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A CABALA DO DINHEIRO Nilton Bonder Segundo volume de uma tilogia baseada num dito (e jogo de palavras) da tradigéo rabinica, que afirma: “U- ma pessoa se faz conhecida através de seu copo, bolso e édio” (Kossé, Kissé yve-Kaass6). O primeiro volume, A Dieta do Rabino - A Cabala da Comida, dizia respeito ao “‘copo” e a quao revelador & nosso comporta- mento em relagéo aos alimentos que ingerimos. Este segundo volume aborda o “bolso” (Kissd) e suas in- trincadas formas de expressar quem somos. Através das questdes do bolso, A Cabala do Dinheiro apresenta uma visio ecalégica que nao se baseia na Natureza, mas no Mercado. Expée, assim, a conflitante luta humana pe- la preservagio da Natureza, quando todo esforco cultural ¢ civilizatério se faz contra a Natureza e a favor do Mercado. Nilton Bonder sintetiza a visao que tinham os rabinos, na qual a Na- tureza € bastante mais violenta e cruel que 0 Mercado. Vis&o esta que enten- de na cooperagio e na solidariedade elementos de transcendéncia e espiri- tualidade, que tornam o Mercado e as trocas efetuadas no dia-a-dia um ce- nério para a expressio religosa e mfs- tica. Esta postura, por vezes mal com- preendida e atrelada ao esteredtipo avarento € voraz que lhes foi imposto na Idade’ Média, faz emergir dos rabi- nos colocagées de ordem ética de grande sofisticagéo ¢ que extrapolam uma visao mistica do préprio sustento. A CABALA DO DINHEIRO CIP-Brasil. Catalogacéo-na-fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Bonder, Nilton B694c A cabala do dinheiro / Nilton Bonder. — Rio de Janeiro: Imago Ed., 1991. (Série Diversos) ISBN 85-312-0145-4 1. Cabala. I. Titulo. IT. Tituio. CDD = 296.16 91-0477 CDU —296 Nilton Bonder A CABALA DO DINHEIRO — Série Diversos — JAYME SALOMAO. IMAGO EDITORA — Rio de Janeiro — © Nilton Bonder, 1991 © MustracGes de Isabela Hartz Reyisao: Pedrina Ferreira Farias Marcos José da Cunha Capa: Isabela Hartz IMAGO EDITORA LTDA, Rua Santos Rodrigues, 201-A — Estacio CEP 20250 — Rio de Janeiro — RJ Tel.: 293-1092 1991 Todos 05 direitos de reprodugdo, divulgacio e tradug’io sfo reservados. Nenhuma parte desta obra poderd ser reproduzida por fotoc6pia, microfilme ou outro processo fotomecinico. Os direitos autorais das ilustracées, sao de Isabela Hartz. Qualquer espécie de reprodugiio ou utilizagfio das mesmas, sem permissfio por escrito da artista, é proibida. Impresso no Brasil Printed in Brazil TOMBO Ao Zeide Pedro Soibelmann Z°L + + -para quem a vida é feito panela no fogo. Se colocada para fazer um ensopado e passar do ponto. . . nao tem problema — vira um cozido. Se ainda passar do ponto — vira um assado! E PROIBIDA A VENDA DESTE MATERIAL SUMARIO I — PARNASSA - A CABALA DO SUSTENTO....... 2 Pré-Requisitos do Guesheft eee Dinheiro Real (Nefesh Chaia) . Voto de Riqueza Uishuy Olam) .. (B’Tul Zeman) Limite Ecolégico ou Espacial . . Moishe, 0 Cabalista, e o Sustento Ill — ACUMULANDO RIQUEZAS NOUTROS CUINDDYOR: oat che ea eann ape eee Mee A Cabala e os Ciclos da Riqueza or Que Eu Nao Tenho? .¢...:..02.45-) ee IV — RIQUEZAS PELO QUE.NAO SETEM.......... 7 N&o-Roubo Roubo de Tempo . Roubo de Expectativa .. Roubo de Informacgio ee Roubo de Prestigio .... end Tsedaké — Aparando Resquicios de Roubo ... A116 (Lsedakd como Terapia; Tsedaké como “business’’) ....81 V — RIQUEZAS POR TER-SE MENOS Reconhecendo a Hospitalidade (Ecologia) . Presentes e Gorjetas .. O Bolso — A Fronteira . . Aprendendo com o Ladrao (0 Mau Impulso) de Cada Um de Nés .... A Arte da Propriedade~ . . VI — QUESTOES PRATICAS DA RIQUEZA NO MUNDO DA ASSIA (MATERIAL) .......++++055-+ Por Que os Rabinos Entenderiam de Dinheiro? Aprendendo a Perder — Ieridé Tsorech Alid Hi - O Que Pedir? Loteria e Milagres no Sustento Sociedades e Contratos Dividas Empréstimos e Juros , Negdcios Reais Precos e Lucros . . is Dinheiro e Pregos Meenas ieee Competigfo «se tine ee ee pe ge Vil — AGENTES DA PARNASSA (SUSTENTO) ..-..--- 155 Mazi (Sorte) Evocando a Sorte .. Meluchim (Anjos) VI — EMPECILHOS A RIQUEZA-O OUTRO LADO ... 167 IX — A MORTEE A RIQUEZA - DESTE MUNDO MUITO;SHILEVA 324040601: sett. cere see es 175 X — DINHEIRO NO MUNDO VINDOURO Referéncias Bibliograficas 183 - 189 I- PARNASSA — A CABALA DO SUSTENTO Como parte da trilogia “A CABALA DA COMIDA”, “A CA- BALA DO DINHEIRO” e “‘A CABALA DA INVEJA”, este se- gundo volume trata primordialmente da relagao do individuo com 0 seu mundo ¢ o sistema de valoragao do universo que o cerca. Inspirado no ditado judaico “De trés maneiras €é um homem co- nhecido: por seu COPO, por seu BOLSO e por sua IRA” (KOSSO, KISSO VE-KAASSO), estaremos aqui abordando 0 BOLSO (KIS- SO) e o quao reveladora é nossa atitude para com ele. Em todo BOLSO surgem questées de sobrevivéncia e suas fronteiras — do ex- cedente, da posse, do poder e da inseguranga. Diz esta mesma tradi- cao: “O mais longo dos caminhos € 0 que leva ao bolso”. Nao ha meios de chegar ao bolso sem uma reflexao sobre a vida e seu senti- do. Nossa relagio com o bolso é reveladora de quem somos ¢ onde estamos neste imenso Mercado de valores que é a realidade. =10— Nesse sentido, novamente, a tradicfo judaica tem muito a con- tribuir. Famosos de forma caricata por seu amor ao dinheiro, os ju- deus viram seus patriarcas (Abrafo, Isaac e Jacé) tornarem-se prota- gonistas de piadas de avareza e voracidade; tiveram a titulo de zom- baria seu simbolo maximo de impureza, o porco, elevado a categoria de companheiro maior através do cofre em forma de porquinho; e ganharam longos narizes para farejar e orientd-los nos esgotos do subsolo dos sistemas financeiros. Sem querer entrar em considerag6es apologéticas, que levariam, com certeza, 4 exposicao da parcialidade do autor, gostaria de con- vidar o leitor instruido nos caminhos deste mundo a compartilhar de uma reflexao mais objetiva ¢ menos julgadora. Falo ao leitor que re- conhece que muito além das classificagdes de bem ou mal a expe- tiéncia humana é marcada pela constante corregao de nossas inten- goes na medida em que estas se concretizam em contato com a reali- dade. Nossa capacidade de transformar esta experiéncia em cultura e tradic&o e expé-la de tal forma a permitir uma critica intergeragdes, formadora que é da moral e da ética, possibilita aos seres humanos o autoconhecimento de sua humanidade. Neste sentido os judeus so imprescindiveis na meméria e expe- tiéncia do Ocidente. Sobre eles projetaram muitas das fantasias co- letivas deste Ocidente. Muitas das vivéncias sublimadas e contidas pelo individuo civilizado tomaram forma neste “outro”. Outro que pareceu exorcizdvel e que talvez sé nao tenha sido a partir da cons- ciéncia de que o fim do problema-judeu era também o fim da solu- gao-judeu. Adianto a idéia de que os judeus talvez nao tenham sido um problema do Ocidente, mas solugéo deslocada. Nao me cabe, po- rém, estender estes pensamentos j4 elaborados por trabalhos de grande consisténcia. A mim interessa ressaltar que “os tragos nega- tivos” dos judeus em muitas situagGes sao reveladores de um esforgo cultural exatamente no sentido oposto. Tal qual fantasiamos sobre 0 tabino que nos bastidores do templo come porco, ou 0 padre que tem encontros secretos no confessiondrio, ou o lider politico que tem =e suas transagGes fraudulentas em pordes sob a tribuna onde defende o povo, grande € a cobranga aos que se propdem assumir uma postura que, ao menos nominalmente, desafia nossos instintos e reagdes animais. Ou seja, a cultura (que faz exatamente isto) gera em ndés um desejo por sua faléncia, pelo desmascarar do anti-humano de suas proposicées tedricas acerca do certo e errado, do construtivo ¢ des- trutivo. Os judeus, com sua tradigéo fundamentada na €ética, instaurado- ra de uma ética ocidental, trazem varios exemplos desta inversao: 1) inventaram a lei fundadora “‘ndo matards”’, mas a eles € atribuido o grande “‘assassinato” da Historia. Os judeus que atravessaram a Ida- de Média, caracterizada por uma urbanizagao sem cuidados higiéni- cos e sanitarios e cujos costumes tradicionais, porém, se destacavam exatamente por seu contetido higiénico, sao retratados, nesse mesmo perfodo, como imundos que se rejubilam em sua imundice. Os ju- deus possuidores de prescrig6es alimentares severas sao 0s mesmos acusados de antropofagias rituais com criangas cristas. Por fim, aos judeus é atribufda a reputagio da obsessao pelo dinheiro; seu D’us, que nao pode ser representado por imagem, toma a forma do logoti- po cifrao. E é verdade: os judeus respeitam o dinheiro! Percebem neste um contetido revelador da verdadeira distancia entre 0 coragao €0 bolso. O verdadeiro sentido do dinheiro, da PARNUSSE, do sustento, tem tratamento ético na tradigfio dos judeus que nao s6 foi pioneiro como corajosamente humanista. A CABALA DO DINHEIRO é uma tentativa de observar os ‘‘insights” dos rabinos sobre a ecologia ¢ a satide das trocas e da interdependéncia, reconhecendo, assim, que pelo dinheiro se estabelecem situacgdes cotidianas que desmascaram demagogias e ilusdes e acabam por expor-nos de uma maneira que s6 a pratica, 0 empirismo, pode fazé-lo. Somos o que reagimos, so- mos 0 que acreditamos, e nosso dinheiro € uma extensao de nossas reac6es, de nossas crengas. Seja pelo dinheiro que entra ou pelo di- nheiro que sai, nossa compreensio do mundo se da; e ele € um dos =19= grandes determinadores do que ha do lado de fora, do valor que as coisas e as pessoas tém para nds, do valor que temos em relagdo a coisas € pessoas. Os rabinos fazem extensa reflexao sobre o dinheiro e lhe dao um tratamento semelhante ao ministrado ao corpo. Reconhecem, portanto, além da importancia da alma e da intengao, a prépria reali- dade do corpo, meio imprescindivel através do qual percebemos quem somos e que rumo devemos tomar. Convido-os, portanto, a passear por um mundo conhecido, 0 mundo do nosso bolso. Grande “tour’’ pelo mundo dos mercados, dos reflexos do dinheiro nas dimensées da emogiio, afetividade e es- piritualidade. Caminhada por um POMAR que possa fazer com que se afaste de seu dinheiro a pecha demoniaca, sombra projetada de nossas proprias almas, e que nos permita aceitar e refletir sobre os limites da riqueza, da solidariedade e da vergonha de nossa humani- dade. O dinheiro em si ¢ uma idolatria ndo_s6 quando amado mas quando desprezado. Explicam os rabinos: “Qual a causa da morte? A vida”. Qual a causa do dinheiro? O desejo de justiga. Certos ele- mentos tém a capacidade de absorver para si tragos da prépria natu- reza humana. Estes elementos tornam-se ent&o muito importantes. Os judeus respeitam o dinheiro. Dinheiro real, que irtiga de possibilidades da subsisténcia ao tempo livre para o estudo espiri- tual, que é feito fertilizante e seiva, e em ultima instancia — vida. Que dinheiro € esse que pode ser assunto de textos sagrados? Que dinheiro é esse de que se ocupam os sacerdotes? Que dinheiro é esse que vai ser moeda também no Mundo Vindouro ou no Paraiso? Como lidar com um mercado da existéncia que desvaloriza o senti- do, que deflaciona nosso tempo e valores, que inflaciona a insatisfa- Gao e que torna recessivo 0 nosso potencial? Respostas a algumas destas perguntas os rabinos nos explicam através de sua busca de uma MOEDA FORTE. = a= PRE-REQUISITOS DO GUESHEFT “Aquele que queira viver em santidade, que viva de acordo com as verdadeiras leis do comércio e das finangas.”” (Talmud Bavli, B.K. 30a) “Vamos fazer um guesheft (um negécio). . .” é uma frase na terra que desencadeia nos céus grande alvorogo. Sagrado € 0 ins- tante em que dois individuos fazem uso de sua consciéncia na tenta- tiva de estabelecer uma troca que otimiza o ganho para os dois. Fa- zer negécio, nos moldes imaginados pelos rabinos, coloca 4 prova todo o esforgo da cultura, da espiritualidade e do senso de que a Sa responsabilidade do individuo vai muito além do proprio individuo. $6 dois santos podem entrar em gueshe/t, nao evitar guesheft por covardia e sair do guesheft com 0 maximo de ganho relativizado \ pelo maximo ganho do outro e 0 mfnimo de transtorno ou consumo \para 0 universo. Este tipo de transagdo, que pressupée a utilizago nao predatéria e a satisfagio das necessidades dos que interagem, instaura uma nova natureza. Natureza onde nao estamos apenas 4 mercé do caos externo de uma sobrevivéncia casual ou determinada pela capacidade puramente fisica de um individuo, mas sim uma natureza onde os conceitos de justiga e a capacidade humana de “perceber” o outro tentam introduzir a presenca do sagrado na rea- lidade. A esta nova natureza dé-se o nome de MERCADO. Quanto menos desenvolvido no sentido rabfnico, mais préximo 0 MERCA- DO estard de sua natureza primitiva — uma selva. MERCADO, por- tanto, € onde gira a capacidade de sobrevivéncia dos individuos de acordo com sua prépria percepgao do que é sobrevivéncia. Sua so- brevivéncia € sua capacidade de arcar com seu sustento fisico e de suas responsabilidades. Estas “responsabilidades” € que sao funda- mentais para que as trocas se déem num MERCADO rabinico e nao da Natureza. A entrada de sobrevivéncias que nao foram taxadas por suas “‘responsabilidades” envenenam 0 MERCADO e somam-se ao carter cadtico do que pode nos acontecer. Tao forte € a nogao rabi- nica da proximidade entre o MERCADO da NATUREZA, que a se- guinte historia é relatada: “A um rabino muito justo foi permitido que visitasse o purgatério (Gehena) e 0 paraiso (Gan Eden). Primeiramente foi levado ao pur- gatorio, de onde provinham os gritos mais horrendos dos rostos mais angustiados que jd vira. Estavam todos sentados numa grande mesa. Sobre ela estavam as iguarias, as comidas mais deliciosas que se pos- sam imaginar, com a prataria e a louga mais maravilhosa que jamais vira. Ndo entendendo por que sofriam tanto, o rabino prestou mais atencdo e viu que seus cotovelos estavam inyertidos, de tal forma que no podiam dobrar os bragos e levar aquelas delicias as suas bocas. 19s O rabino foi entao levado ao paratso, de onde partiam as mais deliciosas gargalhadas e onde reinava um clima de festa. Porém, ao observar, para sua surpresa, o rabino encontrou todos sentados d mesma mesa que vira no purgatério, contendo as mesmas igua- rias, tudo igual — inclusive seus cotovelos, invertidos também —, apenas com wn detalhe adicional: cada um levava a comida & bocd do outro”’. | A descrig&o do purgatério é a de um mundo sem mercado, onde basta uma dificuldade para que toda a capacidade de usufruir o ban- quete a nds oferecido seja perdida. No parafso ha, além do prazer das iguarias trazidas 4 boca, a eliminagao de angtistia cada vez que levamos comida a boca do outro. Porém, é importante perceber que ambos, purgatério e parafso, mercado e natureza, podem ser confun- didos externamente como sendo a mesma situagéo. A distancia entre o “insight” de alimentar 0 outro e nao perceber isto é grande, muito grande. Nés verificamos esta distancia todos os dias no nosso coti- diano. =io= DINHEIRO REAL E DINHEIRO COMO TRABALHO CONGELADO No tratado “A Etica dos Ancestrais” encontramos: “Onde nao ha farinha (bens materiais) nao ha Tord (pois quem nao tem como alimentar-se nao pode se preocupar com 0 estudo e 0 crescimento espiritual). Onde nao hé Tord nao ha farinha”. A primeira assertiva parece Obvia, porém, a segunda nao tanto. Sua intengao é explicar a origem de farinha, nao farinha da natureza, mas farinha do mercado. A Tora, por exercer o papel de colocar li- mites As necessidades humanas e As formas de satisfazé-las, e por == lembrar as responsabilidades embutidas em toda farinha, possibilita o MERCADO. Importante, porém, € perceber que nao falamos de dinheiro ou bens quaisquer, pois para a obtencdo destes nao é necesséria a TO. RA, No entanto, todo dinheiro realizado honestamente dentro d mercado, longe da natureza, é motivo de jtibilo ¢ esperanca, sinal de vida que . Deste dinheiro retirado das trocas justas, otimizando ga- nhos para todos imediatamente (ou nao) envolvidos, obtemos dinhei- to real. Dinheiro real € garantido por D’us, tem liquidez césmica. Afinal, o que € dinheiro? Dinheiro é um importante simbolo do acordo — do acordo de que queremos viver no paraiso. A medida que este acordo se tornou mais sdlido, através das primeiras experiéncias de paraiso, foi possi- vel permitir que surgisse uma sobrevivéncia que fosse tio afastada da natureza e que, na verdade, sequer servia concretamente para so- breviver. Da troca de géneros, do escambo, os seres humanos passa- ram a confiar metais raros com peso suficiente para permitir que, di- gamos, a galinha pela qual trocavam as moedas tivesse 0 mesmo valor real destas. Quem ficava com as moedas com certeza nao as poderia consumir para sua sobrevivéncia como uma galinha, mas sa- bia que tinha algo com valor idéntico. Com o tempo, passou-se a confiar ainda mais num mercado de maneira a substituir as moedas que tinham um valor de raridade por moedas que nao tinham valor algum. Papel ou metais inferiores, além de ndo conterem o valor alimenticio de uma galinha, o seu valor real sendo inferior, nao te- tiam valor nominal igual ao da galinha. Neles havia uma promessa de dez, cingtienta ou mil unidades de galinha. Essa promessa era ga- rantida pelo acordo que se tomava mais assimilado e aceito como re- sultado de bom senso. Era garantido por D’us. Estes dois tipos de simbolos diferentes do acordo tiveram seus nomes derivados exatamente do est4gio de confianga e certeza neste acordo, Ao primeiro, por seu “‘peso”, deu-se o nome de PESOS, LI- Pa BRAS, POUND ou SHEKEL (literalmente, “‘pesos” em hebraico) — pesavam o valor real da galinha — e ao segundo, de ZUZ (derivado da raiz ZAZ, em hebraico, que significa “em movimento”, “circu- lante””) — cujo peso ¢ valor real nada tinham a ver com o da galinha. Zuzim é a moeda dos rabinos. Sem valor, ela é simbolo do entrela- camento da humanidade, do contrato assumido e de que o mundo compreende a diferenca entre “purgatério” e “paraiso”. Confianga fundamental de que D’us abona todos os zuzim. Dinheiro, zuzim, portanto, ndo é uma coisa ruim em si, a0 con- trario, € demonstracao do desejo de organizacio, civilizagao, convi- yéncia e em tiltima instancia de ecologia (ou seja, TORA). O acordo 86 pode existir quando hd crenga, fé, que é normalmente idolatrada em fé no mecanismo de investimento, ou fé no sistema financeiro, ou f€ nas instituigdes governamentais, ou f€ no Estado ou patriotis- mo, mas que, em realidade, s6 pode existir se houver Fé, de forma absoluta. Nao € por acaso que encontramos em varias moedas da familia dos zuzim (sem valor em si), como no délar, a estranha cita- cdo “In God We Trust”’ (em D’us confiamos), uma versao da palavra AMEN (um acréstico em hebraico da frase “El Melech Neeman” — © Soberano que é confidvel), que dé fé a um pedago de papel pinta- do. Dé fé de seu valor na transagio, mas, acima de tudo, deve dar fé de que aquele é um dinheiro real representativo da sobrevivéncia ¢ de suas responsabilidades — as mesmas tesponsabilidades que lhe permitem ter um valor que nfo existe para os que nao fazem parte do acordo. Dinheiro real é muito diferente do dinheiro da natureza, bezerro de ouro que é quando pensamos que seu valor existe nele, no pré- prio objeto, e nao na preservagao do acordo que, como veremos adiante, vai além da seguranca dos valores trocados. Preservar 0 acordo, produzir dinheiro real ¢ corresponder ao mercado nao é pouca coisa. FE tGo dificil quanto possibilitar a era messianica, quanto o ser humano otimizar sua humanidade. Para o dinheiro real, seu valor cresce quando o taxamos de to- =19= das as responsabilidades que fazem parte do nfvel verdadeiro de so- lidariedade e civilidade que uma comunidade atinge; seu valor dimi- nui quando fugimos a estas responsabilidades, destino cruel de todo) simbolo que perde sentido. [ Dinheiro 20 mesmo tempo nfo é apenas a troca de bens respon- savelmente taxados (farinha), mas algo que é simbolico também de trabalho responsavelmente taxado. Para o rabinos, dinheiro neste sentido equivale a “TRABALHO CONGELADO”. O valor do tra- balho seria igual a X (unidades de oferta deste trabalho), multiplica- do por Y (unidades da dificuldade intelectual ou engenharia), multi- plicado por Z (esforco fisico incorrido). Esta multiplicagao € abs- tratamente congelada sob a forma de dinheiro. Um dinheiro, por- tanto, deveria poder representar esta multiplicagéo em que nenhuma das varidveis pode ser “zero”, Pois, sendo, nao ha dinheiro. Estas varidveis também nao podem assumir valores que tendam a infinito ou proximos a infinito, pois hé limites reais no valor de todo traba- lho. A tentativa de fazer uma destas varidveis tender a infinito infla- ciona 0 mercado (pouco trabalho e muito dinheiro). Mesmo quando se valoriza desproporcionalmente uma das varidveis (tende a infini- to) e outra é trazida a valores préximos de zero, ou seja, elas se compensam e criam um dinheiro aparentemente proporcional a me- didas de trabalho, deye-se tomar cuidado para no se criar dinheiro falso. Quanto mais desenvolvida uma comunidade, maior seu cuida- do para que nao se desalinhem os valores das diferentes varidveis em magnitude. Importante, no entanto, é notar que ha limites na quantidade de “trabalho congelado” que podemos ter no banco — limites do tempo da vida humana e da energia de um ser humano. Portanto, riquezas desproporcionais de um tinico individuo oriundas de trabalho significam que muito “dinheiro falso” foi produzido pela sociedade. Deixaremos, no entanto, para refletir sobre isto mais a frente, ao falarmos dos limites do sustento ¢ da riqueza. =20=— VOTO DE RIQUEZA OU ISHUV HA-OLAM - A OBRIGACAO DE AUMENTAR O NIVEL DE VIDA DO COSMOS “J4 fui pobre e j4 fui rico — rico é melhor.” “Melhor rico e saud4vel do que pobre ¢ doente.”” (Ditados em fdiche) Os rabinos percebiam a pobreza como um drama sem paralelos. Em Exodus Rabé (31:14) encontramos: “Nao ha nada pior no uni- verso do que a pobreza — é o mais terrivel dos sofrimentos. Uma pessoa oprimida pela pobreza é como alguém que tem sobre seus | ombros 0 peso de todos os sofrimentos deste mundo. Se todas as do- res ¢ sofrimentos deste mundo fossem colocados num lado de uma balanca e a pobreza do outro, esta penderia para o lado da pobreza’’. Para o combate implacavel a este inimigo universal, que para nds tem componentes naturais e humanos, os rabinos desenvolveram © conceito de ISHUV OLAM (busca do “‘assentamento do mundo”). Segundo este, devemos constantemente tentar elevar a qualidade de vida de maneira honesta com o mundo. E uma obrigagao de todo in- dividuo fazer com que a riqueza, ndo apenas a sua, se expanda pelo mundo ao seu redor. Como “riqueza” entende-se o maior nivel de organizagaéo e transformagao possivel do ambiente de tal maneira que tudo que é vivo e é importante para 0 que é vivo exista sem es- cassez. Ou seja, quanto mais abundante for possfvel tornar uma ne- cessidade dos seres vivos SEM QUE ESTA REPRESENTE UMA ESCASSEZ de outra necessidade dos seres vivos, melhor. Esta é uma obrigagao do individuo — melhorar o nivel de vida do universo a sua yolta, E claro que distinguir entre criar abundancia sem criar escassez, num universo aberto é muito dificil. E claro também que é regra da Jégica que, em caso de diivida, melhor beneficiar-se de uma nao-es- cassez, do que da abundancia. Se transformamos algo em abundancia que gera escassez, estamos criando para nds um duplo trabalho — fa- zer abundancia e ter que repor, por causa desta abundancia, o que se fez escasso. Por isto o Justo, em caso de diivida, opta por nao criar mais abundancia. MAS E SUA OBRIGACAO CRIAR O MAXIMO DE ABUNDANCIA QUE NAO GERA ESCASSEZ. Na linguagem de mercado dos rabinos, este € 0 conceito de “UM NAO PERDE NADA E O OUTRO SE BENEFICIA”. Conceito este muito im- portante em todo mercado que visa ser ampliado e enriquecido. E 0 Justo € responsdvel para que isto acontega. Vejamos um exemplo elaborado pelos rabinos. DINA DE BAR-METZRA (lei dos vizinhos) — Segundo a lei Judaica, se uma pessoa tem uma propriedade que faz fronteira com a 00 pubs Ne OD a AER SEES de outra pessoa, esta pessoa tem automaticamente o direito de opgao de compra. Uma vez que esta venda estard sendo efetuada dentro do valor de mercado da propriedade, nao hd perdas para o vendedor, enquanto o comprador ganha com a transag%o, uma vez que a amplia- ao de sua propriedade representa valorizagao do seu imdvel. Desta maneira um dos participantes se beneficia e 0 outro nada perde. Maimé6nides (Mishne Tora, Leis de Vizinhanga, 12:5) elabora sobre a questao: “Esta lei nao se aplica a mulheres, menores ou 6r- fos que queiram adquirir a terra, pois 0 conceito de ‘certo e errado’ em relacao a estas categorias excede em importancia 0 desejo de um comprador normal. . .”” Outro exemplo deste tipo de conceito* é encontrado no Talmud: “Reuven alugou seu moinho a Shimon na condi¢ao de que este moeria seus grios como forma de pagamento. Aconteceu que Reu- ven ficou rico e comprou outro moinho onde moer seus graos nao lhe custa mais nada. Nao precisando mais de Shimon para moer, viesse a pedir uma restituigéo em dinheiro ao invés do acordo