido, ao aumento constante da expe- riéncia do conhecimento. uz jorn Rasen . Experiéncias, obviamente, j4 esto inseridas nas perspectivas te6ricas (implicitas ou explicitas) com as quais 0 pesquisador, ao voltar-se para o passado, aborda as fontes (alias, é o uso dessas Perspectivas que constitui as fontes como tais). S6 que essas ex- periéncias, que fundamentam a plausibilidade empirica dos temas da pesquisa enunciados teoricamente, ndo desempenham um papel decisivo. Nos construtos teéricos, elas sao generalizadas como cam- pos de experiéncia (por meio das teorias os fatos se transformam em facticidade), que incluem experiéncias novas, mediante as quais se obtém e esclarecem novos fatos. , O primeiro passo metédico nessa diregio é a heuristica. A pes- quisa regulada é ativada quando as perspectivas dos construtos teé- Ticos do conhecimento histérico tomam a forma de questionamen- tos claros e firmes. Esses questionamentos transformam o excesso de teoria dos modelos de interpretago historica, pela absorgao da experiéncia histérica estudada, em recurso para produzir uma nova experiéncia. A pesquisa histérica é ativada heuristicamente por meio da seguinte regra metédica: abrir sistematicamente os construtos narrativos do conhecimento histérico a novos conteddos da expe- riéncia. Assim, o saber tedrico transforma-se em quest6es abertas 4 experiéncia. , Como ¢ sabido, um tolo pode fazer um mimero de perguntas maior do que seria possivel responder de mil maneiras. Assim a me- todizaco heuristica do questionamento histérico, o primeiro passo do Progresso do conhecimento que resulta da pesquisa, leva neces- sariamente ao segundo, que regula a maneira de responder para que no se transforme na tolice heuristica de um excesso de perguntas isrespondiveis. Trata-se do passo heuristico que corresponde a esti- mativa, metodicamente regulada, do que as fontes podem dizer. ; Em seguida a essa etapa da coletinea e organizagao das ex- periéncias inventariadas, que dao sentido aos questionamentos (e que, Portanto, j4 surtem efeito sobre a operagdo do questionamento hist6rico), vem — por via de conseqiiéncia — o pacote de operagées metddicas, no qual so sistematicamente obtidos os contetidos in- formativos e factuais das fontes: a critica histérica. Essa critica foi considerada durante muito tempo a unica, decisiva operagio da Reconstrucao do passado 113 pesquisa histérica, e ainda hoje o é por nao poucos historiadores. De fato, ela contribui indiscutivelmente para 0 enriquecimento do saber histérico com o contetido de fatos do passado até entao des- conhecidos. Ela leva ao crescimento do contedido experiencial do saber histérico, desempenho cuja obtengdo a ciéncia da histéria atribui a seu cardter cicntifico. Essa operacao metédica, de extrair sistematicamente novas in- formagées das fontes, s6 se torna propriamente histérica quando vai além da critica e passa a interpretagdo. Por que isso? Em primeiro lugar, porque os fatos obtidos pela critica das fontes sio enquadrados, de modo metodicamente regulado, em construtos narratives tedricos. Esses construtos estiio dotados, pela heuristica, da qualidade de poder promover questionamentos agudos c profundos. So eles que se cons- tituem em perspectivas histéricas para o enquadramento dos fatos em seu contexto (narrative). Assim, cm segundo lugar, ¢ nesse contexto que os fatos se tornam histéricos — carter que ndo possuem como tmeros fatos ou informagées das fontes. A relag3o com a experién- cia, transformada em fato histérico por aplicagao de seus construtos narrativos, acaba por ter um efeito sobre as perspectivas tedricas que a orientaram (cuja abertura a cxperiéncia ji estava garantida pela heuristica), que se tomam, por sua vez, esbogos de respostas histéricas, construtos dc historias plenas de conteudo empirico. Com essa operaco metédica —na qual os fatos obtidos pela cri- tica das fontes so remetidos pela interpretagao as teorias histéricas que Ihes empresiam sentido ¢ significado — completa-se 0 processo da pesquisa, ao tempo em que supera, passando 4 elaboracdo cogni- tiva da apresentagio histérica. O saber histérico obtido aqui median- te pesquisa é remetido A questo originaria, que precede a pesquisa ¢ a insere no movimento dindmico do progresse do conhecimento. S6 entio o saber hist6rico obtido mediante pesquisa pode ser recebido como histéria ¢ fazer valer sua eficdcia orientadora na comunicagao cultural da vida pratica, cm nome do que o esforgo de produzir um pensamento histérico especificamente cientifico ¢ empreendido. Com isso, estaria esbocado o carater regulador do processo da pes- quisa histérica, que constitui a unidads do método histérico. Em outras palavras: 0 método histérico regula aperacionalmente o processo de de Jorn Risen pesquisa no contexto sistemdtico da heuristica, da critica e da in- terpretacdo. Todas as técnicas da pesquisa histérica esto integradas nesse contexto metédico ¢ possuem nele funcdes Pproprias. Essa unidade do método historico no contexto sistematico de heuristica, de critica e de interpretagao é, no entanto, meramente ape- vativa e procedimental. Ela define a pesquisa como uma seqiiéncia de procedimentos, mas nao 0 tipo de procedimento empregado nos processos de pesquisa metodicamente regulados. Esse aspecto, que se tefere 4 abordagem da experiéncia pela pesquisa, é transversal a todos os procedimentos operacionais que levam, passo a Passo e por via de conseqiiéncia, da questiio histérica a resposta do produto da pesquisa, Esse aspecto paderia ser chamado de operacional-substantivo. Ele se tefere 4s regras de procedimento que decidem: (a) heuristicamente, sobre que dados empiricas do passado passam a ser fontes; (b) critica- mente, sobre o tipo de dados a serem buscados; (c) interpretativamen- te, sobre o modo de intezligar os dados em contextos hist6ricos de fa- tos. Trata-se aqui de saber como os aspectos matcriais do progicssy du conhecimento sfo regulados metodicamente, que ditepdo o aumento do conhecimento toma pela pesquisa, e como essa diregfo determina 0 procedimento metddico da pesquisa. © que a pesquisa aprcende como experiéncia histérica, e é por ela inserido na dinamica do Progresso do conhecimento, depende da abordagem teérica da experiéncia do passado humano, O que o pesquisador aborda ¢ obtém das fontes, como conteido especifico do movimento histérico nas mudangas temporais do homem c de seu mundo, nao é uma questo de método, mas sim de teoria. As premissas tedricas, que delimitam a “hist6ria” como experiéncia propria do conhecimento histérico no ambito dos “feitos” do ho- mem no passado, tém todavia conseqiiéncias metodologicas. Elas definem tipos de procedimento metédico no contexto processual de heuristica, critica e interpretag3o. Também aqui se coloca, 4 vista da multiplicidade de tais tipos, a questdo quanto 4 unidade {substantiva) do método historico. A resposta a essa questo est4 nas conseqiiéncias metodoldégi- cas que podem ser tiradas da antropologia histérica teérica,"' para TChp. Gls. Reconstrugao do passado Ls a pesquisa histérica. Essa antropologia diferencia, sinerénica e dia- cronicamente, entre campos e fatores dos Processes histéricos ¢ os media na unidade de uma representacdo de continuidade, que pode atuar come formadora de identidade. Metodologicamente, corres- ponde a essa diferenciagdo a multiplicidade das técnicas de pesqui- sa, resultado da especializago da pesquisa historica. Seu contexto sistematico, que constitui a unidade “do” método histérico, forma a base dos procedimentos regulados metodicamente, mediante os quais os dados relativos aos Fatos, obtidos pela pesquisa, so dife- renciados e organizados, consistentemente, numa representagao ho- é le continuidade. , me € nada mais nada menos do que 0 procedimento me- tédico pelo qual os dados das fontes sao postos em perspectiva his- torica ou (para cmpregar a metéfora enganosa, mas muito utilizada) estruturados em um “quadro” passivel de controle. | ‘Uma tal representago de continuidade sé é plausivel se pode atwar comp formadora de idenlidade no processe intcrativo da socializagiio humana. Como a identidade é um fenémeno da autocompreensio hu- mana, decorre da fungéo integradora dessa tepresentagdo de continui- dade, fundamental para o conhecimento histérico, que “o” metodo his- t6rico deve corresponder, sob o ponto de vista operacional-substantivo, Aquela constelagéo de experiéncias temporais, na qual o problema da identidade histérica se pie na vida pratica. , Essa experiéncia temporal possui trés dimensGes: (a) a do tem- po do homem, (b) a do tempo da natureza e (o) a da mediacao de ambas como tempo histérico propriamente dito."* O tempo huma- no é experimentado sempre que as mudangas do homem e de seu mundo podem ser tornadas inteligiveis por meio de intengSes, com as quais essas mudangas sido produzidas (ativa ou Passivaments) © tempo da natureza é experimentado sempre que as mut langas temporais do homem ¢ de seu mundo dependem de Gircunsténe’as e condigdes externas ao agir humano, nao explicdveis como de- corréncias de intengdes. As duas experiéncias sio mediadas, como experiéncias temporais propriamente histéricas, quando os fatores "Para a diferenciagdo desses qualidades temporais, ver Razdo histérica (1) p. 575s. 116 Jérn Riisen condicionantes internos e externos do comportamento da evolugdo dc homem e de seu mundo sao integrados num conjunto de proces- Sos que permita a orientacdo, com sentido, das acées humanas. Essa pluridimensionalidade da referéncia cxperiéncia nos Processos cognitivos da constituicéo narrativa de sentido tem Conseqiléncias metodoldgicas. Simplificando esquematicamen- te, pode-se conceber a pesquisa histérica regulada, operacional e substantivamente, de trés maneiras: hermenéutica, analitica ¢ dia- leticamente. a) Hermeneuticamente, a pesquisa reconstréi Processes temporais do passado de acordo com perspectivas de sentido coerentes com as intencdes dos atores (agentes ou pacientes) desses processos. Ahistoria assim extrafda das fontes como um Processo, que se da €m meio a uma interacdo que the determina o sentido ¢ cuja diregao temporal resulta das intengdes divergentes dos atores, A Teptesealagao de continuidade, determinante para a constitui- ¢ao narrativa de sentido, é obtida mediante a pesquisa dos fatos culturais, nos quais as mudangas temporais do passado se crista- lizam na linguagem dos atores ¢ de seus interlocutores, b) Anatiticamente, a pesquisa reconstrdi Processos temporais do passado de acordo com as perspectivas dos contextos de causali. dade, que decorrem das condigées estruturais sob as quais os su- Jeitos ao agit e sofrer (co-)produzem tais processos, A historia ¢ assim extraida das fontes como um processo, que se di em meio @ contextos estruturais das condigées do agir (¢ imposigdes de softimento), cuja direcdo resulta, independentemente das inten- goes dos agentes, das imposigdes sistémicas de determinantes do agir. A representagao de continuidade determinante é obtida dos fatos que revelam as circunstancias do agir ainda nao elaboradas ¢ transformadas em intengdes do agente. ¢) Dialeticamente, por fim, a pesquisa media as perspectivas da re- construgao hermenéutica e analitica dos processos temporais, or- ganizando-as em conjuntos complexos, nos quais a diregio dos Reconstrugao do passado 117 processos histdricos resulta de uma relagdo de mttua influéncia entre intengdes ¢ condigdes estruturais do agir humano. Essa mediago estrutura, pois, a multiplicidade das varias abordagens metédicas das fontes na unidade “do” método histérico. Essa es- truturagao integra, ent&o, substantivamente, os diferentes campos da experiéncia na unidade de uma histéria constitutiva de iden- tidade. A mediaco de procedimentos hermenéuticos, analiticos ¢ dia- léticos produz a unidade do método histérico na multiplicidade das téenicas de pesquisa histérica, com as quais as diversas dreas da experiéncia histérica podem ser integradas. Com essa unidade na multiplicidade, 0 método histérico corresponde, com sua orientagio operacional-substantiva, ao modo como a experiéncia temporal age e é elaborada no processo da constitui¢do histérica da identidade. Toda constituic¢3o humana de identidade se da em horizontes de autocompreensio c de auto-entendimento (no processo de interacdo com os outros e consigo préprio). Esses horizontes so apreendidos, originalmente, de modo hermenéutico e so sempre realizados, a cada vez, pelo processo mental da compreensdo, Nesscs horizon- tes atuam as irritagdes de uma experiéncia temporal (da natureza), em que se vivencia que os processos temporais da vida pritica nao correspondem as intengdes dos sujeitos. Essas imritagdes sao trata- das analiticamente e em seguida referidas “dialeticamente” ao auto- entendimento hermenéutico. Com isso, podem ser interpretadas de forma que 0 eu ou o nds, que poem em cheque e cuja identidade esta em jogo, possam afirmar-se nelas e delas emergir. ‘Na sua dimensao operacional-substantiva, o método histérico transpde para formas especificamente cientificas as regras, segundo as quais as experiéncias temporais so elaboradas no mundo con- creto, em processos histéricos de constituigao de identidade. Nessas formas, a constituigio da identidade é remetida exatamente aquele modo de experiéncia do pensamento hist6rico que ele adquire pela pesquisa. Os procedimentos da constitui¢ao histérica de identidade sdo assim enriquecidos, formal ¢ materialmente, com a dindmica de pesquisa da ciéncia da histéria. Formalmente, ganham um constante 118 Jorn Risen acréscimo informativo mediante a dindmica processual da obtencdo e do tratamento da experiéncia pela pesquisa, que garante a conjun- ao regulada da heuristica, da andlise e da dialética. Materialmente. obtém um saber histérico cocrente a partir do acréscimo informa- tivo, mediante a diferenciagao e a integracdo dos diversos campos histéricos da experiéncia. Cocréncia quer dizer, aqui, que a conjun- ¢4o interna do saber histérico obtido por meio da pesquisa é consti- tufda por sua remissio as caréncias cognitivas do auto-entendimento do homem. As operacdes processuais Heuristica Heuristica € a operagto metédica da pesquisa, que relaciona questoes historicas, intersubjetivas controlaveis, a testemunhos em- piricos do passado, que reune, examina e classifica as. informacdes das fontes relevantes para responder as questdes, e que avalia o con- tetido informativo das fontes. Com essa operario sfio reguladas metodicamente as hipsteses de sentido (teoricamente explicaveis) do pensamento historico, que abrem © acesso as informagées das fontes, Antes de comegar a ver- dadeiro trabalho de pesquisa das fontes, é necessario agugar o olhar hist6rico em relagao ao passado presente empiricamente nas fontes, para que se possa extrair o maximo de asseredes do conteido infor. mativo das fontes. Poder-se-ia falar aqui do carater propedéutico ou iniciador a pesquisa da operacdo de formular hipoteses. Perspectivas determinantes do passado humano sao enunciadas como questiona- mentos empiricamente proveitosos. A metédica tradicional antes subestimou esse passo da pesqui- sa, 0 efeito instigador do questionamento histérico, Ela s6 conside- Tava a pesquisa tegulada quando as fontes jé tivessem sido reunidas Assim, dedicou-se, na maioria dos casos, por produzir catalogac es complexas de todo o material experimental que pudesse fomecer ao historiador informagdes comprovaveis sobre o que foi ou nao 0 caso Reconstrugao do passado 119 no passado," Ef preciso ressaltar, ao revés, que 0 questionamento que qualifica fontes j4 obedece a regulagdo metédica que viabiliza sua fecundidade heuristica. Uma hipdtese historica ¢ heuristicamen- te fecunda se corresponder as caréncias de orientagao das quais, em iltima andlise, se originou. Ela nao deve ser tio calcada sobre o conhecimento histérico prévio, constituido pelos resultados da pes- quisa até o momento, que Ihe seja impossivel superd-lo qualitativa- mente; pelo contrario: deve desbravar novos campos da experiéncia do saber histérico. Residem aqui tanto os riscos heuristicos para os pesquisadores profissionais — sobretudo para as comunidades ins- titucionalizadas de pesquisa — quanto a fecundidade das questées ingénuas dos leigos e dos diletantes, que nao raro estéo na origem de novos caminhos da pesquisa. Situa-se aqui também, naturalmente, a fecundidade das questées que os especialistas poem aos demais campos de pesquisa, fora de sua especialidade. ‘Ao mesmo tempo, encontram-se aqui problemas heuristicos na utilizagdo de teorias na pesquisa historica. As teorias caplani, Dasi- camente, a experiéncia histérica subjacente as fontes.'* No entanto, ao direcionar o olhar para as fontes, as teorias também o fixam nelas ¢, com isso, o limitam. Exige-se, pois, heuristicamente, que as orde- nagées tedricas do saber histérico, a partir do qual a pesquisa deve obter um novo saber, devam ser questiondveis e, por conseguinte, modificdveis. No entanto, como ¢ possivel que a pergunta hist6- rica supere 0 direcionamento e a limitago do olhar histérico que as perspectivas teéricas impdem? A operacdo heuristica necessaria para tanto poderia ser chamada de “anarquizagaio” da experiéncia historica. A estruturagdo ordenada, a apreensio ¢ a apropriagio da experiéncia histérica mediante os construtos teoricos da narrativa historica so colocados entre parénteses. O que no tiver sido enqua- drado por essa ordenagiio, 0 diferente, o estranho, 0 surpreendente fascinam, alienando o olhar histérico de novas experiéncias. Isso © As metodologias de Droysen e Bernheim tratam as regras da inquirigo histérica ainda na heuristica. Mais tarde, por exemplo, no “Lehrbuch der historischen Me~ thodik”, de A. Feder (10), essa questo jé nao aparece mais, mas sim apenas um esquema para a classificagao das fomes. "CE p. 94, nota 68. 