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cadernos de teatro TEATRO POPULAR CONVERSA COM TADEUSZ KANTOR A MAIS FORTE — Strindberg OS CEGOS — Ghelderode Noticias do SNT “MOVIMENTO_TEATRAL CADERNOS DE TEATRON. 68 janeiro /fevereiro/marco-1976 Publicagio @O TABLADO patrocinada pélo DAC, FUNARTE e Servigo Nacional de Teatro (MEC) Redago ¢ Pesquisa €0 TABLADO Diretor-responsdvel — Yoko SéxGIo Manintto NUNES Diretor-executivo — Mania CLaRa MACHADO Redator-chefe — Vincfits VALLt Diretor-tesoureiro — Eooy RezeNve. NuNes Secretério — Sitvia Fucs Redagio: © TABLADO ‘Av, Linen de Paula Machado, 795 — ZC 20 Rio de Janeiro — Brasil. 0s textos publicados nos CADERNOS DE TEATRO 156 poderdo ser represenados mediante autorizcio da SBAT (Sociedade Braiere de Autores Teatrais, Av, Almirante Barroso, 97 — Rlo de Janeiro. TEATRO POPULAR: PARTICIPACAO OU CRITICA? Bernarp Dorr “Teatro popular” 6 hoje uma expressiio bastante confusa, que significa mais um mito do que uma realidade. Pode-se dizer, de certa forma, que um dos problemas atuais do teatro & justamente a discordincia entre 0 mito do teatro popular tal como emana do século 19 ¢ a realidade desses teatros ditos populares. Creio que & possivel abordar essa questo a partir das nogées de participagao e de critica. Fé-lo-ei em trés ppontos! primeiro, uma critica da participagio; depois uma critica da critica pura e, finalmente, tentarei a0 menos ‘esbogar 0 que poderia ser um teatro de patticipagio critica ou de critica da participacio. 1, Em primeiro lugar, a critica da_participagio — que € também a do mito’do teatro popular. E certo que esse mito fem sua origem na nogdo de “teatro do ovo” que se impos no século 19, isto é na visio de grandes festas teatrais que se fundavam. ao mesmo tempo nna Antiguidade grega, na Idade Média e, mais direta- mente, no periodo revolucionsrio. A expresso: “teatro do povo” procede diretamente da Revolugio Francesa, Trata-se de instituir um grande teatro da participagao politica que celebrasse uma unidade, unidade da nagio, unidade da cidade, unidade de uma comunidade. A’ imagem mais viva nés a encontramos na famosa “carta a d'Alembert” de J. J. Rousseau, recusan- do afinal o teatro para a “festa e, sobretudo, naquilo que foi a propria encamnacio dessa festa, a da Federagio de 1790, que celebrava a unio das provincias e de Paris ‘em um $6 organismo: a Naglo. Leiam o que diz a res- peito Romain Rolland em seu Thédire du Peuple; poderio encontrar outras imagens nas cerim@nias que realizou, ou sonhou realizar, Gémier, aquele que foi, na Franga, 0 fundador e primeiro diretor do Teatro Nacional Popular. Em 1903, em Lausanne, ele organizou uma grande ceri- ‘ménia comemorativa da entrada do Cantio de Vaud na Confederacio Helvética. Dirigiu uma pega popular que resumia a historia do cantio. Em cena, ao ar livre, 2.500 ‘pessoas: criangas, montanheses, pastores e até animai platéia, em arquibancadas: 18.000 pessoas. “Eu quis — diz ele — que o piblico também tomasse parte na acdo, fiz em torno da platéia um caminho circular onde colo- ‘quei meus figurantes e coristas, de modo que no momento fem que entoaram 0 hino nacional, as 18.000 pessoas se fergueram como uma tnica pessoa’e cantaram com eles”. Gémier sonhava organizar a 11 de novembro de 1920 uma ‘grande festa da vitria em trés episédios: primeiro, uma paréfrase moderna da Festa da Federagéo com um jura- mento de fidelidade & Nagio, depois uma evocagio da ‘guerra recente, com os feridos e parentes dos mutilados ue trariam ao altar uma uma funeréria, e afinal uma espécie de apoteose do trabalho com os diversos corpos de oficio em seus uniformes, que viriam para jurar que se consagrariam a0 renascimento do pais. Eis ai a imagem mitica desse grande teatro popular. ‘Com efeito poder-se-ia ainda evocar outras realiza- ‘g6es, estranhas a0 teatro francés, por exemplo, a grande ‘eriménia comemorativa da Tomada do Palacio de Inver- xno em Petersburgo, em novembro de 1920 (3? aniversé- rio da revolugio de outubro): trés cenas foram montadas no proprio local onde se deu o evento: 2 tablados, 0 dos ‘vermelhos de um lado e dos brancos do outro, ¢ a terceira cena era a praga auténtica onde se dera o acontecimento. ‘0 que se deve notar 6 que nessa realizago tomou parte 0 te6rico mais afastado do teatro politico — Evreinoff, te6rico teatral, do jogo teatral por exceléncia. Para ele essa representagio era uma reconstituigio viva do pas- sado, até a completa ilusdo em que o jogo e a realidade se juntavam, totalmente, a ponto de nio se poder mais saber © que era jogo ou realidade. ‘Tentemos agora analisar de modo um pouco mais conceitual esse mito do teatro popular e de deduzir as suas caracterfsticas. Trata-se sempre de fazer reviver os ‘grandes acontecimentos vividos pela coletividade, os gran- des acontecimentos do passado, o “piblico” em oposigao 20 “privado”, os fatos comuns, gerais em op singulares, oS grandes movimentos de massa contra as agdes individu ais ceriménias pressupdem um piblico de massa. Para Romain Rolland a tinica condi¢do necesséria ao teatro do povo é que o palco e a plata possam se abr IS massag, conter uma’ mulidio’ eas. agdes 0. povo. ‘Assim pode se dar