de moer, Shimon poderia se recusar. Mas no caso de Shimon ter muitos clientes para moer em seu moinho, de tal maneira que, com o tempo e esforgo de moer para Reuven, poderia moer de outra pessoa e nao ter nenhuma perda, Shimon seria compelido a concordat com 0 pa~ gamento. Isto é feito para que ele nao agisse de maneira semelhante aos moradores de Sodoma, que se recusavam a fazer favores a ou- tros, mesmo quando isto nao lhes custava absolutamente na¢ ey Fazer favores € uma obrigacao cujas implicag6es s4o parecidas ao roubo. Se vocé impede alguém de ganhar algo, mesmo que nao obtenha beneficio deste algo, incorre num roubo do patriménio po- tencial da humanidade e dos seres vivos. A responsabilidade do in- dividuo diz respeito a tudo que ele controla direta ou indiretamente —a posse vai além de ter, vai até o poder. O fato de vocé impedir que alguém obtenha algo compara-se a vocé retirar alguma coisa de * Meir Tamari, W.A.Y.P, p. 36. SOR alguém. Ao represar o enriquecimento do mercado A sua volta sem prejudicar 0 mundo, vocé colabora com a quantidade de escassez impede que forgas de sustento se concretizem nestes lados do cos- mos. Desta maneira impede 0 aumento do nivel de vida deste cos- mos imediato e infringe a lei da busca pelo enriquecimento e assen- tamento do mundo (ISHUV OLAM). Dificil o esforgo de perceber que as coisas relativas a “‘um no perde e outro se beneficia’ sao da mesma ordem de “um que toma do outro”. Enriquecer € preciso. Necesséria é a luta contra a escassez que permite ao sustento divino chegar a seu recipiente. Hé, porém, limi- tes a este enriquecimento além de nao fazer mal ao mundo (enrique- cer criando outro tipo de escassez)? Ou é esta a razio e o sentido da propria vida? Il- OS LIMITES DA RIQUEZA “Nfo € téo bom com dinheiro, como é ruim sem ele,” (Ditado em fdiche) Ha pouco mencionaévamos uma sociedade doente Pela incapaci- dade de ajudar-se no “‘assentamento do mundo”. Ao se negar a au- xiliar 0 outro em questdes do tipo “um se beneficia enquanto 0 outro nao perde”’, os cidadaos da planicie de Sodoma e Gomorra realiza- vam um mercado abomindvel, muito semelhante ao purgatdrio des- crito acima, em que os cotovelos virados nao se auxiliavam. E curio- So, porém, que outro tipo de sociedade, que aparentemente nao tinha esta postura, € apontado no texto biblico como tendo um “mercado: doente”’ — a geragéo da Torte de Babel. Segundo os rabinos, o erro maior desta sociedade foi tornar as atividades sociais e econémicas um fim em si mesmas. Neste ins- tante, mesmo que descrevendo uma situacdo de cotovelos virados que sabem alimentar-se dos maravilhosos quitutes servidos no ban- =26— quete, nao fica caracterizado um parafso. Na historia citada acima, um dos grandes prazeres do paraiso nao era o simples acesso ao que estava na mesa, mas a capacidade de realizar através destes itens um ato que cra ainda mais “prazeroso” — a troca. A aproximagéio de um cotovelo virado com alimentos pode ser extremamente angustiante se este no sabe 0 que est4 fazendo e repete esta operagao sem prestar atencfio em nossa capacidade e ritmo como receptores. Podemos nos encontrar sem fome, rondados por colheres e garfos que se aproxi- mam sem parar, forcando-nos a algo que quando criangas experi- mentamos como sendo de extremo desconforto. Quando os rabinos tentam explicar-nos que as atividades eco- némicas podem levar a santidade, referem-se ao fato de que é 0 cor- po que necessita de “‘instrugdo’’ e “‘elevagéo”. Dizia Reb Shmuel de Sochochov: ‘‘A alma nao precisa de elevagdo espiritual — uma vez que € pura. E 0 corpo que necessita ser purificado pelo ser humano, uma vez que foi esta a inteng&o do Criador ao crid-lo”. Ou como di- zia outro mestre: “N6s nao temos uma alma — somos uma alma. Te- mos sim € um corpo’’. Esta estranha divisao entre “‘corpo” e ‘“‘alma”, que ora faz sen- tido, ora parece um engodo, talvez possa ser expressa sob a forma de prazer como sendo a diferenga entre prazer “imediato” e prazer “cumulativo”. Satisfazer o corpo pode ser realizado com a mesma rapidez que fazé-lo sofrer — tudo nao passa de uma velocidade de neur6nios. E se os neurénios séo nossos limites de velocidade por um lado, ou o modo mais rapido de ser recompensado com experién- cias (de dor ou prazer), a velocidade das experiéncias do que cha- mamos alma séo as mais baixas possiveis — as vivéncias d’alma so “se fecham’’ ou se tornam perceptiveis na medida em que certas eta- pas de vida sao vividas. Enquanto as experiéncias-corpo se saturam com a repeticéo de eventos ¢ se traduzem em vivéncias de morte, as experiéncias-alma fazem uma leitura diferente destas experiéncias ¢ se traduzem em existéncia. E existir nos dé muito prazer, pois arca- mos com uma responsabilidade e a desempenhamos. Otimizamos um yi potencial e criamos riqueza e “assentamento do mundo” para o GRANDE MERCADO DO COSMOS. Tudo isto para dizer que o ENRIQUECIMENTO do corpo sé encontra limite no ENRIQUECIMENTO d’alma. Que a abundancia das experiéncias-corpo nao podem se dar pela escassez das expe- riéncias-alma. A lei é clara: abundancia que gera escassez é dupla perda de esforgo e de tempo. Tentemos entao identificar as formas com que a abundancia ge- Ta escassez no sentido da experiéncia humana ou o que chamamos de limites da riqueza, agora acrescentando a palavra “humana”. Sao estes os limites de: 1) Tempo; 2) Questdes Ecoldgicas; 3) Questées Morais. Estudaremos estes limites nesta ordem, pois os dois primeiros so conceitos que observaremos de forma mais genérica, enquanto o ultimo nos permitird um melhor estudo do MERCADO e em tiltima andlise do “‘dinheiro” ou da troca. =e LIMITES DO TEMPO - A CIGARRA TINHA RAZAO! B’TUL ZEMAN “Melhor fazer NADA do que tornar algo em NADA.” Ao interpretarem o versiculo de Eclesiastes que diz: “Junte-se as formigas, seu preguicoso!”’, os comentaristas explicam que a for- miga é o simbolo do trabalho desperdigado: “‘Afinal, necessitam apenas de dois graos de trigo para sobreviver uma estagdo inteira, mesmo assim trabalham incessantemente para juntar uma fortuna’’. A pergunta é: Entao, fazer 0 qué? Muito da riqueza acumulada é falta de saber o que fazer, ou coisa melhor que fazer. Nossa mortali- 20 dade e as quest6es do sentido da vida fazem com gue, nos momentos em que se apresentem espagos de tempo vazios, pensemos que é melhor combater a escassez e com isto acumular tempo para quando. tenhamos 0 que fazer. Na tradig&o judaica, a pergunta “O que fa- zer?”’ tem uma resposta — estudar. Ti empo € algo para ser dividido entre estudo, trabalho e necessidades fisiolégicas (comer, dormir, ir ao banheiro e lazer). Todo excedente de tempo, uma vez atendidas as necessidades fisioldgicas ¢ de trabalho, deve ser destinado ao es- tudo. Portanto, trabalho ou unidades de escassez convertidas em abundancia tém um limite dentro do limite de tempo existente a um ser humano. O que se entende por estudo é literalmente a dedicagao ao estudo da Tord, dos valores que permitem a um ser humano ser mais humano em sua condigéo de percepgaio (“insight”) e de com- paixao (entendendo através de sua natureza o outro). Estudo que permite a criagdo do paraiso (lembre-se de que na historia da visita do rabino ao paraiso, este encontrou “insight” sob a forma de resol- ver © problema do cotovelo e compaixao sob a forma do prazer deri- vado de poder ajudar) ¢ que deve ser imposto culturalmente. A cul- tura deve ensinar aquele que ainda néo alcangou os limites de suas necessidades que nao é um bom negécio dedicar todo o seu tempo ao objetivo de conseguir sacié-las. Mesmo que o individuo se diga diferente da geragao da Torre de Babel, pois visa chegar a este li- mite de suas necessidades e entdo parar o estudo, anda assim perten- ce a este grupo c incorre no erro de B’TUL ZEMAN (desperdicio de tempo). O nosso tempo j4 tem destino a priori: ser mais e conhecer mais sobre o potencial que somos. Todo tempo dedicado a outra ati- vidade TAMBEM é uma forma de ser e se conhecer (razao pela qual © mercado santifica), mas com limites reais, quando ultrapassados, representa B’TUL ZEMAN — utilizagao indevida de tempo destinado as experiéncias d’alma. Estas, apesar de se acumularem no tempo dedicado a outras atividades, s6 “SE FECHAM” também no consu- mo real de tempo. Por isso, é melhor NADA fazer do que transfor- mar algo em NADA. Melhor defrontar-se com o NADA do que as- =30= Sumir enriquecer além dos limites e fazer de seu tempo NADA. Su- portar o NADA leva 0 individuo ao estudo, ¢ 0 estudo verdadeiro & 0 que nao leva a NADA. Uma digressao. . . UTILIZANDO BEM SEU EXCEDENTE DE TEMPO - O ESTUDO QUE NAO LEVA A NADA B importante fazermos uma pequena digress4o sobre o estudo, J4 que este interfere na nossa riqueza e é bem de suma importancia para o MERCADO. Um mercado com muito tempo feito de B’TUL ZEMAN (perda de tempo, ou agora que j4 podemos abrir 0 jogo — perda de tempo de estudo) vai também sendo corroido de tal forma que os valores reais de seus circulantes decresce. As depresses, as apatias e as perdas de sentido decorrentes de muito B’TUL ZEMAN custam muito a um mercado. O grande negécio, entdo, é estudar. Mas do que estamos falando? Maiménides dizia’ que o desenvolvimento de um individuo se dé através de sua percepciio da “‘recompensa” ou “‘reniuneragao”” (In- trod. a Mish. Perek Chelek) associada a seu estudo. Comecamos como criangas estudando e aprendendo para obter do professor um torréo de acticar. JA maiores, estudamos para receber amendoins. Quando adolescentes, estudamos com o objetivo de obter um sus- tento. Quando adultos, estudamos para sermos honrados e desfru- tarmos de respeito. E, porém, apenas quando chegamos 4 maturidade que estudamos para NADA (LISHMA — em nome de qué?). Estudamos LISHMA (em nome de nada) para existir. E nao é tao estranho, afinal também comemos, dormimos e trabalhamos para existir. E quando trabalhamos mais do que necessitamos para existir que produzimos B’TUL ZEMAN - existéncia jogada fora. Também parece Iégico que se estudamos e trabalhamos com o objetivo de atingir abundancias e eliminar escassez, e se atingimos a riqueza, todo estudo e trabalho passam, por definigao, a ter o objetivo de obter NADA. Se insistimos em achar que continua sendo objetivo st do estudo e do trabalho mais riqueza além de seus limites, af trans- formamos algo em NADA. VOLTANDO A B’TUL ZEMAN (perda de tempo) Qual a razo de sermos incluidos junto com a geragao da Torre se buscamos um dia atingir a riqueza e af sim estudar para NADA? Porque esta riqueza, tal qual a Torre, que buscava chegar aos céus, ndo tem parametro no futuro. Ninguém jamais poderd ser rico no futuro, pois nao hé abundancia que supra uma escassez que ainda nao existe. Portanto € preciso ajudar, culturalmente, para que os que ainda nao atingiram a maturidade e estejam longe de qualquer segu- ranga material também entendam que lhes cabe dividir seu tempo com 0 estudo cujo objetivo é NADA. Segundo a tradigdo judaica, até mesmo o saldtio € o pagamento pelo B’TUL ZEMAN de uma pessoa (perda do tempo que poderia ser de estudo) para que outra possa usufruir direta ou indiretamente de seu ZEMAN (tempo destinado ao estudo). O tempo € um dos li- mites impostos a riqueza. Tempo é dinheiro, mas nem todo tempo deve ser convertido em dinheiro. 3) — LIMITE ECOLOGICO OU ESPACIAL A partir da definicéo de riqueza como abundancia que nao gera escassez, pressupdem-se limites. O sustento congelado na natureza 80 deve ser transformado em sustento quando necessério, e nio ha melhor forma de conservar sustento do que sob a forma de natureza. Ao ter o MANA caido dos céus, os hebreus que tentaram juntar mais do que a porcao didria nao sé tiveram seu excesso apodrecido, bem como atuaram no meio diminuindo sua ““VONTADE” de promover sustento, Novamente se aplica a idéia de que, quando nao é necessé- tio, € melhor nao fazer nada do que tornar algo em nada. Deve-se tomar muito cuidado, pois lucro pode ser mera imaginag4o. Lucro hoje que gera prejuizo amanha nao representa riqueza, a0 contrario, € um duplo trabalho desperdigado. Muitas vezes somos obrigados a agir desta forma para sobreviver, porém um mercado sofisticado de- ve planejar-se para evitar este tipo de ocorréncia que vai contra a lei de ISHUV OLAM (assentamento do mundo). a3 = QUEM E£ RICO? O Talmud se pergunta: Quem € verdadeiramente rico? Rabi lossi dizia: Aquele que tem um banheiro préximo de sua mesa de jantar. Rabi Meir dizia: Aquele que deriva paz de espfrito de sua for- tuna. (Shabat 25b) Rabi Meir sintetiza 0 senso comum de que é rico quem adquire a maxima qualidade de vida sem gerar escassez para si € para os ou- tros, cumprindo suas responsabilidades para com outrem, evitando 0 “desperdicio de tempo” e nfo descongelando sustento da natureza acima do necessério. Rabi Meir chama isto de paz de espirito tirada de uma fortuna. Ou, em outras palavras, nao é facil ser rico, Uma interessante descrigéo de um falso rico encontramos em Bahia Ibn Paquda (século XI), em seu “ObrigagGes do Coragéo”: “Sobre aquele que acha que suas percepgdes nos assuntos fi nanceiros sdo seus pensamentos mais sofisticados. . . Seus sonhos o levam as mais incriveis expectativas, de tal maneira que seus vd- rios tipos de propriedades ndo sdo suficientes. Ele é como fogo, que queima com mais intensidade 4 medida que se coloca mais lenha. Seu coragGo também se entusiasma por seus sonhos. Espera com ansiedade pela estagdo em que a mercadoria deve ser estocada e pela estagéo na qual deve ser vendida. Ele estuda as condigées do mercado, reflete sobre 0 barateamento ou encarecimento de bens e (fica atento para saber se os precos estado diminuindo ou aumentan- do em diferentes partes do mundo. Nao hé calor ou frio, nem tem- pestade no mar ou distéincia no deserto que o faca desistir de atin- gir os lugares mais remotos. Faz tudo isto na esperanga de chegar a um fim, numa questdo que ndo tem fim e que pode, sim, gerar muita dor, atribulagdo e esforcgo em vao. E se consegue um pouco daquilo que esperava, provavelmente tudo que terd desta fortuna seré o trabalho de cuidar da mesma, administrd-la, tentando salva- ae guardd-la de toda sorte de perigos, até que venha parar nas mdos daquele para quem foi decretada’’ . Ser rico exige uma simplicidade que permita ndo perder os pa- rdmetros da razéo por que buscamos ser ricos. Ao mesmo tempo, isto nao nos libera ‘do ideal desta riqueza, e deve-se ter 0 mesmo cuidado para ndo exagerar nesta ‘‘simplicidade’’, da mesma forma que nGo se deve perdé-la de vista. Adequamos nossas necessidades @ freqiiéncia do que nos é dado como sustento, mas no perdemos o objetivo de aumentar o nfvel de vida, nosso e dos outros. O “‘sim- pl6rio’’ é nocivo ao mercado ‘do cosmos. Uma interessante histéria nos é contada por Sholem Aleichem sobre “‘Guimpel, o Nada’, histéria esta sobre um homem simples, que vive uma vida sem ambigées, fazendo o seu trabalho de limpeza das ruas. Humilde e sem filhos, nunca tendo entrado em disputas, tem até na sua morte um enterro de indigente, onde nem Idpide the é ofertada. Porém nos céus hé um enorme alvorocgo. Nunca haviam recebido tdo ilustre alma, e todos acorreram ao tribunal celeste pa- Ta receber aquela figura tao pura. O préprio Criador fez questio de oficiar o julgamento, enquanto 0 Promotor Celeste se contorcia de Odio pela causa que ja percebera perdida. Guimpel foi entéo trazido frente aos anjos, 0 Criador e 0 Promotor, que foi logo de- sistindo de fazer qualquer acusagéo. O Criador entéo tomou a pa- lavra e, elogiando Guimpel, the disse: ‘‘Tao maravilhoso foste em tua vida que tudo aqui nos céus é teu. Basta que pecas e terds de tudo. Vamos, 0 que quer, alma pura?’’ Guimpel olhou entéo com desconfianga e, tirando o chapéu, disse: “‘Tudo?”’ ‘Tudol’’ res- pondeu o Criador. ‘‘Entdo eu queria um café com leite e um pGozi- nho com um pouco de manteiga.’’ Ao revelar isto, a decepgao to- mou conia dos céus. O Criador sentiu-se envergonhado e o Pro- motor néo conteve sua risada. Guimpel ndo era um justo — era um simpl6rio. De nds é exigido um méximo. E correto que este maximo é de- pendente de iniimeras varidveis, como vimos acima, mas é um md- 5S ximo. Disto ndo hé safda, ¢ a prépria definic¢do de vida € saber ad- ministrar 0 mdximo de estudo, 0 maximo de riqueza e 0 maximo de respeito aos que (e as coisas que) estio ao nosso redor. Este equili- brio nao s0 traz paz de espfrito como enriquece 0 mercado e€ assenta o mundo. SSG MOISHE, O CABALISTA, E O SUSTENTO Certa vez tocou 0 interfone e a secretéria disse: ““Rabino?’” — “Sim” — “Tem um rapaz que diz que é cabalista e quer falar com 0 senhor. Pode subir?” Nao é todos os dias que eles batem 4 porta. Concordei, e vi entrar um tipo tranqiiilo, cheio de reveréncias. Apresentou-se num inglés truncado: “Meu nome é Moishe, sou um cabalista e vim ven- der-lhe livros”. Comecou a mostrar-me seus livros, enquanto eu ob- servava aquele sujeito curioso e tentava dele tirar algumas informa- Goes. Contou-me que havia entrado no pais com mil livros, que ha- ay yiam sido retidos no aeroporto. Conseguira, no entanto, retird-los mesmo sem guia de importacfo e sem entender muito da legislacao e seus tramites. Comentou entdo: “Dificil € fazer livros sobre Cabala. Af tudo de ruim acontece. O ‘outro lado’ faz o que pode para impe- dir — 0 armazém com teu papel pega fogo, maquinas quebram e as- sim por diante... Mas quando fica pronto, e se transforma em PARNUSSE (sustento), af j4 nao pode mais fazer nada’. Fiquei pensando naquela consideragao. Em certo momento Moi- she resolveu buscar em seu bolso 0 endereco de onde estava hospe- dado e comegou a esvazid-lo, colocando varios montes de ddlares sobre minha mesa. Perguntei: ““Vocé anda pelas ruas assim? Vocé ndo sabe que € perigoso? Ha muito assalto por aqui”. Fitou-me com curiosidade e disse: “Isso também é uma regra — 0 que é teu real- mente teu, ninguém pode levar. . . se é PARNUSSE, € claro”. Soube depois que Moishe andava de dnibus pela cidade, ofere- cendo as obras que havia trazido consigo. Quando nos encontramos novamente Ihe perguntei: ‘‘Como vocé faz para vender livros em he- braico para pessoas que nao tém a menor condigao de entendé-los?”’ Ele explicou: “Eu digo que estes livros, mesmo que sejam dificeis de ler, sfo livros bons de ter, que somente pelo fato té-los na estante éem si um convite 4 béngao.” © que realmente calou fundo foi a atitude determinista de Moishe, que deixava claro, acima de tudo, que um grande vende- dor estava as soltas pela rua, batalhando arduamente por seu sus- tento. Afinal, um certo sustento j4 est4 assegurado. Elemento esse que independe do esforgo consciente de querer vender ou ganhar mais. Na tradicao judaica encontramos este mesmo tipo de postura na discussio entre “‘livre-arbitrio” e segula (literalmente, tesouro). Li- vre-arbitrio € 0 esforco realizado conscientemente para obter ou conseguir algo, enquanto segula é “uma forca interior implantada na natureza da alma que, tal qual a natureza de tudo que existe, nao ee pode ser mudada.”* O sustento se dé entéo numa interacio entre estas duas forcas. Assim como certas partes de nossa atividade para manter nossa vida sao ativas — fazer, atacar, fugir —, outras sfo pas- sivas € acontecem a despeito de nossa consciéncia, ainda que por intermédio de um esforgo que € nosso — respirar, digerir, sistema circulatério. Segundo os rabinos, existem em nds movimentos de sustento que sao ativos ¢ representam 0 somatério dos esforgos conscientes; e também passivos que s&o um “tesouro”’ embutido em nossas almas que é explicado da sorte ao tino comercial. Conhecemos este fenémeno na medida em que experimentamos certas “‘intuigdes conscientes”’, que so o limite do que somos e do que nos é feito. Tal qual a visao ou a audigiio so limites de atividades simpatéticas ou parassimpatéticas — yejo independentemente de con- trolar a visio, mas a direciono —, também o “livre-arbitrio” ¢ a se- gula se integram de maneira consciente, permnitindo que os compre- endamos mas nao os apreendamos nas experiéncias de nossas vidas. O que Moishe quis dizer é que a segula (tesouro) de um individuo nao pode ser bloqueada ou prejudicada pelo “‘outro lado” enquanto o “livre-arbitrio” pode. Moishe também quis apontar para o fato de que PARNUSSE (sustento) ndo pode ser roubado, Pode-se tomar algo de um individuo, mas o sustento é algo que jé leva em conta as possiveis. perdas ou sombras que acompanham uma pessoa. Portanto, mercado- rias ou moedas podem ser levadas, mas 0 sustento nfo. Da mesma maneira, um livro que pode ser atrapalhado na sua feitura fica imune uma vez que expressa uma forma de sustento. Nao devemos, por- tanto, deixar-nos abater por segmentos desastrosos da histéria de nossa PARNUSSE. Acompanhe esta histéria de Reb Nachman: “Numa certa localidade vivia um homem pobre que ganhava a vida cavando barro, que vendia. Um dia, enquanto cavava, encon- trou uma pedra preciosa. Tentou avalid-la mas acabou descobrindo * Ray Kook, 66. 59 que ninguém em sua cidade e cercanias tinha dinheiro suficiente , para compra-la, téo grande o seu valor. Teve entéo de viajar a Londres para té-la avaliada num mercado condizente. Sendo muito pobre, precisou vender até os seus pertences, e com estes fundos conseguiu chegar até o porto. Ld chegando, per- cebeu que ndo teria condigées de adquirir a passagem para a In- glaterra. Procurou entéo o capitdo do navio e apresentou-lhe a pe- dra preciosa. O capitdo ficou muito impressionado e permitiu que embarcasse no navio, pensando que o dono de tal pedra tratava-se de uma pessoa muito rica e respeitdvel. O capitéo alojou-o na pri- meira classe do navio com todos os luxos rendidos aos muitos ricos. O homem, bem instalado, exultava-se com sua pedra preciosa, em especial durante as refeigdes, porque faz bem a digestdo alimentar- se de bom humor e moral elevado. Aconteceu, porém, que adorme- ~ ceu um dia ao lado de sua pedra quando esta estava sobre a mesa. Um dos servigais entrou no quarto para limpar a mesa e, ndo per- cebendo a pedra, sacudiu a toalha pela janela no mar. Quando 0 homem acordou e percebeu o que havia acontecido, ficou tio desesperado que quase perdeu a cabega. O que o capitdo faria com ele agora que néo podia pagar a viagem e o alojamento? Nao hesitaria sequer em matd-lo. Resolveu, por fim, permanecer de bom humor como se nada houvesse ocorrido. Era comum nestes dias que o capitéio passasse algumas horas junto deste homem, ae que certa vez disse: ‘Sei que vocé é um homem inteligente e hones- to. Eu gostaria de comprar trigo para vender em Londres, mas te- nho medo de ser acusado de desviar fundos do tesouro do Rei. Permita entdo que esta mercadoria seja comprada em teu nome e€ eu te remunerarei’ . O homem concordou. Logo apés chegarem a Londres, 0 capitéo subitamente faleceu e todo o seu trigo ficou com o homem. Trigo este que valia bem mais do que a pedra preciosa original’. O Rabino completou di- zendo: “‘A PEDRA PRECIOSA NAO FOL FEITA PARA PERMA- NECER COM O HOMEM, ¢ a prova é de que ndio ficou com ele. O S10 = TRIGO tinha como destino ser seu, e a prova € de que permaneceu com ele. A RAZAO QUE O FEZ CHEGAR A SER BEM-SUCEDI- DO E: PORQUE SOUBE SE CONTROLAR EM SEU INSUCESSO”’ . O insucesso é uma expresso momenténea de uma PARNUSSE, um sustento, no entanto seu ciclo maior — da segula, do tesouro — permanece inalterado. Se algum tempo for dado a cle, ird reconsti- tuir-se. Diz-se em idiche: “Um grama de sorte vale mais do que um quilo de ouro”, ou talvez “Uma boa segula vale mais do que uma decisdo acertada no mundo dos negdcios”. Segula nao € sorte, 6 a integragéo profunda de quem somos e nossa importancia e intensi- dade para o meio que nos cerca. Pode ser compensada por grandes esforcos, mas quem tem um “tesouro” consideravel perceberd que as coisas Ihe chegam com mais facilidade. 6 claro, uma boa segula nao garante que se seja rico, visto que para isto € necessdrio também co- nhecer a arte de interagir com 0 Mercado e poder transformd-la em Tiqueza. = Ill - ACUMULANDO RIQUEZAS NOUTROS MUNDOS A CABALA E OS CICLOS DA RIQUEZA A cabala relativa ao dinheiro diz respeito 4 maneira com que se realiza nossa troca no Mercado. Como vimos anteriormente, nao diz respeito apenas ao que recebemos mas também de que maneira 0 que recebemos est4 em harmonia com o que era possivel receber. Talvez isto soe como uma grande racionalizacdo, afinal sabemos de nosso cotidiano que aqueles que consideramos ricos nem sempre (ou em muitos casos) estéo preocupados com qualquer forma de harmonia. Nao nos cabe provar aqui de que nao sao ricos, da mesma forma que os rabinos, ao tentarem abordar teologicamente o assunto “Tsadik ve-Ra Lo, Rasha ve-Tov lo” — ‘‘justo com uma vida ruim, perverso mae com uma vida boa” —, evitam elaborar qualquer sistema Idgico que 0 explique. Neste mundo em que vivemos hé injustiga e, por mais triste que isto nos pareca, na dimensfo concreta da vida, nao ha jwalquer punicao ou cobranga automatica por parte de qualquer for- de justica (chok hagemul — Lei do Retorno). Tao dificil é viver com isto que nos dizem os salmos: “O tolo 0 entendera”, Tal como na abordagem da reencarnagiio os rabinos hos explicam que ha sempre retorno, que h volta de tudo a tudo, da mesma forma a justica visita suas injustigas desde outro plano de tempo e realidade. Se galaxias podem ter-se transformado em molé- culas humanas e moléculas humanas em galaxias, tudo retorna, sen- do que o raio de Srbita destes retornos é as vezes tao imenso que nos parecem retas, tangentes, a olho (experiéncia) nu. Estes gigantes raios de retornos e revisitagGes a situagdes ¢ condigées sao por algumas tradig6es denominados “‘carma”’. Carmas so custos reais de qualquer Mercado. Eles sao identificados hoje com maior facilidade nas quest6es ecoldgicas, onde j4 comegamos a perceber a reverberacio daquilo que parecia no nos atingir — 0 raio era muito grande, mas j4 nao o é mais. Antes o senhor de terras que desmatava suas florestas parecia usufruir beneficios sem custos. Hoje estes custos sio tio concretos que seus descendentes podem vir a maldizé-lo, ou o estado cobrar multas reais, ou mesmo vir a morrer de cancer de pele ou de pulmées por seus atos. Mesmo aquele que usufruiu quando o raio da Grbita do retorno parecia tender a infinito pagou seu prego em escuridao. E como isto carece de explicagao (t- sarich Iun!)