320 Jorn Risen nao quer dizer, contudo, que se deva abandonar a racionalidade da utilizagdo metédica das teorias em beneficio da produtividade heu- uistica de questdes isentas de teoria. Pelo contrario! A domesticagao cognitiva da experiéncia historica pelo saber te6rico deve ser com- pensada metodicamente (isto é, heuristicamente) para que novos campos da experiéncia possam ser abertos e, em seguida (por meio da critica e da interpretacdo), apropriados cognitivamente mediante a aplicacao das teorias que os apreendem e interpretam. O olhar his- térico assim renovado nfio se deve perder na selva das experiéncias temporais nao compreendidas (e talvez por isso to tentadoras), mas sim agugar-se, isto é, tornar-se apto ao conhccimento medianie que tem concep¢ées tedricas modificadas ou mesmo novas. Tomar as perguntas histéricas heuristicamente produtivas signi- fica, portanto, dirigir o olhar histérico questionador para novas reas de experiéncias do passado, superar sua limitagdo aos campos de ex- periéncia j4 apreendidos ¢ liberté-lo pela sensibilidade 4s caréncias atuais de orientagao e pelo fascinio por tudo o que ¢ historicamente estranho. Por outro lado, a pergunta histérica no deve passar a0 largo do acervo do conhecimento e da Pesquisa nem ignorar o sa- ber histérico acumulado por capacidade tedrica bem-sucedida, pelo mero pretexto de conservar a intensidade questionadora de suas per- guntas de cardter ingénuo ou “anarquico”. Uma pergunta histérica & relevante para a pesquisa apenas na medida em que pode ser tra- balhada de forma critica a partir do acervo acumulado da pesquisa © das concepgées tedricas nele Ppresentes, e enquanto justamente va além dessa acumulacao, Desses pontes de vista resultam as regras de procedimento telativas & elaboracdo heuristica de um questionamento fecundo. Eles preceituam uma reflexdo, ordenada teoricamente, sobre as caréncias de orientagdo pressupostas pelas perguntas historicas, uma sensibilidade a experiéncias que ultrapassem as teorias, uma andlise critica do conhecimento acumulado e uma explicacdo das conjecturas em forma de hipéteses cmpiricamente controlaveis e modificaveis. A operacdo heuristica de conjecturar é dirigida pelo principio metédico da plausibilidade explicativa, De acordo com esse principio, a fecundidade heuristica das questdes que orientam Reconstrugao do passado 121 a pesquisa é controlavel intersubjetivamente de duas maneiras: (a) com relagdo a seu ponto de partida nas caréncias de orientagao no conhecimento acerca de que problemas de orientagao especifi- camente histéricos ou historicamente relevantes ocorrem no con- texto social da pesquisa, e (b) com relagao a seu direcionamento experiéncia historica ja acumulada na pesquisa ¢ no saber de outras ciéncias conexas ou afins. S830 ciéncias auxiliares associadas a esse primeiro controle me- tédico da fecundidade heuristica todas as ciéncias humanas que ex- plicitam e investigam problemas de orientagio da vida pratica atual. © segundo passo do processo, regulado metodicamente, de se aproximar do conteddo informativo das fontes com perguntas econ- jecturas produtivas, consiste em coletar, examinar, classificar cava- liar sistematicamente as fontes relevantes para responder a pergunta hist6rica posta. A decisio quanto 4 relevancia de uma fonte para a pesquisa das informagées sobre o passado humano depende das perguntas histéricas postas. Por essa razfio nfo faz muito sentido, no Ambito de uma metddica, tentar fazer lista tio exaustiva ¢ por menorizada quanto possivel de todas as fontes possiveis. As teorias da histéria que assim procedem, infelizmente nao deixam de ser tri- butérias a uma determinada concepeao da andlise histérica (G@lém da qual podem existir outras ¢, com efcito, existem), sem conferir-lhes importancia decisiva como requisito da heuristica, ; Passa-se diferentemente, todavia, com a distin¢do feita por Droysen entre tradigdo ¢ residuo.’* Ela diz respeito a pergunta sobre se € como uma fonte pode ser qualificada heuristicamente mediante © que tem a oferccer ao pesquisador em termos de conteudo infor- mativo especificamente Aistérico. Afinal, trata-se de uma questo heuristica fundamental, saber se e como a histéria a ser extraida das fontes por meio da pesquisa ja nfo se encontrava inserita ou pré-escrita (melhor: pré-narradas) nelas. . Como nem todo dado do passado vale como contetido informa- tivo especificamente histérico, pde-se a perguala Se 180° é possivel formular um critério heuristico para a qualidade histérica, para 0 1 Droysen, Historik, ed, Leyh (4), p. 71 88. 122 Jorn Rasen conteddo de sentido (potencial) das informagées das fontes, A res- Posta a essa pergunta é importante nfo sé para a heuristica, porque implica uma deciso prévia sobre as demais operagGes processuais do método histérico (critica e interpretagtio) de grande alcance. Tra- ta-se do que deve ser apreendido, pela critica das fontes, como fato especificamente histérico ¢ do que deve ser estabelecido, interpre- tativamente, como contexto historico de fatos, Fm ultima andlise, esse critério heuristico depende de pressupostos categoriais, ou seja, daquilo que é considerado como historia, nas mudangas temporais do homem e de seu mundo. Heuristicamente, esse pressuposte fica manifesto na chama- da diferenciagdo entre tradig#o e residuo como qualificadores das fontes. ““Tradi¢ao” é uma manifestagao empirica do passado huma- no, na qual este é expresso com sentido e significado; vale dizer: © contexto especificamente histérico de sentido e significado do passado est4 manifesto em sua propria facticidade. As fontes com qualidade de tradicao sao caracterizadas por apresentarem suas in- formagées sobre o passado como construtos de sentido tais como constituidos pelo pensamento histérico. Naturalmente, 0 melhor exemplo disso é a historiografia de um tempo passado, Esse tem- Po se manifesta nela, para ser lembrado historicamente, na forma mesma do pensamento histérico. O passado se oferece a histéria, na tradicdo, j4 como histéria. Possuem qualidade heuristica se- melhante todos os monumentos, que carregam em si vestigios da intengéo de lembrarem aquilo que manifestam. Residuos sao, ao invés, manifestacdes empiricas que nao comportam tais vestigios © que, sem 0 tencionarem, sem estar dotados da qualidade prépria aos construtos de sentido, testemunham que algo foi 0 caso, mas néo que tenha sido dessa ou daquela forma ou como deva ser con- siderado historicamente. A distingdo entre tradicao € residuo diz Tespeito ao significado heuristico, que o fator intencional da vida humana pritica possui como momento constitutive do pensamento histérico e da experién- cia histérica.'* Na regulagao metédica da pesquisa, esse significado %CE Lp. 77 55. Reconstrucao do passado 123 se nucleia quando o método histérico operacional-substantivo é di- ferenciado e sistematizado. Processualmente, vale para a heurfstica —independentemente da posigio relativa da tradigao e dos tesiduos na teconstru¢ao do passado — 0 principio metédico, que as perspecti- yas questionadoras e conjecturais quanto ao passado devem referir- se 4s manifestacdes atuais do passado, de modo que estas possam ser empiricamente concretizadas, modificadas e controladas. . Também para isso a pesquisa histérica se serve de uma série de disciplinas auxiliares, a saber, todas aquelas que se ocupam de do- cumentagSo ¢ preparagdo de materiais, que podem ser interessantes para os historiadores (o que abrange os mais amplos e diversos lipos de estados de coisas que carreguem vestigios do passado). Critica Accritica das fontes é a operacdo metédica que extrai, intersub- jetivamente e controlavelmente, informagées das manifestagdes do passado humano acerca do que foi 0 caso. O conteudo dessas infor- mages sdo fatos ou dados: algo foi o caso em determinado lugar e em determinado tempo (ou no). Com a critica das fontes a pesquisa histérica pisa no chiio se- guro da facticidade do conhecimento histérico. Mesmo se ela nao leva sempre a constatacies inequivocas (0 que acontece tanto mais raramente quanto mais remotos forem os tempos) do que, quando, onde e por que o caso foi, pelo menos estabelece © que se sabe ou o que se ignora da facticidade de estados de coisas historicos, com base no material obtido das fontes heuristicamente. A critica das fontes € 0 ponto fulcral da objetividade histérica (no sentido de “ob- jetividade de fundamentacfo”."” Ela leva a proposigées histéricas que, por forga de sua referéncia 4 experiéncia metodicamente Tegu- lada, valem empirica ¢ intersubjetivamente. E com essa garantia de principio (metédica) da pretensio de validade que o conhecimento histérico cientifico se diferencia do nao-cientifico, relativamente a 78 esp. I, p. 138. 12k Jorn Risen seu contetido factual (ou, como também se poderia dizer, & sua base de dados). No pathos dessa pretenséo de objetividade tende-se natural- mente a ver na critica das fontes a forma metédica da pesquisa his- torica, que decide sobre o carater cientifico da ciéncia da histéria, Ja que é essa operagao que leva ao conhecimento seguro daquilo que foi ou niio 0 caso no passado. Essa avaliacao da critica das fon- tes acontece quase inevitavelmente quando o historiador parte do pressuposto ingénuo (compreensivel, porém, na rotina da pesquisa) de que as fontes, com suas informagdes sobre 0 passado, com seus “fatos” e “dados”, dio respostas suficientes as Perguntas histéricas postas. Isso, obviamente, ndo é 0 caso, pois as fontes ainda niio apresentam seus fatos nas meras correlacées empiricas ou no sig- nificado normativo, no qual sao conhecidos (narrativamente) como histéria. A hist6ria, como estado de coisas do passado humano a ser conhecido historicamente, no esta coisificada na base de dados das informagées das fontes, de tal forma que jé estaria narrada nas fontes e que, assim narrada, s6 poderia ser conhecida pela critica das fontes, A critica das fontes, nessa auto-satisfagio enganadora da pesquisa histérica, seria o procedimento no qual a manifestagao empirica do passado humano seria depurada das dissimulagées, dis- torgdes ¢ transposigdes que ofuscam o olhar sobre o que aconteceu tealmente no passado como histéria. Nessa concepcdo, o cardter construtivo do conhecimento histérico é negligenciado e, com ele, © fato bem singelo de que as perguntas histéricas se orientam por contextos temporais em constelagées de sentido e significado, que — como tais — nao se podem manifestar nas fontes, Isso porque as fontes documentam estagios sucessivos de um Processo temporal, cujo perfil especificamente histérico s6 se estabelece “posterior- mente”, nao podendo, assim, manifestar-sc suficientemente nelas, visto que clas fixam empiricamente algo “anterior”. As fontes sdo, no entanto, a estrada real empirica para se chegar ao cerne do pen- samento hist6rico, do qual o historiador retorna mais sdbio do que as fontes podem tomé-lo. Esse ganho de eficiéncia do pensamento histérico, para além da mera critica das fontes como meio de extrair informages dos fatos do passado, da-se na interpretacao. Reconstrucao do passado 125 Por isso tampouco esta correto dizer que a critica das fontes produziria um conhecimento seguro dos fatos histéricos; ela respon- de (suficientemente) pela objetividade histérica. O especificamente “histérico” de um fato e, com isso, da objetividade cientifica, tal como se produz pela referéncia das proposi¢ées histéricas 4 expe- riéncia, regulada metodicamente e intersubjetivamente controlavel, io é o objeto da critica das fontes. O carater histérico de um fato no € objetivamente estabelecido pela critica das fontes, pois ele sé se dé em conjunto com uma constelagao de outros fatos, que nao é documentavel pelas fontes como o é sua facticidade. Esse cariter, por assim dizer, subjaz 4 facticidade em cujo nivel a pesquisa opera a critica das fontes. Conseqtientemente, a objetividade do conhe- cimento histérico, afiancada pela critica das fontes, (ainda) no é “historica”, a dimensfio de sentido e significado constituinte da his- téria histérico-constitutive (ainda) lhe ¢ extrinseca. Isso nao quer dizer, no entanto, que a operag3o de pesquisa cri- tica das fontes, propria a qualificagic especificamente histérica do conhecimento do passado, seja meramente extrinseca. Pelo contra- rio, advém dela a fungao de ser uma instancia de controle indispen- sAvel do contetido factual de toda proposigao histérica. Na atividade de constituig%o do sentido da consciéncia histérica, a pesquisa tem uma fungo recursal, por sua vez constitutiva de seu carater cientifi- co, sempre que a plausibilidade de uma histéria dependa de se sus- tentar ou nao em fungao da correedo dos fatos que relata. Ela julga o sentido de uma histéria com o “direito de veto das fontes”,'* que codifica o pensamento histérico com sua transformago em ciéncia, Esse juizo é inapelavel, pois nenhuma histéria pode se manter cien- tificamente se seu contetido factual ¢ duvidoso. Como a pesquisa exerce esse dircito 20 veto? Ela filtra, das manifestacdes (residuos) do passado obtidas empiricamente, as informagées que podem ser consideradas “corretas” — no sentido de empiricamente garantidas. Ela distingue entre informagdes das fontes corretas ou incorretas, ou melhor: mais ou menos corretas € *R, Koselleck, Standortbindung und Zeitlichkcit. Bin Beitrag zur historiogra- phischen Erschlicssung der geschichtlichen Welt. In: Koselleck et alii (Ed.), Objektivitat und Parteilichkeit in der Geschichtswissenschaft (3), p- 45 8. 126 Jorn Rusen Ae orm kusen mais ou menos incorretas; o critério decisivo aqui pode ser chamado de principio metédico da Plausibilidade informativa (ou factual), Com ele as fontes s4o testadas quanto a sua fiabilidade externa (pro- ximidade com o estado de coisas histérico estudado) e quanto a sua coeréncia interna. E com ele que se estabelece, entv, o contetido informativo (ou factual) da Pesquisa, de acordo com 0 padrao ge- ralmente utilizado para dizer que algo se deu “de fato”, tanto por compara¢do com o conhecimento empirico acumulado acerca do es- tado de coisas estudado quanto com Telagdo a seu valor empirico, a medida de sua corregao. A ultima insténcia de controle da plausibilidade informativa ou factual, de um dado das fontes € a concepcio da realidade que © historiador elabora a partir de seu mundo concreto. Ele sempre a traz consigo ao testar as informagées das fontes quanto a seca como elas o informam do que “de fato” aconteceu, Para esse contro- le tem de estar bem claro, desde 0 inicio, o que pode realmente ser de fato, o que pode ser histériea. Fssa decissio prévia depende, por sua vez, do critério de facticidade, que decide o que ¢ empiricamente possivel. Esse critério é dado ao pesquisador com toda naturalidade (sem nenhum escripulo gnosioldgico, pois). Essa naturalidade nao é metodologicamente problemitica, quando as fontes tratadas forem Tesiduos, vestigios que foram deixados inadvertidamente, manifes- tando algo que sé pode ser abordado unilateralmente pelo historia- dor. Com fontes que manifestam expressamente a facticidade de algo, acontece diferentemente. Sua manifestacado pode corresponder 4 uma compreensdo de facticidade que difira da atual {por exemplo, com respeito a todos os relatos de interferéncias ou agdes sobrena- turais e divinas). Pelo método, a fonte é transformada em residuo, sua linguagem € silenciada artificialmente Para sc conseguir extrair dela informagées que ela prépria nio pode formular. O historiador toma para si, pois, com toda a naturalidade que sua visdo de mundo Ihe dé na vida concreta, o direito de veto 4 informacdo da fonte. Esse direito de veto oriundo de sua concepcdo da realidade baseada na vida concreta ainda vem antes do que é proprio as fontes ¢ serve-lhe de fundamento, Para a averiguaeao critica das fontes de um conhecimento em- Pitico garantido do que, quando, onde, como e por que foi o caso Reconstrucao do passado 127 no passado, a historiografia desenvolveu ia ha muito (bem antes oe sua institucionalizag4o como ciéncia especializada) um Conjunto di- ferenciado de regras metédicas ¢ um sistema complexo de ciéncias auxiliares especificas. E um equivoco ver nas ciéncias auxiliares “a ferramenta do historiador”.'* Assim como nao se pode, naturalmente, contestar que a critica das fontes scja uma operagdo metédica indis- pensdvel e que, sem as ciéncias auxiliares, nao pode ser realizada, “ entdo sé de modo deficiente, tampouco a competéncia metodica lo pesquisador se esgota nela. Sua “ferramenta abrange mais do que ° arsenal de técnicas das ciéncias auxiliares para controlar e garantir as informagées das fontes, pois no é nelas que reside, como ja foi mencionado, o cardter especificamente historico do passado bumano. E justamente isso que quer dizer a expressiio . ciéncias cnerligres” ‘ Somente quando os contextos histéricos sio extraidos dos dados das fontes pela interpretagao histérica temos a ferramenta’ ate comes: ponde ao estado de coisas “histéria”, no qual no se traball a mais com ciéncias auxiliares, mas de modo propriamente histérico. Interpretagdo Interpretacao ¢ a operacio metdédica que articula, de modo in- tersubjetivamente controlavel, as informag6es garantidas pela critica das fontes sobre o passado humano. Ela organiza as informagdes das fontes em histérias. Ela as insere no contexto narrative em que os fae tos do passado aparecem e podem ser compreendidos como historia. Como ela transforma fatos em histéria(s), deve ser considerada como a operagdo de pesquisa propria, especificamente histérica, Droysen foi o primeiro a reconhecer e a enunciar isso com clareza’ * . Na interpretacgdo come operagio da pesquisa, © que interessa é sintetizar as perspectivas, elaboradas heuristicamente, que questio- nam a experiéncia do passado a partir de conjecturas acerca de seu sentido, com os fatos do passado obtidos pela critica das fontes. Nesse processo, as caréncias de orientacdo no presente e as suposi¢des de *® Brandt, Das Werkzeug des Historikers (10). ® Droysen, Hisiorik, ed. Leyh (4), p. 22. 