uma comonicagio. de massa entre pltéia ¢ a cena, E preciso mais ainda: que 0s especta- {ores © atores essjtm confundidos, que os ares. nao fagam mais do que reviver 0 que os espoctadoresviveram, @ fagam reviver aos espectadores os grandes feitos da > Nesses espelicuos, ha paricipagio em todos 0 ; participagto do homem na vida coetva da nasio bu da Cidade, partipagio do presente na rectiagio do passado, parcipagio dos expectadores na agio dos ares O ecitcio da Festa politica e tcatral oferece, assim, a imagem ideal, mais verdadeira que a cidade, O teatro 6 averdade da. historia — disse cle — ele a interpreta © reinterpeta reio que esse mito, hoje, esté sujeito a muitas cxftcas, De um lado, pode-se perceber também o Perigo ‘que {ais festas representam. A exaltagio da unidade de tima nagGo pode levar & exaltagio de movimentos total- tirios. Entre. as fests polities, Nuremberg € 0 contra- onto a Peterburgo. Por outro lado, 08 meios de partcipagéo coletiva, que nio existiam no momento da Revologio Francesa, tiem mesmo. pouco depois da Revolugio. Russa, esses reios de partisipagio se multiplicaram. (0s grandes expetécuos espotivs respondem 8 nossa necessidade de paricipagio, como o cinema, ainda que tse requsira uma paricipagio. mais individual do. que coletva Sobretudo TV permite agora fazor revver indvi- dualmente os grandes aconteimentos coletivos no proprio instante em que acontecem, anulando essa especie de fusio do presente © do pastado que se tentava realizar has festas coletivas porque cla coloca tudo no presente. Mas ercio que outro fenémeno vale a pena ser lembrado, O testo desde o inicio do séeulo 19 éonheceu indubitayelmente um aeréscimo.quantitaivo de poblco Mas esse aumento quantativo, de fato provocou em troca uma explosio do pablico, a heterogeneidade prom sressiva desse pablco. NNo inicio do século 19 em Paris, exstia uma verda- dio teatro popular. Foram 0s teatros dos antigos boule- vards parsinses, os eatros de melodrama, E nesses tea- tros se misturavam —o que munca acontccera antes — burgueses, operirios, agueles que se torerdo protetarios, para asistir nfo 56 espetéculos que narravam 0s aconte- cimentos (a5 numerosas. epopéias napolednicas foram representadas) como espeticulos e&nicos de puro dive mento. Depois veio a industrializagio e a efetiva tomada do poder pela burpuesia, Nesse momento houve a ruptara ‘completa, 8 teatros populares sendo repelidos para os sublibios, tomando-se marginals, e 0 teatro oficial se tornando inteiramente burgués. Isso se deu sob a Mon quia de Julho ¢ s¢ consolidou sob o 2° Impétio. Essa fespécie de ruptura do piblico subsistiu, o pablico ainda agora nfo 6 homogéneo, publico permanece dividido; tem-se tentado reunificélo, mas essa tentativas sio par- ciais, se prendem mais 20 mito que a realidade. Finalmente, outro fendmeno importante, o que se pode chamar de “deseentralizagio” histérca ¢ social que foonteccu na Europa. Nosso teatro foi e & ainda um teatro das grandes cidades, grandes cidades onde se deci- de 0 destino da Europa, e também o do mundo. Digamos, de maneira um tanto suméria, que o teatro correspondia ‘uma imagem ptolomaica: 6 edificio teatral estava no coragio da cidade, e esti também no coragio da Europa ®, portanto, do mundo. Desse modo tudo podia gra fem tomo desse “eificio-teatro”: a sociedade vendo Sua propria imagem, o teatro era, visivelmente, 0 micto- cosmo do. mundo. Ora, constatou-se, desde 0 inicio do século 20, uma espécie de decentralizagio geral, 0 teatro nio esta mais no eentro da cidade, o teatro nfo 6 mais 0 detentor de uma verdade para todos. A partir desse momento, esse mito — a possibilidade de celebrar a festa que diga a verdade nfo s6 da cidade mas do mundo —eaducou. Daf um outro recurso: a substituigio de um teatro da partcipagio coletva, de um grande teatro de partici- pagio, por um teatro da participacio individual ou pelo menos de uma participagio de grupo. Bo que temos atualmente. Procura-e, também, formar grupos que, num plano limitado, instaurem uma participagio tanto’ mais forte quanto mais violenta, jd que a participagio ideal coletiva 6 impossive. 0 caso, por exemplo, do Living Theater. © fentmeno do LT & sigificativo: esse grupo de americanos exilados se forna marginal em relagio & socie~ dade e, na medida em que ele nfo pretende absolutamente instaurar uma paricipagio coletiva global ¢ dizer a ver- dade da sociedade, reclama uma participagio absoluta entre atores e especiadores. Aqui também hé uma vontade de fusto da platéia e do paleo, os atores do Living inter- ‘vém sem parar na platéia, a ambigio de incluir 0 espec+ tador na representagio, de fazé-lo reagirfisicamente no mais aderindo a uma grande idéia comum da Nacio ou dda cidade, mas pela agressio, pela provocagio fisica; trax ise de despertar o espectador que nfo tem consciéncia de si mesmo, de sacudilo fisicamente e de torné-lo ativo. Julian Beck, em Avignon, durante uma conversa sobre 0 sentido revoluciondrio da agio do LT, dizia (0 que para mim & muito contestével) : “Sim, no sabemos muito bem o que podemos fazer; certamente o Living nio pode fazer a revolugdo, mas pode

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