... Quando agimos em desconhecimento n&éo pagamos pela.“‘lei do retorno”’, mas 0 proprio desconhecimento, nossa propria escuridio, é em si preco, custo e sombra. Quando agimos com co- nhecimento, af sim, incorporamos os custos cobrados pela lei do re- torno. Repito, tal qual os rabinos deixaram claro, isto nao € uma expli- cago racional que funcione, mas é uma descrigao muito aproximada dos fragmentos de nossa prépria clareza em meio as escuridées cir- m5 cundanites, do que ocorreria levando-se em conta outros planos da existéncia. Riqueza real também é um processo complexo, muito além do/ simples ato de estar no lugar certo na hora certa. Dificil entender isto, mas tem a ver com as 6rbitas de retorno mais alongadas, quase imperceptiveis, e os quatro mundos (dimens6es) do sustento. A cabala utiliza-se da diviséo em quatro mundos para alertar- nos sobre as varias dimensées da realidade. Esta divisdo nos auxilia a reconhecer quéo parcial € nossa percepgao — s6 conseguimos apre- ender conscientemente os ciclos de “recebimento” de raios muito pequenos de retorno. ——— UNIVERSO MANIF, EM MUNDO | INTERIOR REALIDADE SUSTENTO ASSIA PESHAT MENTAL, NECHES Mundo Légico Bens Funcional Materiais IETSIRA | REMEZ EMOCIONAL SEGULA Mundo da_| Alusivo Tesouro Formagio BRIA DERASH ESPIRITUAL ZECHUT Mundo da _| Simbélico Mérito Criagao ATSILUT | SOD DECONEXAO | LISHMA Mundo das | Secreto Sem representa- Emanagées ao de ganho No mundo da Assié, utilizamos a ldgica para determinar os ga- nhos e custos de menor raio de retorno, Estamos preocupados em obter ganhos rapidamente minimizando custos que possam também retornar rapidamente. Este é 0 mundo material com suas préprias complexidades, tao grandes quanto a propria mente. No mundo da Ietsira, estamos lidando com 0 tesouro interno ou, como vimos acima, nossa capacidade potencial de transformar-nos —46-— \ \ | em sustento. Esta dimensdo se expressa como sustento no tempo e na oportunidade a partir do somatério do nosso passado emocional. O raio da Grbita de retorno é maior neste caso, porém ainda bastante perceptivel aos sentimentos e, em certa medida, 4 mente. Tem a ver com certas expressGes como: ‘“‘aquele sujeito. . . tudo que tocar vira ouro”’. \ No mundo da Brid, participa de nosso sustento 0 “Mérito” Ze- Chut), actimulo dos méritos da heranga espiritual de nossos antepas- sados. Zechut pede por definigéo. O conceito de sustento é de grande complexidade. Pode dizer- se que se obtém sustento escrevendo-se livros. Porém nao podemos nos alimentar, abrigar ou medicar com livros. No Mercado tornou- se possivel sustento pelo ensino, pelo lazer, pelo servigo, pela in- termediac&o e outras tantas formas que na Natureza sao desconhe- cidas. Nem mesmo a simbiose da Natureza ou a troca ecoldgica entre as espécies se aproxima do sentido humano de Mercado. Na Natureza existem apenas formas de colaboragao a nivel do sustento vital; no Mercado, porém, encontramos isto a nivel emocional e es- piritual. Portanto, hoje, quando nos sustentamos, de alguma manei- ta devemos isto a uma intrincada e irresgatavel sucessao de “mé titos”. Da mesma forma que nao posso estar hoje comendo e respiran- do se meus antepassados nao tivessem se alimentando ou mantido telag6es sexuais, nao sei mais reconhecer se devo esta possibilidade & influéncia de livros que foram escritos, circos montados ou a parti- cipacdo dos correios. Quando alguém passa seu tempo escrevendo um livro, h4 um mérito embutido neste ato da mesma forma que ha mérito numa outra pessoa que passa este mesmo tempo trocando fraldas. Ambos os casos estabelecem relagdes com 0 Mercado que nos tomnou e torna possiveis. Nossos antepassados, desta maneira, codificaram méritos e os colocaram no Mercado; estas influéncias-méritos sao como um Ape “carma” positivo que nos permite estar existindo, Hé muita forga nesta dimensao e percebemos isto quando a evocamos. Nas oragGes judaicas centrais, quando assumimos a postura de estar diante da divindade, pedimos sempre, como primeira apresen- tagfio, que sejamos identificados como descendentes dos patriarcas ¢ matriarcas e de seus méritos. O que realizaram no passado esta, de alguma forma (ciclos de 6rbitas muito extensas), codificado em quem somos ¢ de que maneira nos comportamos no Mercado. Estes méritos sao 0 alicerce maior de nossa espécie, alicerces de onde reti- ramos nosso sustento — nossos direitos (méritos) como parte do Mer- cado. Devido a sua forma, Zechut s6 é percebido ao nfvel subjetivo e coletivo sob a forma de heranga cultural. Porém, compreender de que forma as intengGes individuais e nossa prépria interferéncia no passado (vidas pregressas?) influenciam 0 nosso sustento concreto do dia-a-dia, € dificil de vislumbrar. As emogdes apreendem um pouco desta realidade, enquanto o espirito é privado destas mesmas emogé6es e do siléncio da mente para poder expressar esta percepgiio. No universo da Atsilut, encontramos o fazer por fazer destituido da expectativa de qualquer ganho. Isto nos é secreto, facultado ao que nao é diferenciado, ao que é UNO e conectado ao divino como sendo parte de Suas prdprias emanag6es. Para estas viltimas duas dimensGes nao dispomos de instrumen- tos de percepgao. Pescamos sem redes — quando conseguimos, quase €m nossas mos, nos escapa. NAO POSSO OU NAO QUERO — DIGRESSAO- SOBRE O INCOMPREENSIVEL E impossivel entender o sustento sem compreender as intrinca- das relagdes com o processo de vida, Todo “rico” ou todo aquele em sustento reconhece nfveis muito sutis de relacéo de troca com 0 Mercado da vida. Daf ouvirmos em relagao ao sustento a constante preocupaciéo com a sorte, com a sensagdo de que algo esté do nosso Ag \ lado ou contra ndés. Mesmo os maiores prisioneiros das dimensdes \ mais concretas referentes ao sustento percebem em sua experiéncia \didria a atuacdo de “‘forgas estranhas” que participam ativamente de ‘seu processo de sustento. Mais adiante veremos isto mais especifi- camente. Falemos um pouco sobre o nao-faldvel, para que possamos compreender também os nfveis de sustento neste plano. Um dos confrontos mais comoventes registrados a nivel de dis- cusséo sobre o incompreensfvel ocorreu hé pouco mais de dois sé- culos. O Baal Shem Toy, uma das figuras mais importantes do re- nascimento espiritual judaico na modernidade, foi procurado por um distinguido rabino de sua época com o intuito de questionar sua postura em torno de elementos intuitivos e misticos. Isto propiciou um encontro classico entre as duas maiores tendéncias que dividem ‘os seres humanos — os que percebem a vida como impregnada do préprio Mistério que a possibilitou existir e aqueles que, apesar de teconhecerem 0 Mistério, nao o percebem como um agente constante do dia-a-dia e da “‘realidade”. As diferengas entre os seres humanos esto na gradagdo, na magnitude de percepgdes e crengas parecidas. Isto permite a distingéo entre os racionais-Idgicos ¢ os intuitivos; os que enfatizam os elementos cadticos deste universo daqueles com uma visio mais determinista, ou mesmo aqueles que expressam sua crenga em termos de Mistério ou de D’us daqueles que percebem menos a presenga ou interferéncia do inexplicdvel em sua vidas. O encontro do Baal Shem Tov com esse rabino representava, até mesmo dentro de uma visao particular — a religiosa —, um debate destas mesmas duas tendéncias. O relato deste encontro, em lingua- gem muito especifica dentro da tradigdo judaica, possui um cardter tao universal que poderia ser traduzido de mancira a expressar qualquer confronto dentro de outra tradigao ou sistema de percepgao e pensamento humano. Em certo momento a discussdo recai sobre a experiéncia pessoal e sua tradugio em termos de percepgdes. O Baal Shem Tov relata uma historia do Talmud (Berachot 54b) em que: .. Rabi Akiva viajava com um jumento, um galo e um lampiao =49— durante a noite ¢ tentou alojar-se numa hospedaria de certo vilarejo. O dono da hospedaria nio quis acolhé-lo, fazendo com que Rabi Akiva se dirigisse a um bosque préximo, onde montou um pequeno acampamento. Durante a noite seu jumento foi devorado por um ledo e Rabi Akiva nem se abalou. Pensou: “Talvez tenha sido melhor as- sim”. Pouco mais tarde seu galo foi atacado por uma pantera e uma forte brisa acabou por apagar seu lampiao. Rabi Akiva nao se per- turbou: “‘Talvez tenha sido melhor assim”. Na manha seguinte, ao voltar para 0 vilarejo, ficou sabendo que este havia sido atacado du- rante a noite por um bando de assaltantes que mataram e saquearam 0 local. Percebeu entio que, se seu jumento e galo niio tivessem sido devorados e scu lampiao apagado, teriam revelado com seu rufdo € luminosidade sua posigo. Havia, realmente, sido melhor assim. Para o Baal Shem Tov este era um exemplo de uma ordenacdo que apenas aparentemente € fruto do caos ou do “azar”. Nao satis- feito, o Baal Shem Tov insistiu em apresentar seu ponto de vista através de outro exemplo. Relatou entio sobre um de seus vizinhos que despertou certa noite com a picada de um mosquito. Ao levan- tar-se, notou que de sua lareira haviam cafdo brasas no chao. Bus- cou entéo um balde d’dgua para apagar o que poderia ter sido uma tragédia. Nesse instante, 0 teto sobre sua cama ruiu. Se estivesse dormindo, teria sido certamente atingido. Para o Baal Shem Tov estas ocorréncias e outra mirfade de ex- periéncias que todos nés vivenciamos apontam para nfveis de inter- feréncia que esto além do acaso, do livre-arbitrio e do instinto. Por Sua vez, 0 rabino que seguia a apresentagdio do Baal Shem Tov tam- vém percebia todas as dificuldades que qualquer ser humano com um pouco de critica e inteligéncia pode levantar com relagfo a estes acontecimentos. Mais que isto, o rabino percebia um enorme perigo em abrir as portas para o incompreensivel. Sua reacéo foi dizer ao Baal Shem Tov: “Nao posso, nao consigo acreditar que as coisas possam ser assim’’. O impasse I6gico milenar estava novamente formado. Assim te- 50 = _ tia permanecido como mais uma tentativa em vao de criar pontes entre estas duas percepcdes. A resposta do Baal Shem Tov nesse momento foi: ““Vocé nao pode, nao! Vocé nao quer”. O rabino nao tomou aquelas palavras muito a sério e partiu. Cavalgava retornando a sua casa pela floresta, j4 quase ao escurecer, quando passou por um camponés cuja carroga havia tombado e tentava desvird-la, De- sesperado por perceber que nao conseguiria desvira-la sozinho, 0 camponés acenou para o rabino pedindo ajuda, O rabino, devido a sua idade, pelo adiantado da hora e pelo inusitado da situagao, res- pondeu impulsivamente: “Sinto muito, mas nao posso”. Ao que re- trucou 0 camponés: “Nao pode ou nao quer?” Quando o rabino escutou estas palavras nao apenas ajudou o camponés, como retornou ao Baal Shem Tov, com quem a conversa prosseguiu de outra forma, Esse rabino tornou-se um dos maiores seguidores do Baal Shem Tov. Muito da dificuldade com o incompreensivel, com aquilo em que acreditamos, nfo se deve ao fato de nao podermos aceitar, mas de nfo querermos, Nao hd linguagem ou raciocinio que possa expli- car a postura defendida pelo Baal Shem Tov, a nao ser a experién- cia, Esta nos permite perceber que nosso problema nao é “poder” mas “querer”, Nao queremos aceitar que nossos atos tenham conse- qiiéncias e reverberagdes que prosseguem além de nossa consciéncia e possibilidade de controla-los, N&o queremos aceitar que nossas portas nao nos atribuem controle do que possa existir, conviver ou penetrar em nossos espagos. Nfo queremos ver que nossas necessi- dades transcendem o que pode ser adquirido, que nossas certezas suposigdes possam ser meta ilusio. O Baal Shem Tov em sua sapiéncia e visio percebe que seu melhor argumento € 0 tempo ¢ a experiéncia onde os fragmentos dos quebra-cabegas fazem sentido. O sustento e a riqueza sao caminhos muito importantes para a percepgao destas dimensdes de realidade. Quem batalha por seu sustento sabe — hd nele algo de estranho e milagroso. No mercado, S5i= nestas trocas do Dinheiro real, h4 muito espaco para descobertase * revelagées. Afinal, j4 sabia o Baal Shem Tov: como estas sao em sua esséncia trocas de experiéncia com o mundo, nelas est4 o poder de ensinar o que as palavras e o pensamento nao permitem. apenas desta maneira que desmascaramos nossas pretensas incapacidades e expomos nossas verdadeiras dificuldades em querer. =e POR QUE EU NAO TENHO? - DIGRESSAO SOBRE UM PARADOXO HUMANO O Baal Shem Tov, neste confronto com o rabino, isola uma es- pécie de antidoto contra a experiéncia que nos faz perceber a propo- sigdo “‘justo com uma vida ruim, perverso com uma vida boa’’. Este antfdoto demonstra que realidades desastrosas momentaneas podem muito bem representar etapas de um processo maior de ordenagao. O antidoto é, portanto, nunca permitir-se valer apenas de um retrato, um instantineo da realidade. E unicamente em meio a uma realidade dinamica que podemos perceber e avaliar situacoes. Este antidoto inclui, com certeza, uma dosagem grande de fé e de compreensio dos ciclos de raios mais extensos. S53 No entanto, ha um perigo ainda maior do que perceber a injusti- ga em nossa experiéncia diéria e que, muitas vezes, ao contrario, é entendido como seu tinico possfvel antidoto: “justo com uma vida boa, perverso com uma vida m4’, ou trabalhar com suposigdes de justiga. Quais sao as situages em que temos 0 direito de perceber algo justo por merecimento? Quando é que poderemos perceber que algo nos chega por mérito? Como pode Rabi Akiva, na histéria aci- ma relatada, agradecer por todos os sinais (ou coincidéncias) que o levaram a sentir-se resguardado por uma forga maior (hashgachd — supervisao celeste)? De que maneira pode uma pessoa rica fazer uma leitura de sua riqueza como Ihe sendo merecida? Ha um terrfvel perigo em tudo isto. Perigo que aumenta o ni- vel de petcepgio de “justo com uma vida ruim, perverso com uma vida boa”, exatamente ao perceber a realidade contraria “Susto com uma vida boa, perverso com uma vida ruim’. Do que estamos fa- lando? Certa vez, ao terminar uma ceriménia de enterro num dia chu- voso, a vitiva, ao ser cumprimentada por mim, exclamou: “Rabino, até D’us esté chorando”. Sua alusao A chuva logo encontrou uma contrapartida, Alguém ao meu lado sussurrou: “Quer dizer que quando morre alguém e o dia é de sol, D’us estd rindo?” O mesmo explica Elie Wiesel com relac&o aos sobreviventes do holocausto nazista. Se alguém que se salvou atribui isto A participa- ¢4o divina, de que D’us olhou por ele, ter de suportar o peso de afirmar que D’us nao olhou por todos os que perderam a vida, Ou seja, a postura grega de que “sorte é quando a flecha atinge 0 ou- tro” aprofunda e revigora a percepgiio de “justo com uma vida ruim, perverso com uma vida boa’. Acrescenta-se, com este tipo de visto de mundo, maior caoticidade & vida. A f& vai contra a fé e se des- vela seu pior inimigo. Passa a ser instrumento de autoglorificacio. Portanto, na situagio especffica que analisamos, cada pobre que se acha justo e que amarga o sofrimento da miséria e cada rico que se acha justo e se regozija na abastanga, aumenta os nfveis de per- 54 Poneaber a dade Vey te. cosines: cepeaio de caoticidade e no mundo, Ampliar estes niveis quer dizer sabotar a estabilidade do Mercado. Basta também enfatizar apenas um destes aspectos para que haja dois tipos de distorcao: 1) pobre achar-se to justo ou que sua pobreza seja expressio do destino, acarretando, assim, manipulagdes como as exercidas por certas ideologias religiosas, e encontramos as manipulagdes em muitos pe- tfodos das religides, ou de religides; 2) rico achar-se tao justo e que sua riqueza seja expressio do destino, acarretando, assim, posturas mais radicais como a de certas ideologias do comunismo. Na verdade, h4 um paradoxo: quanto mais percebemos o mundo como o Baal Shem Toy nos recomenda, onde a manifestagéo divina est presente em tudo constantemente, mais podemos entender este mundo como caético. O pobre deve entender-se pobre porque assim € que é, e nao por mero acaso, € 0 Tico deve perceber-se tico tam- bém como um processo além do acaso. Ao mesmo tempo, se nao percebemos a presenga desta manifestagao, nos tornamos materia- listas ¢ elevamos 0 acaso e 0 oportunismo & regéncia final do Mer- cado. Com isto também acrescentamos caoticidade ao universo. En- tao o que fazer. . . afinal, se correr. . . se ficar. . at ‘A olho (experiéncia) nu, ou na superficie, nao vamos conseguir sair deste paradoxo: quanto mais f€, menos fé. E f€, como vimos, € 0 elemento essencial para qualquer Mercado. Porém o Baal Shem Tov nao estava se referindo a uma fé que busca, como objetivo, entender por que o mundo & justo ou injusto. Ele se referia a uma fé que bus- ca na experiéncia profunda entender para que serve o justo e 0 in- justo das situagdes que vivenciamos, Qual 0 sentido que tem cada instantineo, justo ou injusto, da realidade no desenrolar das cami- nhadas individuais e coletivas? F este sentido que permite a cada um saber quando sua expe- riéncia é fruto de uma “‘intervencio” ou quando & mero acaso. A capacidade de filtrar e de dar autencidade a alguns fenémenos e a outros nao, nao é uma patologia ou uma irracionalidade, mas 0 exato Jocal onde “‘céus e terra se beijam”, onde a alma toca o corpo. =55'= E esta a experiéncia fntima que faz a vitiva entender a chuva como choro, enquanto o sobrevivente rejeita sua experiéncia como circunstancial, O préprio Baal Shem Tov lembra que sao os nossos “olhos” e “ouvidos” que devem ser treinados a enxergar a realidade A nossa volta. Como 0 midrash nos alerta (Génesis Raba, X): “Temos que ser capazes de visualizar o sutil, de ver os anjos enquanto influen- ciam o crescimento de cada lamina de grama no chao. Temos que vé-los quando se postam ao seu lado e lhe incentivam: cresce! cres- ce! Enquanto nfo conseguirmos perceber esta dimensio de ordem, enquanto nao mergulharmos mais profundamente na sutileza das si- tuagdes em que nos encontramos, continuamos presas do paradoxo , portanto, imobilizados. Nossas percepgdes devem ser checadas com a acuidade de quem percebe no crescimento das plantas, de tu- do, energias que a seu lado lhe incentivam. Se visto com estes “‘o- lhos”, entéo “justo” talvez tenha um significado diferente e simi- Jarmente “‘peryerso”, “bom” e “ruim” também. Com certeza, 0 Mercado se fez e se faz, em todas as suas imper- feigdes, com grande influéncia destes “‘olhos”. Assim sendo, as perguntas “por que nao tenho?” e “por que te- nho?” encontram respostas na distribuigao de nossos potenciais pe- los diversos mundos do sustento. No entanto, é importante perceber que “ter” nao é uma medida absolutamente positiva e que o fato de “ter” pode representar perdas muito sérias em outras dimensées do sustento. Ter pode anular ou desgastar méritos ou “‘tesouros”. Po- demos, assim, consumir muito da nossa heranga pessoal e ancestral em codificagGes materiais a custos bastante elevados. Nem sempre aquele que tem, tem, Nem sempre aquele que nio tem, nao tem. Porém, aquele que realmente tem, este é abengoado, Exploraremos formas de aquisigéo de riquezas que se distribuem pelos diversos planos do sustento, sem necessariamente expressa- rem-se no mundo concreto e material da Assia. 56. IV - RIQUEZAS PELO QUE NAO SE TEM Um dos maiores cuidados que se deve ter constantemente em nossos mundos dos negécios é nfo se criarem anti-riquezas. Como vimos anteriormente, € obrigacao daquele que visa ser “rico” au- mentar o nivel de vida no cosmos (ishuv olam). Discutimos, porém, a criagdo de anti-riquezas pela transformacgfo em abundancia de elementos que, ao mesmo tempo, incorriam em alguma forma de es- cassez, Vimos entao que desta forma 0 Mercado nao se beneficiava, era antiecolégico e atuava contra o movimento da Vida. De maneira semelhante, anti-riquezas podem ser introduzidas no Mercado, tornando-o mais corrompido, quando aumentamos seus ni- veis de injustiga. Ao empobrecermos nossos mundos da segula (te- souro) ou ao dilapidarmos nossas reservas de zechut (mérito), dimi- SR nufmos 0 potencial de ordem e riqueza do Mercado, Portanto, con- trariamos a lei de ishuv olam num plano totalmente abstrato e sutil. Exemplifica bem o rabino de Kotzk: Certa vez o rabino de Kotzk encontrou-se numa estrada com um amigo seu de inféincia que havia enriquecido mas que se tor- nara muito descuidado de suas obrigagées como rico. Ao vé-lo, 0 magnata convidou 0 rabino para que subisse em sua espléndi- da carruagem. Uma vez dentro, 0 rabino observou com cuidado os detalhes de riqueza e afluéncia de seu amigo e perguntou: ‘Diga-me. . . onde estdo tuas possessbes ‘deste mundo’ ??? O homem rico respondeu: ‘‘E serd que’ todo este aparato que vocé esti vendo ndo diz algo sobre minha riqueza ‘neste mun- do?” “Nao. . .”, respondeu o rabino, ‘‘estas sfio tuas recompensas de ‘outros mundos? que te iro fazer falta no Mundo Vindouro. O que gostaria de saber € onde estéi tua porgdo de riqueza ‘deste mundo’ 2? O homem rico se ps a meditar sobre as palavras do rabino. SS.K., H, 19 Muitas vezes nao percebemos de onde estamos retirando nossos “saques’’, Desta maneira, foge 4 nossa compreensao que, quanto me- nos transformamos em bens materiais nossos bens de outras dimen- sdes, melhor é Sé assim temos uma medida de nosso verdadeiro sus- tento, sem dilapidar reservas de outros mundos. Poderfamos inclusive dizer que “somos ricos pelo que nao temos”, Esta é uma extensao da nogao ecolégica que mencionamos acima, “melhor nao fazer nada do que transformar algo em nada”, Mais vale deixarmos riquezas que esto sob uma forma sem nelas mexermos do que buscarmos trans- formé-las em apenas uma tnica expresso de riqueza. Se fazemos isto, vamos descobrir-nos criando um duplo trabalho — concretiz-las em abastanga num tinico mundo do sustento, criando escassez em outros e tendo, portanto, que reverté-las em algum momento. 