128 Jorn Rasen sentido alimentadas pelo saber histérico acumulado sio concreti- zadas como teorias histéricas empiricamente consistentes. Nele sio ainda historicizadas as informagdes das fontes cuja facticidade esta garantida; isto é: so articuladas com outras informagdes de fontes em um conjunto temporal plausivel. Teorias histéricas concretizadas ¢ modificadas, fatos historici- zados fundem-se ento em forma de histéria que contém os resul- tados da pesquisa. O modo como ambos sio reunidos para formar o conhecimento historico coerente é um problema da apresentacao, da formulagao. E nela que se completa a pesquisa, sem que se te- nha, por essa razio, que considerar a apresentagao como pesquisa. A apresentaciio, na verdade, nao pertence a pesquisa, porque sua tarefa nao ¢ a de extrair conhecimento empirico das fontes, mas sim a de organizar formalmente o conhecimento ja obtido. Os critérios decisivos para tanto so diferentes dos da contro- labilidade intersubjetiva das asserges histéricas com telacdo a seu conteudo empirico. Trata-se de critérios da formagao do conheci- mento histérico que garantem que este cumpre as fungées por causa das quais formula as questées que lancam a pesquisa. Poder-sc-ia falar aqui da controlabilidade intersubjetiva da formagao historio- grafica quanto a suas fun¢des comunicativas.?! ; O excesso heuristico de questionamento do conhecimento his- térico acumulado nao conduz a novos conhecimentos empiricos apenas por mais acumulagdo (como se obedecesse ao mote: JA sei muito, mas quero saber tudo), mas sim por um direcionamento. Ele visa a determinadas ampliagdes e aprofundamentos do conhe- cimento historico, Esse direcionamento, essa determinagio por ob- Jetivos da pergunta histérica, est definido por meio de conjecturas de sentido, com um nucleo capaz de teoria, ou soja, a “idéia”, ins- tituidora de sentido, da narrativa histérica.”* Essa capacidade tedé- "ica € utilizada quando as teorias so formuladas ou aplicadas com intengao heuristica.* Tais suposigdes ¢ questionamentos tedricos 2" Cf. adiante p. 169 ss. ® Goethe, Faust J, verso 601. >CELp.93 *CEp, 83. Reconstrugio do passado 129 & experiéncia histérica se desvelam, no processo de interpretacao, na exata medida do carater heuristico (inquiridor} com que se apli- cam ao conteudo informativo, garantido pela critica das fontes, dos campos da experiéncia histérica que estudam. Vale dizer: na medi- da em que 0 contetido informativo é por elas absorvido. A interpretagio ratifica a abertura 4 experiéncia da pergunta his- torica ao transformar as conjecturas tedricas, nas quais se origina, em teorias historicas. Estas, por sua vez, organizam historicamente © contetido informativo das fontes consultadas, isto é, abordam os contextos temporais que as fontes mesmas n&o exprimem. Os fa- tos obtidos e garantidos pela critica das fontes adquirem, assim, seu significado histérico, seu valor relative em determinado processo temporal, no qual estao interligados a outros fatos para formar um. contexto histérico com significado. As informagées das fontes so se tornam fatos histéricos mediante a operagdio metédica da inter- pretacdo. As perspectivas determinantes da operacao de interligagio narrativa, tomadas por si, formam os contrutos narrativos das teorias histéricas.> A interpretagao histérica é um trabalho de sintese. Ela remete perspectivas tedricas ao passado, nas quais o passado se reveste do carater de histérico, com o contetido informative das manifestagdes empiricas, mediante as quais esse passado se faz perceptivelmente presente. Com isso, ela modifica as perspectivas tedricas ao remeter a experiéncia a teorias com 0 maior conteddo informative possivel. Ao mesmo tempo, ela pondera os fatos sob a dtica de seu significado para contextos histéricos estudados (determinados por critérios de sentido). O principio metédico determinante desse trabalho de sinte- se deve levar em conta essa relagdo entre teoria e empiria. Ele faz a mediagao entre as representagdes abstratas, determinadas por crité- rios de sentido, das estruturas dos processos histéricos ¢ as informa- ges concretas, determinadas pela experiéncia, sobre o que, quando, onde € como algo ocorreu; entre modelos abertos de interpretagao e experiéncias abertas 4 interpretacao; entre o geral ¢ 0 particular. O principio decisive para uma tal relagao € o de uma explicagao Sf p. S1 ss. x 5 30 Jém Risen convineente, A interpretagao hist6rica obedece, pois, 20 principie metédico da plausibilidade explicativa. As informagoes ns fontes io ordenadas narrativamente mediante construtos tedricos de forma a gue Sua sequencia temporal est dotada de capacidade explicati- A medida da capacidade explicativa esté no grau de explicitagao tedrica da apresentacdo narrativa de mudangas temporais, que oh, quem Por que o que algo em um determinado momento tomo, se diferente ¢m um momento posterior. E isso de tal forma que as forgas em movimento, as interdependéncias sincrénicas ¢ os planos diacrénicos dos processos possam ser identificados, diferenciados e relacionados uns com os outros. As fungdes das teorias histéricas n: explicagao, descrigao, Periodizagdo, comparaciio ¢ diferenciacdo de Processos hist6ricos,” relacionadas ¢ descritas acima, desemponham todas um papel na interpretagao. Decisiva, porém, éa fungao expli- cativa. Todas as demais sao referidas a cla e & a partir dela ne estabclecem suas pusigdes relativas no processo de interpretacia “ A interpretagao é, como explicagiio, uma sintese entre os cons- ttutos tedricos gerais dos processos histéricos (que ja afinam a visa heuristica da experiéncia historica) e os diversos estados de coisas factuais neles contidos, revelados pela critica das fontes. ° Por se tratar de uma explicacado historica, contrariaria sua légica natrativa definir a sintese como a subsung&o do particular ao eral o como gencralizacéo a partir do Particular ov ainda como dedugao lo particular a partir do geral. A interpretagio, por conseguinte, nao desemboca numa teoria histérica, mas a Teelabora, para que os fatos descobertos bela critica das fontes sejam incorporados num contexto narrative que se caracterize pelo maximo possivel de capacidade explicativa. A interpretac3o pde 2 disposig¢ao da narrativa histérica um fie condutor de contetido empirico, discutivel e fundamentavel em sua forma tedrica, mediante o qual os fatos singulares do passado sto interligados de modo especificamente histérico. Essa interliga- yao € trabalhada pela interpretagiio de modo a por em evidéencia a . p. 84. 77CF. p. B2 ss. Reconstrucdo do passado 13L importancia histérica especifica que nela tém os fatos. Seu objetivo com esse trabalho ¢ tornar cognosciveis, em sua singularidade tem- poral, os processos temporais que explicam por que algo tornou-se outra coisa. Nas explicagdes histéricas nfio se lida com um caso, para o qual se procura encontrar uma regra geral, mas com uma di- ferenga temporal a cada vez conereta e precisa (algo que, em deter- tminado momento era diferente do que em outro), para a qual se pro- cura uma interligagao narrativa (algo ficou diferente por meio de um determinado acontecimento). A interpretagao historica lida sempre com a singularidade das mudangas temporais. Ela utiliza as teorias televantes para essas mudangas, para explicar sua singularidade. Ela tem éxito quando o contexto temporal dos fatos aparece como singu- lar & luz de suas caracteristicas gerais (comprovaveis teoricamente). Isso parece complicado, mas é trivial no dia-a-dia da pesquisa his- torica. Por exemplo: o processo de industrializagaio de um pais nao é explicado historicamente pelo fato de se colocarem em evidéncia as caracteristicas que tem em comum com todos os outros processos de industrializag4o, para que resulte da pesquisa o construto tedrico abstrato “a industrializagao como processo histérico em si”. Pelo contrario, trata-se de evidenciar, na pesquisa do processo singular de determinado pais, as especificidades de sua industrializagdo, a partir dos elementos tedricos do conhecimento histérico que tomam um determinado processo complexo de mudangas acessivel, pesquisa- vel, cognoscivel e explicavel como industrializacao. Explicar historicamente significa aqui demonstrar a especifici- dade desse processo determinado de industrializagao e torna-lo cog- noscivel como uma efetivagio particular de um processo histérico geral, a luz do conhecimento tedrico acerca das formas de desenvol- vimento e forgas motrizes da industrializagao. Como operagde de pesquisa da explicagao (conexao narrativa orientada pela teoria de fatos, especificamente) hist6rica, a inter- pretaco é um processo de individuagéo regulado metodicamente e controlavel intersubjetivamente, no contraponto entre teoria ¢ empiria. Os fatos obtidos pela critica das fontes passam, por forca de sua interligagao em contextos historicos opcrada pelas teorias histéricas, por uma transformac4o que os generaliza, transpondo-os 132 Jém Riisen para um processo histérico abrangente. Sua singularidade sé pode ser indicada com exatiddo no ambito de concepcées tedricas de pro- cessos iguais ou andlogos. Ademais, as teorias explicativas adqui- rem, mediante sua remissdo aos fatos, sua singularidade temporal; elas se alinham, por assim dizer, com 0 tempo préprio aos fatos. Esse processo de interpretaao Pressupée, naturalmente, que a es- pecificidade temporal presente na apreensio dos fatos pela critica das fontes, previamente relevada pela heuristica, no seja perdida de vista, e que as possibilidades de agucar o foco por meio de pressu- Postos tedricos sejam aproveitadas. Essa relacdo mittua entre teoria e empiria, entre a concretizagao de construtos tedricos e a historicizagdo de fatos empiricos nfio pode Ser pensada e reguiada metodicamente de forma a se neutralizar a meio caminho entre os dois fatores da interpretacao. Uma interpre- tagao histérica ideal ndo é uma sintese na qual as tcorias, por causa do seu contetido factual, se tornam menos téoricas e os fatos, por causa de sua referéncia teorica, menos tactuais. Pelo contrario, a teferéncia das teorias aos fatos exige um esforgo tedrico: uma di- ferenciagao dos construtos tedricos tal, que seja possivel descrever, precisamente, a singularidade histérica. Um exemplo € o trabalho tedrico da periodizagao. Ela exige tanto mais diferenciag&o teérica, quanto mais “pertinente” queira ser. Com precisao teérica (contru- tividade) de menos, a articulagiio temporal dos processos histéricos tomaria-se apenas mais frouxa ou arbitrétia, mas de forma alguma thais precisa e factual. Inversamente, a referéncia dos fatos a teoria exige esforgo na averiguagdo de sua facticidade — uma diferenciagdo empirica de es- tados de coisas que lhes possibilite ser interpretados em especifici- dade temporal. Por exemplo, poder-se-ia tentar descrever a econo- mia de uma sociedade em uma determinada €poca de tal forma que ficasse claro o que seria tipico dela nesse periodo. As respectivas hi- pdteses tipificadoras sao de natureza teérico-construtiva, Para poder usa-las para qualificar os fatos precisamente como histéricos, nZo 86 € necessirio elabord-las de forma altamente diferenciada, mas tequet-se igualmente diferenciados os fatos, ou seja, “tornados mais factuais”; por exemplo: setores da economia sao diferenciados para Reconstrucao do passado 133 se poder distinguir na economia ° tipico do atfpico. Em todo casts a pesquisa tem de indicar com precisiio o que corresponde ao con: to interpretativo no fato a ser interpretado e 0 que ndo correspond an (e inversamente: o que a teoria pode ressaltar ou nao nos f fatas), para continuar a pesquisar nos dois niveis: modificar as teorias ¢ a © a 5 as rincpio essa relaciio tensa no processo de singularizagio interpretativa de teorias e historicizacao de fatos nao pode ape recer, pois é nela que se situa a dindmica da interpretagdo que mow 0 ptogresso cognitive. O progresso cognitive nao é alcangavel nem com a generalizagao crescente das teorias e nem com a singulari: a Gao crescente dos fatos. Afinal, no primeiro caso nao se sabe na sobre tudo, ¢ no segundo tudo sobre nada. ; . Também para a interpretarao existem ciéncias auciliares. Trata- se das ciéncias que produzem o conhecimento te6rico sobre conjun- tos de fatos, em cuja conexdo temporal a interpretagéo tem interes: se; trata-se, portanto, de todas as ciéncias humanas com Presenstss teéricas. E importante, metodologicamente, enfatizar o status de auxiliar dessas ciéncias, para evitar a impressio de que as ciéncias que trabalham sistematicamente, e ndo historicamente, poem a dis- posicdo das ciéncias histéricas o saber tedrico explicativo com que estas articulariam os fatos averiguados pela critica das fontes = processos histéricos. Esse saber justamente nfo possui a dimens' istéri essaria a essa articulacao. ae gomente 0 trabalho de pesquisa do historiador com os constru- tos tedricos de sua interpretagZo 0 transpde para essa dimensfio. As operagies substanciais Nas operagdes substanciais da pesquisa historica trata-se do que foi levantado das fontes e interpretado como “historia . Suas regras determinam o ponto sobre o qual devem incidir as perguntas, que informagdes dever ser extraidas das fontes ¢ que contextos cons tituem o carter histérico dos fatos do passado. Se nas cperagies processuais da pesquisa se tratou de regras que garantem sua a 134 Jorn Risen dindmica, agora se trata do conteido dessa forma, da histéria como contetido experiencial de histérias (proposigdes histéricas), que deve ser aprcendido no proceso dindmico do progresso cognitivo. , o que ¢ e pode ser obtido das experiéncias do passado como histéria n&o é originalmente um problema das regras da pesquisa, mas das perspectivas acerca do passado humano. Deve ser focali- zado no passado aquilo que informa as pessoas, que presentemente agem € sofrem, sobre a época de seu agir ¢ de seu softer. Trata-se da tepresentagdo de um processo temporal, que associa a expecta- tiva do futuro “realisticamente” a experiéncia do passado e associa a experiéncia do passado “idealisticamente” & expectativa do fatu- ro. “Realisticamente” quer dizer que se deve ceder 4 pressio da experiéncia temporal sob a qual a acéo acontece ¢ “idealisticamen- te” significa que se deve ceder a pressio do excesso de expectativa temporal sob 0 qual acontece a agdo (em sua condugde intencional). A compatibilidade dos dois é uma questio da identidade humana, Eun altima instancia, o que ¢ “historia” é decidido pela autodetermi- nagdo do homem no jogo da experiéncia temporal e da expectativa temporal, das mudancas lembradas ¢ das mudang¢as intencionadas dele prdprio e de seu mundo. ; Desejo, a seguir, delimitar e ordenar — sob essa ética da iden- tidade humana — © campo de atuagSo das regras metédicas que determinam a pesquisa “substancialmente”, isto ¢, organizam sua facticidade. Como ja indiquei mais acima,” essa ordenacio trata de examinar metodologicamente o progresso do conhecimento por meio da pesquisa de acordo com o principio do reforgo de identida- de, constitutivo da ciéncia. Para tanto, posso utilizar sem maiores problemas tanto a abordagem histérica como a sistematica da teoria da histéria. A histérica aborda a superagao do historicismo ¢ de seu legado, e a sistematica diz respeito 4 distingdo e a correlacdo entre os métodos hermenéutico e analitico na pesquisa histérica. Ambas quest6es convergem no mesmo assunto, ou seja, na per- gunta sobre o contetido objetivo da pesquisa. Eu acredito que s6é Cf. mais detalhadamente em I, p. 56 ss. CE p. 109 ss. Reconstrugao do passado 135 possivel encontrar uma solucao razoavelmente satisfatéria para esse problema de métodos quando se chega ao ponto em que as regras da pesquisa convertem o principio do reforgo da identidade no trabalho concreto com as fontes. Reforgo de identidade significa que a dinfmica do progresso cognitivo em que o pensamento histdrico ingressa, por meio da regulac&o processual da pesquisa, € transposta para 0 processo de autocompreensdo humana mediante a lembranga histérica, para for- magio historica da identidade no trabatho de interpretagao da cons- ciéncia histérica. Com o saber histérico obtido pela pesquisa, o su- jeito desse saber (todos aqueles que se entendem, na comunicagao da narrativa historica, quanto a sua posigdo relativa nas mudangas temporais de seus mundos) tem a oportunidade de se auto-interpre- tar nos campos ampliados ¢ aprofundados da experiéncia histérica. Seu eu adquire novas dimensées temporais. Bu gostaria de descrever em seguida a maneira como esse refor- ¢o é realizado por meio da pesquisa. Como indicady acia, a distin- do entre as concepgées de método hermenéutica, analitica e dialé- tica, que decidem sobre o contesdo material da pesquisa, refere-se a tras dimensdes ou camadas da auto-interpretacio dos sujeitos, estéo sistematicamente interligadas.*" Nao me interessa, com a distingao metddica das trs concepgdes de pesquisa, descrever historicamente os passos evolutivos da pesquisa histérica, nem tampouco decidir controvérsias quanto a abordagem da experiéncia histérica. Interes- sa-me, isso sim, desenvolver uma argumentag4o que revele siste- maticamente 0 potencial metédico da pesquisa do ponto de vista do reforco de identidade. Vale ressaltar que essa andlise da pesquisa sc- gundo a ldgica da formagiio histérica da identidade pode servir para ajudar a esclarecer tanto o processo de desenvolvimento histérico quanto as controvérsias atuais sobre as concep¢es do metédo. Ela possui o status de construto diferenciado das concepgdes metodo- logicos da pesquisa. Por um lado, ela pode ser utilizada como meio ideal-tipico para a reconstrugio da evolugao no tempo dos métodos histéricos e, por outro lado, como sistema de referéncia, no qual se CE p. 116 ss. 6 Jorn Risen SA erm masen pode formular estratégias para a solugao de controvérsias metodold- gicas atuais acerca da pesquisa. As trés concepgées do método descritas a seguir estdo inter-re- lacionadas cm um contexto complexo. Para favorecer a clareza da argumentacao, descrevi-as esquematicamente, tanto as concep¢gées em si quanto sua inter-relagdo. No primeiro caso, sigo esquematica- mente a dinamica das regulagdes processuais. Contento-me, pois, 4 guisa de introdugdo, com uma caracterizacao bem geral, pata es- pecificd-las mais adiante, no esquema da heuristica, da critica e da interpretagZo, No outro caso, destaco, na concepedo hermenéutica e analitica, as oposigdes ¢ acentuo-as, mesmo deliberadamente, para tomar plausivel sua mediaggo ¢ sintese como concepcao “dialética”. Deixa-se de lado que, na pesquisa concreta e em sua regulagao me- tédica nunca se trata de altemativas excludentes, ¢ que elementos das trés concepgdes — obviamente em hierarquizagées ¢ sinteses di- ferentes — determinam a pesquisa histérica. Hermenéutica Quem reconstréi o passado metodicamente por meio da her- menéutica, parte de uma experiéncia histérica propria e de uma auto-interpretagdo propria, nas quais o tempo, como fator inten- cional, desempenha um papel importante. Imagina-se que as mu- dangas temporais do homem e de sev mundo sio movidas pclas mesmas forgas, que sSo introduzidas no jogo da vida prdtica para poder se afirmar no passar dos tempos e se fazer valer. A histéria € constituida a partir da lembranga como um contexto de sentido, no quai as intengdes individuais se encaixam sem Tupturas, ow a0 menos se associam. A representagdo histérica de continuidade, que garante sentido, perpassa o direcionamento intencional das agdes humanas atuais. A experiéncia historica é a experiéncia das determinagdes de sentido empiricamente pré-formadas do pré- prio presente. O passado encaixa-se nessa concepedo de histéria na medida em que scus vestigios no presente (fontes) sempre falam a linguagem do historiador-intérprete. O sentido da historia reflete-se Reconstrugio do passado 137 nos enunciados das fontes; eles pré-formam sua interpretagdo histo- i sinais de sua relevancia. ; , me ‘* experiencia histérica, apreendida e apropriada por neo pesquisa, é antes de mais nada tradigao (antes de qualquer ciéncia). No decorrer da racionalizacio especificamente cientifica, a one riéncia da tradig&o torna-se o questionamento dos residuos. ss destradicionalizagdo pode ir mais ou menos longe ¢ a relagdo ent © significado tradicional ¢ a informagao das fontes, obtida exitcae mente, pode ser definida diferenciadamente. No caso da concep¢: hermenéutica da pesquisa, a desvalorizagao da tradi¢ao da-se come requisito necessario 4 pesquisa, pois sem o distanciamento a ° pesquisador e objeto da pesquisa nao sao possiveis inves gag Ses criticas e racionalidade metédica. A destradicionalizapao do pas: e do, que o torna res{duo pesquisdvel, encontra na hermenéutica me mite: basicamente, a interpretag&o dos residuos continua Presa ae guagem, que faz, dos préprios resfduos, tradigao. Na ermenéui ie é apreendido pela pesquisa, na expenéncia do passado, um comsexto histérico de sentido, cujos critérios determinantes também P ‘ cem a tradigdo presente nos testemunhos do passado. A nistéra Gum contexto temporal de fatos do passado, que se pode comp: oa r, quando se interpreta os fatos 4 luz dos significados que lhes foram atribuidos na forma de objetivagdes culturais das intengdes humans Hermeneuticamente, a histéria ¢ sempre, cm seu amago, bist ria cultura. Ela encontra sua unidade — sua delimitagao categorial come experiéncia histérica temporal especifica — no critério do potencial de criacdo cultural do espirito humano ou, como também se pot en a dizer, na existéncia da linguagem instituida do mundo. Na compre ensio investigante da concep¢ao hermenéutica da hist6ria o passed constitui-se como representagao do movimento temporal, no qui ri presente adquire os tragos de sua propria humanidade edo qual el assume sua humanidade como obrigacao nonmativa de sua pritica. Por causa de seu carater “constitutivo”, uma ciéneia da histéria concebida hermencuticamente tem afinidade de principio com aarte. A hermenéutica confere 4 experiéncia histérica um carater estético. HCE Lp. 81 ss. is Jorn Risen Isso tem resultado em dificuldades para a metodizagao. E sabido que Gadamer opée os resultados cognitivos da compreensao contra a racionalidade metédica da ciéncia da histdria.? Nao obstante, a compreensdo nao sé pode ser pensada como processo de pesquisa, no contexto sistematico da tegulagdo pela heuristica, pela critica e pela interpretacao, como também sé pode ser realizada na pratica. Pode-se acusar esse direcionamento “humanistico” da concep- g&o hermenéutica de pesquisa de ingenuidade e estreiteza empirtica ou tacanhez de espirito. Ou ainda de que ela se dirigc somente aque- las experiéncias do passado que seguem as pegadas de uma deter- minada compreensaa numa cultura especifica (a do historiador ou ade seu publico), excluindo assim outras culturas da teferéncia a experiéncia da consciéncia histérica. Essa critica nfo é de todo in- fundada e leva a uma outra concepgao da pesquisa, a analitica, que abre campos novos ¢ diferentes a experiéncia histérica. Hla nao deve negligenciar, contudo, os resultados que a concepcao hermenéutica da histéria promove ua pesquisa. Ela dispara sua atividade ao se de- Parar com as dificuldades de compreensdo, na incompreensao que as manifestagdes atuais do passado causam ao contrastar o ser diferente do passado com o presente. A pesquisa hermenéutica resolve essa in- compreensio, toma o tempo estranho compreensivel e amplia assim © horizonte da compreensdio em perspectiva temporal. Justamente essa ampliagao é elevada pela concep¢io hermenéutica da pesquisa a condigao de principio metédico. Ela transforma a tradigdo até o limite dos residuos, dentro dos quais ela ainda permanece compre- ensivel, e toma ao mesmo tempo progtcssivamente compreensiveis residuos até ento incompreensiveis e excluidos da tradigao. A marca do humano conduz a zonas de tempo nfo desvendadas (compreendidas), Assim, por exemplo, o historicismo desvendou hermeneuticamente a Idade Média para além dos limites da compreensio do Humanismo e do Huminismo. Em termos de ciéncia da histéria, a concepeao hermenéutica da Pesquisa encontrou sua expresséo mais significativa na concepgao *Gadamet, Wahrheit und Methode (1 1). Reconstrucao do passade 139 cientifica da histéria das ciéncias compreensivas do espirito.* Droysen explicitou sua logica da pesquisa de forma até hoje insuperada." Dilthey fez de sua forma de conhecimento o tema dominante de sua filosofia®* e Gadamer desenvolveu-lhe o elemento da tradigao, que caracteriza o pensamento hermenéutico antes de sua especializagao emetodizacao.® A tendéncia de considerar a tradig0, como cria¢aéo cultural, predominante sobre o distanciamente critico dos residuos a serem pesquisados, tipica da concepgio hermenéutica da pesquisa, tem conseqiiéncias decisivas para a heuristica, A questo histérica da pesquisa assume a forma de uma conjectura acerca dos contextos de sentido nas mudaneas temporais do passado. “Sentido” significa um contexto proprio as sucessivas ages no tempo, situado no plano das intengées, interpretagdes e orientagdes dos agentes. A questo heu- ristica fundamental da hermenéutica €: o que é compreensivel nes processos temporais das mudangas no passado do homem e de seu mundo, isto é, reprodutivel no plano das orientages intencionais do agir? Seu principio metédico da plausibilidade explicativa exige que, ao sc buscar entender as mudangas temporais do mundo huma- no que se dio no contexto do agir, se examine os determinantes de sentido préprios que os agentes incutiram em suas diversas ages. E preciso compreender os agentes, se se descja saber 0 que realmente aconteceu por causa de suas acdes. As suposicdes de sentido preconcebidas heuristicamente podem ser, assim, controla- das intersubjetivamente. Elas podem ser sustentadas pelo conheci- mento prévio da influéncia (mesmo inconsciente) das intengdes de agir, ¢ contrastadas com as caréncias de conhecer as interferéncias ou os efeitos intencionais da vida pratica como fatores de sua evo- lugdo temporal. Para a conceppao de ciéncias do espirito compreensivas, compare J. Risen, Theorien im Historismus. In: Rasem/H. Sissmuth (Ed.), Theorien in der Ges- chichtswissenschaft, Disseldorf, 1980, p. 13-33. 4 Droysen, Historik, ed. Leyh (4) SSW. Dilthey, Einleitung in die Geisteswissenschaften (Gesammelte Schriften, v. 1), Stuttgart, 1959; do mesmo autor: Der Aufbau der geschichtlichen Welt in den Geisteswissenschafien (Gesarnmelie Schgriften, v. 7), Stuttgart, 1958. % Gadamer, Wahrheit und Methode (11). 140 Jorn Risen A heuristica hermenéutica traz para o horizonte do interesse de pesquisa as fontes que podem valer como intencionalidade abjetiva- da, como manifestacio das intengdes e interpretagdes determinantes © orientadoras do agir, nas quais se supée estar 0 contexto histérico de sentido. Outras fontes que nao contenham esses vestigios de sen- tido so deixadas de lado pelo interesse histérico ou recebem apenas importancia secundaria como fonte de informagdes relevante para a compreens4o das fontes propriamente ditas. Na Ppratica da pesquisa, essa heuristica domina a histéria politica factual, que procura acon- tecimentos politicos passados naquelas fontes, em que as intengdes que orientam os agentes esto mais bem documentadas. O exemplo histérico mais conhecido ¢ o tratamento das telagées intemacionais de Veneza por Ranke, que apresenta a rede de interagdes politicas (exteriores), 4 luz de anilises diplométicas, de forma tal que 0 pro- cesso dos acontecimentos politicos toma-se compreensivel na pers- Pectiva do jogo de trocas entre intengdes e estimativas dos agentes principais. Essa heuristica esta também na base da estratégia atual de pes- quisa, que quer tomar compreensfvel os grandes acontecimentos Politicos como a Revolucao de Outubro ou a politica racial nacio- nal-socialista na retrospectiva, apoiada nas fontes, das intengdes de- terminantes dos principais agentes, ou seja, compreender historica- mente a estratégia revoluciondria de Lenine ou a Joucura racial e 0 anti-semitismo de Hitler, A heurfstica hermenéutica no limita a visio histérica, porém, 4 mera hist6ria factual (embora a prefira come encadeamento com- pteensivel das agdes pelas intengdes dos agentes). Ela dirige o olhar hist6rico para as fontes que tornam compreensiveis sistemas abran- gentes de apo. Ela confere relevancia especial as fontes que repre- sentam a cultura de uma época. Tais fontes contém assergdes sobre o horizonte espiritual em que ocorreu 0 processo temporal do passado © prometem informacao sobre os critérios de sentido predominantes que podem ser utilizados no juizo histérico sobre as agGes apreen- siveis hermeneuticamente, ¢ apropriadas para fins de orientagao no presente. A heur{stica hermenéutica coloca diante do olhar histérico, como fontes desses “fatos universais” (como Burckhardt os cha- Reconstrucdo do passado wa. mou), os grandes documentos da tradi¢do referentes 4 politica, arte, teligido e ciéncia — que abrangem a histéria factual em sua estrutura semAntica interna.” A critica hermenéutica retira das fontes fatos que sio compre- ensiveis sobretudo por causa das agées intencionais e de suas com- plexas conexdes sincrénicas e diacrénicas. Nos “fatos universais” mencionados acima nao se trata mais de uma ac¢do intencional ou de um complexo de agGes, mas de sistemas de orientaco de ages, de “significados” que sustentam culturalmente as intengdes ou, em outras palavras — tomando a formula de Max Weber — de “ideias > que direcionam os interesses.** De acordo com 0 tipo de facticidade investigada, existem procedimentos criticos distintos. Em cada caso twata-se de extrair das fontes aquelas informagGes que se referem 4 facticidade de estados de coisas passados (ages, conexdes de agdes) €, a0 mesmo tempo, sua compreensibilidade, sua qualidade cultural (“cultura” entendida como esséncia das determinages de sentido que orientam o agir). A critica das fontes extrai, pois, informagdes qualificadas sobre fatos que podem ser entendidos como atos de fala. Ela apreende fatos que remetem, por si mesmos ao significado que tém em conexdo (possivel) com outros fatos (tal como agdes motivadas ¢ realizadas pela expectativa da reagZo de outrem). ; A heuristica naturalmente favorece fontes lingiiisticas ¢ a cri- tica preocupa-se com uma facticidade que no perca esse carater lingiiistico. Ela nao transforma as fontes em residuos pura e simpies- mente, cujo significado hes seja extrinseco (conferido somente pela interpretagdo), mas em residuos que continuam sendo “tradigfo”, na medida em que manifestam nfo apenas acontecimentos ¢ estados de coisas extrinsecos (por exemplo, um contrato ou uma. constituiga0), mas também sua compreensao pelos proprios atores (a estratégia po- litica dos contratantes com suas miltiplas segundas intengdes ou a interpretagdo de uma constitui¢&e por seus sujeitos, que nem sempre corresponde ao respectivo sentido literal). ” 3, Burckhardt, Griechische Kulwurgeschichte, v. | (Coletanea, v. 8, ed. por F, Stabelin), Berlin, 1930, p. 4. | ™ M. Weber, Introducio a Die Wirtschaftscthik der Weltreligionen. In: Gesammeite Aufsdtze zur Religionssoziologie, v. 1, Tibingen, 2. ed. 1922, p. 252. 142 Jérn Risen O principio metédico da plausibilidade informativa ou factual, determinante para a critica das fontes, expressa-se hermeneutica- mente como unidade da compreensibilidade e da facticidade. Ele depende de um pressuposto (categorial) da teoria da histéria que admite a existéncia de um espirito humano subjacente as toudancas temporais do homem e de seu mundo. Esse espirito comum a todos os homens da forma lingiiistica a essas mudancas operadas por ele e as tornam compreensiveis dessa forma precisa. A critica das fontes apreende ¢ registra a facticidade das mudangas no tempo € no espa- go de maneira tal que sua interpretagSo lingiistica pelos agentes (em geral pelos atores do agir que causa a mudanga) permanece parte integrante (qualidade hermenéutica) dessa facticidade. , A interpretagao hermenéutica adquire sua plausibilidade ex- Plicativa dessa qualidade interpretativa dos fatos. Ela organiza 0 contexto histérico dos fatos compreensiveis pelo fio condutor da importancia que os toma compreensiveis. Ela historiciza essa com- Preensao ao interpretar as mudangas temporais como transforma- goes das intengdes ¢ interpretagdes do agir que causa a mudanga. Fla interliga os fatos compreensiveis do passado no plano de seu signi- ficado para os interessados (em geral os atores da mudanga — mas isso ndo € obrigatério, porque os fatos também so compreensiveis desde a perspectivas das vitimas). Os fatos sio interligados pela in- terpretagdo, em sua seqiiéncia temporal, como contextos de sentido. Assim, por exemplo, séries de ocorréncias politicas sio compreendi- das historicamente como processo de formagdo de uma consciéncia nacional e de seu formato estatal. _ A plausibilidade explicativa de uma interpretagdio hermenéutica vive da naturalidade com que se pode explicar 0 agir mediante indi- cago de seus motivos (intengées) determinantes.” Nesse sentido, a interpretagaio hermenéutica ¢ particularmente adequada ao esquema de explicagao intencional. Destaque-se, no entanto, que ela natural- mente the confere uma forma narrativa. Ela conecta agdes explicadas intencionalmente a seqiiéncias temporais servindo-se de um modelo de pensamento no qual essa conexdo leva 4 Tepresentagdo histérica Reconstrucdo do passado 143 (de continuidade), como se a seqiiéncia de ages fosse uma unica ac3o no tempo, com uma tinica intengdo de agir (que os destinatérios dessa constituigao histérica de sentido reencontrariam como integral temporal) Interpretagdes hermenéuticas conferem aos processos tempo- tais (como conexdes de agdes mediante interagdes intencionais) uma espécie de subjetividade histérica: sao tornados plausiveis por- que “alguém” os teria produzido intencionalmente. Isso néo quer dizer que a plausibilidade das interpretacées hermenéuticas dependa da hipdstase quase-metafisica de um super-homem (mais ou menos velado) como autor dos processos histéricos (embora naturalmente representagdcs desse tipo tenham estado presentes na formagio do historicismo hermenéutico).” Trata-se, antes, de uma subjetividade dos processos histéricos que caracteriza o sujeito de referéncia de uma histéria e nao o sujeito agente de um determinado ato.