2559 — escassez em outros e tendo, portanto, que reverté-las em algum mo- mento, Esta nogdo de ecologia interior de Mercado é essencial, Afinal, quantas vezes nos pegamos trilhando caminhos de enriquecimento no mundo concreto, tendo depois que gastar enormes reservas destes recursos para poder suprir a escassez e caréncia dos outros mundos do sustento? Quantos recursos e tempo sao perdidos neste processo de nao sabermos medir as comportas do que queremos transformar de nossos tesouros ou méritos em propriedades e poder? Se isto ndo parece real, pense em todos os recursos que o Mer- cado precisa suprir para gerir os niveis de depressio, autodestruicao, caréncia emocional, tédio e falta de sentido que sao nele introduzi- dos pelo mau gerenciamento de nossos préprios recursos de sustento nos diferentes mundos, Economiz4ssemos mais nossos recursos emocionais, espirituais e transcendentes, e este Mercado estaria em melhores condig6es, quem sabe atingindo os indices messianicos. A combust&o de nossas reservas de tempo em apenas algumas formas de riqueza tem empobrecido demais nosso Mercado, criando uma espécie de recessio em certos mundos onde grande parte da popula- gGo nao dispde de meios sequer para garantir nfveis de troca mini- mos. Fica assim caracterizada a auséncia de uma massa critica con- siderdvel de economias saudaveis neste mundo — como se saturfsse- mos 0 Mercado de indigéncias e aposentadorias emocionais, espiri- tuais e transcendentes, Nao esto tao longe da verdade, portanto, os economistas que intuitivamente chamam os bolsdes de pobreza e subdesenvolyimento de “terceiro mundo”, Na cabala, chamé-los-fa- mos de aprisionamento no “quarto mundo”, lembrando apenas que esta pobreza e subdesenvolvimento & dos individuos, seja 14 qual for acamada da sociedade a que pertencam, ou mesmo se esta & consi- derada materialmente rica ou no, A pergunta que fica é: como podemos impedir este processo de entulhamento de recursos em apenas uma tnica dimensio da rique- za? Como podemos criar protecionismo a cada um dos mundos até =O0= maturidade messianica nos permita a verdadeira “economia Mercado” também entre estes mundos? Como criar controles al- ios nas conexées destes mundos? sejamos enriquecer sem ter mais, e esta € uma batalha no 0 e terrivel de todos os terrenos — 0 dia-a-dia. —6t= NAO-ROUBO (ossek/guezel) Uma das formas mais importantes de suprir de recursos outros mundos do sustento é através do nao-roubo. Nao roubar enriquece o Mercado e principalmente o individuo, que nao necessita ter mais para garantir seu sustento. Pensamos, no entanto, que, por nao sermos socialmente reco- nhecidos como ladrées, o roubo est4 longe de nossa realidade. Po- rém nao esta. Realizamos roubos em grande parte de nossas intera- gGes. Pequenos roubos que afetam o escoamento de riquezas do Mercado. =62= A Biblia (Lev. 19:13) classifica as interagées de furto como sendo de duas ordens: ossek (opressao) e guezel (saque). Nossa con- Gao social aponta e busca punir situagdes de saque, mas rara- ‘guezel (saque) é a apropriagdo forgosa de algo que nao nos pertence. OU que nfo esteja A nossa disposig&o, ao passo que ossek (opressdo) mento do dono; ou a retengdo de algo que pertenga ao outro e que, esmo nao pretendendo que fique conosco, interferimos servindo de ‘empecilho para que retorne a seu legitimo recipiente. O primeiro caso de ossek € descrito pelo Talmud (B. M. 11a) como sendo a situagao de adiamento constante do retorno de um ence. Literalmente o texto exemplifica: “(fulano) vai e volta, vai e volta’”’, ¢ o que € seu nao € devolvido. E, portanto, um roubo nao ostensivo e ndo declarado, mas que ainda assim mantém formas ‘muito parecidas com as do “‘saque”. Quanto ao segundo tipo de ossek, abre-se um campo bastante ‘amplo de visio de nossas atitudes e comportamento cotidianos. Examinemos alguns exemplos de roubo por este tipo de ossek: =6see ROUBO DE TEMPO Muitas vezes detemos o poder de liberar algo ou alguma informa- co que, por razOes que nem sempre nos sAo claras, postergamos. Este € 0 caso, por exemplo, daquele que aguarda por uma resposta que € retida sem nenhuma razdo. E representado pelo adiantamento da re- solugao de uma situagdo para o dia seguinte, quando sabemos que nao haverd qualquer possibilidade de alteracgéo ou mudanca que justificas- se a protelagao. Por que nao respondemos de imediato, até mesmo re- conhecendo ignorancia, nao habilitagao ou até mesmo falta de interes- se? Adiamos algo semrazao algumae tomamos tempo de alguém. Esta éuma enorme tragédia particular do individuo e de seu Mercado. 6 Em grande parte, estas ocasides tém a ver com o desleixo ou a dificuldade de enfrentar situagGes. Suas conseqiiéncias so nfo ape- nas o esbanjamento do tempo alheio, mas multiplicam também per- das de tempo em situagdes constrangedoras e que levam a intimeros conflitos e mégoas. Cometemos ossek também quando, querendo livrar-nos de al- guém, referimos esta pessoa a outra que supostamente poderia ajuda- la, mas que sabemos nao ird fazé-lo, por uma razAo ou outra. Tudo isto vai contra a nogiio de ishuv olam, de enriquecimento do mundo. Em portugués, chegamos a nos referir a situac6es de falta de civilidade como esta com a expresséo “que pobreza!”. Pois é€ exatamente isto. Esta atitude empobrece o Mercado. Tao forte é a consciéncia da tradig4o judaica deste desrespeito- toubo que a seguinte histdria nos é relatada sobre Rabi Ismael ¢ Ra- bi Shimeon, que estavam sendo conduzidos para sua prépria execu- cao durante 0 periodo das perseguicées de Adriano: Rabi Shimeon disse ao Rabi Ismael: ‘Mestre. . . Meu coragdo sangra pois ndio consigo encontrar motivo para estar sendo execu- tado”’. Rabi Ismael respondeu: “‘Serd que nunca te aconteceu de alguém ter vindo se consultar contigo e que o tivesses mantido es- perando até que terminasses o que estavas bebendo, ou que amar- rasses teus sapatos ou que colocasses outras vestes? A Tord afirma: ‘e se vieres a oprimir (ossek). ..’ Isto se refere tanto a casos sérios como triviais’”. Rabi Shimeon suspirou: “Tu me consolaste, meu Mestre’. De maneira bastante dramatica, os rabinos codificaram como uma das possiveis formas de atentar contra a Vida o desrespeito ao tempo alheio. Se roubamos espago, ou terras, somos penalizados pela justica humana, porém, ao roubarmos tempo, a impunidade € absoluta. Na verdade, na tradi¢éo judaica tanto o tempo quanto o espaco sio dimensGes que a D’us pertencem. Mais que isso, na di- mensao religiosa o tempo que nos é dado viver € determinado pelo Bu ie Se | a desejo divino, e se consumimos este tempo “enrolando’’ nossos se" melhantes roubamos do Mercado todas as possiveis “riquezas’”’ que estariam sendo realizadas com 0 tempo tomado. Somos entao res- ponsaveis por ter 0 Mercado que absorver este débito em seu poten- cial. 66 - ROUBO DE EXPECTATIVA Outro exemplo que os rabinos retiram do conceito de ossek é 0 caso de um trabalhador e seu soldo. Segundo a Biblia (Deut. 24:14): “No mesmo dia em que concluir seu trabalho, pague seu saldrio; nao deverd 0 sol se pér sobre ele. . . pois sobre ele (seu soldo) deposita sua alma’. Segundo este conceito, ndo estamos falando aqui de qualquer desvalorizagao que o saldrio pudesse sofrer em decorréncia da demora, pois isto seria considerado guezel (saque). Este caso re- fere-se tinica e exclusivamente 4 expectativa do trabalhador de ter 0 ie lhe € de direito para usar da maneira que bem entender. _ E como se estivéssemos roubando sua expectativa de ter o di- 67 — nheiro no exato momento em que este passa a pertencer-lhe. Se o retemos, mesmo que devolvende valor igual, privamos seu dono de seu direito, O mesmo se aplica a expectativas falsas que possam ser dadas a comerciantes. Denionstrar interesses irreais, dando espago para que um comerciante j4 comece a contar com um possfvel ingresso de ca- pital, incide sobre o problema de roubo de expectativa. Se agimos apenas para agradar ou motivados por qualquer outra razdo com 0 intuito de criar expectativas, devemos estar conscientes de que esta- mos entrando em um nivel diferente de interagaéo que acena com possibilidades de transacao. Talvez este também seja um dos elementos importantes que de- vemos perceber no roubo. S6 ha opressdo (ossek) em situagéo de interagéo e transagfo. Os rabinos nos alertam para que sejamos muito sensiveis e conscientes no momento em que ingressamos no territdrio das transagGes, pois neste espago j4 néo somos totalmente independentes e livres nas atitudes que tomamos — temos que levar em conta nosso parceiro e sua realidade. Lembremos que a transagao é de Mercado quando 0 nosso ganho é maximo em relagao ao maxi- mo ganho do outro e o minimo de transtorno ou consumo para 0 universo. Assim sendo, ao darmos um passo na diregdo da transagao, devemos ser cuidadosos. Discutiremos isto mais adiante nas “Rela- gdes com 0 Bolso”’. JOGO E ROUBO Outra forma comum de roubo de expectativas, porém de outra natureza, € o jogo. O Talmud apresenta o ‘“‘messachek kubiot” (0 jogador de dados) como uma possivel interagao de roubo. Todo aquele que entra em interagao com uma loteria tem a expectativa de ganhar. Se esta pessoa nao for muito esclarecida de que tem real- mente mfnimas chances de se realizar sua expectativa, pode-se pro- cessar um tipo de roubo. Isto porque o jogador esta entrando numa =68= ‘o com a expectativa de sair com algo e descobre, a posterio- , que desde o inicio esta possibilidade era préxima do impossivel. O sonho ¢ a utilizagaéo do sonho para fins de transag6es e inte- Ges sio um claro exemplo de maus contratos. E todo mau con- , como veremos adiante, é bastante nocivo a qualquer Mercado. == ae ROUBO DE INFORMACAO Outra forma de opressao (ossek) € a reteng4o de informagao que permitiria ishuv olam (maior riqueza no universo). Muitas vezes so- mos chamados a aconselhar em diversos sentidos, ¢ esta forma de transacaéo também pode incorrer em roubo. Se alguém vem lhe perguntar um enderego na rua, vocé pode simplesmente dizer: ““Fica a tantas quadras para a direita ou para a esquerda”. No entanto, se vocé sabe de alguma informagio que é importante, deve compartilhd-la. Encontramos o comentdrio (Sifra): “Se alguém vem te consultar, nao aconselhes incorretamente. Nao =70= digas, por exemplo: Vai bem cedo, quando ladrées te podem ata- car’’; ou “Vai ao meio-dia, quando o sol pode ser insuportavel. . .”” Quando damos uma informagdo, deveriamos nos perguntar no intimo como aconselharfamos a nés mesmos. Este afinal é exata- Mente o tema que a Biblia trata nestas questGes de roubo por opres- sao: “‘Ama a teu préximo como a ti mesmo”’. Esta € uma grande dica para enriquecer o Mercado. Se alguém nos pergunta como chegar a determinado lugar, podemos muito bem aconselhar de maneira nao apenas a que chegue a esse lugar, mas da maneira mais facil e segu- ta. Quantas vezes, por pura preguiga ou insensibilidade 4 importén- cia da transagao que se processa num pedido de aconselhamento ou informacao, passamos adiante apenas fragmentos de nosso conheci- mento? Compartilhar conhecimento € uma obrigagao se vocé nao perde com isto e o outro ganha. Vimos isto acima ao mencionarmos a lei de ‘um nio perde nada e outro se beneficia” (dina de bar-metza). As perdas oriundas da retengao de informagao podem ter custos al- tos, tanto financeiros quanto fisicos (perigos), ou mesmo emocionais e espirituais. Se nao revelamos situagGes de possiveis desgastes emocionais ou espirituais, somos responsdveis por isto. Podemos estar, portanto, participando de empobrecimento em diversos mun- dos — débitos por nossa causa. ROUBO POR INDUCAO — LIFNEI IVER Em Deuteronémio 19:14, os rabinos encontraram um conceito importante: “Diante de um cego (lifnei iver) nao colocards um obs- taculo”’. Este conceito reconhece a obrigatoriedade de perceber nao apenas as interagdes que realizamos, mas de conhecer também a na- tureza daquele com quem estamos entrando em interacao. Devemos entéo meditar sobre esta nocdo bastante “visual”? em que podemos nos imaginar saindo pelas ruas e pela vida a colocar obstaculos nos _ caminhos dos cegos. = E quem sao os cegos? Todos aqueles cuja “visio” é menor do que a nossa. Nés também somos cegos diante de outras pessoas, sendo que cabe, portanto, a elas a responsabilidade nas transagdes que tiveram conosco. Quem vé mais tem este tributo do Mercado — & responsdvel. Alguns exemplos irao esclarecer mais 0 assunto: Se deixamos dinheiro abandonado sobre a mesa ou exposto na frente de uma pessoa muito necessitada, ou mesmo de alguém que jd se permitiu ser tomado pelo desejo de “saque”, estamos incorrendo no erro de “‘diante de um cego colocar um obstaculo”’. A pessoa ne- cessitada ou com maus habitos é um cego nesta interagdo, e nosso desleixo em permitir dinheiro exposto é um obstaculo. Para os rabinos, 0 patrao que deixa jdias sobre a mesa que sao roubadas por um empregado também participa dos custos em outros mundos. Nao apenas perde seus pertences materiais, mas é declarado também ladrao. “Furtou-se” a impedir que um cego caisse em seu obstaculo. B a partir deste conceito que Maim6nides proibe a venda de ar- mas a ladrGes ou povos guerreiros — é como se colocdssemos um obstdculo na frente de cegos. E os rabinos dao outros exemplos: “Diante de um cego. . .? — Isto se refere a wn pai que agride fisi- camente o filho que ja esteja crescido. Pois jd que € crescido e for- ze, 0 filho ressentido (cego) pode revidar e incorrer num ato conde- navel. (Moed Katan) “Diante de um cego. . 2’ — Aquele que serve de escriturdrio para negdcio ilegal torna-se também cumplice do crime. Seu obstdculo é permitir aos cegos realizarem sua transacao. (Baba Metzia) “Diante de um cego. . 2”? — Aquele que tem dinheiro e 0 em- presta sem testemunhas ou contrato viola a proibigdo de ‘‘diante de um cego ndo colocards obstdculos’’ . aD = Neste tiltimo exemplo, fica claro que nosso descompromisso e nosso desleixo podem nao apenas causar perdas monetérias para nds, mas podem induzir outros a realizarem crimes que terao para estas pessoas custos também muito altos. E importante, enquanto este mundo nao seja um mundo Redimido, fazer contratos com muito cuidado e observando todos os detalhes. E isto nao por desconfianga ou avareza, mas para que sejam tolhidos os maus impulsos que est&o presentes em todos os seres humanos. Como diz o ditado em fdiche: “Quem nao pensa em lei acaba em lei’. Esta € outra questo muito importante das transagdes — os con- tratos. Bons contratos sao essenciais para o engrandecimento do Mercado. Cada contrato malfeito na vida reverte em desastrosos custos de anti-riquezas, roubos, perda de tempo e conflito. Além ‘disso, os contratos malfeitos tam grande acesso aos mundos superio- res do sustento, implicando empobrecimentos de tesouros e méritos. a ee ROUBO DE PRESTIGIO — Rechilut (fofoca) e Lashon Hard (mé-lingua) Os rabinos retiraram também do texto biblico (Deut. 19:16) — “Nao sairds por af contando as pessoas” — outro conceito de roubo. Muitas vezes podemos causar grandes estragos em qualquer Merca- do através das informacées que espalhamos. Nao estamos nos referindo aqui a inventar caltinias (motsi shem ra) mentirosas, pois estas nfo se encaixariam na classificagdo de os- sek “opressio” e sim de “saque’’. Falamos aqui da disseminagao de informagées verdadeiras que possam ser derrogativas. Maiménides comenta (Deut. 7:3): EA “Aquele que fala mal do outro é quem se senta a dizer: ‘Istoé 0 que ano fez, isto € o que seus pais fizeram e isto € 0 que ouvi sobre le. . .’ A isto se referia o salmista: ‘Que 0 Eterno corte todos 0s labios jue nao sossegame a lingua que fala orgulhosamente’. . . .Os sdbios esclarecem que falar mal dos outros ¢ 0 pior dos crimes e iguala-se a negar a D’us. As més-linguas matam trés pessoas: quem fala, quem ouve e de quem se fala; quem ouve mais do que quem fala”. O grande problema da mé-Ifngua é que ela desqualifica ilimita- damente uma pessoa. Aquele que ouve uma fofoca nao sabe dar li- ‘mites 4 realidade implicada nos fatos contados. O préprio tom com ‘que os relatos so impregnados pode causar enormes estragos desne- cessrios em muitos mundos do sustento. Um exemplo concreto é 0 caso em que um credor pequeno, sem -perceber a magnitude de seu ato, pede concordata de uma empresa. Outros credores, principalmente os maiores, a partir dos boatos, en- tram também com pedidos de concordata. A empresa perde 0 crédito -e termina por fechar. A atitude do pequeno credor custou talvez a possibilidade de recuperagao da empresa. Pela quantia que lhe era devida, este credor assumiu um custo de centenas de funciondrios demitidos, o final de um trabalho de varios anos e incorporou 0 édio ‘ea revolta de muitos contra si. Estes custos em outros mundos sao nada mais do que restituicéo para cobrir 0 roubo de prestigio. Devemos até mesmo na fala perceber que esta é uma transagao. Nesta interacio, decisdes e destinos podem ser tragados e sua res- ponsabilidade é assumida por quem conta e por quem assimila estas informagses. Estas colocagées poluem a atmosfera e arrasam 0 Mercado. Sua capacidade de destruicao é tio grande que os rabinos a associam a0 mandamento “‘nio prostituirds a terra” (Jo tizné ét ha-aretz). Afinal, ‘as mAs-linguas podem ser comparadas em seu poder destrutivo a ar- mas nucleares: espalham-se em cadeia com grande poder e permane- ‘cem por muito tempo no ar, matando lentamente as possibilidades de um Mercado sadio. 25 TSEDAKA - Eliminando Resquicios de Roubo Tsedaka equivale ao conceito de “caridade’”’. No entanto, a na- tureza da tsedakd nada tem a ver com 0 sentido literal da palavra ca- ridade, cuja origem é “caritas” (amor). O sentido judaico é relativo ao Mercado e deveria ser traduzido literalmente como “‘justiga” ou, Ppermitindo o neologismo, o ato de “‘justicar”’. Esta talvez é uma das diferengas profundas entre a simbologia Judaica ¢ a crista. Enquanto o cristianismo eleva o amor a categoria tnais importante rumo ao estabelecimento de uma era messianica, © judaismo toma a “‘justiga” como sendo este elemento. Ao se amar © préximo, realiza-se 0 que no judaismo se da pela percepgiio do que & justo. Se as pessoas compreendessem que todas as interacgdes sio 1G taxadas pela interdependéncia de tudo a tudo, ou de todos a todos, segundo o judaismo, instaurar-s¢-ia um perfodo messianico. A co-responsabilidade por tudo de todos obriga que nosso coti- diano seja permeado de acertos de justiga (acertos justos), tsedak4. No entanto, da mesma forma que amor ndo € s6 carinho, mas é aci- ma de tudo conhecer as necessidades do outro, a tsedakd nfo é ape- nas o desembolsar da justiga, mas a doacéo em todos os niveis de individuos para individuos, espécies e meio ambiente. A tsedak4 é de uma importancia fantdstica para o Mercado, pois € um de seus grandes gerenciadores inteligentes. B, na verdade, uma concretizacao através das atitudes humanas da vontade de ‘“‘enrique- cimento do cosmos’’. A tsedakd se torna fundamental para que nado haja esbanjamento ¢ desperdicio. Um comentario chassidico diz: “Quando a carga no lombo de um camelo comega a se desequili- brar e pender para um lado, é necessdrio apenas a ajuda de um homem para recolocd-la na posigao correta, No entanto, se esta vier a tom- bar no chdo, nem mesmo quatro ou cinco homens poderdo levan- td-la do solo e recolocd-la. Assim também é com a tsedakd: um pouco hoje pode realizar o que muito amanhd talvez ndo consiga’’. Verdade. O Brasil das criangas abandonadas sabe que é verdade. A postura judaica é de que ha uma interconexdo entre todas as fiquezas. Se a riqueza nao buscar amenizar a pobreza, ela, por defi- nigéo, se empobrece. Nao hd neutralidade para a riqueza. Portanto, neste universo existem as riquezas decadentes e as ascendentes. Ve- remos isto com maior detalhe adiante. Aqui nos interessa apenas apontar dois tipos de empobrecimento da riqueza ao ignorar a im- portancia da tsedaka: 1) A interconexao sutil “O Maguid de Chelm (cidade dos ingénuos, que, de uma forma ou de outra, acabam por expressar tangencialmente muita sabedoria) 257 admoestou um certo magnata por ser ‘irresponsdvel’ para com os po- bres da cidade. Disse: ‘Lemos em Deuteronémio (15:11): Os pobres jamais cessarao de existir sobre a terra. Portanto, disto podemos concluir que, se vocés deixarem os pobres morrerem de fome, alguns de vocés terao que empobrecer para substituf-los e justificar as pala- vras de D’us’.” 2) A interconexdo concreta “Disse o Mezibotser ao comentar o versiculo ‘O justo comeré até satisfazer seu desejo; mas o est6mago do perverso continuard queren- do’: Isto se refere ao caso de um conyidado que chega a casa de um justo ou de um perverso. O justo convida a visita para comer e participa da refeigéo mesmo que ja tenha comido, para nao constrangé-la. O perverso, por sua vez, mesmo que esteja com fome, sofre as dores da fome ao invés de participar com seu convidado da comida.” Muito das riquezas nao pode ser usufruido pela incapacidade de compartilhar. Séo geradas, assim, situagdes desde o constrangimento até mesmo a violéncia, que acabam por privar os ricos de uma vida melhor quando se eximem da responsabilidade que lhes é cabida. Poderfamos dizer, utilizando 0 conceito de “‘Diante de um cego nao pords obstdculos”, que aquele que nao cumpre com suas respon- sabilidades de tsedakd aumenta o ntimero de “‘cegos” no mundo, Com mais cegos, muito mais situagdes e bens tornar-se-do obstaécu- los e haverd muito menos liberdade. Riqueza sem tsedakaé empobrece e diminui os niveis de liberdade do Mercado. A tsedakd é mais um exemplo de “enriquecimento ao se ter me- nos. TSEDAKA ~ A TECNICA A tsedakd nao € apenas um conceito, é também uma pratica ou uma técnica. A arte da tsedakd nao pode existir estaticamente. Tse- gies _ dak4 nao é chegar ao fim do ano fiscal e mecanicamente separar uma percentagem de nossos ganhos. Tsedaka exige, acima de tudo, parti- cipacdo, criatividade e sagacidade. O dinamismo da tsedaké talvez venha acompanhado de uma medida que bem traduz humanamente a percepgao da interconexao das riquezas — a gratidéo. A nogo de gratidao, em seu sentido nao banalizado, representa um caminho de ecologia e bem viver em rela- céo a seu sustento. Perceber os niveis profundos de felicidade decor- rentes da satide, das oportunidades e das trocas aponta constante- mente para a realizagao de tsedaka. A tsedakd deve, portanto, ser um gesto corriqueiro realizado com graca e sapiéncia. Sera uma das possibilidades de aquisigdo neste imenso Supermercado da existéncia. E existem poucos praze- Tes que se igualam ao de uma tsedaka bem-feita, harmoniosa e inte- grada a todos os nossos conhecimentos, a quem somos. Aquele que se exercita e se aplica na tsedaké se pegard realizando involuntaria- mente atos que serao fonte de enorme alegria e surpresa. Revelag6es de um EU interior que se torna melhor, mais rico e mais capaz de usufruir este(s) mundo(s). Mas 0 que seria a tsedaké de toda hora? Vocé deve mensurar, em sua sensibilidade de perceber os fluxos do sustento, os niveis de gratid@o que cada ganho lhe proporciona. E através desta medida de gratidfio que vocé deve taxar seus ganhos. E quanto melhores, quanto mais precisamente taxados eles vierem, mais vida proporcionarao. Se vocé foi agraciado com retornos acima de sua expectativa, quando seus esforgos foram surpreendentemente inferiores ao que yocé costuma realizar para obter tal tipo de resultado, deve taxé-los prazerosamente de muita tsedaka. Ao perder um objeto e reencontré-lo, vocé também deve perce- ber que hé tsedaka envolvida em tal acontecimento. Vocé por alguns instantes nao tinha mais posse e percebeu o efémero que é ter algo. Quando este algo retorna a vocé, faga este movimento de tsedaké eo doando parte de seu ganho. Quando pe:demos, percebemos nao sé 0 custo das coisas mas também o valor implicito em ter. Esta é a grati- dao de que falévamos — fendmeno da “conscientizagao” do valor que algo ou alguém tem para nds. Quando perdemos satide e a recuperamos, também deverd haver tsedaké envolvida. E claro que néo precisamos perder nada para nos sentir gratos por aquilo que ja tinhamos. Este é, na verdade, o senti- do da tsedakd — quando estamos bem, com satide, devemos taxar-nos com a maior precisao. No entanto, sabemos que é Parte do aprendi- zado, para ser um constante realizador de tsedakd, explorar em nos- So treinamento todas as situagdes que revelam nossos verdadeiros bens, sua vulnerabilidade ¢ o milagre de podermos usufrui-los. Saber usufruir as chances que a vida nos dé de realizar tsedaké € uma arte 4 disposicéio apenas daqueles que sao conscientes de sua existéncia e podem aprecié-la. Tao real é a sensagao de que a tseda- ka € uma oportunidade desta vida, que a seguinte histéria sobre o rabino de Ropshitz é retatada: “A esposa do Ropshitser perguntou ao marido: ‘Suas oragées Joram longas hoje. Serd que vocé conseguiu que suas preces fossem aceitas e que com isto os ricos sejam mais generosos em suas con- tribuigées para os pobres? O Rabino respondeu: Metade dos objetivos de minhas rezas jd consegui. Os pobres estéio aceitando recebé-las.”” Aquele que é realmente rico e sabe saborear todas as possibili- dades do Mercado reconhece gratiddo até mesmo na oportunidade de ser agente de uma verdadeira tsedaké. E, portanto, uma grande dadiva ou ganho podermos ter a chance de realizar tsedak4. Quando vocé comega a perceber isto, € sinal de que ultrapassou um dos limites (klipot) que nos impedem de usutruir melhor os mundos do sustento, Adiante estudaremos estes limites. =80= TSEDAKA-TERAPIA — Tsedaké e suas influéncias nos outros mundos ‘ HA ocasides em que os rabinos olham nos olhos de uma pessoa e, da mesma maneira que a referem a um médico do fisico ou, mo- dernamente, aos terapeutas emocionais, também lhe diagnosticam caréncia de tsedakd. A auséncia de tsedaké na vida de um individuo diminui suas resisténcias & perda, corréi os canais de comunicagao do mesmo com o mundo e causa a pior das moléstias — 0 pouco co- nhecimento de si mesmo. O fenémeno da sensagio de bem-estar e felicidade pode ser de- composto em estruturas mfnimas (quantum-felicidades) que dizem respeito 4 capacidade de podermos estar em dia com nds mesmos. Quanto mais nos conhecemos, quanto mais nos entendemos, mais facil 6 encontrar nossos verdadeiros caminhos. Assim sendo, afasta- mos 0 pior dos tormentos, que € a sensagio de desperdicio, de nos esforgarmos para seguir rumos nos quais nos aprofundamos sabendo que, se nfo forem os “corretos”, mais perdidos nos tornamos. Por- tanto, assim como aquele que tem suas dividas sob controle conhe- ce seus compromissos financeiros no futuro préximo dorme com fa- cilidade, também aquele que se conhece relativamente bem acorda com facilidade. Por incrivel que possa parecer, nao estar em dia com sua tseda- kd é uma das pendéncias que mais nos tira vitalidade. Afinal, a tse- daké é um destes poucos elementos de que dispomos que produz sentido e desapego em nossas vidas. Ninguém tem diivida de que o apego ou a vida vivida como um jogo de pOquer, em que nao com- partilhamos com nossos parceiros de jogo, € fonte imensa de tensao e angiistia. Mas nao é este aspecto que