*! Histéria é sempre a histéria de alguma coisa (de uma sociedade, de um conceito, de uma constituicao, de uma pessoa, de uma relagéio social, etc.), Ela tem um sujeito de referéncia. Hermeneuticamente, as mudangas temporais desse sujeito de referéncia séio explicadas por processos em um plano no qual sejam compreensiveis, vale dizer: em suas caracteristicas préprias, dependentes das intencdes ¢ inter- pretagées dos homens que agem ¢ sofrem. As intenges determinan- tes dessas modificagdes sfio apresentadas narrativamente como uma cadcia de intengdes que se modificam no tempo e explicadas como desenvolvimento ou processo intencional de transformagao. O sen- tido histérico explicativo dessa seqiiéncia temporal de modificagées das intengGes ou das interpretagdes consiste sua direc4o, que deve “©Um exemplo marcante é o significado das representagbes teologicas fortemen- te influenciadas pelo protestantisme em Ranke e Droysen. Quanto a Ranke, cf. C. Hinrichs, Ranke und die Geschichtstheologie der Goethe-Zeit, Gottingen, 1954. Para Droysen, cf. sua extraordinaria asser¢ao: “Nossa fé nos da o console de que uma mio divina nos sustenta, que ela guia os destinos, tanto grandes como peque- nos. E a ciéncia do espirite ndo tem ontra funyao sendo justificar esta £6; por isso ela é ciéncia” (Vorlesung iiber die Freiheitskriege, 1* parte, Gotha, 2. ed., 1886, p.4s). © Utilizo aqui uma distingSo de IL Litbbe, Ceschichtsbegriff und Geschichisinteresse 4), p. 7458. laa Jérn Risen ser tomada, por sua vez, como a diregio de uma intengdo, Humboldt Ppensava numa dire¢do desse tipo, ao atribuir ao historiador a misao de interligar fatos do passado em sua seqiiéncia temporal de manci- ra que se pudesse ver neles o “esforgo de uma idéia, de existir na tealidade”.”* Esse construto (tedrico, como diriamos hoje em dia) de uma forga impulsionadora ideal que movimenta a mudanga tem- poral contemplada pela heuristica fornece a explicac4o histérica da mudanga experimentada pelo sujeito de referéncia da histéria. O fundamento hermenéutico das mudangas pesquisadas é a qua- lidade subjetiva, 2 subjetividade do que muda, Esta subjetividade dos processos histérices consiste em sua qualidade cultural, pensada como estendida no tempo, qualidade essa que a toma compreensi- vel. A hermenéutica permite uma interpretagiio cultural dos estados de coisas histéricos. Para fortalecer seu potencial explicativo, ela pode se servir de construtos teéricos que explicitam a qualidade cultural dos processos histéricos. Tais teorias expdem em que consiste a subjeti- vidade (de referéncia) dos contextos histéricos de fatos compreensi- veis. Entre elas conta-se a doutrina das idéias do historicismo classico alemao, que entretanto apenas raras vezes é elaborada em forma de teoria e aplicada nessa forma na pesquisa (por exemplo, na “Sistemé- tica” da Teoria da Historia de Droysen e, de certa forma, também na teoria das trés poténcias e dos seis condicionantes de Burckhardt)“ Um construto tesrico modemo da interpretag4io compreensiva de con- textos histéricos esta na concep¢io da “cultura politica”, que explica a evolugio politica compreensivamente pela remisséo aos modelos culturais de interpretagao cultural dos respectivos agentes.‘ “W. v. Humboldt, Uber die Aufgabe des Geschichtsschreibets, In: Werke, ed. por A, Flitner ¢ K, Giel,v. 1, Darmstadt, 1960, p. 605. 80 préprio Humboldt contestaria cssa construtividade. Em vez disso, falaria de uma visio estética, do produto de uma imaginag4o especificamente histérica (parentada & artistica). E certo que as conhecidas reflextes de seu discurso na academia — recolhidas pelo historicismo alem&o como seu manifesto programiti- €0 ~ nfo foram pensadas como uma metodologia da pesquisa. Uma visto meté- dica estaria bem mais préxima de um construto interpretativo hermenéutico dos contextos culturais. “ Droysen, Historik (4), p. 285 ss., Burckhardt e nota 44, cap 1. “A titulo de resumo, P. Reichel, Politische Kultur. In: M. Greiffenhagen et alii Reconstrugao do passado 145 Em principio, todos os campos da experiéncia histrica podem ser qualificados — em termos de histéria cultural — pela concepgaio de pesquisa da interpretagao hermenéutica. Assim, no se tem uma limi- tagdo apenas ao campo “histéria da cultura” da experiéncia histérica, mas 4 qualificagao é possivel para todo ¢ qualquer carater historico da experiéncia histérica. E possivel, por conseguinte, interpretar her- mmeneuticamente a histéria da economia como representagio histéri- co-cultural, na forma de estilos econémicos, por exemplo. Processos econdmicos tornam-se aqui compreensiveis a luz das intengdes dos atores econdmicos (fala-se entio de atitudes econémicas ou algo semelhante). A luz de sua interpretagiio hermenéutica as mudangas econémicas aparecem, como formagao, modificarao, perda, transfor- magdo, cruzamento etc, de estilo.* Este ultimo exemplo naturalmen- te no pode dissimular que a concep¢ao metédica da pesquisa na in- terpretagao hermenéutica é utilizada preferentemente quando se trata de elaborar a experiéncia historica de maneira que torne plausiveis as pretensdes culturais de identidade historica, ou — puma formulacao mais dura: fundamente hegemonias culturais. (Obviamente os inte- resses econdémicos nao estéo de modo algum exchuidos.} Analitica Acconcepgiio analitica de pesquisa nao esta orientada pelas preten- sdes de hegemonia cultural, mas pela intengdo de relativiz4-las e enqua- dra-las em requisitos de plausibilidade de tipo ndo-cultural. El faza historia da cultura parecer reflexo de uma historia totalmente diferente. A analitica desloca o peso da experiéncia historica para 0 campo, que Karl Marx descreveu com as seguintes palavras programaticas: . ‘érterbuch zur politischen Kultur der Bundesrepublik: Deutschland. a head Nackochlagemerk, Opladen, 1981, p. 319-330; do mesmo autor: Politische Kultur der Bundesrepublick. Eine Einfthring. Leverkusen, 1981; D. Berg-Schlosser, Politische Kultur. Eine neue Dimension politikwissenschafil {inchen, 1972. / 1 Mthe: emack, Genealogie der Wirtschaftsstile. Die geistgeschichtlichen Unspriinge der Staais- und Wirtschafisformen bis zum Ausgang des 18. Jahrhun- derts, Stuttgart, 1941. 146 Jorn Rusen Sane [...] Nao se parte do que os homens dizem, imaginam, Tepresentam tampouco dos homens ditos, Pensados, imaginados, representados, para entao se chegar aos homens reais. Parte-se dos homens real- mente atuantes ¢ de seu processo real de vida Para se representar também a evolugao dos reflexos ¢ dos ecos ideolégicos desse mesmo Processo de vida, Com isso, a moral, a religido, a metafisica e outras ideologias com as formas de consciéncia correspondentes nao mais mantém a aparéncia de autonomia, Nao tém histéria, nao tém um de- senvolvimento, mas os homens que desenvolvem sua produgdo e sua circulagdo material modificam, com essa sua Tealidade, também seu Pensamenio ¢ os produtos do seu pensamento.”” A pesquisa histérica nao mais se ocupa, ha concepgdo do méto- do da analitica, coma qualidade temporal de agdes compreensiveis, mas com a qualidade temporal do contexto de efeitos das mudangas operadas por circunstancias externas ao agi (ao contrdric das inten- des internas). Nao sc fala mais agora de construtos Culturais ideais, mas de modos de produgdo, de apropriagao material da natureza, de relagGes de poder, de estruturas sociais, enfim, de circunstancias e condi¢des sob as quais ou nas quais 0 agir s6 pode acontecer se suas intengdes obedecerem a elas, Utilizando a distingae tradicional — de- senvolvida por Droysen e Dilthey — entre a metodizagao hermenéu- tica ¢ a analitica, ndo mais impottam os contextos compreensiveis do sentido, mas os explicaveis de efeitos. Nessa concepedo de pesquisa, as fontes nao sio mais inves- tigadas, criticadas e interpretadas como portadoras da tradigaéo da constituic¢do de sentido histérico a ser realizada pela pesquisa, mas sim como residuos que manifestam as condigdes sob as quais foram possiveis as criagSes culturais que formam a tradigao. A pesquisa apreende a experiéncia histérica como um campo de mudangas tem- porais que possuem carter “de tempo natural”. Sdo mudancas que nao sao induzidas por atos intencionais. Pelo contrario, so elas a de- terminar o agir. Trata-se de fatores de mudanga que pdem um desafio ““K. Marx. Feuerbach, In: Marx-Engels, Die Deutsche Ideologie. Citado segun- do a edi¢ao critica em Deuische Zeitschrift far Philosophie, 14, 1966, p. 1206 (MEW ~ Marx - Engels - Werke, v. 3, p. 26 s.), Reconstrucao do passado waz 4 determinagao do sentido do agir. Diante deles ha reagoes, cieltes cuja origem nao est neles mesmos, no sentido de uma origin td ade cultural criativa, mas fora deles. Vista desde este oa ae ue ra aparece como o reflexo de um movimento temporal nx ee emo sua origem. Essa viséio esta determinada pela experiéncia ae ss mudancas temporais do homem ¢ de seu mundo se do semp! © de forma truncada com relagao as intengdes atribuidas aos Brocessas temporais: a pesquisa histérica investiga analiticamente os m ssas ocorTéncias. ws wont de efeitos” como contraconceito de“contexto de sen tido” exprime que se trata de uma Tepresentayio na qual osP processes temporais desenvolvem uma vida propria objetiva com relagao 4 significado subjetivo e a suas intervengoes intencionais. O temps histérico produz-se em circunstancias e condicdes outers 2 as 4 de forma tal que sua determinag&o interna, a mancira Portanto eo ne os agentes interferem no processo temporal mesmo da org nizag fo de sua propria vida, nao é decisiva para ° proprio proceso fem ral. O “sentido” dessa representagao da histéria como | orien fora te pesquisa consiste em tornar cognoscivel essa dependéncia lo “si i“ do” (como determinagao do agir ¢ orientagao da Prins) 7” Process temporal. Dessa forma, nela, a objetivagao do sentic | lo pi ssado nas fontes nao ¢ determinante para o Proceso temporal f ser pre endido pela pesquisa. Nao se consegue extrair dos significa wa au as fontes possuem, como portadoras da tradigZo, o que o ‘te tem de especificamente “hisiérico”. S6 se pode encontar 9 que as revelem, aquém ou além de tais manifestagoes da igaio, var “ as circunstancias ¢ condigdes de agir edo sofrer humanos pes adios. A analitica pergunta para além do horizonte de compreen: Bo aber to pelas fontes ao fazerem aparecet 0 agir eo softer pass: ée autocompreensao dos agentes. Melhor dizendo. ela ergunta, Por detras desses horizontes, pelos motivos, impulsos, necessi ias da vida pratica humana. consi iors se encontram no campo no qual os homens s¢ exe riorizam nas condigdes objetivas de sua vida pratica para po \ x ve Por certo, em primeiro lugar, nos processes da Oe ae nos quais a natureza externa ¢ apropriada pela pratica. Na real dessa apropriagao necessdria a sobrevivéncia, exterioriza-se — nas circunstancias ¢ condigdes de seu ambiente — a subjetividade do ho- mem, a que a hermenéutica dedica sua atengio histérica na pesquisa. A analitica da pesquisa histérica dirige 0 interesse histérico pata ° efeito, que essas circunstancias e condicées causam no homem Um exemplo paradigmiatico da qualidade experiencial dessa cficdeia é a dependéncia econémica e de género do agir humano. Trata-se da corporeidade ¢ da matcrialidade da imagem cultural da subjetivi- dade humana €m sua especificidade, com sua capacidade de mar- caro espirito, Cujos tragos a hermenéutica mostra na corporeidade ena materialidade de suas objetivagdes. A analitica opera a prova real histérica: ela decifra a forga das circunstancias na escrita de sua apropria¢do cultural. Com isso ela coisifica as tradigdes como tesi- duos de forma muito mais decisiva do que a hermenéutica. Ela d4 arene © passo decisivo, no qual a semantica cultural do passa~ leixa de ser a condi aii istori Fl isove a tiga may etd nn Hes, : O melhor exemplo dessa situagdo é 0 método quantitati insignificancia da sua medigao quantificadora, os dados do paste perdem a medida do significado Presente neles, que os qualifica cul- turalmente. Isto soa mais antiquado ¢ antimodemo do que realmente é (com TelagGo 4 evolugdo dos métodos da pesquisa histérica). Essa decidida desqualificagio das fontes, fazendo da tradig’io residuo, abre campos da experiéncia histérica aquém e além dos que a her- menéutica abrange, cao mesmo tempo possibilita interpretacdes his- toricas (pode-se falar, com outras palavras, de airibuigdes de sentido culturalmente criativas) que vao além da capacidade orientadora do saber histérico obtido pela hermenéutica. Em tltima anélise, o saber histérico s6 pode orientar a vida pratica do homem ge esse campo da experiéncia lhe for aberto pela pesquisa, no tempo que lhe for contraposto como limite de sua subjetividade nas telagées praticas consigo mesmo ¢ com seu mundo, como experiéncia da resisténcia das mudangas as suas interpretacdes, vai A heuristica anallitica Pergunta pelos desenvolvimentos tempo- 's nos campos da vida humana pritica, nos quais intengdes ¢ inter- pretagdes dependem das circunstincias ¢ das condigdes. A conjectura Reconstrugao do passado wg histérica abrange os contextos estruturais das condigées do agir de Jonga duragdo, que pré-formam o espago do agir intencional, sem ter sido necessariamente integradas na sua capacidade de orientacao cultural (ou seja: sem terem sido assim entendidas pelos sujcitos). A suposicdo de sentido da heuristica analitica passa propositadamente ao largo dos estoques de sentido do passado que esto conservados na empiria histérica como cultura. Bla trata dos efeitos de fatores de tipo no-intencional na mudanga temporal do homem e de seu mun- do. Essas mudangcas n4o podem ser compreendidas por meio da in- teracfio, mediada pela linguagem, dos agentes ¢ dos pacientes, Elas incluem essa interacdo ainda na forma de condigdes objetivas de vida ou mesmo de quase coergdes, que nao se subordinam 4 compe- téncia deciséria do agir intencional, mas — inversamente — definem o alcance ¢ 0 tipo dessa competéncia mesma. O sentido histérico heuristicamente suposto é um conjunto de efeitos de tipo objetivo, ou seja: as relagdes entre oscilagdes clima- ticas, produgdo de géneros alimenticios, evolugiio dos pregos e con- digdes de vida de varios grupos ou segmentos, ou um complexo pro- cesso de longo prazo de crescimento econdmico ou ainda o aumento do grau de diferenciacao funcional em um sistema social. A intengao de dirigir 0 questionamento 4 experiéncia do passado visa a explicar os processos temporais, por meio da investigagéo dos fatores ob- jetivamente ativos, justamente quando esses processos ndo podem ser compreendidos pela investigagao das intengdes subjetivamente ativas, Em outras palavras: trata-se de compreender o agir mediante explicagdo. Ou seja: situar 0 agir de modo tal no conjunto dos fato- res objctivamente ativos que sua realizagiio por causa desse conjun- to possa ser entendida em seu efeito sobre o sujeito ¢ suas agdes. O principio fundamental da plausibilidade explicativa baseia-se na simples experiéncia do cotidiano de que as coisas nao acontecem como queremos, porque seu curso é determinado por fatores sobre os quais ndo temos nenhuma influéncia. Como principio metédico da heuristica, ele volta o olhar histrico para as dimensdes da expe- tiéncia temporal, nas quais as ag5es so determinadas por circuns- tancias ¢ relagdes ainda n4o integradas nas intengdes ¢ orientagdes que orientam o agir. A visio analitica da heuristica segue a opiniao 15 © Jorn Risen SO orm izes de Talleyrand, que teria dito que a linguagem serviria apenas para esconder Seu pensamento. Essa visto vai além da linguagem Pal can¢a 0 conjunto de fatores indutores do agir, a que os atores (direta. mente) nao se dirigem nem explicitam. A heuristica analitica ensii 2 a visio histérica o questionar tudo o que esta por detrés do ocorido . (Abusando da metafora: sua plausibilidade baseia-se na experiéncia, cme contest4vel, da manha do mundo humano no proceso — em contraste com a: ivei: inagd sentido da pratica humana que coin) “eterminagdes de Seguindo essa conjectura questionadora, a heuristic: iti Prepara 0 campo das experiéncias histéricas. Ela focaliza atm que dio testemunho das circunstancias, das condigées e circunstan. cias do agir ¢ do softer humanos, tal como influenciaram os agent 5 antes ou depois da respectiva interpretacao (por exemplo. essen, tamentos Paroquiais, que registram comportamentos encadeados) Das fontes preferidas pela hermenéutica, a heuristica poe em televo ‘08 que aparcntemente seriam irrelevantes para a reconstituigdo das intengdes do agir em que ocorreram. Assim, por exemplo, ela ensina a extrait dos sermies nas encomendagdes de corpos fatos sociais que, dirctamente, nao so objeto do ato de fala proprio a pre- gacdio Teligiosa, mas que esta toca tangencialmente ou simplesmente supSe como Sbvios. O agir © o sofrer humano no passado tornar-se empiricamente visivel como comportamento determinado. Interes: a Pesquisa descobrir scus determinantes ¢ sua conexfio estnutural, A experiéncia historica cristaliza-se, heuristicamente, em campo de comportamento observavel que pode scr explicado pelo condiciona, mento causal, ou seja, pela forga das circunstancias. . Da mesma forma, 4 critica analitica interessa-se por fatos de ul on eaenae lo tipo: informagdes que podem ser subsumidas a Te- guar al stratas. ° exemplo paradigmatico desse tipo de fatos formagao estatistica. Ela estabelece com outras informagdes. ae mesmo tipo uma telagdo que representa dados objetivos. Nessa lagdo, a subjetividade daqueles que foram atingidos por esses da- los no tem nenhum valor quanto 4 posi¢ao Assim, por exemplo, objetiva-se a morte de sujeitos - sabidamente um assunto me um grande trabalho de interpretagdio — nos dados de ovatigade, Reconstrucao do passado i51 que exigem esse trabalho de interpretagao, ja que nado contém tragos desse trabalho, mas apenas informagdo sobre as condigGes de vida. Com esse relacionamento dos fatos do passado a contextos tem- porais de natureza genérica, supra-ordenados, a metodologia critica das fontes, da analitica, reveste-se de uma forma especifica de fac- ticidade hist6rica: o singular é subsumido ao geral. Somente nessa forma os fatos se tornam abertos & abordagem tedrica. Os fatos sio Jevantados ¢ elaborados (fixados) criticamente de modo a poderem se integrar nos contextos teéricos. Sua singularidade, na qual subsis- tem por si mesmos no espago e no tempo, desaparece em beneficio da representatividade de processos de maior generalidade. Os pregos concretos em determinados lugares e momentos so elaborados na facticidade abstrata dos valores médios ¢ das taxas de crescimento. Esse procedimento pertence ao dia-a-dia da pesquisa histérica, e esta portanto hé muito fora da polémica acerca da forma tedrica do conhe- cimento histérico. Nao obstante, a pratica cotidiana da pesquisa esta obrigada a seguir o principio metodico da plausibilidade informative (ou factual), que tem muito a ver com os problemas tedricos da cién- cia da Historia. A critica analitica das fontes esté obrigada a seguir 0 principio metédico da generalizag&o possivel das informagées his- t6ricas ou de as poder relacionar de forma abstrata. Os fatos tém de ser relacionados a parametros tedricos que lhes definem 0 conteido jnformativo, A utilizac’o do computador na pesquisa histérica seria impossivel, sem essa transformagao de informagées singulares em dados abstratos, sistematicamente relacionados e comparados entre si, dentro de um sistema relacional complexo. Os fatos tém de poder confirmar, criticar, modificar e refutar as teorias. Os fatos s6 chegam a tanto se forem dissociados dos contextos de sua compreensao no passado — como se viessem a ser neutralizados e desqualificados hermeneuticamente (tomados “insignificantes”): eles tém de ser referidos, “ajustados” aos pardmetros da pesquisa. Eo que acontece com as unidades métricas para distancias, superficies, pesos, cronometria, etc, Tem-se pois que a periodizagao habitual das informacdes das fontes deixa amitide de lado (sobretudo no caso das épocas mais recuadas) a referéncia cronologica das préprias fontes, perdendo assim um fator relevante da compreensio histérica propria SE form sen a cada passado. A desqualificagao do conteido hermenéutico das informagdes das fontes estende-se a todos os campos da experiéncia historica. Ela se toma manifesta sempre que for necessdrio recorrer 4s ci€ncias especializadas (que se tornam pois ciéncias auxiliares da critica das fontes) para uma descricdo exata dos fatos. Assim, exemplo, é preciso identificar e classificar as doengas pela moderna ‘ouuoma médica, isolando-as, portanto, do conhecimento médico ‘ope te con deseja pesquisar sua Propagagao e seu papel ao Esse principio analitico da teorizagSo de fatos ch i nos Procedimentos quantificadores da pesquisa histGroe A awe ficagao de dados histéricos é Por isso também o mefhor exemy lo da conceprao analitica da facticidade aqui referida.“* Nao ostaria veto contudo, simplesmente reduzir 2 concepeae analitica da Pesquisa a quantificagdo, uma vez que se deixaria de lado o vasto campo de pesquisa, em que Suposi¢des tedricas ndo-quantitativas orientam o trabalho de critica das fontes com Tespeito a fatos histdricos teori- zaveis (como ocorre no caso das suposigdes sobre os processos de formagaio de classe, nos quais a distingdo de Marx entre classe em si e classe para si desempenha um Papel importante).” A esse tipo de critica das fontes cortesponde a interpretacdo, Ela estabelece contextos historicos mediante as suposicdes aban. genes de ordem geral ou os construtos tedricos, para os quais a fac- le das informagées das fontes foi preparada analiticamente. De forma mais elaborada, essas suposigdes aparecem como teoria: , que servem para deslindar os processos, explicitando-lhes os fatores objetivamente atuantes. As teorias organizam os fatos obtidos po: meio da critica das fontes como Tegularidades em seu res; ecive Contexto histérico © exercem, assim, além das diversas fungoes clon. cadas acima, uma fungdo explicativa especial. Em principio, todas as concepgGes interpretativas da pesquisa histrica exercem uma A esse respeito, programa i \ ‘0, programaticamente, F. Furet, Die quantitative Geschi de onaniion der geschichilichen Tatsache, In: Baumparter"Rases (ay Seminar: Geschichte und Theoren (),p. 97-117. Mats biblogratia em (12) . I. UNG lassenbil ir Deneck aor ind Klassenbling, Arbeier and Arbeterbowegang i Reconstrugao do passado 153 fungdo explicativa, j4 que se trata principalmente de inserir os fatos do passado no contexto temporal em que cles encontram sua expli- cagiio histérica (narrativa). A concep¢ao analitica de interpretagdo exige, contudo, resultados explicatives especiais, sobretudo quando atua como aplicagéo metédica das teorias. Ela requer a elaboragio formal e material dos contextos histéricos de que decorre o fortale- cimento de sua capacidade explicativa. Formalmente, essa capacidade recorre a regularidades expli- cativas ou a generalizacdes histéricas abrangentes, em forma de teoria. Essa maneira de pensar generalizadora ou construtivista eleva a forga explicativa das interpretagdes histéricas: dados par- ticulares, fatos ¢ complexos de fatos sao articulados com represen- tagées abrangentes dos processos temporais e, com essa articula- ao, explica-se seu contexto histérico. Assim, por exemplo, uma teoria de ciclos conjunturais fortalece a capacidade explicativa da interpretacdo, na histéria econémica, das oscilagées da renda e das modificagdes no mercado de trabalho de uma sociedade industrial. De uma maneira semelhante, processos empiricos complexos (por exemplo, das revolugdes ou das mudancas da semantica politica) podem ser explicados por recurso a uma tipologia processual de seus direcionamentos histéricos no tempo (por exemplo, com teorias de revolugdo ou com a suposigéc de uma modificagao estrutural da experiéncia temporal). Trata-se de construtos tedricos explicativos, que se comportam em rela¢io aos fatos histéricos como uma co- yering law (lei abrangente) ¢, por assim dizer, cobrem explicativa- mente seu contexto temporal. Em algumas das formas da concepeo analitica da pesquisa fala-se, por conseguinte, de legalidades histéricas (sobretudo no marxismo ortodoxo e nas estratégias da quantificagao histérica).*' Esse cnunciado ¢ tanto mais equivoco e enganoso quanto sugere a ® Quanto ao ultimo, penso no assim chamado “teorema das épocas de transi¢a0" de R. Koselleck, Vergangene Zukunft. Zur Semantik geschichtlicher Zeiten, Frank- fart, 1979, passim; do mesmo autor, Introdupio in Brunner/Conze/Koselleck (Ed.), Geschichtliche Grundbegriffe (2). 5 Ver as contribuigSes em W. Kiittler (Ed.), Gesellschafistheorie und geschichiswis- senschafiliche Erklérung (9). 254 Jorn Rasen idéia de que a interpretacao histérica trabalha com conhecimento nomolégico e o utiliza na forma de uma explicagio nomoldgica. E verdade que o conhecimento nomolégico, tal como o produzem as ciéncias Sociais sistematicas, desempenha um papel nada negli- gencidvel na interpretago histérica analitica — mas serve s6 como ciéncia auxiliar para a explicagéo dos contextos de fatos; portanto, no aida dietamente de formular 0 contexto histérico especifico Materialmente, a capacidade explicativa propria do procedi- mento analitico de interpretacao histérica caracteriza-se por partir das condigbes objetivas e nao das intencdes subjetivas dos autores. Ela se concentra na forga das circunsténcias, sob as quais ocorrem as mudangas temporais, ¢ identifica as constelagdes sistematicas das condi¢des da vida humana prdtica para desvelar sua evolugao his- torica, Ela opera desde a perspectiva das coergdes objetivas, que delimitam os espagos de decisdo e a direcéio das mudangas, e recorre a “possibilidades objetivas” na anélise de Pprocessos complexos, “a fim de descobrir determinagées precisas. a Esses aspectos formais e materiais determinam, na concepgio analitica de pesquisa, o principio metédico da plausibilidade expli- cativa, essencial a interpreta¢do histérica. Essa concepgiio adota a forma explicita de teoria explicativa, materialmente vinculada aos Contextos sistematicos dos fatores condicionantes objetivos da vida humana prética ao longo dos processos temporais. Dialética Hermenéutica e analitica sio pdlos de uma telagio de opos- tos, Blas 86 podem desenvolver sua eficdcia como concepgées de pesquisa se mediadas entre si, em que a oposigéo nfo desaparece, mas é articulada. E exatamente isso que se designa pelo termo “dia. Ketica’ . Na realidade ndo se trata de um outro conceito de pesquisa a ser listado ao lado da hermenéutica e da analitica, mas sim de desen- volver as complexas correlacées internas entre a hermenéutica e a 2 Of p. 30s, Reconstrugdo do passado 155 analitica, de tal forma que ambas sejam sintetizadas em um terceiro conceito ou (para usar o termo agora adequado) “subsumidas”. De fato, hermenéutica e analitica de certa forma tendem a scu ‘oposte quando se particularizam e centram em si. Pode-se ao menos fazer o seguinte exercicio mental. Uma vez centrada em si, a herme- néutica torna a experiéncia historica de tal forma subjetiva, que esta perde seu carter histérico na intimidade de um movimento mental cu intelectual no tempo. A histéria é sublimada heuristica, critica € interpretativamente em um contexto diacrénice de sentido da co- municagio humana, diante do qual as circunsténcias exteriores da vida antes parecem disfuncionais ou fatores de perturbag&o. Jacob Burckhardt no hesitou em chamar essa substincia hermenéutica da experiéncia histérica de “existéncia virtual”.”* Essa irrealizacao do propriamente histérico no movimento temporal do homem e de seu mundo empurra a realidade do tempo para um espago de experién- cias no apreensivel pela hermenéutica e que, no entanto, niio deixa de ser hermeneuticamente constatado. O eixo temporal da evolugau historica, presente nas objetivagées culturais do espirito humano, nado fica suficientemente explicado pelas intengdes ou interpretagdes dos respectivos agentes, mas sim pela teia de suas rela¢des comu- nicativas, condicionadas por sua vez pelas circunstancias. A herme- néutica tem de recorrer a esse lado objetivo do processo histérico se niéio quer perder de vista 0 carater histérico especifico das mudangas temporais. Ela se deve abrir a analitica, se no quiser cair nos para- logismos da explicagiio intencional,* isto ¢, se ndo quiser explicar 0 curso real dos acontecimentos como resultado das intengdes de um sujeito metafisico (o que j4 nao se coaduna, em ultima andlise, com as intengGes metodologicas da pesquisa empirica). Inversamente, se a concep¢o analitica da pesquisa analitica, metodologicamente centrada em si, objetivar a experiéncia histéri- ca numa quase-natureza, caimos num determinismo, no qual evo- lugdes histéricas séo derivadas dos conjuntos de circunstancias de modo mais ou menos aparentado a aplicagdo de leis. O avesso de 33], Burckhardt, Gesammtausgabe (nota 41, cap. 1), v. 13, p. 25. CE p.40 ss. 156 Jor Rasen or Rise uma hermenéutica que sublima a experiéncia histérica no movi- mento do espirito criador da cultura é uma analitica que naturaliza a experiéncia histérica no movimento de uma evolugao obedien- te a ieis. A histéria é nesse caso dessublimada pela necessidade coercitiva de processos resultantes de condigdes objetivas.® (Sido exemplos bem conhecidos disso o assim chamado materialismo vulgar e a concepgao economicista da historia.) Também aqui a particularizagao forga o reconhecimento do polo oposto: mesmo que 08 pressupostos da pesquisa, ao recorrer a regularidades le- galiformes scmelhantes As naturais, percam de vista a experiéncia especificamente histérica dos processos temporais, mantém-se sua indedutibilidade a partir de leis gerais. Cabe assim reconhecer, no fato (indiscutivel) da determinagSo de sentido do agir humano, a grandeza — investigdvel — que determina o Processo histérico de uma forma ndo-naturalista. Uma concepgiic de pesquisa centrada unilateralmente na herme- néutica tende a perguntar heuristicamente pelas intengdes que orien- tam o agir, a levant4-las criticamente das fontes ¢ a interpretar os processos histéricos como seqiiéncias de agdes e, com isso, explicd- los intencionalmente. Inversamente, a conceppio de pesquisa cen- trada unilateralmente na analitica, tende a perguntar heuristicamente pelas circunstancias e condigées que determinam o agir, a levanta- las das fontes como determinantes sistematizdveis, a interpretar os Processos histéricos como ocorréncias objetivas quase naturalmente necessarias €, com isso, explicd-los nomologicamente. Nos dois ca- sos hd o risco de se perderem a historicidade da experiéncia histérica € 0 carter narrativo das experiéncias histéricas. 56a mediagao dessas duas concepedes coloca a pesquisa histéri- cana trilha empirica dos processus temporais especificamente histéri- cos € a toma capaz de um entendimento da histéria que no desminta seu sentido narrativo. Pois é nessa mediacao que a intencionalidade, pesquisada hermeneuticamente como fator das mudangas no tempo, “Em J. Burckhardt, por excmplo, esta necessidade natural aparece forgada, como tum lado obscuro quase-biolégico da evolugtio histérica, constituido pela cria- slo cultural do espirito humane. Cf. Jacob Burckhardt, in H.-U. Webler (Bd), Deuische Historiker, v. 3, Gttingen, 1972, p. 7-28, esp. p. 24 5. Reconstrugdo do passado 157 recebe o contrapeso especifico de sua dependéncia das condi¢des prévias e das circunstancias objetivas que imprimem aos Processos temporais diregdes nao-intencionais. E ¢ nessa mesma mediagao que a objetividade analitica dos processes temporais recebe 0 im- pacto de um avesso subjetivo, em virtude do qual esses processos se esquivam da vinculag4o nomoldgica. - O que se quer dizer com essa mediagaio? Trata-se, no plano categorial do pensamento hist6rico, de considerar aquilo que Max Weber distinguiu rigorosamente (dentro de sua estratégia argumen- tativa gnosiolégica neokantiana) como causalidade objetiva ¢ re- Jagdo valorativa subjetiva,* no interior do contexto em que algo como a “cultura” se constitui como objeto da pesquisa histérica. Na argumentagdo marxista, essa mediacdo consiste em tornar os pro- cessos histéricos objetivos concebiveis de forma tal, que essa con- cepcdo seja plausivel como momento de sua efetivagao. Quando se trata de conceber a histéria como a segunda natureza do homem, de que ele se apropria, ao realizar na pratica 0 passo que vai da neces- sidade a liberdade, entio essa liberdade tem de ser mediada com a necessidade, ¢ reconhecida mediante a pesquisa como forga motriz de processos que apontam para o futuro e no esto determinados pela natureza. , ; No plano da pesquisa pratica, a mediagao ainda nao se cons- tituiu plenamente em uma concep¢ao propria de pesquisa, que pu- desse vir a ser claramente distinguida das estratégias de pesquisa hermenéutica ¢ analitica, na forma de sua continuagao mediada. Existem ja indicagdes de tanto, cuja aplicagio metodolégica, con- tudo, ainda nao est4 clara. Pelo contrario, tentativas de delimitagao critica, em parte polémicas, levaram mesmo a distorg6es. Refiro- me ds tentativas de superar a concepgdo analitica da pesquisa, que acentua as condigées estruturais, objetivas do agir — passiveis de teorizac&o — por um novo entendimento da dimensiio subjetiva, i terna, do agir e sofrer humanos no passado. “Cotidiano” e “cultura’ so aqui as perspectivas orientadoras — sendo que cultura, ao con- trario da hermenéutica tradicional, esta localizada, neste caso, na 5M. Weber, Gesammelte Aufsdtze zur Wissenschafislehre (4), p- 175 ss. 158 Jorn Risen camada mais profunda das condigdes objetivas estruturais do agirs” “Cotidiano” é um concepgdo de pesquisa que, neste plano, aborda a subjetividade como experiéncia e interpretacdo de si.