gostaria de enfatizar, e sim a incrivel capacidade que tem nossa relagéo com a tsedaké de desvelar tendéncias, sintomas e desvios. E neste sentido que a tsedaké € tera- péutica e ao mesmo tempo cabalistica — radiografa o “estado de tro- ca” momentineo, revelando a magica da vida num dado instante. -81- Sao muito poucos os indicativos ou as medidas de que dispomos para nos conhecermos. A forma com que realizamos tsedaké é uma delas. Quem somos na tsedakd é exatamente quem somos na realida- de, e aquele que comega a entender 0 verdadeiro sentido de tsedak4 percebe e honra seus limites. Honré-los é 0 que popularmente cha- mamos de felicidade. Como € dificil dar! Nao o “dar’’ em situagées de drbitas de re- torno e recebimento pequenas, mas 0 “dar” que, aparentemente, nao parece ter qualquer relagéo com alguma forma de recebimento. Nao o “dar” para o qual inventamos 0 subterfiigio de fazé-lo ptiblico pa- ta obter aprovacao, respeito ou admiracdo, mas o “dar’’ doloroso em que néo hd nenhuma outra testemunha a nao ser nds mesmos, onde valorizamos a tal ponto nossa propria individualidade que lhe somos sinceros. E leia-se por “‘dar” — dar e nao-dar. Pois nao-dar neste ni- vel de autoconhecimento € tanto terapia quanto crescimento rumo a ampliar a viséo das constantes relagGes de tsedak4 que bombardeiam nossos momentos de vida. E importante meditar sobre tsedaké e tornd-la mais real, ndo permitindo que se transforme numa relagdo Piegas-paternalista para com o mundo. Na verdade, esta é uma postura que assumimos que nos permite descartar com facilidade a tsedak4 como uma reminis- céncia de um passado quando as pessoas conheciam pouco sobre si mesmas. Nao € verdade, tsedaké € um legado de percepgdo dos que meditaram. Se vocé tem dificuldade de visualizar cabalisticamente (radiografando a realidade das trocas) a tsedak4, procure fazer ca- deias de analogias como a que fez Rabi Iehuda: “A pedra € dura, mas 0 ferro acorta; 0 ferro € rigido, mas o fo- go oamolece; 0 fogo é poderoso, mas a dgua oextingue; adgua é pe- sada, mas as nuvens a carregam; nuvens sGo fortes, mas os ventos as dispersam; o vento € forte, mas 0 corpo o resiste; o corpo € forte, mas o medo o arrebenta; 0 medo é forte, mas o vinho o espanta; o vinho é forte, mas 0 sono 0 conquista; a morte E mais poderosa que qual- quer um destes, porém a tsedakd redime da morte’’. == A afirmacdo “‘tsedaka redime da morte’’ pode ser tanto entendi- da, como adiante yeremos (Deste Mundo Tudo Se Leva), no sentido de morte real, como de medo ou angtistia da morte. Rabi Iehuda faz. paralelos muito cuidadosos para que nao tomemos suas palavras com precisdo. Se observamos com atengfo, reparamos que a medida de “forte” ou “poderoso” diz respeito ao ser humano. Seu encadea- mento é uma visao humana dos “poderes”’. E, portanto, a partir de uma percepgdo humana que devemos analisar esse encadeamento. Percep¢ao esta que Rabi Iehuda faz, propositalmente, progredir em forca 4 medida que regride em coneretude, na diregéo de exemplos mais abstratos e conceituais. No inicio encontramos os elementos mais concretos do imagind- tios humano de forga — pedra e ferro, Passamos em seguida para elementos mais abstratos, porém ainda concretos — nuvens e vento. A partir daf Rabi Iehuda mergulha no corpo e nos revela a entrada para o mundo interior, onde a forga diz respeito 4 capacidade de su- portar a vida momentaneamente — os medos. O elo seguinte da ca- deia revela como sobrepujé-los através de algo mais poderoso — 0 prazer. O vinho e 0 sono dio conta do medo quando associados capacidade de aproveita-los — a satide. E, no entanto, na dificuldade de suportar a vida, nao apenas no momento, mas em suas quest6es profundas de angtistia e sentido, que reside a importancia, o poder maior para os humanos. O termo usado por Rabi Iehuda é “morte”, a angiistia da morte. Vencé-la sé € possivel com um poder mais abs- trato, mais conceitual que ela prépria. E esta é a tsedak4. Mais su- blime, mais profundamente implantada na alma, € 0 maximo em so- fisticagio humana — a mais poderosa. Em certa medida, o que nos diz Rabi Iehuda é que acima da “morte”, do conceito de morte, se sobrepdem os conceitos de vida, de sentido e também de troca. Entretanto, devemos ser sensiveis a utilizagio de uma palavra tao “técnica” quanto tsedakd para fazer frente a outra ndo menos “técnica” — a palavra “morte” por ele uti- Rae lizada. Morte € uma abstracéo, que nos parece téo concreta, da nao-troca, quanto a tsedaké é uma abstraco concreta da troca. Aquele que entende ¢ dispensa tempo a tsedak4 é um mestre da vida. Rompe limites, dispersa anguistias profundas e realiza terapia. A terapia constante que temos de cumprir Para trazer-nos de quem éramos a um instante atrds a quem somos agora. Transformagao ne- cessdria que, sem os elementos do bolso, sem 0 equilibrio na dimen- sdo da tsedaké, é impossivel. TSEDAKA TAMBEM E BUSINESS Quando o valor da tsedaké é totalmente compreendido, percebe- se que é uma forma de riqueza. Pode ser acumulada, deve ser tratada como se fosse uma negociacao real e perseguida com a mesma “‘vo- tacidade” com que tratarfamos qualquer transagdo comercial que nos interessasse. Se isto nos parece um pouco dificil de alcangar, prestemos aten- cdo a dois exemplos rabinicos. O Primeiro leva muito a sério a questao de que a tsedaké € regida pelas mesmas leis de qualquer ne- gociacdo. Existem regras além da percepgao de que este 6 um meio de sustento para aquele que doa. Na verdade, as leis de mercado e 08 cuidados que temos em nossos negdcios séo os mesmos que de- vemos ter com a tsedaké. E 0 que nos mostra Reb Schmelke: “Reb Schmelke ndo tinha dinheiro para dar a um indigente. Por isto foi até 0 armdrio de sua esposa, tirou um anel e deu-o ao pobre homem. Quando sua mulher retornou e descobriu que o anel nao estava na gaveta, comegou a chorar. Reb Schmelke explicou o que havia ocorrido, e ela entéo exigiu que ele corresse atrds do in- digente, uma vez que o anel valia mais de 50 talentos. O rabino correu desesperadamente e, ao conseguir alcangar o esmoleiro, disse: ‘Eu acabei de saber que este anel vale pelo menos 50 talentos. Nao deixe que ninguém te engane dando menos do que seu valor’ .’” —84— A histdria nos faz permanecer no nivel mais material até que em seu desfecho percebemos que Reb Schmelke estava em outra dimen- sao do mundo do dinheiro. Uma dimensao onde ele enxergava uma realidade diferente. A propria preocupacao de sua esposa sé poderia ser interpretada como: 0 desejo de que aquele pobre homem nao fos- se enganado no valor de sua tsedaké. Como conto, pode parecer-nos que o desfecho é inusitado, porém, para aquele que 1é a partir do conhecimento do mundo do sustento, tudo faz sentido do inicio ao fim — nao hd ruptura. Outro exemplo é o de Reb Eleazar, que desde seu patamar de compreensio do sustento perseguia a tsedak4 como um voraz homem de negécios: “Os coletores de caridade costumavam se esconder de Reb Eleazar, porque ele costumava dar tudo que possufa para tsedaka. Certa vez ele foi ao mercado comprar o vestido de noiva de sua filha e os coletores de caridade, ao vé-lo, se esconderam. No entanto, ele ‘os viu e os seguiu. Ao encontré-los, implorou: ‘Digam-me para que causa vocés esto coletando fundos hoje’. Responderam: “Para ad- quirir meios de comprar vestidos de noiva para mogas pobres prestes a se casarem’. Reb Eleazar pensou consigo: ‘Elas tém prioridade so- bre minha filha’, e doou tudo que tinha, permanecendo apenas com um zuz*, Com este zuz comprou um punhado de trigo, que depositou num quarto em sua casa. Quando sua esposa retornou a casa, perguntou & filha: ‘O que foi que teu pai te trouxe”? A filha respondeu: ‘Seja ld 0 que for, esta 14 no quarto’. A mae foi entdo ao quarto e nfo conseguiu abrir a porta, pois havia trigo empilhado até 0 teto. Ao chegar em casa, Reb Eleazar foi abordado por sua esposa, que disse: ‘Venha ver 0 que o Criador fez por vocé’. Quando Reb Eleazar viu 0 que havia ocorrido, disse: ‘Este trigo deve ser distribuido entre os pobres e nds devemos * cuz = dinheiro mencionado no Talmud. = ficar apenas com a porgao igual 4 daqueles que nao tém como com- prar um vestido de noiva para suas filhas’.”” O elemento principal desta histéria nao € 0 caréter milagroso ou de recompensa, mas a atitude sempre coerente de Reb Eleazar. Coe- rente para com quem vé a realidade de uma certa forma. No inicio os coletores de caridade se escondem dele como se fossem eles os pro- piciadores de negocios e sustento. Pois é exatamente assim que Reb Eleazar os vé — oportunidades de sustento. Seu préprio frasear ao encontrd-los induz a pensar que ele esta realmente andando pelo mercado em busca de oportunidade — ‘O que & que vocés tém hoje af como tsedaké?’ Mesmo 0 cenério do mercado € sugestivo para nossa compreensao da extenséo do verdadeiro Mercado e de suas oportu- nidades. Afinal, quantos de nds andando por af percebemos todas as oportunidades que vé Reb Eleazar? Mesmo o final, aparentemente moralista, de ficar com apenas o equivalente ao vestido, nao é senao outra demonstragéo de que a realidade apresentada € outra. Reb Eleazar foi ao mercado comprar um vestido para sua filha e deste mercado sai com um vestido. Nao © vestido material, mas com um dinheiro totalmente enxugado, um dinheiro responsdvel, que agora, sim, permite comprar um vestido real. A pergunta é: e antes? Nao tinha j4 Reb Eleazar 0 dinheiro? E quem disse que esse dinheiro no era limpo? Reb Eleazar disse. Reb Eleazar percebeu que comprar um vestido para sua filha quando ou- ttos nao tinham esta possibilidade 0 envolvia de alguma maneira. Acima de tudo, ele nfo € passivo, ndo € um tolo que joga seu di- nheiro fora, como possa parecer A primeira vista. Ele mantém seu Zuz, que permite ser o elo financeiro entre o dinheiro nao responsa- bilizado e o dinheiro taxado de responsabilidade. Se sua dtivida ainda é: E se tentarmos, o trigo se multiplica?, lembre-se:- muito mais incrivel e milagrosa € a atitude de Reb Elea- zat como ser humano do que a multiplicagao do trigo. Talvez a pro- pria hist6ria use esta simbologia de “trigo multiplicado” para apon- tar as inacreditaveis possibilidades de que os seres humanos dispo- = SO a riam se se permitissem desarmar e caminhar pelo Mercado com a mesma voracidade de Reb Eleazar. Voracidade nfo sé de produzir transages com seu capital, mas transagGes responsabilizadas. Estas sfo, sem dtivida, demonstragdes de riqueza por ter-se, temporaria e aparentemente, menos. So visdes de sustento cujos raios de rbita de retorno sao grandes — ecoldgicos. eT V - RIQUEZAS POR TER-SE MENOS RECONHECENDO A HOSPITALIDADE (ECOLOGIA) Como vimos, a ecologia € compreendida pelos rabinos como sendo parte da dimensio de tsedaké. Nao é caridade, mas investi- mento de justia, ou “justigar’”’, como dissemos acima. Vale a pena pensar estas duas palavras juntas, digo justica(r) e ecologia. O que 6 Justo? Ou melhor, como pode Reb Eleazar saber se 0 vestido de noi- va para mogas pobres tem prioridade sobre 0 yestido de sua filha? Se sua decisaio é piegas, moralista ou de um schlemil (simplério), Reb Eleazar arrasa 0 Mercado. E, portanto, de extrema importancia, para poder realizar o enxugamento de seu capital, que Reb Eleazar saiba o que € justo. Nao fosse justa a sua escolha, e ele teria con- oie fundido ainda mais 0 Mercado. Teria ele se tornado um pobre sem possibilidade de dar um vestido a sua filha, fazendo com que os co- letores tivessem trabalho dobrado — possibilitar o vestido para uma moga pobre e também para a filha de Reb Eleazar? Na verdade, esta atitude destruiria 0 Mercado por meio da posi¢do tola do “o que é meu € teu e o que é teu é meu”. A Mishna (codigo das leis orais) faz alusao ao sentido de pro- Priedade e de justiga exemplificando quatro tipos de atitude: “\. Aquele que diz ‘o que é meu é meu e o que é teu é teu’ é atitude de Sodoma e Gomorra; ‘o que € meu € teu e o que € teu ¢ meu’ € atitude do ignorante; ‘o que € meu € teu € 0 que é teu é teu’ é atitude do justo; ‘o que é meu é meu e 0 que é teu é meu’ é atitude do perverso. . .” Decodifiquemos 0 que estd sendo dito. Os casos de o que “é meu € teu e o teu é meu” ou “o meu é meu e 0 teu é meu” nao ofe- recem dificuldades de compreensdo. O primeiro é semelhante ao ca~ so de “melhor nada fazer do que transformar algo em nada” e 0 se- gundo é um caso tipico de gandncia e voracidade desequilibrada. Sao as outras duas atitudes que pedem por reflexdo. Sao nestas duas faixas que oscilam nossas tendéncias humanas. A atitude que pareceria neutra (meu € meu, teu é teu) é descrita como a atitude das sociedades corrompidas de Sodoma e Gomorra, sendo expressao clara do conceito rabinico de que vida é com gente, 0u com outros (bichos, plantas, coisas). A possibilidade de isola- mento € uma ilusdo respons4vel por muitos dos desequilibrios indi- Viduais e coletivos que experimentamos. Este 6 um reducionismo que bem descreve a maior ameaga ecolégica, pois “meu é meu, teu € teu’ cria sociedades ou redes de vida cancerigenas que acabam por se extinguir. Na verdade, para os rabinos 0 conceito “‘Sodoma-Go- morta” quer dizer — algo que sai do caminho de forma quase imper- ceptivel mas que leva 4 extingfo. E assim que D’us conserta sua Criacéo, deixando nela 0 software autodestrutivo que a impede de ir contra Seus “comandos” iniciais. A dependéncia de sustento e so- =e concreto e material, est diretamente relacionada com 0 estudo. Para os tabinos, “estudo” é um termo muito especifico no sustento que quer dizer investimento ¢ enriquecimento em outros mundos. Sabet estudar é ser ecoldgico, é saber extrair da prépria consciéncia que domina e conquista (mantendo-nos assim aprisionados no Mercado apenas material) aberturas para sustentos superiores. aga = PRESENTES E GORJETAS ““Aquele que doa esfria o fogo da ambigao por riquezas.”” O que temos visto, neste capitulo sobre “riquezas por ter-se menos”, € que uma das formas de verdadeiro enriquecimento é exa- _ tamente evitar a obsesso pelo enriquecimento. Nao que a obsessao - simplesmente torne mais dificil nosso acesso as “‘riquezas”, mas, como diz o Talmud, “‘Aquele que busca tesouros apressa o dia de sua morte”. Devemos estar constantemente checando os niveis de ambigaio _ de cada momento de nossas vidas. Vimos acima que a tsedakdé e o =95— estudo séo em si formas de riqueza e opges de procedimento na arte de transformar “‘menos”’ em “mais”. De forma similar, podemos es- tender isto para relagGes mais amenas, mas ndo menos cotidianas, de presentes e gorjetas. Ambos sao importantes terapias contra a obsessao por riqueza — esfriam seu fogo. Vocé jf deve ter experimentado o imenso prazer de ter dado um presente, cujo custo poderia ter-lhe valido adquirir algo que quisesse, e ficado, ao mesmo tempo, com a sensagao de que nada para si teria superado este sentimento. O mesmo com rela- cdo a uma boa gorjeta. Quantas vezes yocé jd parou antes de pagar uma conta, ou de remunerar alguém que lhe foi de incrivel préstimo, € nao se viu diante do dilema ‘“‘sair com mais no bolso ou deixar so- bre a mesa”? Quantas vezes vocé jé experimentou na gorjeta artisti- camente aplicada uma sensagio de ter dado a seu dinheiro um valor. que jamais seria obtido por nada que pudesse adquirir? No momento do dilema estamos diante dos limites do bolso. No bolso se decidem a tsedakd, o tempo para estudo, o presente e a gorjeta. = 06. O BOLSO - FRONTEIRA DE TENDO-SE MENOS, TER-SE MAIS O bolso é um espago de forma angular, muitas vezes com a base arredondada, escuro, constantemente invadido e Ppenetrado, gerando decisdes que significam vida ou morte. O momento do bolso é o li- mnite da transacdo, quando vocé demonstra realmente qual é a sua vi- sdo de mundo — 0 quanto vocé enxerga. Com a mio no bolso vocé hesita. Com a mao no bolso vocé est4 sozinho, diante de vocé mes- ‘Mo, num momento compardvel apenas com o instante vocé-geladeira ‘ho mundo da dicta. Quem é vocé? A resposta sairé de seu bolso. Toda a racionalizagio, toda a auto-imagem, toda a imagem que =o7= vocé projeta de vocé nos outros é desafiada pelo bolso. E vocé se mostra. Seu bolso revela aos outros, e a yocé mesmo, onde vocé se encontra, 0 quanto enxerga. Vamos nos exigir um pouco. Situagao I (tsedaka) — Vocé est4 no seu carro parado num sinal, envolto em pensamentos. Vocé percebe um mendigo aproximar-se. Seu discurso junto a janela coloca vocé no “limite do bolso”, onde surgem as seguintes quest6es: dar; ajudar; vergonha; intromissao; medo de ser enganado; culpa; empatia, fantasia de ser vocé o pré- prio pedinte; possibilidade de ser salvo daquela situago em poucos segundos; sensagfio de estar preso a ela para sempre. Seu coragao estd sintonizado no bolso, e seu bolso responde por ele. Vocé é seu bolso, e ele tem o veredicto. Nada mais é neutro, pois vocé esté “em transagéo”. Agora vocé € ou um NADA, ou um TOLO, ou JUSTO ou PERVERSO — as quatro categorias que a Mishnd nos apresenta como possiveis sobrevivéncias 4 experiéncia de transagao. Situagdio II (presente) — Vocé esta diante da oportunidade de dar um presente. Referimo-nos aqui a um presente espontaneo que nao exige retribuicéo ou pagamento. Presente no sentido de perceber al- go que expressa um carinho que vai além da obrigacéio. Vocé esté diante do presente. Ele é lindo, tem tudo a ver com a pessoa; seu prego, no entanto, € caro. Em vocé a certeza de que dar € o maximo , ao mesmo tempo, nao dar em nada prejudicaria sua relagao. Vocé pensa: O que € 0 dinheiro?; dinheiro € muita coisa; e se eu estiver indo além do que deveria?; e se pudesse transmitir 0 mesmo carinho com algo mais simbdlico? Como negar a vocé mesmo dar este pre- sente, uma vez que j4 o imaginou perfeito. .. Voc sd pode sair desta situagaéo como um NADA, um TOLO, o que VE ou o que NAO VE. A distancia entre levar e nao levar é pequena, depende apenas de um impulso do coragaio ao bolso — 0 mais longo dos per- cursos. Situacdo TI (gorjeta) — Vocé acaba de receber a noticia de que alguém Ihe conseguiu uma oportunidade que representa um lucro ex- = OR cedente considerdvel. Seu primeiro impulso é de total gratidao e vo- cé imagina recompensé-lo 4 altura. Passado algum tempo, quando vocé coloca em perspectiva seu ganho em relagdo a suas necessida- des infinddveis, todo o seu lucro parece ja ter um destino. A recom- pensa comega a diminuir em sua imaginagao ¢ toda a sorte de racio- nalizacio lhe explica que 0 esforgo foi realmente seu, que a partici- pagado dessa pessoa nao foi téo decisiva, e assim por diante. . . Po- rém, vocé nfo se convence. Sabe que gostaria de retribuir, de res- ponder ao impulso da gratiddo ¢ do sustento como se lhe apresentou incialmente, mas nao consegue. Com uma mAo no bolso e outra no coragio vocé sabe que esta diante de algo muito sério. Se vocé nao tomar pé da situagao, sera um NADA; se agir com “meio coragao”’, ambivalente, sera um TOLO; se usar de seu poder de bolso para le- var em conta apenas vocé mesmo retribuindo uma fragéo a menos do que é direito, sera um PERVERSO; se conseguir abrir mao do valor correto que era de direito daquele que é recompensado, de coragdo pleno, sera JUSTO. O NADA destréi 0 mundo, nao assume posigées criando situa- Ges internas e emogées cada vez mais embaracosas. Sua fuga elimi- na tanto sua capacidade de usufruir quanto de experimentar dar. O Mercado sai com NADA dessa posigéo. O TOLO se perde numa moralidade afetada pelo bolso. Busca justificar para si mesmo en- quanto se percebe falso e tem medo de ir até o fundo. Vai acabar tomando uma decisdo para um lado ou outro que nao é sincera, e sim obtida de press6es externas ou repress6es internalizadas que o impul- sionam numa certa direcao. O TOLO sera extremamente infeliz em sua decisao, tendo tanto a sensagao de ter sido lesado na transagao quanto de ter lesado seu parceiro.O Mercado deste nada leva — empobrece. O PERVERSO é 0 vencedor desta dimenséo — 0 mendigo dos outros mundos. B de sua fantasia que falamos quando um mendigo nos pede esmolas. Temos medo de ser “‘perversos” e estarmos sain- do da transag4o na situagao invertida — nds como os mendigos de outros mundos. O “‘perverso”’ é antiecolégico e multiplica riquezas OO = apenas numa dimensao, minimizando a possibilidade de ganho para © Mercado que poderia advir desta situagéio-transagao. O “perverso”” est4 para o Mercado num nivel acima do NADA e do TOLO. Isto porque o “perverso” se revela, deixando claro para si mesmo seu comportamento. Sua atitude permite aprendizado e retorno, uma vez que sua pobreza € real e palpdvel. O “‘perverso”’ nao conhece a sai- da, mas sabe, pelo menos, onde esta. O JUSTO é 0 senhor do bolso. E 0 “‘tolo” que nao é “tolo”, ou seja, consegue perceber no caldeirao da moral-ética-dignidade, além das repress6es sociais, um Mercado que é real. Como um conhece- dor do caminho, o Justo passa pelas trilhas pegajosas dos valores, livrando-se do melado aprisionador dos preconceitos, destruindo os obstaculos da sublimagao e resistindo 4 sedugao da expectativa de recompensas. O Justo acaba por chegar a um territdrio ir6nico, onde vé uma realidade maior. Sua paz nao é como a do Tolo — falsamente baseada na crenga de que suas abstrag6es se revelarao magicamente como recompensas concretas. A paz do Justo advém de uma cami- nhada sempre pautada pela realidade, pela visdo, ¢ nao pelo prog- néstico. O Justo compreende em que espécie de Mercado estamos — investe, aplica, retira. No entanto, como vimos acima, 0 perverso também é um ele- mento importante, pois se expée ao Mercado e possibilita conserto ¢ correcéio. Dele muito pode ser aprendido. Conta-se que o Besht fez um comentario sobre isto a partir da seguinte frase da Mishna: “Em relagio a doagdes existem quatro posturas: 1) aquele que deseja contribuir, mas nao quer que outros o fagam; 2) aquele que espera que outros contribuam mas nao ele prdprio; 3) aquele que doa e es- pera que outros também o fagam; e 4) aquele que nao contribui e nao deseja que outros o fagam”’. Disse o Besht: “© iiltimo caso poderia parecer como impréprio para ser rela- cionado com posturas da doa¢éo, uma vez que nao tem conexao al- guma com 0 mundo da contribuigo. Portanto, deveria haver apenas trés posturas. Por que, entio, quatro? A luz sé nos € conhecida =100— apenas numa dimensio, minimizando a possibilidade de ganho para 0 Mercado que poderia advir desta situagio-transacio. O “perverso”” est para o Mercado num nfvel acima do NADA e do TOLO. Isto porque o “‘perverso” se revela, deixando claro para si mesmo seu comportamento. Sua atitude permite aprendizado e retorno, uma vez que sua pobreza é real e palpavel. O “‘perverso”” nfo conhece a sai- da, mas sabe, pelo menos, onde estd. O JUSTO € 0 senhor do bolso. E 0 “tolo” que nao é “‘tolo”, ou seja, consegue perceber no caldeirao da moral-ética-dignidade, além das repressGes sociais, um Mercado que é real. Como um conhece- dor do caminho, o Justo passa pelas trilhas pegajosas dos valores, livrando-se do melado aprisionador dos preconceitos, destruindo os obstaculos da sublimagdo e resistindo 4 sedug’o da expectativa de recompensas. O Justo acaba por chegar a um territdrio irénico, onde vé uma realidade maior. Sua paz nao é como a do Tolo — falsamente baseada na crenga de que suas abstragGes se revelarao magicamente como recompensas concretas. A paz do Justo advém de uma cami- nhada sempre pautada pela realidade, pela visdo, e ndo pelo prog- néstico. O Justo compreende em que espécie de Mercado estamos — investe, aplica, retira. No entanto, como vimos acima, o perverso também é um ele- mento importante, pois se expGe ao Mercado e possibilita conserto e correcio. Dele muito pode ser aprendido. Conta-se que o Besht fez um comentdrio sobre isto a partir da seguinte frase da Mishnd: “Em telagéio a doagdes existem quatro posturas: 1) aquele que deseja contribuir, mas ndo quer que outros o fagam; 2) aquele que espera que outros contribuam mas nao ele proprio; 3) aquele que doa e es- pera que outros também o fagam; e 4) aquele que nao contribui e nao deseja que outros o fagam”. Disse o Besht: “© iiltimo caso poderia parecer como imprdprio para ser rela- cionado com posturas da doacéo, uma vez que nao tem conexao al- guma com o mundo da contribuicao. Portanto, deveria haver apenas trés posturas. Por que, entdo, quatro? A luz sé nos é conhecida 100 — a porque existe a escuridao; sabedofia porque existe ignordncia; justi- ga porque existe perversidade; prazer porque existe dor; lembranga porque existe esquecimento. Um é a cadeira sobre a qual 0 outro se senta. Da mesma forma o nao-caridoso é a cadeira sobre a qual 0 ca- tidoso se senta”. Dentro de nds hd um nao-caridoso, um “nio-percebedor” de outros ciclos de retorno que nos ensina. =101=— APRENDENDO COM 0 LADRAO : (O MAU IMPULSO) DE CADA UM DE NOS Voltemos & nossa situacao dificil de estar com a mao no bolso, como a do mendigo no carro. Qual é nosso interesse nesta interagao? Realizar um ato correto, justo (na medida), para que possamos sair desta situagdo sem pendéncia de perdas em longos ciclos de retorno, e no qual também honramos e salvaguardamos nossa maneira de ser no