* Essa nova concepedo da pesquisa aparece fregiientemente como alternativa para a analitica, mas nfo pode negar que sua plausibili- dade depende exatamente do fato de que as questdes hermenéuticas devem ser postas aos campos da experiéncia histérica apreendidos pela analitica. Que assim seja, que a analitica deva transformar-se em uma nova henmentutica histérica profunda, nao depende tanto de coercdes imanentes 4 pesquisa mas resulta da fungdo pratica do conhecimento histérico. O conhecimento analitico j4 é por si um momento do trabalho de interpretag&o cultural, pertencendo ao horizonte de compreen- so da vida humana prdtica atual, sobretudo quando se refere aos determinantes do processo histérico situados em outro nivel da ex- Periéncia, diverso do que permite teproduzir, pela compreensio, as imtengdes que engendram as interagdes que movem o tempo. Nesse sentido, o conhecimento analitico, como histérico, sempre se transformou em hermenéutica. De que outra forma poderia ele, como historico, elaborar uma Tepresentacéo abrangente do tempo histdrico, na qual o trabalho intelectual analitico possua relevancia, fungao orientadora pratica, mediante a qual os dados tradicionais de sentido so mediadas com a vida pritica atual? Como parte do quadro de referéncia de orientacdo hermenéutica da vida pratica atual, 0 conhecimento histérico analitico tem de incluir uma marca hermenéutica, mediante a qual se conecta com os componentes tra- dicionais da orientap4o (tao criticamente quanto quiser). Sem esses elementos hermenéuticos, seu comportamento em relacao 4 fungdo hermen8utica do conhecimento histérico seria disfuncional. *"CE. 0 ensaio programitico de H. Medick, “Missionare im Ruderboot?”, Ethnoto- gische Erkenntnisweisen als Herausforderungen an die Sozialgeschtchte (13). *Além disso, L. Niethammer, Das kritische Potenzial der Alltagsgeschichte, Geschichtsdidaktik, 10, 1985, p. 245-247; do mesmo autor: Anmerkungen zur Alltagsgeschichte, Geschichtsdidakiik (5), 1980, p. 231-242; K. Beremann/ R. Schorken (Ed.), Geschichte im Alltag — Alltag in der Geschichte, Ditsseldorf, 1982; ¢ ainda as contribuigdes para a histéria cotidiana em A. Nagl-Docekal/ F. Wimmer (Ed.), Neue Ansditze in der Geschichtewissenschaft (13). Reconstrucdo do passado 159 Esse argumento sugere, tendo em vista a necessidade de mediar a hermenéutica e a analitica em termos de estratégia de pesquisa e de metodologia, que deve falar numa primazia da hermenéutica, fundada na fun¢ao hermenéutica do conhecimento histdrico. So em uma dimens&o hermenéutica (aprofundada e ampliada analitica- mente}, 0 conhecimento histérico pode assumir realmente (eficaz- mente) a funciio de orientag&o, para a qual, em ultima andlise, foi tido pela pesquisa. ° $ ‘conhevimento analitico integra-se no quadro historico de orientagao da vida pratica, ampliando ¢ aprofundando com isso a referéncia 4 experiéncia das interpretagdes do tempo que orientam. © agir. Essa ampliacao ¢ esse aprofundamento se referem, no pensa- mento historico, 4 experiéncia do passado, que deve ser trabalhada de forma a poder inserir-se no horizonte da autocompreensiio humana. Ao mesmo tempo, ela tem de ser capacitada, pela interpretagio hist6- rica, a produzir cultura no presente, em especial para as experiéncias acumuladas, cujo significado cultural consiste em ter condicionado interpretagSes que nao absorveu suficientemente. O conhecimento histérico obtido analiticamente pela pesquisa tem uma fungao prati- ca no dmbito da interpretagao da vida humana pritica. Ele faz parte das determinagées de sentido que tornam compreensivel essa vida pratica, servindo assim a sua interpretacio hermenéutica. ; Isto, porém, nao fica sem efeito sobre os conteiidos do conheci- mento obtido analiticamente. Os determinantes objetivos do agir hu- mano por ele apreendidos deve ser sistematicamente relacionados a suas interpretagBes de sentido, porque sé nessa relagfio as experién- cias do passado adquirem aquele significado histérico sem o qual nao podem ingressar na cultura da interpretagao histérica do presente, O que significa metodologicamente uma mediagao explicita da hermenéutica e da analitica (com relagdo as operacées substantivas da pesquisa histérica)? ; Para 0 que se volta heuristicamente o olhar histérico? Ao buscar apresentar contextos compreensiveis de sentido € contextos causais reconstrutiveis como dois lados de um mesmo processo temporal his- térico, esse olhar ha de tomar transparentes as intencdes que orien- tam 0 agir com respeito a seu condicionamento por dados objetivos 160 Jorn Riisen prévios sistematizéveis, e remeter esse condicionamento A subjetivi- dade dos atores ¢ demais envolvidos. Com isso, a subjetividade do contexto de sentido e a objetividade do contexto causal adquirem, indiscutiveimente, uma dimensio histérica: as mudangas realizadas ¢ causadas pelo agir podem ser compreendidas melhor do que se- tia possivel na autocompreensio ¢ nos horizontes de interpretagao dos seus sujeitos. Sua compreensio histérica inclui o entendimen- to das determinacoes de sentido que orientam o agir dependerem de circunsténcias externas, subretudo quando essas circunstancias operam, aquém ou além de sua interpretagdo pelos agentes. Inver- samente, 0 efeito de fatores objetivos sobre processos temporais do passado historicamente interessantes pode set muito melhor avalia- do e reconstruido quando se leva metodicamente em conta (ou seja, mantendo a abordagem heuristica) que esse efeito sempre resulta de uma a¢do determinada por um sentido, ocorre por principio na vida humana pratica ¢ ¢ sempre afetado pelas determinacées intencionais do agit, pela subjetividade de seus agentes. Se a pesquisa recons- tréi historicamente os efeitos objetivos de circunstancias e condi- g6es sistematizaveis da vida humana prtica, ndo pode entio abdi- car do entendimento de que esse efeito esta ligado a subjetividade dos interessados, sobretudo quando se esquiva de sua competéncia interpretativa. (A subjetividade evidentemente inclui os planos do inconsciente, da pré-consciéncia ¢ da semiconsciéncia.) Enesse entendimento que se firma o principio da heuristica “dia- lética”. As perspectivas elaboradas pela pesquisa de depoimentos de experiéncias no passado devem corresponder ao conhecimento ante- rior acerca de como circunstancias exteriores sempre atuam media- das pelos atos da consciéncia (que incluem os do pré-consciente e os do inconsciente). Ao mesmo tempo — e isso é afinal decisivo — tém de levar em conta as caréncias atuais de orientagao, cuja preocupa- ¢ao é a de explicar os efeitos desconhecidos (desconhecidos porque aquém das interpretagdes disponiveis) de fatores objectives sobre as condigées da vida pratica dos homens ¢ a de tornar acessiveis as orientagdes intencionais do agir (interpretardes e intengdes). Mediadas heuristicamente, a hermenéutica ¢ a analitica relati- vizam mutuamente suas perspectivas: a subjetividade dos contextos Reconstrucio do passado 161 compreensiveis de sentido € objetivada historicamente ¢ a obje- tividade dos contextos causais reconstrutiveis é historicamente subjetivada. As perspectivas histéricas so elaboradas de forma a abordarem os periodos de tempo do 4mbito de uma interrelacao di- namica das intengdes subjetivas ¢ das iniciativas concretas do agir que produz o préprio tempo. Assim, por exemplo, a evolugaio das taxas de mortalidade pode ser correlacionada com a mudanga das cosmovisées acerca da experiéncia da morte. Elas perdem seu status quase-natural de conseqiiéncias de circunstancias da vida e ganham © carter histérico de desafios 4 interpretagio e ao agir orientado por sentido. Ganham tragos humanos: os dbitos, justamente quando s&o transformados em fatos analiticos de ordem superior (como, por exemplo, aumento ou queda de taxas de crescimento), passam a ser tratados como estados de coisas indispensdveis 4 compreensie de si- tuagdes da vida passada. Inversamente, as objetiva¢des culturais nao podem ser compreendidas sem recurso as circunstancias da vida que as determinam, a menos que sejam deslocadas do contexto de suas mudangas temporais para a esfera de uma interpretacio atemporal (por exemplo: de validade tradicional), tomando-se assim ahistéri- cas — o que resultaria num entendimento muito pouco convincente. A perspectiva histérica assim elaborada heuristicamente nZo anula a tensdo entre hermenéutica e analitica, tampouco a compensa na terra de ninguém do “tanto ... quanto”, mas a articula. A pesquisa histérica incrementa assim seu potencial critico. A concepcao analitica de pesquisa relaciona-se com a herme- néutica 4 maneira da critica das ideologias. Ao evidenciar 0 con- dicionamento objetivo da subjetividade compreensivel, ela nado apenas relativiza sua posi¢’o no processo histérico, mas faz apa- recer interesses inexplicitos presentes nas constituigdes de sentido, que tanto revelam aos agentes sua realidade prdpria como a po- dem deturpar. Pode-se demonstrar analiticamente que as interpre- tac6es orientadoras do agir podem ser deturpagdes ou distorgdes das circunstancias determinantes desse agir. A subjetividade das linhas da evoluco histérica, tragadas hermeneuticamente ao longo das mudangas nas constituigdes de sentido, pode, por assim dizer, ser implodida — aberta a uma dimensio de profundidade silenciosa u 2 Jorn Rasen Sim tsen das mudangas temporais do mundo humano, ausentes das diversas manifestagdes culturais do espirito humano ou Ppresentes de form: abreviada, deturpada ou distorcida.°9 * ; A concepgado hermenéutica de pesquisa também se relaciona criticamente 4 analitica. Remetida metodicamente a subjetividade dos agentes, a cficacia das circunstancias apreendida analiticamente perde a inocéncia positivista de sua pura facticidade. Algo como uma ideologia objetiva das circunstancias” passa a ser pensavel como distorgdo, deturpacao, desfigura¢io da comunicagio ¢ da autocom- Preensiio humanas. (Assim, por cxemplo, o conhecimento histérico analitico esta sempre mediado hermeneuticamente quando chama de desumanas”, na reconstrupao histérica, certas circunstincias da vida. Que historiador poderia prescindir desse conceito com relagao a determinadas experiéncias histéricas?) Transformado hermeneuti- camente, © conhecimento histérico analitico torna-se irrequieto, no Se aquieta com o desvendar das causas, mas pode ¢ deve critica las (de acordo com o critério hermenéutico de uma comunicagio universal irrestrita, determinante da histéria como ciéncia). O pen- samento histérico empresta hermeneuticamente a forca silenciosa das circunstancias ¢ condigdes objetivas a linguagem subjetiva dos agentes nelas envolvidos. A pesquisa histérica consegue, dessa forma, abranger e apli- car, hermeneuticamente, a relativizacdo analitica das autocompre. ensdes 4s circunstancias determinantes, para compreender melhor © passado do que compreende a si Propria. A plausibilidade das Teconstrugdes analiticas das condigdes estruturais do agir deve ser evidenciada sempre que marcam agdes determinadas pelo sentido, Ou seja, sempre que tratam de seu sentido. ‘ _ Isso conduz @ perspectivas histéricas novas (mas certamente nao a uma visdo abstrata-moralista, extrinseca a experiéncia histé- tica). Pode-se considerar essas novas perspectivas histéricas como uma dimensdo profunda hermenéutica da experiéncia hist6rica des~ vendada analiticamente. Um sentido compreensivel é deslocado do * CE. a discussao ii os em J. Habermas et alii (Ed), Hermeneutik und Ideologiekritik Reconstrucao do passado 163 nivel das intengdes, que orientam o procedimento de atores isolados na rede de comunicagées e interagdes, para outros atores no nivel mais abrangente do trabalho de interpretacado que atua ele proprio objctivamente na realidade social de comunicacao e interagdo. Este nivel, por exemplo, é abordado com a categoria “mentalidade”. Nao se trata mais em primeiro lugar como — na realizagao do procedi- mento — se comportam as intengdes alternativas dos atores, mas das intengdes dos atores quanto a eles prdprios € ao seu mundo no ambi- to de definigdes culturais pré-amunciadas. Essas definigdes do senti- do dos procedimentos podem ser considerados como determinantes “objetivas” de intengdes realizadas subjetivamente: a hermenéutica possui a sua propria analitica da realidade do sentido objetiva com as correspondentes suposigdes construtivas das estruturas abrangen- tes, que por sua vez determinam os procedimentos.” As questées hermenéuticas juntam-se portanto, sem problema 4s analiticas. Elas podem atuar como instiincias de controle em re- lagdo a analitica, sobretudo se esta tender 4 naturalizago que desis- toriza, na qual os resultados das interpretagdes compreensiveis no exercem papel constitutivo (como, por exemple, na interpretagao da histéria econdmica). Nesse caso, ela previne que o aprofundamento analitico da apreensio do passado pela pesquisa restrinja a experién- cia historica, mais especificamente, que liquide sua dimenso cultu- ral. De outro lado, as questdes analiticas juntam-se sem problema as hermenéuticas e articulam o olhar histérico sobre os contextos histé- ricos com a imanéncia das evidéncias do passado. E 0 proprio olhar hist6rico que se encarrega de delimitar as constituigdes humanas de sentido e suas possibilidades de expansao mediante a poténcia criti- ca do conhecimento analitico. Para a critica das fontes, a mediagio entre as concepgées her- menéutica e analitica de pesquisa significa que o campo da realida~ de ganha diferenciac4o. Os fatos passam a ser pluridimensionais. O agir compreensivel, na qualidade de fato, recebe, em sua face interior subjetiva, a face externa objetiva de seu condicionamento “© Como exemplo remete-se as obras de A. Schiitz, P. L. Berger e Th. Luckmann (referéncias (8). 164 Jorn Risen im tse pelas circunstincias exteriors. Sua realidade nao documenta entdo apenas uma s¢rie temporal na qual intengdes ¢ interpretagdes se mo- dificam, nem uma série temporal na qual se modificam as condigdes objetivas para a realizagao existencial dos sujeitos. Ela documenta os limites da apreensio subjetiva da realidade da vida humana pra- tica, assim como a precariedade da interpretagfo dessa realidade e sua interpretabilidade, A qualidade subjetiva dos fatos histéricos extraidos criticamen- te das fontes pela hermenéutica (sua expressao lingiiistica) tem seus limites fixados analiticamente no interior do conjunto das condigdes objetivas. Adquirem assim sua efetividade concreta, protegendo-se de ser dissolvidos lingitisticamente. Simultaneamente, todavia, al- canga-se uma forma nova, superior — se é que se pode falar assim ~, da objetividade histérica dos fatos (¢ isso € decisivo), quando essa efetividade ¢ remetida criticamente a sua expressio lingitistica (por exemplo, taxas de mortalidade relacionadas a estratégias religiosas de lidar com a morte), O carter abstrato dos tatos obtidos analitica- mente ganha a qualidade concretizadora de scu significado herme- néutico, Na medida em que fixa os limites da compreensao imanente dos dados objetivos na perspectiva dos agentes, a facticidade abstra- ta dos fatos analiticos possibilita uma compreensio histérica abran- gente. A constituigdo cultural de sentido Por parte dos intcressados aparece como parte do processo evolutivo da cultura originado pela forga das circunstincias. Seu significado no aparece no horizonte da compreensao dos sujeitos interessados, mas sé se revcla ao olhar hist6rico, que vai além dos limites da compreensio investigados e, criticamente, instaura a caréncia de interpretagHo ainda remanescen- te como possibilidade de desenvolvimento da subjetividade. A desqualificagao analitica de fatos histéricos pode ser superada hermencuticamente — nao Porque os fatos abstratos analiticos scjam recuperados no horizonte de comprecnsdo dos atores do passado (isto thes substrairia a evidéncia analitica), mas porque sao criticamente remetidos, como sua condi¢do, 2 esse horizonte. Os fatos analiti- cos promovem assim uma alteragio do horizonte, provocando © trabalho interpretativo. Revestem-se, entdo, da qualidade de motivo da mudanga histérica no Ambito da compreensio mental Reconstrucao do passado 165 ou intelectual. Os fatos analiticos neutralizam, pois, os fatos her- menéuticos. © movimento intencional subjetivo das intengdes subjetivas orientadoras do agir ¢ paralisado ou cancelado por forga das circuns- tancias. S6 no ambito de uma interpretag4o hermenéutica a forca das circunstincias é vista como fator de controle dessas circunsténcias da vida pratica (sempre vinculado a intengdes). O que se passa entéo com a capacidade dos fatos de ‘Serem teorizados? A teoria é formulada quando a critica hermenéutica das fontes se transforma em analitica, sem perder-se pelo fato de acriti- ca hermenéutica das fontes, por sua vez, enveredar pelas trilhas do pensamento hermenéutico. Pelo contrario, a relagdo a contextos ted- ricos com outros fatos, que a critica analitica atribui as informagécs das fontes, é hermeneuticamente reforgada. Os fatos decorrentes das acées intencionais toram-se por si préprios capazes de serem teori- zados. Eles entram nos construtos tedricos dos contextos histéricos, nos quais intengdes e circunstincias tém uma importéncia constita- tiva igual. Nas palavras de Max Weber: contextos nos quais idéias e interesses sao sistematicamente mediados. O método quantitativo, por exemplo, nfio se detém na averiguacio critica de dados subjeti- vos, mas pode muito bem servir para a reconstrucio de horizontes de compreensdo ¢ de modelos de interpretagao, que pertencem a fatores essenciais da realidade social passada. Assim, por exemplo, se poderia associar o nivel de capacidade lingiiistica a camadas SO- ciais, pesquisar a disseminag&o de simbolos religiosos nos diversos meios ¢ relacionar, controladamente, estruturais sociais e mentais. Um trabalho de concretizacdo desses exige diretamente a apreensao teérica abstrata das informacdes das fontes. Com isso ja se indica que a mediagao das concepgdes herme- néutica e analitica de pesquisa no pde de lado o cariter construtivo da interpretacao histérica, mas 0 modifica. Os processos temporais apreensiveis por meio de construtos tedricos, nos quais se modificam as condi¢gdes estruturais do agir, podem ser interpretados hermeneuti- camente, no mesmo plano estrutural-analitico, como. Processos evolu- tivos da subjetividade humana. No trabalho de pesquisa de sais inter- pretagdes tém papel metédico importante as teorias que tematizam as 186 Jorn Riisen estruturas de sentido da realidade social ¢ sua dimensdo temporal.*! Com a ajuda de tais teorias & possivel remeter sistematicamente as condigdes objetivas do agir as suas intengdes subjetivas. A inter- pretagao histérica organiza os fatos obtidos pela critica das fontes, de acordo com o método de um intercambio aberto entre os fatores subjetivos e objetivos das mudangas temporais em contextos histé- ricos. Na pratica da pesquisa, tais intercAmbios tomam a forma de abordagens interpretativas tedricas, mais ou menos explicitas, rela- tivas a mudangas temporais, tanto das condigdes estruturais do agir quanto da interpretacao do mundo e da auto-interpretagiio dos que so afetados por tais circunsténcias. Aqui tampouco se trata de um “tanto...quanto” indefinido de pontos de vista analiticos e herme- néuticos, mas de uma relagiio plausivel de mediagdes claras. Uma mediagao dessa natureza se inicia — ainda pré-teoricamente — pela autocompreensio dos agentes, mas enreda-se nos meios da inves- tigagdo analitica das condigées compiexas sob as quais a aco é assim entendida. O horizonte compreensivo dos agentes é assim ultrapassado, por principio, pela interpretagdo hist6rica. Historia € um processo temporal, que atravessa e ao mesmo tempo ultra- passa esse horizonte. Hermeneuticamente, os contextos temporais, que ultrapassam o horizonte de compreensao dos agentes, sdo sis- tematicamente remetidos de volta a ele. Pode-se demonstrar com isso, no processo temporal reconstruido analiticamente, os efeitos hermeneuticamente interpretaveis dos fatores intencionais, Com a ajuda de teorias, que permitem decifrar o sentido objetivo, o modo hermenéutico de reflexéo da interpretacao histérica consegue passar de sua primeira forma, ingénua ou pré-tedrica, 4 segunda, superior, correspondente aos dados analiticos. As interpretagdes histéricas sé so plausiveis se a forga das circunstancias, que move o tempo, pode ser demonstrada na inter- pretagao do tempo pelos préprios interessados. O direcionamen- to temporal especificamente histérico das mudangas do passado consideradas é estabelecido pela de determinacao e interpretacdo. ICE nota 60. Reconstrucao do passado 167 O sentido histérico evidenciado pelos fatos Obtidos pela critica das fontes deve estar impregnado pelo sentido constituido pelos dire- tamente interessados. A interpretacao histérica deve possuir, como operagao de pesquisa, — pelo menos tendencialmente — a qualidade de um didlogo com os sujeitos do passado. Nesse didlogo, o histo- riador concorre com seu conhecimento analitico. 56 entdo os duros fatos da causalidade objetiva ganham seu perfil histérico: eles con- duzem ao mesmo tempo a interpretacao do passado para além de. seus limites até a interpretag%o do presente. S6 assim a atividade de pesquisa do historiador pode ser executada como um trabalho que lida com uma representagdo da evolugao temporal, que se estende do passado ao presente ¢ abre perspectivas para 0 futuro. Horizontes A plenitude da pesquisa na historiografia A pesquisa histérica ndo ¢ um fim em si mesmo, mas esta determinada por critérios de constituigao histérica (narrativa) de sentido, que oricntam a pesquisa e que a conduzem, para além do trabalho com as fontes, 4 pratica comunicativa do presente em que esté em jogo a identidade histérica como fator da socializagao hu- mana. A pesquisa nao esta vinculada apenas externamente a essa comunicagdo formadora de identidade, nao é apenas instrumenta- lizada por ela, mas insere-se nela por inteiro. Ela se transforma de pesquisa (e nao poderia ser de outra forma) em historiografia. A historiografia, como ato proprio de constituigSo narrativa do sentido, pode e deve ser distinguida da pesquisa. A pesquisa ¢ de- finida por sua relagdo estrita 4 experiéncia histérica metodicamente regulada. Ela tanspde essa experiéncia para perspectivas orienta- doras do passado humano, que provém das caréncias de orientagdo no tempo da vida pratica atual. Ela confere, assim, 4 experiéncia do passado, a forma significativa de um proceso histérico, referido tendencialmente ao presente, e abre uma perspectiva para o futu- To. Resultados de pesquisa assumem essa forma significativa no ato produtivo da historiografia. Fora dessa formatag4o sequer se poderia pensar os resultados de pesquisas como grandezas cognitivas fixas. Nesse sentido, também nao ha uma pesquisa histérica “pura”, que tratasse apenas da experiéncia do passado, que estaria determina- da exclusivamente pela referéncia @ experiéncia. Heuristicamente, a pesquisa sempre inclui na sua referéncia 4 experiéncia uma outra referéncia potencial a scus destinatérios. Dessa maneira, a pesquisa ao se transformar em historiografia realiza-se plenamente em coisa diversa dela mesma. A historiografia como esta “outra coisa” tem de ser concebida como um ato cognitive préprio, cuja referéncia ro Jorn Riisen a scus destinatérios se distingue fundamentalmente da referéncia & experiéncia da pesquisa. ; A pesquisa ¢ um procedimento de elaborarao de historias. His- ‘orias sao narradas, por causa das caréncias de oricntag&o da vida pratica, para cobrir sua realizagao no tempo. A pesquisa toma-se um momento desse narrar quando a orientagfio a ser fornecida vincula-se 4s condi¢ées de plausibilidade cientifica. Ela também é um momento da constituigao hist6rica de sentido, especificamente cientifica ¢ por Conseguinte organizada narrativamente em sua regulagéio metédica. Isso fica claro quando se tem presente que ela nao pode subsistir, como pesquisa, se no se transformar em historiografia come em um outro dela mesma. A autocompreensao da ciéncia da histéria como disciplina especializada, tal como elaborada pela teoria da histéria, consi- derou como nao-problematico, por muito tempo, o procedimento da autotranscendéncia da pesquisa em historiografia,' Durante largo tempo a aulo-reflexdo explicativa da ciéncia da histéria, depois de ter alcangado © status de disciplina académica especializada, con- centrou-se na metodologia da pesquisa. A historiografia era vista somo a apresentagao dos resultados da pesquisa, cujos principios formais decorreriam, sem problematizacées, do conteido cognitive dos resultados da pesquisa. Essa interpretacdo ingénua do valor da historiografia ainda vale para muitos historiadores profissionais, mas 2sté. amplamente superada no ambito da teoria da ciéncia da historia. Prevalece aqui a pergunta pelo significado constitutivo da historio- wrafia para todo o proceso da produg3o cientifica, especificamente iistorica, do conhecimento histérico.2 A metodologia da pesquisa torre © risco de passar para segundo plano como fator constitutive do tarter cognitivo do saber histérico, ou mesmo de sequer ser notada. A esse propésito e sobre 0 que segue, ver J. Ritsen, Geschichteschreibung als Theorieproblem der Gescichswissenechaf, Skizae zum hstorischen Hint grund der gegenwartigen Diskussion, In: Koselleck et aii (Ed. schichtsschreibung (3). Stall (68) Formen der Ge. Antes de mais nada, deve ser citado 0 tebalho muito discut : , ido de Hayden White, Meta-History. The historical imagination in ni Baling don 973 imagination in nineteenth-century Europe, Reconstrucio do passado a7 No entanto, somente se o modo como a ciéncia da historia re- constréi o passado humano permanecer claro como pesquisa tegu- lada metodicamente pode-se decidir 0 conteddo cognitivo que a his- toriografia tem de demonstrar quando atua, come constituidora do saber histdrico, no combate pela identidade histérica. Seria fatal que o desempenho cognitive da ciéncia da histéria e o papel que repre- senta nos processos culturais da constitui¢iio histérica de identidade 86 fossem debatidos esquizofrenicamente (como parecem ser cada vez mais). De um lado est&o os pesquisadores profissionais, que defendem a racionalidade metédica do seu trabalho cognitivo; do outro, aqueles que conceberam 0 pensamento histérico como cons- tituigao narrativa do sentido, sem ver no disciplinamento metédico dessa constituigao de sentido pela ciéncia da histéria mais do que um empobrecimento de sua qualidade poética ou retérica. Uma teoria da histéria que se importa com as possibilidades racionais da narrativa histérica poderia superar essa esquizofrenia. Ao tematizar a pesquisa como um momemto significative de un processo de constituigiio histérica de sentido, que por certo ¢ mais abrangente do que ela isoladamente, a teoria da historia volta-se criticamente contra a autocompreens&o do historiador como mero pesquisador, que subestimaria 0 papel estratégico da historiografia. Por contraposigo a essa atitude, a teoria da histéria lembra que a pesquisa so se realiza plenamente quando sua referéncia 4 ex- periéncia, metodicamente regulada, transforma-se na expectativa referente A apresentaco historiografica, com a qual a ciéncia da histéria participa na comunica¢do cultural atual sobre orientagio no tempo e constituigao de identidade. Em contrapartida, a teoria da histéria sé pode criticar a representagdo da constituigao narrativa de sentido, que se dispensasse do esforge do processo cognitivo orientado pela teoria e regulado metodicamente (ou que dele abs- traisse), como uma refinada forma de desvairio, na qual se acreditaria que é preciso perder o juizo metédico para vivificar 0 passado por meio da historia. Essas atitudes sfio coergdes desumanizadoras, que 2 M. Foucault, Dispositive der Macht. Michel Foucault ther Sexualitat, Wissen und Wahrheit, Berlin, 1978, Cf. J. Habermas, Der philosophische Diskurs der Moderne, Zwalf Vorlesungen, Frankfurt, 1985. Na p. 69, nota 4, assergdo 17d Jorn Risen entregam o homem 4 gélida morte da modemizagao. Como alter- nativa, aparece a doce tentagfio da anarquia da subjetividade, que acredita poder prevalecer, afirmando-se contra as Tacionalizagdes e desmistificagdes que impregnaram culturalmente o surgimento da sociedade moderna. Por outro lado, para conclamar a certo cuidado, & preciso recordar que os encantamentos prometidos por esse tipo de critica cultural 4 modernidade causou danos consideraveis a politica cultural do século XX. No mais, estamos diante de uma questo aberta: se o discipli- namento da memoria histérica pela pesquisa cientifica restringiu as formas de expressio da historiografia, pelas quais o passado pode ser vivificado. Sera que a histéria como ciéncia nao abre justamente possibitidades historiogrdficas de vivificar Areas novas da experién- cia do passado, ainda inexploradas? importante: “No discurso da modernidade, a referéncia da histéria @ razdo con- tinua constitutiva — para o bem ¢ para o mal. Quem participa desse diseurso, no quai nada foi modificado até o presente, faz uso preciso das expressées “razio” ou “racionalidade™ [...] A raz4o ndo vale como algo acabado, como uma tecno- logia objetiva, que se manifesta na natureza e na histéria, mas apenas como uma faculdade subjetiva. A reprodugio das formas de vida ¢ das existéncias concretas imprime, na superficie tenra da histéria, marcas que se transformam em. ‘vestigios ¢ tragos aos olhos dos que buscam indicios”. Bibliografia A bibliografia segue a numeragdo dos capitulos do primeiro vo- lume. Continuam a ser indicadas apenas as obras particularmente importantes para a minha argumentag&o, as que apresentam posi- ges alternativas ¢ as com as quais se tem acesso ao debate. 8. Teorias ¢ conceitos BERGER, P. L.; LICKMANN, Th. Die gesellschaftliche Konstruk- tion der Wirklichkeit. Eine Theorie der Wissenssoziologie. Frank- furt, 1969. BEYME, K. v. Empirische Revolutionsforschung.Opladen, 1973. CHILDE, G. V. Soziale Evolution, Frankfurt, 1975. DUX, D. Die Logik der Weltbilder. Sinnstrukturen im Wandel der Geschichte. Frankfurt, 1982. ELIAS, N. Uber den Prozess der Zivilisation. 2 vol. Frankfurt, 1976. FLEISCHER, H. Geschichtsmaterialismus. In: RUDOLF, E.; STOEVEL, E. (Fd.). Geschichtsbewusstsein und Rationalitét. Stut- tgart, 1982, p. 177-224. FLORA, P. Modernisierungsforschung. Zur empirischen Analyse der gesellschafilichen Entwicklung. Opladen, 1974. HABERMAS, J. Theorie des kommunikativen Handelns. 2 vol. Frankfurt, 1981. ira Jorn Risen HEMPEL, C. G. 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G., 35 Breysig, K., 65 Brunner, O., 96, 153 Burckhardt, J., 53, 65, 67, 141, 144, 155-156 Busch, W., 41 Chartier, R., 103 Ciéncia, histéria como, 13 s., 20-21 Ciéncias auxiliares, 121, 127, 133, 152 Cientificidade, 28, 34, 63, 111, 124 Cientifizacao, 32, 101 Comparacio, 88 Compreensio ver Hermenéutica Comunicagao, 169, 171, Conceitos basicos, 63 s. Conceitos histbricos, 91-100 Conceitos narrativos, 97 Coneretizagao, 94 Conhecimento nomolégico, 26 s.. 328. Consenso, 69-70, 108 Constituigao da ciéncia, 12-13, 107 Construtividade, 97-98, 124, 132, 144 Construtos narrativos, 107, 112 s., 130 Contexto causal, 116, 146s., 150, 160 Contexto narrativo, 130 Contingéncia, 48-49, 61-62, 79s. dominio da, 48 184 Jérn Risen experiéncia da, 48-49 intencional, 35-42 Continuidade, 52, 115 narrativa, 42-51, 78, 130, 153 Comforth, M., 60 nomoldgica, 27-36 Covering law, 53, 86, 153 Critica da ideologia, 16, 161 Critica, 112, 123-127, 141-142, 151, 161-166 Cronologia, 74 Cultura politica, 144-145 Cultura, 141, 158 D Dados ver Fatos Dahlmann, F. C,, 50 Danto, A. C., 51 Decisionismo, 61 Destinatdrios, referéncia aos, 169 s. Determinismo, 156 Dia-a-dia (ou cotidiano), 158. Dialética, 116 s., 154-167 Dilthey, W., 15, 139, 146 Donagan, A., 36 Droysen, J. G., 23, 40, 56, 102, 119, 121, 127, 139, 143-144, 146 E Economicismo Materialismo Engels, F., 67, 146 Enredo, 54, 60 Epoca, 32 Espirito, 66, 137, 142 Estrutura 39-40 Experiéncia do presente, 73 s. Expeniéncia historica, 65 s., 71 s., BE, 163 Experiéncia temporal, 47 s., 68, 73-74, 76, 115, 117, 134 Explicago, 45, 130 Explicar e compreender, 40 F Faber, K.-G., 94, 102 Facticidade, 112, 122 s., 125 s., 132 s., 164 Fatos, 83-84, 123 s., 129, 150s., 164s. Feder, A., 119 Filosofia da historia, 55, 62 Fleischer, D., 15 Fontes, 24s., 81, 104s., 121, 124- 127, 137, 140s. critica das fontes ver Critica tinguagem das, 95-98 Foucault, M., 171 Furet, F,, 152 Futuro, 52, 60, 167 G Gadamer, H.-G., 138-139 Gelzer, M., 84 Generalizagao, 68, 88, 130, 133, 151 Goethe, J, W., 128, 143 Gresham, 30, 31,39 Guicciardini, 16 H Habermas, J., 162, 171 Hegel, G. F. W., 55, 71 Hempel, C. G., 29, 36, 46 Hermenéutica profunda, 39-40, 158, 163 Hermenéutica, 35 s., 70, 116, 136- 154, 155 s., 158-159, 161 Reconstrucao do passado 185 Heuristica, 83, 112, 118-123, 129, 138-141, 149-150, 160-161 Hinrichs, C., 143 Hipétese, 118 Histéria como um todo ver Totalidade Histéria da cultura, 137, 145 Historia factual, 141 Historia universal, 58 Histéria, 40, 55 s., 61 s., 91, 124 Historicidade, 43, 160 Historicismo, 15, 55, 60, 66, 98, 134, 138, 143-144 Historiografia ver Apresentacao Humanidade, 17-18, 33, 38, 44, 58-59, 69 Humanizagao, 17s Humboldt, W. V., 144 I Idéia, 12, 15, 128 Identidade, 41, 115 formagiig ou constituigo da, 17 s., 4ls, 117s. reforgo da, 110, 134 Individualidade, 66, 80, 82, 87 Individuatizacao, 87 s. Informago ver Fato Intencionalidade, 37-38, 42, 47, 49 Intenges, 35 s., 142 s. Interesses cognitivos, 15, 47 Interpretagdo, 113, 127-133, 142- 145, 150-151, 153-154, 165-166 Tribadschakov, N., 60 K Keckermann, B., 11 Kocka, J., 52, 82-83, 86, 152 Koselleck, R., 41, 85, 125, 153, 170 Kriedte, P., 32 Kuhn, Th, S., 13 Kutter, W., 9, 35, 154 L Lamprecht, K., 65 Le Goff, J., 103 Legalidade, 37, 52, 60, 154 Lei, 27, 30 Leis histéricas, 27 s, Liberdade, 49 s., 62 s. Linguagem, 137 Liibbe, H., 48, 52, 143 Luckmann, Th., 163 M Marquard, 0., 62 Marx, K., 60, 67, 92, 146, 152 Marxismo, 27, 57, 60, 81, 154 Marxismo-Leninismo, 57, 81 Materialismo historico, 35, 60, 75 Materialismo, 156 Matriz disciplinar, 11 s., 23 s., 56, 101 Medick, H., 158 Meier, Chr., 84, 94 Mentalidade, 163, Metodizacao, 12 s., 16, 23-25, 56, 107, 112, 138 Método analitico ver analitica hermenéutico ver hermenéutica histérico, 16 quantificador ver quantificagdo Meyer, E., 68 Montesquieu, 23 186 Jorn Riisen Monumentos, 121 Milller-Armack, A., 145 Mundo da vida, 711 N Nagl-Docekal, A., 158 Narrar, 50, 53, 170 Narrativa historica, 43, 58, 82 Niethammer, L., 158 Nippel, W., 88 Nitschke, A., 65 Nolte, E., 83 Nome préprio, 94 Nora, P., 103 Normas, 34, 69, 76 o ‘Objetividade consensual, 61 s., 77, 107s. Objetividade por fundamentagaio, 61 Objetividade, 61, 77, 81, 124 excesso de, 81 s. Objetivismo, 61-62, 95,97 Oricntagio caréncia de, 11-12, 15, 47, 49, 96, 111, 119s. fungaio de, 52, 82, 159 P Paradigmatizago, 15 s. Particularidade, 59-60, 64 Patzig, G., 28 Pergunta histérica, 50, 111, 119 s. Periodizagio, 75, 85, 130 Perspectivas, 160-161, 163 ampliagdo de, 108 s. Pesquisa histérica, 101 s., 169 s. Plausibilidade explicativa, 121, 130, 139, 154 informativa, 126 s. 142, 151 Poder, 85 Ponto de vista, 25, 60, 69-70, 108 Popper, K. R., 36, 60 Positivismo, 27, 34 Possibilidade objetiva, 80 s. Previsao ver Prognéstico Processo/movimento temporal, 74- 75, 155-156, 166-167 Prognéstico, 29-30, 35, 37-38, 52, 87 Progresso cognitivo, 101 s., 108, 133 Psicanilise, 39 Q Quantificag&o, 148, 152, 154 Questio histérica, 114, 139 s. R Racionalidade, 26-28, 37, 171 Racionalizagao, 14-15, 18-19, 26-27 Ranke, L, V., 16, 95, 140, 143 Razio, 12, 18, 72, 172 Realidade, 99 Reconstrugdo ver Construtividade Referéncia 4 experiéncia, 106 Reichel, P,, 145 Repgen, K., 13 Residuo/resquicio, 98-100, 121- 122 Ret6rica, 16 Revel, J., 103 Rickert, H., 87 Ricoeur, P., 54 Ss Schorken, R., 158 Schwemmer, O., 103 Sentido, 90-91, 136-137, 139-140, 143-144, 147 constituigio de, 90 s., 166-167 contexto de, 37, 116, 142, 146, 160 Seyfarth, C., 78 Significado ver Sentido Singularidade ver Individualidade Singularizag&o ver Individualizag3o Sprondel, M., 78 Stegmiiller, W., 26, 46 Subjetividade, 42, 81-82, 143 s., 160 s., 164, 172 Subjetivismo, 95-96 Sujeito de referéncia ver Sujeito Sujeito, 143-144 T Tempo da natureza, 41, 66, 115 Tempo, qualidade temporal, 31-32, 66 s., 73 8., 87, 94-95, 132 s., 136 Teoria da ciéncia, 28, 86, 170 Teoria da hist6ria, 9, 18 s., 23 s., 40, $6, 63, 69, 73, 78, 80, 91, 98, 102-104, 106, 134, 142, 144, 170- i7L Teoria de modemizagao, 76, 89 Teorias histéricas, 52 s., 75-91, 153 funcgdo comparativa, 88 fungao critica, 89 fungao descritiva, 84-85 fungio de periodizagio, 85 fungao didatica, 89 fungao diferenciadora, 89 fungdo explanatéria, 86 Reconstrucdo do passado 187 fungio explicativa, 83 funcao heuristica, 83 funcao individualizante, 87 Teorias nomolégicas, 31 Teorizagao, 15, 24 s., 80, 105, 152 Tipologia da narrativa, 85 Tipos ideais, 81, 93, 97 s. Totalidade da histéria, 55-75 Tradigao — residuo, 94, 121 s., 137~ 138, 147 s. Tradigio, 99, 121-122, 137 U Unidade da experiéncia histérica, 62, 65, 107 Universais histéricos, 64 s., 67-68, B Vv Vasicek, Z., 103 Veto, direito das fontes ao, 125-126 Vida pritica, 18 w Wachter, W., 35 Weber, Max, 66, 75, 77-80, 85, 92- 93, 97-99, 141, 157, 165 ‘Wehler, H.-U,, 76, 156 White, H., 63, 85, 170 Wiesel, E., 91 Wimmer, F., 158 Winkler, H. A., 88 Wippermann, W., 83

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