instante, sem sermos traidos por falsos ideais ou moralismo. Nao queremos deixar nosso coragio aprisionado naquela situagao — que- remos vivé-la ali inteira, acabada e resolvida. Queremos ser auténti- S02 cos com 0 que enxergamos e com Q quao longe enxergamos. Porém 0 bolso é escuro e hd também os maus impulsos. Qs maus impulsos esto em toda parte e sao essenciais para o ser humano. Diz a tradicao judaica que, se nao fosse pelo mau im- pulso, todos morrerfamos de fome e crianga nenhuma seria gerada neste mundo. O mau impulso é, na verdade, a matéria-prima com a qual constatamos nosso comportamento interno. E em se tratando de questées de Mercado, envolvendo bolso, 0 mau impulso € simboli- zado no ladrao. Sua tendéncia é roubar algo de alguém. Este alguém pode ser 0 pedinte, o Mercado ou nés mesmos. Em realidade, a mé- dio ¢ longo ciclo de retorno, todos serao roubados se houve roubo. Ha dois maus impulsos perigosos de imediato: busca de justifi- cativas (tolo) e fuga (o nada). Quanto ao primeiro, nos diz Rabi Schmelke: “‘NGo tentes encontrar defeitos em um pobre que te pede auxt- lio, como justificativa para ndo ajudar. Nao busques seus defeitos como: ‘Ur. homem forte assim. . . algo deve ter feito. . .. Pois se tu fizeres isto 0 Eterno vai logo buscar encontrar defeitos também em ti, e vai, certamente, encontrda-los em abundancia. Lembra que os erros daquele que te suplica jd foram pagos por sua miscria, en- quanto os teus ainda estdo at contigo’’ . Ajudar, ou como ajudar, ainda é um questao néo-resolvida. Po- rém, justificativas so caminhos ilusdrios que perpetuam pobi a ¢ perdas ao Mercado. Quanto ao segundo mau impulso, a fuga ou a desisténcia, aprendemos como o Berdichever foi ensinado, nada menos que por um ladrao: “O rabino de Berdichev viajou de cidade em cidade buscando levantar fundos para pessoas carentes, mas teve um sucesso muito limitado. Arrependido do tempo desperdigado, resolveu ndo se en- — 103- volver com aventuras deste tipo no futuro. Ao voltar para sua casa, observou um policial que batia num ladrao preso em flagrante. O rabino pagou a fianga do ladréo, e quando o soltaram the inquiriu se teria aprendido a ligdo abstendo-se a partir de entdo de roubar. O ladrao apressou-se em responder: ‘E dat que eu apanhei? Desta vez ndo tive sorte, mas da préxima ndo serd assim’ . ‘Nao devo nunca esquecer esta resposta’, pensou consigo 0 Berdichever, ‘da mesma forma que houve pouco sucesso em meu empreendimento desta vez, tenho certeza de que a prdéxima serd di- ferente.’”” O Berdichever aprende a extrair 0 mesmo impeto e intensidade do qual se vale o mau impulso. Na verdade, esta é a tinica maneira de nao se render a ele — aprendendo com ele. O Maguid dizia que devemos aprender com os ladrées as seguintes qualidades: 1) se nu- ma tentativa nao consegue, jamais desiste; 2) seus companheiros agem com a maior camaradagem entre si; 3) coloca até sua vida em risco para obter 0 que quer; 4) o que consegue para si vende por pouca recompensa; 5) é paciente com os infortiinios; e 6) ama sua tarefa acima de qualquer outra. Perseveranga, fraternidade, coragem, desprendimento, tolerancia a frustrages e dedicag&o s4o os antido- tos destilados do proprio veneno ao Mercado que podem curé-lo. O individuo no automédvel deve ter uma boa percepgiio da inte- ragdo que se processa e de como neutralizar seus maus impulsos a partir do que é apreendido dos mesmos. Estes so ingredientes im- portantes do gesheft (negdécios) que dizem respeito tanto aos inves- timentos que fazemos na dimensao dos ciclos de rapido retorno co- mo nos de médio ¢ longo retorne (caridade, ecologia etc.). Em qualquer momento de interagao, em qualquer situagao de pendéncia, nunca se esquega dos ciclos de médio e longo retorno. Esta consciéncia é fundamental para que nao sejamos vitimas dos maus impulsos da justificativa e da indiferenga. Ac sentir que hd uma interacgao se processando, conte até trés. Saiba entender que o S04 que ocorre entre vocé e o outro de sua interagdéo nao é apenas uma situacdo entre dois. A seguinte histéria talvez ilustre melhor: “Um rabino viajava numa carruagem quando o cocheiro parou diante de um campo com varios sacos de trigo estocados junto a estrada. Gritou entéo ao rabino: ‘Fica olhando e, se alguém me vir, grital’ Quando comegou a apanhar os sacos, ouviu o rabino gritar. Largou tudo, subiu na carruagem e partiu em velocidade. Depois de alguns instantes olhou para trds e ndo viu ninguém. ‘Por que vocé mentiu, rabino?’ indagou o cocheiro. ‘Mas é verdade, meu amigo’, respondeu o rabino. ‘Eu gritei porque vocé estava sendo visto. . . visto por Ele, que vive nas alturas e estd presente em tu- do.” A Mishnd é ainda mais clara e da a receita etapa por etapa de como lidar com o mau impulso nas interag6es: 1) saiba de onde vocé vem, 2) para onde vocé vai e 3) a quem vai prestar contas. Em ou- tras palavras: conhega profundamente este Mercado. Saiba que em seus infinitos ciclos de retorno é como se houvesse eternamente um olho que vé, um ouvido que escuta e um livro onde tudo se registra. —105— A ARTE DA PROPRIEDADE OU PRESENTE-TERAPIA Obter a sapiéncia e desvendar o segredo do controle da proprie- dade é das mais elevadas formas de atender ao Mercado. Afinal, ha um fluxo constante de direitos e propriedades tempordrias que ali- mentam o Mercado do Cosmos. Tentar barrar este fluxo € no saber “receber”’. No livro da dieta diziamos que uma pessoa se torna obe- sa na medida em que retém em seu organismo além do que lhe é ne- cessdrio, desrespeitando o fluxo natural de troca e energia alimentar. Aqui, no mundo da economia, podemos dizer algo muito semelhan- te: retenha o poder ou a propriedade de ou sobre algo por mais tem- po do que lhe seria natural e vocé enriquece de maneira anormal — 106 - nesta dimensio. Vocé retém o fluxo e adoece. Vocé se torna “‘obe- so” na dimenso material e arca com as despesas disto. Aquele que preserva a rotatividade da propriedade e nao represa fluxos de sustento, encontra rapidamente a possibilidade de renovar suas riquezas. Neste sentido, saber quando abrir a mao e dar de pre- sente se torna um elemento de grande importancia. Certa vez, ao sair para o sébado com seu manto de oragées, Reb Zalman foi abordado por uma pessoa, que ficou maravilhada com as cores de seu manto. A reagao dessa pessoa foi tao intensa e esponta- nea que, apds alguns instantes de meditagéo, Reb Zalman ofere- ceu-lhe 0 manto de presente. A pessoa quis recusd-lo, mas ele nao o permitiu. Nao que pudesse desprender-se do manto com facilidade, mas percebera que a pessoa havia ultrapassado o limite do desejo, tazendo com que houvesse uma mudanga num nfyel muito sutil de “direito de propriedade”. Reb Zalman poderia ter retido o manto, mas nao quis — ja nao lhe pertencia mais, ou melhor, o maximo pro- veito que poderia tirar de sua propriedade naquele momento era oferta-la. Consciente desse momento de transigao de propriedade, Reb Zalman maximizou seu ganho na relagéo com o manto — reali- zou gesheft, e dos bons. De novo, deve ficar claro que 0 justo nao abre mao do que é seu, mas percebe quando o que é seu lhe representa maior ganho nao mais sendo seu. Certamente, diz respeito a ciclos de raio grande, onde a visao dos que estao aprisionados 4 propriedade nao alcanga. Se soubéssemos fazer isto sempre, serfamos dos melhores investi- dores. Passarfamos adiante nossos pertences quando estivessem 0 mais valorizados possivel no sentido de nos proporcionar prazere retorno. Conta-se que certa vez Rabi Nachman acolheu em sua casa um pobre viajante. De manhd, no entanto, deu-se conta de que seu hdspe- de jd tinha ido embora e, junto com ele, 0 casaco de Rabi Nachman. Quando Rabi Nachman chegou a sinagoga um jovem o abordou: “Rabi, hd poucos instantes vi um homem usando um casaco como -107- o seu. Naquele instante ndo estava seguro sé era o seu, mas agora que o vejo sem seu casaco, néio tenho dividas’’ . “EB como Ihe cafa 0 casaco?’’, perguntou o rabino. “Bem. . .”” concluiu o rapaz. “Pois que fique com ele. Na verdade, € um homem muito po- bre, eo inverno ndo estd de brincadeira.”” Muitas vezes aqueles que néo compreendem ficam estarrecidos com determinadas atitudes que sao inexplicaveis na estrutura simplé- ria de realidade que construfmos ¢ legitimamos. Exemplo disto ¢ 0 caso do Rabi Zbarazer, que certa vez, ao voltar para casa, viu que ela estava sendo roubada: “Permaneceu estdtico por alguns instantes e murmurou aos la- drées: ‘Nao quero ser responsdvel por que sejam culpados deum pecado destes, portanto eu faco de tudo isto um presente para vo- cés’. Num dado momento Rabi Zbarazer viu que carregavam em sua sacola uma jarra que continha produtos quimicos. Ele entéo se aproximou e disse: ‘Podem levar, mas cuidado com o contetido desta jarra, ou vocés podem se machucar’.”” Para alguns esta poderia ser uma cena de passividade. Poderia, mas ndo é. Rabi Zbarazer nfo é um santo que deseja absorver todos os erros humanos e deixé-los a graga da impunidade. A percepgao gue teve, no entanto, é de que aquilo j4 era um fato consumado. De que a propriedade daqueles objetos j4 estava no limite de no mais ser sua, e antes que seu status fosse assumido como roubo, no Ulti- mo instante de seu direito de posse, ele o transforma em “presente”. Rabi Zbarazer se conforma com o fluxo, Nem toda situagdo similar pede por uma solucdo deste género, porém esta reconhece 0 incrivel paradoxo de nosso Mercado nfo acertado, em que métodos errados (roubo) recompéem 0 equilibrio de sociedades que nao conseguimos —108—- organizar. Rabi Zbarazer toma uma atitude econémica acertada: per- cebe que sobre o material roubado ja existia uma propriedade que precedia a sua, a propriedade da tsedaka. E isto que ele reconhece, € se permite participar do fluxo que realmente determina o que é de quem e por quanto tempo. J dizia Moishe, 0 cabalista, que, quando algo é seu, ninguém o tira de vocé. Quando a posse de algo jd nado é mais sua, o que de mais perigoso existe é reté-la. Aprender a usufruir a posse até quase 0 tiltimo instante em que é nossa é 0 que constitui o herdi ou o sdbio da era nao consumista que um dia ira se instalar no mundo. Estar com D’us, a unio-mistica ou a dveikut, é este estégio em que o ter € apenas um instantaneo de ser. O préprio corpo do qual temos posse se inclui nesta questéo. Sabé-lo entregar na hora certa, nem um ins- tante antes, nem um instante depois, é arte sagrada. —109- 7 5 fit aiS sup tre 2 liions e PRBS Gok _ o sar 80 ‘iT up oxuTt ob we, a a2 biaieatienitahie cibdiieoes 2b ong, stasu sam. frais Bwoalaab- mage. sepuairias saponin aise neh arc ae Gein ouaiisad oaslaroes anp.8 2 mea “yg gabnum as palates MBL RiD ean 29> paloma Soph esndcanwigheacre 3 diioyd & vo aaidie-oo xx sorrel Leap ob ogres onging O - 13g 9 god! ai cia pp ap a agents ol Base, oof x Lore. SNapre. a i GaP = VI- QUESTOES PRATICAS DA RIQUEZA NO MUNDO DA ASSIA (MATERIAL) “Deus esté sentado e constrét escadas. . .”’ (midrash rab4) POR QUE OS RABINOS ENTENDERIAM DE DINHEIRO? Os padres sao muitas vezes questionados quanto a sua capaci- dade de aconselhar ou opinar nas quest6es relativas ao amor e sexo, uma vez que vivem em celibato. Uma pergunta semelhante poderia ser feita aos rabinos: Como podem opinar tanto sobre a questo do dinheiro se naéo tém nenhuma experiéncia particular de ser ricos ou pobres? De onde adviria sua vivéncia e sapiéncia? De onde emana- ria sua credibilidade? De certa maneira, nos capitulos anteriores abordamos o conceito verdadeiro de rico, e neste sentido talvez os rabinos (genericamente) -1i2- seyam ricos. Porém, como neste capitulo nosso interesse seri o de permanecer na dimensfo materiale compreendé-la sob a influéncia das demais dimens6es, caberia abordar um pouco a situag4o “‘finan- ceira”’ dos rabinos. Dizia o Rabino de Sassov: ‘Lemos no Talmud: Os rabinos néo conheciam o significado do verso: ‘Apdia a carga de teus ombros sobre o Eterno, e Ele te sustentard até que um vendedor ambulante Thos explicou. Os rabinos que obtém um saldrio fixo mensal ndo compreen- dem muito bem o verdadeiro significado da confianga em D’ us. O mercante, no entanto, para quem o sustento ndo é algo garantido, e que depende constantemente da cooperagdo divina, este aprecia e conhece o verdadeiro sentido de ‘confiar em D’ us’ .’’ A compreensio e 0 insight com relac4o ao sustento so prerro- gativas daqueles que lidam diretamente com os fluxos de proprieda- de e sustento. Ao mesmo tempo, os limites impostos para que as ri- quezas sejam reais colocam os rabinos na posigdéo de importantes consultores. N&o s6 isto, mas os rabinos estao, como todos os de- mais seres vivos, obrigados a zelar pelo assentamento e enriqueci- mento do mundo. Portanto, sua postura nao pode ser neutra, ou sim- pl6ria, de quererem permanecer em seu canto, com o minimo neces- sario, estudando e santificando-se. A luta é nas ruas, por um enri- quecimento constante sem destruigéo ou perdas de fortunas de ou- tros mundos. O ideal é tornar este mundo mais rico. Se um rabino nao estd participando de ‘‘enriquecimento”, se nao se esforga para tal, nao pode ser um lider espiritual. Os rabinos respeitam aquele que sai em busca de seu sustento, que confia em seu sustento e que para honré-lo se defronta com as mais angustiantes questées. Perguntou, certa vez, um discfpulo ao Kotzker Rebe: “Se vocés se afastam das coisas mundanas e materiais, como podem aconselhar -113- sobre estes assuntos?” Respondeu ent&o o Kotzker: “Muitas vezes alguém que est4 fora enxerga melhor do que quem esta dentro”. Os rabinos véem de fora, mas respeitam a dimensao do sustento na Assid, no seu aspecto material, muito por conta de sua prépria experiéncia de pobreza e da relacao que esta tem com desorganiza- Gao e destruigéo do grande Mercado. Seu respeito ao Mercado, seu desejo de servir como consultores na drea de ética financeira e sua busca por tornar mais claros os fluxos e impedimentos ao sustento Ihes valeram, além de estere6tipos racistas, uma incrivel experiéncia no ramo do dinheiro. —114- TERIDA TSORECH ALIA HI APRENDENDO A PERDER — “Na porta do sucesso esté escrito ‘entrada’ e ‘safda’.”” Gitado fdiche) Uma percep¢ao muito antiga revela que o mundo do sustento, como a propria vida em geral, é um constante oscilar. Nao existe ri- queza como um fenémeno de acréscimo constante, mas sim como perdas ou abstengdes de ganho que resultam menores do que 0 ga- nho. Deste saldo advém tudo, dele faz-se possivel o sustento. O sustento, portanto, € uma resultante do Mercado e nao do trabalho. -115S- Em nossa experiéncia didria, somos levados a acreditar que o trabalho sozinho resulta em sustento. Nao € assim. Claro que sem trabalho, sem este instrumental, o sustento nao advird. Este, no en- tanto, s6 é possivel pela interacdo do trabalho com o Mercado. Dis- por de energia (trabalho) num espago favoravel (Mercado) nao ape- nas conduz a sustento, como deve ter sido a prépria génese da vida. Assim, para a terra fazer-se homem, Adio, foi necessario o sopro divino e um jardim do Eden. Ou seja, sopro refere-se a energia, Eden a um nicho ecolégico favordvel ou uma possibilidade de Mer- cado. Por isto a frase que ilustra este capitulo traz a mensagem: “Deus estd sentado e constrdi escadas”. Por estas escadas hd os que irao descer e os que irfo ascender. Podemos observar este fendmeno em todos os nfveis de retorno. Naqueles de mais rapido retorno encontramos as leis do pequeno mercado. Como me explicava um amigo joalheiro: “Acontece, por exemplo, de se comprar uma pedra por 1.000 délares e entre a compra e a venda o valor da pedra cair de tal forma que pode ser encontrada por 500 no mercado. Seu valor de venda néo ultrapassa entdo 800. Muita gente ndo a venderia, pen- saria: ‘Comprei por 1.000 e vou vender por 800? Sé louco!’ Pois eu vendo. O mercado me permite. Vendo a pedra por 800, compro outra pelo valor de mercado, 500, e continuo com uma pedra que poderé retornar ao valor real de 1.000, mas neste meio tempo ga- nhei meu sustento de 300"’. Esta pessoa sabe conceder perdas momentaneas para extrair do mercado seu sustento. Alguém que é considerado bem-sucedido nao teré feito jamais um mau negécio? Impossivel. Parte do gesheft é 0 desapego a reter cada centavo. E a possibilidade de entradas e saidas constantes numa vazdo tal que o que est4 conosco, passando por nossas vidas ou sustento, seja satisfatério. Desta consciéncia vem a frase “‘lerida tsorech alid hi” — a descida é parte necessdria da subida. —116- Vélida para muitas questdes de nossas vidas, é no sustento a longo prazo, em ciclos de retorno Inenos imediatos, que esta frase é uma tealidade que nao se pode perder de vista. Pois é assim que 0 grande Mercado nos considera, como parte de um todo. Feito a roda, gue é um todo, “‘o lado que sobe para o alto vai descendo cada vez mais baixo, o lado que desce ao ponto mais baixo vai subindo cada vez mais alto”. Nestas palavras, Agnon descreve de maneira muito sensivel a magica do sustento em seu conto “Ascensao e Queda”. Através desta histéria podemos contemplar o ritmo e fluxo do sus- tento, feito roda do destino que, para ser um todo, um mercado, exi- ge que o alto desca e o baixo suba. Assim se desloca a carruagem de fogo que traz futuro e faz futuro. Em seu conto, Agnon relata sobre um homem muito rico que dispunha de tudo. Sua familia era linda e numerosa, e até um genro que s6 fazia estudar e lhe dava grande orgulho tinha. Certa vez, ao seguir para uma feira com muito dinheiro para compras, pediu ao cocheiro que parasse no caminho para satisfazer suas necessidades. Ao partir, j4 longe do local, que era movimentado, pois por ele pas- savam todos que iam a feira, deu-se conta de que esquecera a bolsa com dinheiro na estrada. Certo de que nao mais a reaveria, permane- ceu na feira, s6 retornando dias depois. Quando de volta, resolveu, apenas por curiosidade, ver se o dinheiro ainda estaria no local. Para sua surpresa, estava. Nesse instante comegou a chorar copiosamente de tristeza. A partir dai, sua vida vai se desfigurando. Perdas de dinheiro, sua mulher enlouquece e, pouco a pouco, sua familia é pulverizada. Sem mais nada, totalmente destituido ¢ humilhado, a histéria chega a seu fim no momento em que, ao conseguir que alguém se apiedasse dele, convidando-o para compartilhar do jantar de sabado, vai a casa de banhos preparar-se. L4, numa desavenga com mendigos, vé suas roupas serem rasgadas de tal maneira que nao tinha nem mais como chegar a tal casa para o jantar. Nesse momento, nu, sem nada nem ninguém no mundo, comega a rir euforicamente. —hi7- © choro na carruagem é 0 choro de quem esté no topo da roda. Descobrir que 0 dinheiro estava intacto fez com que pressentisse a queda. Da mesma forma, nu, na casa de banhos, tocava o fundo, dai em diante — ascensao. Saber conhecer estes ciclos permite conviver com as frustragdes e com as depressGes que advém das quedas. Ninguém que tenha ex- perimentado sustento em abundancia ou sucesso em qualquer area est4 imune 4 queda. Ao contrario, quanto mais alto, mais devemos depositar como seguranga para 0 periodo de queda. Depositar em ri- quezas d’alma, para que nos ciclos de descendéncia sejamos aqueci- dos pela certeza e f€ da retomada da ascensio. Devemos aprender a compartilhar do entusiasmo de que a roda esté girando, e nao en- trarmos em parafusos de angiistia porque se aproximam periodos de queda. A propria histéria de J6 € matriz para “‘Ascensio e Queda”. Muitas vezes 0 bem-sucedido espera por explicagées ocultas para sua queda. Vive a irrealidade do perfodo da ascenséo como se esta fosse o desdobramento da prépria realidade. Combate ent&o scus pe- riodos de queda, quando, ao contrério, se permitisse relaxar e des- cer, sem exaurir-se em esforgos “contra a maré’’, perceberia que a média de prazer, sustento e satisfacao nos giros da roda € suficiente (bendito/a seja Ele/a!). Feliz daquele que perde sem depressdo, sem. permitir que a sensacdo de estar indo para baixo seja marcada pela desesperanga. Reb Nachman de Bratslav, que costumava combater e desafiar 0 desespero com a frase “‘A descida é parte necesséria da subida”, entendia que a experiéncia de colocar o pé no fundo do pogo era em si uma experiéncia mfstica. Todo aquele que vive 0 topo da roda e conhece a grandeza do Mercado, a maravilha que o Eterno possibi- litou, ou todo aquele que j4 enlouquecido pelas dificuldades ¢ sofri- mento toca o pé no fundo do pogo e percebe as garantias do Merca- do, experimenta instantes de gratiddo e satisfagao. E sv alguém reclama desta realidade em que tem que haver topo —118- e inicio de descida, que se lembre: Bendito Aquele que fez do desti- no uma roda, pois deu fundo ao poco e fez com que a forca do que levanta sustente 0 que cai. O Mercado existe para contemplar a pos- sibilidade de vida, de interdependéncia e interconexéo. Nossas atitudes individuais e coletivas é que reforcam ou enfraquecem os atos desta roda. Destes aros resulta a possibilidade de rodar. Chao, este sim é um dado (Abengoado/a Seja Ele/a!). = 119 — O QUE PEDIR? - ‘‘Conhecendo precos, desconhecendo valores’’ Quando se sai pelo mundo do Mercado, é melhor saber 0 que se busca. Se queremos um determinado aparelho eletrénico, devemos estar conscientes da relagao custo-beneficio, de quais fungdes serao de importancia e quais nao, a melhor marca, o melhor prego. . . En- fim, quem sai pelo Mercado é melhor que conhega um pouco do ter- ritério por onde pisa. Na tradigao judaica, este € um dos elementos mais importantes, que antecede a prdpria riqueza: para qué? O que queremos e para qué? No dia em que o judeus mais rezam, no Iom Kipur, realizam —120- horas de liturgia para chegar a alguns momentos centrais onde estéo diante Dele/a. E estar diante € estar em Mercado. Explico. . . Quan- do alguém tem uma audiéncia com o prefeito ou o governador, passa dias estudando o que ira dizer e, acima de tudo, o que ird pedir. Se a demanda de um individuo ou coletividade for abstrata, como ‘“‘me ajuda”, nfo ir4 obter muito. Numa orag4o, o mais amedrontador é estar diante e nao saber o que se busca. No nosso cotidiano, nos colocamos diante de situagGes que exigem a mesma clareza de obje- tivos, e nossa frustragéo € imensa quando experimentamos uma oportunidade que nos escapa por nossa culpa. Nao sabemos 0 que buscamos, hesitamos, e a oportunidade passa junto com o fluxo di- namico do sustento. Portanto, aquele que nao sabe o que quer perde a capacidade de sustento. Grandes fortunas sao dizimadas porque as novas geragdes perderam a capacidade de ter objetivos claros no sustento. Quem sabe © que quer e para que quer, avanga de tal forma ru- mo ao sustento, nao tendo por que se preocupar. Diferente daquele que luta obsessivamente por riqueza, quem sabe o que quer reduz seu esforgo e colhe de cada momento suas oportunidades. Conta-se que... “Um rei quis agradar seus mais leais cortesdos e anunciou que cada um teria satisfeito 0 desejo que quisesse. Alguns pediram por honras e poderes, outros por fortuna. Mas um deles disse: Meu de- sejo é poder conversar com o Rei trés vezes ao dia’. Trés é 0 mimero de vezes que os judeus rezam por dia (manha, tarde e noite), e o rei com quem se busca audiéncia € a prdpria di- vindade. Para esta pessoa que sabia o que pedir muitos portées se abriram. Saiba, portanto, o que vocé quer. O grande segredo é que se vocé souber pedir realmente 0 que deveria pedir, se vocé se refina a ponto de saber distinguir em que sentido gostaria de direcionar seus -121- esforcos no Mercado, seu pedido sera atendido no momento da for- mulagdo do pedido. Esta é a magica mais inacreditével que conhe- cem os sdbios: se vocé pedir certo, exato, 4 estd obtido por defini- cao. O contrério também € verdadeiro por definicao. Contava o Besht: “Quando uma pessoa reza somente por beneficios que sdo materiais (minimizando sua prépria expectativa), suas suplicas e esforco séo desperdigados. Isto porque se forma uma cortina mate- rial entre D’us e a pessoa, pois foi trazida matéria para o dominio do esptrito. Néo receberd, portanto, qualquer retorno’’ . Quem nao sabe definir o que quer, que riqueza € esta sobre a qual deposita tantas expectativas, vai acabar desperdigando seu tem- po. Isto € tipico daqueles que conhecem os pregos, mas desconhe- cem os valores. Acabam pagando muito por coisas de pouco valor ¢ dio lances irrisérios para obter coisas que, se soubessem seu valor, se pudessem enxergar, se martirizariam pelas oportunidades cons- tantemente desperdigadas. Quem néo sabe o que quer nao pode in- vestir, e o Mercado, em vez de representar sustento, lhe tomard tem- po e vitalidade. Aquele que sabe 0 que quer, este se sustenta com muita facili- dade. Esta outra histéria sobre o Besht nao deixa duvidas: “Antes de tornar-se uma figura conhecida, o Besht, certa vez, ficou sem dinheiro para o jantar do Shabat. Na noite anterior 0 Besht foi até a casa de uma pessoa de posses, bateu na porta e foi embora. A pessoa levantou-se da cama, vestiu-se correndo e foi atrds do Besht. Quando conseguiu alcancd-lo, ao ver suas roupas esfarrapadas, observou: ‘Se vocé veio a mim para obter auxilio, por que foi embora?’ O Besht retrucou: ‘Quando um ser humano nasce, seu susten- to nasce com ele. Sdo as suas imperfeigdes que causam a seu sus- —122- tento que seja retido e que ndo se apresente diante de si apesar de seu esforco. Jd que a imperfeigdo dé cada pessoa é diferente em es- cala, a quantidade de esfor¢go que deve realizar também é diferente. Acredito que minha vida, longe das coisas mundanas e materiais, me permite ganhar a vida com facilidade, por isto bati em sua por- ta. Depois de ter feito este esforco, fiquei confiante que D’us me permitiria sustento, e para mim ndo faz a menor diferenga se este vird de vocé ou de qualquer outra pessoa.”” Esta histétia exagerada € proporcional ao exagero que foi a propria figura do Besht. Como se fosse um limite do humano e do santo, como se a um “pequeno desnivel do santo”, o Besht precisa do minimo para o sustento — a vontade de ier. O “santo” ou 0 “tsa- dik ideal” estao além do sustento, so, na verdade, o préprio sus- tento. Quanto mais perto de nos tornarmos titeis e ecologicamente funcionais em todos os mundos, mais préximos estamos de nos tor- nar o préprio sustento. Num processo de “autobastar-se”” em relagéo social, tudo nos chega na medida certa e na hora certa. Lembrando de novo que esta nado é uma postura de passividade do tipo — seja bom e tudo est4 garantido. “Bom” é em Mercado, com outras pes- Soas, seres vivos e coisas. Portanto, esteja harmonizado (santificado) e tudo comegard a cair em seu lugar, haverd ordens até que se faga necessaria outra harmonia. E importante entender que esta nao é uma banalizacéo da fé, mas uma constatagdo de todos os individuos em muitos de seus mo- mentos de vida. A felicidade é fazer-nos, tornar-nos sustento. E to- dos j4 experimentamos-isto. E 0 que os misticos chamam de Grande Imersao no UM, ou d’vekut. Aquele que é sustento é satide, € sobre- vivéncia, é patrim6nio do Universo e se conecta com tudo e todos. Nestes momentos arredios, que nos escapam, vém e fogem, é que experimentamos a roda da carruagem. Vém e subimos, fogem e descemos. Porém, é na certeza, ou fé, da subida que a experiéncia de descender € feita também de vida. Descer é condig&o hu- -123— mana que permite a subida. Muito do sustento humano é obtido de sua nostalgia, da lembranga de suas “‘subidas e descidas”. Sua espe- ranca € entender que o sustento é ciclico se todos os mundos intera- gem. Seu desespero, por outro lado, € perceber linearidade na ascen- so e na queda. Querer retornar ao topo pela rotaciio inversa 4 da roda da vida é, fisicamente, permanecer mais tempo na descendente. Para Reb Nachman, os desesperados que nao conseguem tocar 0 fundo do pogo sao exatamente os que resistem A descida e, em suas pequenas vitdrias de ascensao na prépria queda, estabelecem infin- daveis quedas. A estes, ou & parte de cada um de nds que se com- porta assim, possa Ele/a ter compaixao! ‘Assim € no mundo da Assia. Por que se cai nesta dimensao? Porque a descida € parte da subida: Ieridd tsorech alid li! 2A = LOTERIA E MILAGRES NO SUSTENTO Ocorre de tanto em tanto, para alguns mais que pata outros, si- tuagoes de sustento faceis. Este é 0 caso das loterias, das herancas e _ dos milagres no sustento. Eles sao parte do processo de constante harmonizagio do Mercado. Devemos tomé-los, no entanto, com cautela. Nao porque signifiquem topo de roda e infcio de descen- dente, pois isto nado ¢ mecanico, significando que ao ganho se segue perda. Nao também porque isto tenha que significar dinheiro que nao € real, que possa nao ter sido taxado de responsabilidade corre- tamente. O perigo diz respeito 4 maneira pela qual entendemos estes ganhos. A forma com que 0 compreendemos sera decisiva para esta- 125 — belecer processos de empobrecimento ou nao em outros mundos. Sempre que algum movimento yiolento em alguma das dimensdes do sustento ocorre, devemos checar se as comportas das interconex6es dos diferentes mundos esto balanceadas. Prestemos atengdo nesta historia do Talmud (Shabat 53b) sobre milagres: “Qs rabinos ensinaram: aconteceu certa vez que um homem perdeu sua mulher no parto de seu filho. A crianga estava necessitando ser amamentada, mas seu pai ndo tinha sequer 0 dinheiro para pagar uma ama-de-leite. Por isto um milagre foi realizado para ele: seu peito se abriu e floriu como dois seios de mulher, e amamentou seu filho. Rabi lossef observou: ‘Venham e vejam quéio grandioso é este homem, pois um milagre desta natureza the foi concedido!’ Abaie disse a ele: ‘O contrdrio, meu amigo. Quéio triste é a histéria deste homem, para quem a ordem da Criagao teve que ser alterada’ . Rabi Abaie enxerga mais longe. Feliz daquele que conta com 0 Mercado, com a ordem jd estabelecida por Ele/a. Pois que nenhuma satide € como a satide de estar funcionando como deveriamos, ne- nhum sustento € como o sustento que se faz presente nas medidas certas, Nosso nicho ecolégico contém a possibilidade de Mercado, ¢ este é o milagre a ser reconhecido. Nesta compreensao esta a possi- bilidade de ampliar a solidariedade ¢ a interagao. A expectativa ma- gica do milagre e do sustento facil 6 para o infelizes que nao conse- guem participar do maior dos milagres — 0 dia-a-dia. Ou, como dizia Rabi Elazar: “Salvacdo ¢ sustento sao andlogos. . . da mesma forma que a salvacdo envolve maravilhas, também o sustento envolve maravi- lhas; da mesma forma que o sustento ocorre diariamente, também a salvagéo ocorre diariamente’’ . Rabi Shmuel bar Nachman disse: “O sustento é maior do que a salvagdo! Pois sobre a salvagdo esta —126- escrito: ‘O anjo te salvard de toda mal’ (Gen. 48:16); e sobre o sustento estd escrito: ‘Tu (D’us) abres Tua méo e satisfazes a toda criatura viva’ (Salmo 145:16).’’ Na salvagdéo atua um “‘mero’’ an- Jo; no sustento, 0 préprio D’us. A maneira com que “‘teologizamos” nossas vidas, ou a forma com que construimos nossa compreenséo em torno do que nos acontece, é fundamental para nosso bem-estar neste mundo de Mer- cado. Acima ja dissemos que o arrogante, aquele que faz uma leitura de seu momento de subida na roda da vida como se derivado de. puro merecimento, 6 0 mesmo personagem da infelicidade e desespero nos momentos de descida. Um ganho no mundo da Assid que nos enriquece subitamente pode reverberar em mundos do sustento mais Sutis, mundos estes produtores de depressio, apatia e pulsdes de morte. A maior seguranga que pode deter um ser humano é a confianga no constante milagre do sustento. A loteria ¢ o milagre no sustento sao bons e devem ser vistos sob 0 prisma do proprio sustento. Infeliz daquele que espera pelo milagre, cuja esperanga esté na desorgani- zagao da ordem natural da Criago para satisfazé-lo; daquele que nao confia no sustento. Este acaba sendo o aproveitador, 0 consu- mista, 0 predador e o antiecolégico. Se nao se percebe um infeliz se agarrando desesperadamente para nfo cumprir seu ciclo de descida, talvez, até isto € possivel (que Ele/a nao o permita!), consiga parar a toda da vida. -127- SOCIEDADES E CONTRATOS Encontrar parceiros ou sdécios na dimensio da Assia é tarefa das mais dificeis. Na grande maioria das vezes as sociedades incorrem em dois erros que sao dos mais comuns no desejo de enriquecimen- to. O primeiro deles € nao saber o que pedir. Ou melhor, os “s6- cios” no tém os mesmos objetivos contidos no desejo de sustento. Como vimos, enriquecer € um processo que exige sensibilidade para no congestionar as diversas dimensdes da riqueza. Muitas vezes os parceiros nao sabem se expressar quanto a suas expectativas de enriquecimento. Portanto, o bom sécio seria 0 que mais se aproximasse da expectativa do outro sécio de enriqueci- —128- mento em varios mundos. O segundo problema diz respeito aos con- tratos. Ninguém jamais poderd ser rico, por definicdo, sem conhecer a arte de fazer contratos corretos, Uma hist6ria interessante sobre a primeira questéo, de como achar 0 parceiro ideal, nos conta o Rebe de Apt: “Certa vez hospedei-me numa penséo e reparei que o dono da mesma tinha duas caixas para guardar dinheiro. Qualquer dinheiro que ganhasse, dividia igualmente entre os dois receptdculos. Fiquei curioso quanto ao significado disto e, revelando minha identidade, inquiri sobre o assunto. Ao que ele respondeu: ‘Ndo faz muito tem- po, perdi todo o dinheiro que tinha juntado durante minha vida nu- ma aventura e estava a ponto de perder minha pensdo. Minha espo- Sa entéo aconselhou-me a encontrar um socio e fui a cidade & pro- cura de um. Ao passar pela floresta, ocorreu-me pedir ao Eterno que entrasse em parceria comigo e prometi devotar Sua metade dos ganhos para caridade. Rezei por alguns instantes e encontrei no caminho algum dinheiro no chdo. Tomei isto como um sinal de nos- So acordo e desde entéo tenho, rigorosamente, mantido nosso con- trato verbal’. Naquele momento elogiei a simples confianca que de- Positava em D’us e pronunciei uma béngao sobre ele.”” E esta nao é uma mé idéia: antes de entrar em qualquer parceria, assuma que ha uma parceria anterior que deve ser acertada. Prestar contas, rigorosamente, a esta parceria € um elemento muito sadio, sem duivida, para a manutencdo das parcerias no plano da Assia. Quanto aos contratos, devemos ter verdadeira paixao por eles. Normalmente, trazemos uma concepcfio roméntica e ingénua para nossas relagdes de negdcios, na qual & vergonhoso ou desrespeitoso querer descer as minticias dos acordos em escrita, ou em esclareci- mento diante de testemunhas. Porém, ao contrdtio, esta é a maior forma de respeito que existe. Acima vimos que agir de outra manei- —129- ra € como “colocar um obstculo na frente de um cego”. Casamen- tos nao terminariam, familias nao brigariam e sociedades nao seriam desfeitas nfo fosse por contratos desleixados. Por isto, para os rabi- nos os contratos eram sagrados. O que se escreve aqui repercute la. Entdo nao? E a vitalidade e o tempo desperdigados, a dor, a deses- peranga ¢ desconfianga geradas por maus contratos nao hao de che- gar 14? Se com parte do Seu tempo D’us faz escadas, com a outra clabora contratos perfeitos. Ab. . . se este universo nao esta em con- formidade com um grande e maravilhoso contrato! Nés 0 chamamos de Tora. O maior inimigo dos contratos é nossa falsa “‘moralidade” em relagdo & nossa confianga e solidariedade que se espera que tenha- mos um pelo outro. O justo é, acima de tudo, aquele que conhece seus limites de solidariedade e pode entao elaborar contratos. O Berdichever sempre realizava um teste, como prova dos nove, para alertar quanto a estes perigos: “Um dia o Berdichever foi procurado pelo acougueiro da ci- dade: ‘Vocé é um shochet (abatedor ritual)?’ perguntou ele. “Preciso de um shochet e ndo posso esperar pelo que passa de semana em semana por aqui.” O Berdichever respondeu afirmativamente. O acgougueiro lhe prometeu um pagamento adicional se 0 trabalho fosse realizado ra- pidamente. Porém o Berdichever continuou: ‘Fago isto na condigdo de que vocé me empreste vinte talentos, que te prometo devolver rapidamente’ . ‘Nao!, disse o acougueiro. ‘Nao posso emprestar dinheiro a alguém que nem ao menos conheco!’” ‘Vocé acaba de se entregar como uma pessoa que pode causar muitos problemas’, disse 0 rabino. ‘Vocé se recusa a confiar-me dinheiro com base no desconhecimento que tem de mim e, ao mes- mo tempo, esti disposto a me contratar, assumindo que sou um shochet, sem pedir-me nenhuma credencial. Como sabe que ndo sou ~ 130- um homem inescrupuloso?’ O agougueiro percebeu o que estava | fa- zendo”’ . Para que haja qualidade e confianga, muitas vezes devemos uti- lizar 0 teste do Berdichever. Podemos criar situagées em que a con- fianga é cega, tal qual dar dinheiro na mio de alguém que nao co- nhecemos? Ou devemos, por respeito a ambos os lados de uma par- ceria, engajar-nos na arte de criar contratos? Feito nosso Criador, de quem somos também imagem e semelhanga, ¢ a quem devemos imi- tar. Se Seu tempo é dedicado aos contratos, 0 nosso também deveria ser, Faga “contratos” claros para tudo e todos, nao descuidando nunca, Caso contririo, todos os parceiros de vida serao possiveis situagdes de sociedades terminadas. DIGRESSAO SOBRE POSS[VEIS SITUACOES CONTRATUAIS Quando € que estamos envolvidos com alguém ou alguma situa- gio? Acontece estarmos passando por uma rua num domingo de lazer presenciarmos um acidente. Repentinamente nos vemos envolvidos e obrigados a parar. Socorremos as pessoas com todo 0 horror que adentra nosso dia de descanso, vamos até um hospital ¢ as perdas de tempo, dinheiro e prazer podem ser bastante considerdveis. Por qué? Por que somos justamente nés que presenciamos o acidente e nio um outro que por ter tomado a rua paralela nao interagiu com esta situagao e no se viu nela envolvido? Os rabinos usam outro caso classico: encontrar uma carteira na tua. Este dinheiro nao é seu, nem mesmo que nesta carteira haja apenas “cash”? © nenhuma forma de identificar seu proprietério. Neste caso vocé passa a ser responsdvel por manter este dinheiro e procurar de todas as formas seu dono. Por qué? Por que devo fazer isto? E se nao tivesse visto? Ento nfo teria esta obrigacdo. Mas viu, envolveu-se. Participou, envolveu-se. Estava junto, envolveu-se. O -131- envolvimento é repentino, se dé instantaneamente e nao existe forma de sair dele. Quem interage opta por ser NADA, TOLO, PERVER- SO ou JUSTO. O que é entio o envolvimento? F regra de vida. Viver é estar em “situagées” de vida, Todos nés passamos de uma a outra situa- co de vida constantemente. As que chamamos de oportunidades nos enchem de bons sentimentos, as que consideramos incidentes que- temos negar e rejeitamos. Porém, em ambas as situagdes, s6 existe uma ocorréncia — vocé entra em interacio. Surge entao a necessida- de da definigao de contratos entre vocé e sua consciéncia. O melhor contrato € o do JUSTO, que usufrui a situagao de vida na medida certa: honrando quem € e os limites de quem é. De uma interagio nao ha saida, s6 a morte. O suicida é quem se yé desesperado diante das quatro possibilidades de interagao e opta por sair da situagfo de interagao. Alguns, os rabinos entre eles, sio da opiniao de que mesmo assim nao se livra das quatro opgdes. —132- DiVIDAS O que sao as dividas? Que tipo de interacao é esta? ‘Vamos tentar diferenciar a divida do “roubo por retengao”, que 44 vimos acima. Naquele caso tratava-se da retengdo deliberada de algo que pertencia a outro e que se tinha condigéio de pagar. Aqui, tratamos da incapacidade de devolver. Porém esta incapacidade, se- gundo os rabinos, no é sé no Ambito da dimensao teal, material. “Um homem veio reclamar ao rabino de Porissov que estava se afogando em dfvidas. O rabino respondeu: ‘De cada centavo que vocé receber como lucro, separe uma porgdo para o pagamento de — 133- suas dfvidas. Quando ficar claro nos céus que vocé realmente quer pagar suas dfvidas, vocé receberd ajuda dos céus para realizar isto’’. O rabino, de maneira perspicaz, faz perceber que a divida, ou melhor, 0 afogar-se em dividas, € produto de uma intengao muito sutil, muito profunda e oculta, de ndo querer pagar as dfvidas. Se o devedor faz um esforco de tornar habito sua intengdo de pagamento das dividas, paga-as. O mesmo talvez seja verdade para aquele que empresta muito a quem sofre do mal da divida. Neste mundo de conexfo, seria justo que se ajudasse o devedor nao emprestando. Para isto uma antiga anedota sobre judeus revela, além de seu teor jocoso & preconceituo- so, uma realidade de Mercado importante relativa 4 divida: “Isaac devia a Jacé, que era seu vizinho. A noite toda antes de pagar a divida Isaac rolava de um lado ao outro da cama, ndo dei- xando sua mulher dormir, Esta, num certo momento, sentou-se na cama e disse zangada: ‘O que é Isaac?’ . Este respondeu: ‘Tenho de pagar uma divida enorme a Jacé amanha pela manhd e ndo dispo- nho do dinheiro’. A mulher, jd aborrecida, nGo pensou duas vezes. Foi até a janela e gritou: ‘Jacé, meu marido Isaac te deve dinheiro para pagar amanha e nao tem como fazé-lo. Ele ndo conseguia dormir e jé fez a sua parte, agora é tua vez de ndo conseguir dor- mir??? Aquele que assume dividas, muitas, e aquele que financia divi- das, muitas, €é comum que sofram de dificuldades de outra ordem além da material. Sia4— EMPRESTIMOS E JUROS Este mundo onde vivemos é 0 mundo dos empréstimos. A propria vida é feita de “‘capital” emprestado de nossos pais, e eles, de mate- tial “‘inter-gerag6es”. Os empréstimos sao atos de generosidade que ja encontramos ao nascer e que possibilitam a existéncia e sobrevi- véncia. E justamente este ato de carinho que buscamos imitar no Mercado para possibilitar nele a mesma vitalidade que testemunha- mos em nossa experiéncia de vida, Em Exodus Raba encontramos: “Observe como toda a Criagéo toma emprestado um do outro: O dia toma emprestado da noite, e a noite do dia. . . A lua toma emprestado das estrelas, e as estrelas da lua. . « -135- A sapiéncia toma emprestado da compreensdo, e a compreen- sdo da sapiéncia. . . Os céus tomam emprestado da terra, e a terra dos céus. . « Assim também € com os humanos, com uma Unica diferenga: os outros todos emprestam sem acabar em tribunais’’ . O empréstimo € visto na tradigio judaica como uma forma de “justica’”’ (tsedak4). Através do empréstimo, e sé através deste, a verdadeira pobreza pode ser combatida. Da mesma forma que 0 ex- cedente de uma producdo é taxado para auxiliar 0 combate ao empo- brecimento do mundo, também deve ser o excedente de capital. Esta € a taz4o pela qual a Biblia especifica: “Se emprestares dinheiro ao pobre de Meu povo, nao aja para com ele como um credor — nao re- tire dele juros”. Durante séculos de miséria ¢ perseguigdo, os judeus tiveram um forte aliado para sua sobrevivéncia e sustento no sistema de emprés- timos, muitas vezes tomando inclusive a forma de instituigdes ou so- ciedades de empréstimos sem juros. O empréstimo como tsedaka ti- nha muitas vantagens para o Mercado. A primeira delas dizia res- peito ao compromisso que assumia nao s6 aquele que se taxava a0 emprestar, mas também aquele que ao tomar emprestado permanecia com a obrigagio de retornar o empréstimo. Havia um estimulo na divida que era favordvel ao enriquecimento do mundo. A segunda, possibilitava tsedaké sem a presenga de seu inimigo ntimero um — a yergonha e humilhacdo. Para a tradicao judaica, a humilhagio éa Yinica dor nao fisica compardvel 4 miséria, No “Sefer Ha~ chassidim” telata-se sobre uma situagao destas: “Reuven era um homem honesto que pediu um empréstimo a Simon. Sem hesitar, Simon fez o empréstimo e disse: ‘Na verdade, estou te dando isto como presente’ . Reuven ficou tao envergonhado que jamais yoltou a pedir em- préstimos a Simon. Neste caso, claramente, teria sido melhor em- prestar do que dar.”” — 136 - O versiculo biblico, da maneira como esté escrito, suscita varias questoes ¢ problemas para 0 Mercado e para o empréstimo. Primei- Tamente poder-se-ia ler, em “nao agir como credor”, a impossibili- dade de coletar 0 empréstimo uma vez que o periodo estipulado ti- vesse expirado e nao houvesse meios para pagar. Quanto a isto os rabinos também sao muito cuidadosos. O ato de tsedaka nao deve ser confundido com o ato de g’milut chassadim (benesse ou compaixéo). Estes mundos nfo devem jamais ser con- fundidos. A justiga ¢ a miseric6rdia so dimensGes muito distintas, e © equilibrio do Mundo ¢ do Mercado depende de sua separacéio. De um lado Din (justiga) ¢ de outro Chessed (compaixo). Geralmente este € o engano do tolo, que confunde ambos os conceitos, ou daquele que “transforma algo em NADA”. Nao saber distinguir Din e Ches- sed € 0 que faz este mundo caético e como atitude se assemelha, apesar de estarem em pdlos opostos, com a corrupcio e o suborno. Alguém que empresta pode até tomar a atitude de perdoar uma divida, mas isto é feito como um momento separado e independente do empréstimo. Pode, portanto, ser um ato de g’milut chassadim (compaixao), mas nunca um ato de tsedaké que, enquanto tsedaké, venha a fazer-se, obrigatoriamente, como g milut chassadim. Este € sempre um conceito importante: a justiga e a compaixao trabalham sempre juntas, mas so e devem ser autonomas. Quando a compaixao se instala na justicga ou a justica na compaixfo, o Merca- do enfraquece, e este dispositivo pode tanto aniquilar uma espécie pela severidade e rigidez como pela falta de critérios e leviandade. Feliz do individuo e da sociedade em que hd harmonia entre sua Justiga e sua compaixdo, Afinal, juntas sio um contra-senso, pois uma reside no espago dos olhos fechados ¢ a outra no dos olhos abertos. Nao se pode té-los abertos e fechados ao mesmo tempo. Po- rém a vis&o, a visio que enxerga, é feita da luz e do descanso da mesma, O outro perigo adviria da crenca de que o Mercado nao suporta qualquer tipo de juros. Isto seria totalmente contrdrio as praticas de -137- mercado modernas, que buscam nfio a proibigao das taxas de juros mas a sua diminuic&o aos menores (ou mais reais) niveis possiveis. Na verdade, os juros séo baseados em ressarcimentos por dois possiveis tipos de perdas que podem ocorrer no empréstimo. O pri- meiro diz respeito ao tempo que o dinheiro permanece como em- préstimo. Quem empresta fica incapacitado de utilizar esta quantia pelo tempo que perdura o empréstimo. Fica assim, como no caso da- quele que tem seu salario retido, incapacitado de dispor dele. Seu ressarcimento seria pela perda da liberdade de aquisig&o ou investi- mento de seu dinheiro. O segundo é um elemento de risco que assu- me quem empresta — 0 de que seu dinheiro pode nao vir a ser devol- vido em caso de total faléncia do negécio no qual o dinheiro € in- vestido por quem o toma emprestado, Assim é que funciona o mer- cado financeiro: quanto mais aquecido um mercado, mais 0 dinheiro tem maior utilidade em gerar mais dinheiro; ou quanto maior o risco de um empréstimo, maiores serdo as taxas de juros — de compensa- cao por abrir mo de capital ativo — do mercado. E isto parece justo, pelo menos de um ponto de vista pragmatico. Os rabinos concordariam com isto secretamente. No entanto, como qualquer individuo ou instituig&o reguladora de Mercado em nosso dias, sua tarefa era reduzir, ou quando possivel eliminar, os juros. E as seguintes sao as situagdes que pedem por combate aos ju- TOs: Os juros sao compardveis, como bem explicou Rashi — 0 co- mentarista francés medieval — a “‘neshech” (uma mordida). Segundo este, uma mordida de cobra € no inicio apenas desconfortavel, mas posteriormente cresce em sofrimento e severidade. Da mesma forma, os juros so no inicio desconfortaveis ¢ com o tempo transformam-se em veneno fatal para a economia de um individuo ou instituigao. A capacidade que os juros tém de se tornarem irreais € grande, € desta forma produziriam dinheiro irreal — em quantidade maior do que 0 préprio dinheiro poderia gerar se aplicado no mercado. Isto constituiria em roubo que em muitos mercados ganha o nome coleti- — 138- vo de inflagdo. Inflagao € a explosao de incontaveis pequenos rou- bos ¢ 0 inicio da desconfianga generalizada dentro de um mercado. E importante notar, como explica Meir Tamari,* que os rabinos nao compartilhavam da postura cristé de que dinheiro nao poderia criar riqueza, como podem as arvores, 0 gado ou a terra. Para eles 0 dinheiro era parte da incrivel maravilha do mercado e para ter valor real poderia ser produtor de riqueza, desde que real. O dinheiro nado poderia, isto sim, ditar o ritmo do enriquecimento, mas poderia acom- panhar os indices de enriquecimento do mercado. Ou seja, 0 dinhei- To poderia produzir riqueza até a igual 4 média da riqueza obtida pela drvore, gado, terra e outros setores que uma economia conside- Tasse como produtores de riqueza. Ao mesmo tempo, os rabinos também deixavam claro que o em- préstimo sem juros € parte da responsabilidade de qualquer socieda- de. Como distribuir estes fundos estaria A disposicao de critérios desta mesma sociedade. A sociedade dos rabinos considerou todos os judeus como seu critério. Proibiam, portanto, empréstimos a juros de um judeu para outro judeu. Isto, que poderia ser entendido gros- seiramente como um ato discriminatério, era um critério de um gru- po isolado, muitas vezes perseguido pela sociedade em que se en- contravam. Por muito tempo, inclusive, esta persegui¢ao impossibi- litava 0 acesso aos meios que a prdpria Igreja considerava como agentes produtores de riqueza — drvores, gado e terra. Todo mercado deve distribuir recursos sem expectativa de juros teais para aqueles que criteriosamente considerar capazes de minorar miséria e a médio e longo prazo contribuir para 0 aumento dos ni- veis de enriquecimento deste. * With All Your Possessions, p. 94. -139- NEGOCIOS REAIS — HETER ISKA Toda esta abstracdo é muito interessante, sé que, ao se lidar com a realidade, em particular a do mercado, as situagdes so mais complexas. Os agentes de mercado, os negociadores, transformam-se em virus de enriquecimento apenas na dimens&o material, e conté- los € uma tarefa muitas vezes impossfvel. Toda a argiicia aplicada no sentido de promover uma economia real é confrontada com uma ar- giicia igual de transformagéo de qualquer riqueza em riqueza desta dimensio, riqueza imediata. Durante séculos os rabinos e seres-de- negécios disputaram sagacidade pelo controle do mercado. Foi exatamente pelo fato de os juros, disfargados das maneiras —140- mais variadas, terem sempre servido como o ardil mais eficaz dos se- res-de-negdécios que os rabinos cerraram fileiras contra os mesmos. Realizaram-no apesar de conscientes da importéncia dos juros reais para um mercado. Para tal, os rabinos exigiram que as operacées de empréstimos a juros fossem transformadas em outro tipo de opera~ Ges — parceria em investimentos (heter iska). Através de um mecanismo contratual, aquele que emprestava dinheiro passava a ser um investidor parceiro daquele que tomava emprestado. Assim sendo, compartilhava dos sucessos e fracassos das aventuras financeiras, podendo coletar a partir de seu capital lu- cros, aparentemente juros. Com este procedimento os rabinos pro- moviam um contato direto de quem emprestava com a realidade do mercado. Na verdade, € como se 0 préprio fornecedor de capital in- Vestisse no mercado, Desta forma, os rabinos transformavam possi- veis intermedidrios ou atravessadores financeiros em investidores reais. O mercado podia, entao, suprir de acordo com enriquecimen- tos reais, ou com sucessos, a correta medida de produgiio de riqueza teal que um capital poderia obter. Em realidade, nosso interesse no diz, tanto respeito as minticias © pormenores destes mecanismos, mas sim ao desejo dos rabinos de nao permitir a existéncia de mercados paralelos ao Grande Mercado. Contra uma espécie de idolatria que vé muitos possiveis mercados de “pau-e-pedra”’, os rabinos acenavam com a fé no Mercado Unico, este sim real e que considerava o enriquecimento em todos os seus niveis ¢ conseqliéncias. Os mundos da riqueza se fundem num s6 Mercado, percepgao que, na grande maioria das vezes, os seres-de- negécios tendem, paganisticamente, a rejeitar. -141- PRECOS E LUCROS Outra forma de desestabilizacio do mercado so os desequili- brios entre demanda e oferta. Na Biblia (Levitico 25:14) encontra- mos: “Quando venderes a teu vizinho ou quando dele comprares, vocés nao devem oprimir (ona’ d) um ao outro”. Independentemente dos pregos reais que cada produto tem no mercado, jA incluindo custos extras como transporte, armazenamento etc., encontramos flutuac6es de comerciante a comerciante. Para os rabinos, se esta flutuagdo ultrapassasse um sexto do valor de merca- do do produto, estaria classificada como ona’ d (opressao). Neste ca- so a transagao poderia ser desfeita tendo como limite de tempo o - 142- necessario para que a pega ou preduto fosse avaliada por um perito. Novamente a preocupagao deste “‘cédigo de defesa do consumidor”’ de 1.500 anos era evitar a especulagio e a criagao de riqueza irreal. No entanto, ona’ d era aplicavel apenas em casos de ma-fé: “Aquele que compra e vende sem m4-fé nao pode ser acusado de ona’d. Se o vendedor diz ao comprador: ‘Este artigo que estou te vendendo por 200 & vendido no mercado por 100’, e mesmo assim 0 comprador decide comprar, entéo nao existe ona’ d’”’. Este é o caso em que, por declarar publicamente por que est4 vendendo seu item acima do valor de mercado, nao se registra ona’ a. Porém, este valor discrepante tem que ser explicado em base de custos adicionais que 0 produto possa ter incorporado a seu pre- ¢o, seja por raridade ou qualidade. Um limite para esta declaragéo que isenta o vendedor é imposto para situagGes em que o valor é exagerado em fungéo da necessidade do consumidor. Neste caso volta a existir ona’d, Um caso classico é discutido no Talmud: Suponhamos que um fugitivo tem que atravessar um rio e o bar- queiro, sabendo de sua condigao, cobra muito acima do prego nor- mal, Nao tendo alternativa, o fugitivo paga. Mesmo no caso de ter sido alertado pelo barqueiro de que este nao era o prego comum e tendo concordado, 0 fugitivo tem direito de reclamar e ter o diferen- cial restitufdo a ele, pois este € um caso de ona’d (opressio). Ou seja, em momentos de desespero (sha’ at ha-d’ chak), por nao haver alternativa, os precos perdem a capacidade de representar um gesheft (uma transacdo real), Esta situagao é bastante diferente daquela em que, tendo o comprador a opgéo, prefere comprar um produto mais caro que Ihe tenha agradado particularmente porque confia ou na qualidade ou na garantia que lhe oferece determinado vendedor. Sob outra perspectiva, os rabinos nado estdo interessados em controlar 0 mercado e nao tém problemas em aceitar que 0 paga- mento acima do valor de mercado, desde que por interesse de algum possivel comprador, venha a ser dinheiro irreal. Este interesse espe- cial esta incluido, por mais abstrato que seja, no mercado. E a mé-fé, =a a exploragéo ou mesmo a especulag&o que temem os rabinos. Eles esperam que as transagdes ocorram de valor real para valor real. Tanto assim que o que estamos chamando de dinheiro real eles no- meavam chaiei nefesh — literalmente, contendo vitalidade de alma. Este valor ou dinheiro era parte do enorme caldeirao de trocas e in- teragGes do universo que permite vida. Ona’ é também poderia ser valida para um comerciante que ven- desse seu produto por engano por um valor abaixo do mercado. Neste caso, por exemplo, os rabinos nao restringiam o tempo para dar-se conta do engano apenas dquele necessario para achar um pe- tito, Uma vez que o vendedor ja nao detinha mais a posse do pro- duto, tinha direito de tempo irrestrito para provar ter sofrido de ona’ &. O mais importante elemento para os rabinos que garante a pos- sibilidade de transagées reais feitas com chaiei nefesh (dinheiros-vi- da) é 0 acesso a informagées. Desde que ambas as partes envolvidas num gesheft tenham acesso a informagées sobre 0 mercado, sua de- cisdo serd pertinente ao mercado e um dado real para a definigdo do prdéprio mercado. Afinal, se levarmos em conta que o consumidor ideal imaginado pelos rabinos é aquele que conhece os valores nas diversas dimens6es, quem melhor para regular pregos? za EM BUSCA DO PRECO REAL — DINHEIRO E PRECOS NEGATIVOS Existe um outro elemento além da relagdo demanda/oferta a ser considerado na busca para encontrar 0 prego justo. A importncia da busca do preco justo é tarefa sagrada que envolve o sdbio ¢ 0 justo inteiramente. Portanto, 0 seguinte controle extra dos pregos era im- posto pelos rabinos: assagat g’vul (apossando-se dos limites). Este conceito € derivado da prescricéo biblica (Deut. 19:14) contra remo- ver-se a demarcacdo de terras de outra pessoa para ampliar as suas. Ou seja, a Tord nao considera este ato apenas como contido no con- ceito de roubo, mas envolyendo, além do ato de apossar-se de algo -145- indevidamente, a invaséo no sustento do outro. A terra que deixava de ser cultivada pelo verdadeiro proprietaério representava um custo acional de perda ‘untamente com o valor real da terra. Neste sentido, a Biblia recontece na terra um bem de uma ordem diferente que produz por si sé e interfere na prosperidade de uma forma mais complexa que outros bens. Este conceito, portanto, expressaria que os pregos trazem em si nao apenas o valor de algo mas a sua responsabilidade de custos para o Mercado, Imaginemos, por exemplo, um produto que em sua fabricag4o acarrete poluig&o de rios. Se além de seu valor de custo para ser produzido fosse adicionado 0 custo que este produto acar- reta ao meio ambiente, como para a limpeza de rios, seu prego se aproximaria do real. Estarfamos, assim, computando os pregos ne- gativos, ou os pregos-sombra, que cada produto traz em si. Esta- riamos também penalizando em custo 0 ato de assagat g’vul que € cometido ao se produzir tal produto. Alguém que nao utiliza tal produto ou nao necessita dele nao sofreria assim perdas de seu meio ambiente. No preco pago pelo produto estaria inclufdo 0 custo de limpeza que a indiistria fabricante do produto teria que repassar no sentido de compensar a “‘invasao do terreno alheio” (assagat g vul). Desta maneira, cada consumidor assumiria os custos em tantos mundos quanto lhe fosse possivel vislumbrar. Seu ganho seria o de que todos, agindo desta forma, ampliariam a intensidade de justiga, racionalizando e melhor responsabilizando os pregos do Mercado. Nada é proibido a principio ao consumidor, desde que este assuma total responsabilidade pelo custo de suas aventuras. De alguma maneira, realizamos isto com os impostos que paga- mos aos 6rgdos organizadores dos espacos sociais e publicos. Os ra- binos entendiam que toda a transagéo deve assumir total responsabi- lidade por suas conseqiiéncias, e quanto mais estas fossem repassa- das para o individuo, e nao para instituig6es, tanto melhor. Os rabinos entendiam que a prépria definicaéo de Mercado tem a = 146 - ver com esta incrivel interconex4o de tudo com tudo, de todos com todos. £ impossivel mexer aqui sem perturbar ali e criar uma nova harmonia. E buscar o prego justo é€ uma tarefa que tende & impos- sibilidade. Nossa tentativa de encontré-lo exige tanta consciéncia © sapiéncia sobre as conexGes deste universo que o prego justo, idilicamente justo, € em si a explicagao da razio de tudo, inclusive de nossas vidas. Afinal, 0 prego cosmicamente acurado teria de le- var em conta e priorizar tudo em fungdo desta infinidade de correla- gdes do universo. O valor de algo definido em relacéo ao grande Mercado é um elemento com o qual se poderia decodificar o préprio universo. f Esta € a razio pela qual os rabinos recomendam al tifrésh min ha-tsibur — nao te afastes do coletivo (da sociedade ou, diria, do Mercado). Tal € a natureza da vida, dos valores e do que faz senti- do, que absolutamente nada tem valor. O prego de algo sé pode existir no Mercado; fora deste nao hd prego e nao ha valor. Este é um mundo onde luz e escuridao nao existem separados um do outro, onde um define o outro. Um prego justo define algo em relagao a tu- do mais. De alguma forma, um prego ou um valor sao sinais de vida e vitalidade. Em planetas onde houver qualquer forma incipiente que seja de vida, haver4 valor e precos. Os dilemas do bolso sao em si o confronto da vida com sua definigdo. Pois que a prioridade decidida no bolso exprime valores e compreensao de si mesmo. O somatério de nossas decisdes de bolso estabelece relagdes que sao reais, tio reais quanto algo pode ser. Esta é a realidade do que é — seu preco, N&o do que poderia ser ou do quererfamos que fosse, mas do que naquele instante recebeu como prego-relagio com o Tudo Mais e fez-se um valor. Os pregos arrancam dos mundos da sutileza e do oculto infor- magées que materializam realidade. E no saber realmente buscar to- das as informagées que os justos organizam seu tempo e estabelecem de que forma querem “‘gastar” nesta vida. Quanto maior a certeza dos valores, mais corretos se tornam os precos e mais sentido é adi- aii cionado 4 vida. Quem conhece os pregos vive sua vida sem a sensa- co constante de angiistia originada na diivida de termos feito maus negdcios com a prdépria vida. Poucos séo os que compreendem que realizar remarcagées de precos predatérias para o Mercado resulta em muita confusao de valores e atua contra a vida (she-Id le-chaim!). LIDANDO COM PRECOS Os rabinos nos ensinam como lidar no dia-a-dia com a enorme variedade de situagGes relativas a pregos. Alguns exemplos colocam em perspectiva a mentalidade rabfnica: “Rabi Safra estava rezando as oracées da manha quando um cliente aproximou-se interessado em comprar seu jumento. Porque Rabi Safra recusou-se a interromper sua concentragdo, ndo res- pondeu. O cliente interpretou seu siléncio como que desaprovando o preco oferecido. Por isto elevou sua oferta. Como o rabino, mes- mo assim, nao respondesse, elevou ainda mais sua oferta. Quando Rabi Safra concluiu suas oragoes, disse ao cliente: ‘Eu decidi vender para vocé meu jumento pelo primeiro prego que vocé mencionou, mas ndo quis interromper minha reza para falar de ne- g6cios. Por isto pode levd-lo pelo primeiro prego, nao vou aceitar as ofertas mais altas’ . Rabi Safra consegue assim manter-se consciente do prego justo evitando a tentagio voraz de aproveitar-se de uma situagdo. Bons negociantes sé se aproveitam de uma situagao quando esta é uma “situagao real”. Quando representa apenas uma vantagem temporé- tia, cujo custo é a perda de confianga e fé no mundo das trocas, con- segue perceber que esta é uma ‘‘falsa oportunidade”’. Ao mesmo tempo, os rabinos consideravam que os atos de be- nevoléncia para cooperar na constante busca de pregos justos deve- — 148 - tiam ser muito bem elaborados para que nao fossem contraprodu- centes. Eles sabiam que o mercado nao é lugar para ingenuidade: “O sébio Shmuel costumava armazenar comida quando seu Prego estava baixo. Quando ocorria de os precos subirem, vendia seus alimentos por um preco barato aos pobres. Ndo demorou muito e chegou a ele a palavra de outros stbios pedindo que parasse com este procedimento. E qual a raztio? Sua atitude de armazenar poderia por si prépria causar a ele- vacdo dos precos, e, uma vez que precos tenham sido elevados, permanecem elevados’’ . Outra preocupagao dos rabinos dizia respeito ao proprio produ- to. Da mesma maneira que hoje os cédigos de defesa do consumidor exigem fidelidade para com o que é anunciado sobre um produto, os rabinos nao cansavam de alertar sobre a questo de pesos ¢ medidas. Na prépria Biblia a recomendagfo para que houvesse uma uniformi- zagéo de pesos e medidas, além, obviamente, de honestidade na sua medigao, é repetida tanto em Levitico como em Deuteronémio, Na Mishné (B.B.5:10) os rabinos explicitam: “Um grande distribuidor deve limpar a sua balanca ou a medi- ¢do de seu metro cada trinta dias, e um pequeno, de doze em doze meses. Raban Shimon ben Gamliel dizia o contrério: ‘Um pequeno distribuidor deve limpar mais freqiientemente, pois, pelo ndo uso, sua balanga tem a tendéncia a ficar mais empoeirada ou pegajosa e, portanto, sem fidelidade’ . Além disto, os donos de loja devem limpar suas medidas duas vezes por semana, polir seus pesos uma vez por semana e limpar os pratos das balancas depois de cada medi¢do’’ . Os rabinos sabiam que este também era um controle dificil, Muitas vezes se perguntavam se deveriam alertar a populaciio con- “149 — tra os possiveis golpes que costumavam ser aplicados. Rabi Iocha- nan dizia: “‘E diffcil para mim falar sobre falsas medidas e também é dificil nao falar. Se entro muito em detalhes sobre a arte de medir, os mal-intencionados podem fazer uso deste conhecimento; ao mes- mo tempo, se nao é deixado claro a eles que conhecemos seus tru- ques e que a populagdo pode conhecé-los, nos tomarao por tolos e continuaréo com suas praticas’’. Rabi Shmuel comenta posterior- mente que Rabi Jochanan decidiu-se por revelar seu conhecimento a partir de um versiculo de Oséias: “Os perversos serao capturados em suas proprias redes’’. A informagao ainda é a maior das defesas contra os ‘“‘perversos” do mercado. PREGO E QUALIDADE DE VIDA — POLUICOES DE TEMPO E DE VIDA Como vimos acima, os pregos negativos deveriam ser impostos com a intengéo de responsabilizar cada produto por sua verdadeira relagao com o mundo vivo. Na realidade, séo os precos que acabam por impor o nivel de qualidade de vida de uma sociedade. Para que Os pregos possam ser taxados, é importante estabelecer critérios de conexdo entre um produto e as conseqiiéncias de sua produgao. Co- nhecido como ge’ri d’ lei (conex4o direta) é 0 conceito de relacionar responsabilidades a atividades econémicas. No Talmud, um dos exemplos utilizados sobre ge’ri d’lei esta no relato sobre Papi Iona, que conseguiu vencer uma causa contra produtores de dleo de gergelim nas proximidades de sua casa, sob a alegagio de que o método de produg4o gerava tanta vibragao que balangava sua casa. Outra causa extremamente ilustrativa é a levantada por Rabi Meir Abulafia em que pessoas de uma vizinhanga poderiam impedir o funcionamento de alguma atividade econémica que gerasse trdfego nas redondezas. Congestionamento de tréfego gera dois problemas =150- distintos: poluigdo sonora e poluigéo de tempo. Neste caso os rabi- nos observavam que a criagao de “‘poluigéo de tempo”, ou seja, o atraso e a perda de tempo gerada pelo transito a varios individuos, era a mais objetiva causa para se imporem sangOes a atividade res- ponsdvel pelo problema. Numa sociedade, os individuos podem decidir compartilhar as despesas, assimilando os pregos, por exemplo, do tréfego nas vias pliblicas. No entanto, talvez fosse responsabilidade de certos neg6- cios incluir pregos negativos em scus produtos com o objetivo de aliviar situagGes de congestionamento. Talvez algum produto viesse a custar mais caro para que parte de seu preco fosse repassada na construgao de altemnativas de transito que nfo gerassem “poluigéio de tempo’’. Novamente, os impostos s6 cobririam 0 custo do direito minimo de criar transito. Todo individuo ou instituig&o que criasse niveis de “‘poluigéo de tempo’ acima dos compartilhados pela so- ciedade, e cuja responsabilidade de custo recaisse sobre impostos, teria de arcar com o 6nus. Estes critérios de conexdo sao indispensdveis e deveriam ser cultivados culturalmente. Pelo menos, deveriam sé-lo por aqueles que se consideram parte da imensa Multinacional dos seres vivos, =151- COMPETICAO Como temos visto, os rabinos acreditavam, nos tltimos dois mil anos, numa economia de mercado. Encontravam na competigao ho- nesta a propria arte sagrada de estabelecimento de pregos, de merca- do, de sentido e de vida. Na Mishné (B.M. 4:12) encontramos: “Rabi lehuda disse: Um vendedor ndo deve dar améndoas para criangas (enviadas por suas mdes para fazer compras), pois isto as encoraja apenas a ir a suas lojas, criando assim competigées des- leais. Porém os sdbios pensavam diferente ¢ permitiam. oe Nem deve um vendedor criar ofertas abaixo do prego de mer- cado. Porém os sébios diziam que, se alguém procede desta maneira, deveré ser lembrado seu nome para o bem’’, Os limites da competicao se encontram em varios dos conceitos que acima mencionamos de nao lesar por roubo ou assagat g’ vul (invadir 0 sustento do outro) e na constante preocupacao da eleva- cao dos nfveis de riqueza do mundo, Forte também € a postura dos rabinos em condenar praticas de monopélio. No Talmud menciona- se uma familia especifica cujo nome deveria ser apagado da meméria por ter guardado segredos, impedindo assim competicéo honesta em suas dreas de producao. = A competigao € na realidade uma das prdticas de interagfo do mercado, Se aquele que compete nao perde a nogao de que o faz pa- ra “competir’’ e de que esta palavra é raiz também de “competén- cia”, ajuda a estabelecer um ecossistema indispensdvel ao mercado e a troca, -153- Th oye ols calls warts thr vobshre: ana sgh Hest sets Sait bias Shssotg ntiwgit se ap MRS esidis 20 atiyo%h “Hust > Rog aiton wis, cattdins) tae, Biers Be onc to oak bt: ob’ worn oup Heratene> o (Gio Ob olaene > Tibavni) set .obnem of exoupin ab aovin. sob oly F ob deniiieg saristvioa msg puiliasass silat maause ny Sees easth ons ils Gigubony at unt Sbehileen ae 4 obpHopsee A nk beg ofa plognns sep sleupe of obese: evvel } vial wirsieleaoss aur saqalodaien « Rhus < "Ht nage” & fates ap Boe & een 3 7 c : : VII - AGENTES DA PARNASSA (SUSTENTO) MAZ’L —SORTE “Pode-se ter de tudo, desde que nfo seja contra a vontade de D’us.” Na tradig&o judaica, a bissale maz’! (um pouco de sorte) faz to- da a diferenga. Mais vale um grama de sorte do que um quilo de ou- ro, diz 0 ditado em fdiche. Mas o que vem a ser sorte’? Uma tradigao que enfatiza tanto a interconexdo e a responsabilidade de tudo para com tudo nao pode pretender um conceito que significa estar, por acaso, no lugar certo na hora certa. Seria admitir elementos de caoti- cidade e aleatoriedade, que, se por um lado parecem explicar —156- muito do mundo na sua dimens&o mais compreensfvel ao intelecto, Por outro rompem com a possibilidade de ashgacha (supervisio césmica). Afinal, alguém dispensa sortes, ou elas sio produto do acaso? Na tradig&o judaica, maz’l, traduzida como sorte, tem na sua origem hebraica o sentido de “destino”. E o destino, segundo o Talmud, est “todo nas maos de D’us, salvo a reveréncia a D’us”, Esta € toda a abertura ou todo o espaco ao qual est limitado 0 livre- arbitrio e o acaso — a teveréncia a D’us ou nio. Dificil de entender, esta afirmagao esclarece que nossa liberdade est4 em poder (ou que- Ter) ver 0 que nos acontece por um determinado prisma. Nosso maior problema € perceber que este pequeno ¢ limitado espago para 0 acaso € basicamente a dimens4o toda do mundo fisico e material. Quando o Talmud exclui tudo da dimensio do acaso, faz referéncia a tantos e complexos ciclos de retorno e dimensdes, que tudo no mundo concreto torna-se um detalhe, uma casca fina e fragil que se faz fenémeno na realidade do corpo e da matéria. Os seres humanos vivem num meio ambiente de matéria, exata- mente onde podem ter acesso a decisées ¢ livre-arbitrio. E neste pla- no que decidem entender o que lhes acontece como existéncia, de maneira a reverenciat e ver ou ndo reverenciar e nao ver. E isto é somente 0 que importa. Mais adiante analisaremos com maior cuida- do as implicagGes do que importa, ao abordarmos o nio estar mais neste plano material e 0 conceito de “bens no mundo vindouro”. A chamada sorte € uma miragem provocada como efeito de borda da vida no meio ambiente da matéria. Estar no lugar certo na hora cer- ta, ou no lugar errado na hora errada, é uma possibilidade na dimen- sao da matéria. No entanto, nao € desta sorte que derivamos o conceito'de maz’l. Maz’l € um pequeno milagre, residuos do Milagre no qual estamos imersos, que pode ser num determinado momento evocado. E, portanto, a transformagéo de segula, do “tesouro”, em “hora certa, lugar certo’’. Como se estivéssemos (/e’avdil. . . que seja dife- -157- renciado!) brincando com esses jogos computadorizados em que de tantos em tantos pontos somos bonificados com o direito a desapare- cer da tela, ou a ficar invulneraveis ou recriar um cendrio na tela mais propicio ao jogador. Percebe, porém, aquele que joga que ser levado a utilizar-se deste recurso nem sempre éa melhor maneira de jogar, pois perdem-se muitas oportunidades a cada mudanca de ce- nario ¢ as mais altas pontuagées sao daqueles que esgotam ao maxi- mo as possibilidades sem recorrer a bonificacao. Também é verdade que utilizé-las, muitas vezes, permite continuarmos no jogo. Bee a bissale maz’! (um pouco de sorte) é algo que € bom ter, as vezes apenas saber que se pode contar com ela ja é importante por si s6. Gastar demais maz’! também é algo preocupante, como vimos acima na associagio com a toda da carruagem cujo ponto mais alto num instante é, ao mesmo tempo, 0 inicio da descida. Esta é a razao pela qual um pouco de anti-sorte (de azar) € bem-vindo na tradigao judaica. Quando alguém deixa cair um prato no chiio e este se que- bra, dizemos: “maz’l t6v!’”’ (boa sorte!). Ou seja, que bom vocé nao ter desperdigado sua sorte para que 0 prato nao quebrasse. . . seria um yerdadeiro “desperdicio”’. F aqui que o verdadeiro sentido de maz’l comega a aparecer: 0 que vale a pena gastar com maz’le o que deve ser comemorado co- mo maz’l pela capacidade que tivemos de nao esgotar segula por coisas que nao valem a pena. Discernir 0 que vale ser percebido co- mo maz’l ¢ 0 que € autoglorificaco por coisas de menor importancia ésimilar aexercer 0 direito de ter reveréncia ou nao ter reveréncia. Esta € a maneira com que podemos também resgatar um pouco da ironia que nos permite agradecer pelas pequenas coisas ruins, os pequenos azares, que de alguma forma aumentam a nossa sorte. Sorte é, portanto, relativa. Sorte € também poder té-la no momento certo para a coisa certa, Sendo assim, nem todos conseguem perce- ber a “sorte” como sorte, e muitas vezes o que chamam de sorte po- de muito bem ser um azar. Muitas vezes encontramos os rabinos acionando a sorte para que -158—- esta se complemente e permita que-algo que deve acontecer acontega sem maiores distirbios ou demoras. E o iiltimo esforgo que permite apressar um processo que se concluiria de qualquer maneira. Por is- to, a maz’! por um lado no € idolatrada, por outro € muito bem-vin- da no momento certo para a coisa certa. Se buscdssemos uma explicagéo mecanicista dos rabinos para explicar sua existéncia, estes nos refeririam ao quadro de sustento que vimos acima. Maz’l € quando, desaparecendo desta dimensao, “uma necessidade vai a outros mundos em busca de sustento e, ao retornar a esta mesma dimensio, reaparece como algo m4gico. Como se orquestradas, parecendo ter sido planejadas com requinte, as coi- sas se ajeitam de maneira surpreendente. E assim é — nao compreen- demos, pois a necessidade foi a outro mundo que ndo acompanha- mos visual ou intelectualmente. Mas como encontrar a sorte quando necessario? -159- EVOCANDO A SORTE Evocar a sorte é algo possivel, desde que se tenha posse de al- gum conhecimento. E é sobre este conhecimento que nos contam os rabinos: “Rabi ltschak vivia na cidade de Cracévia e era muito pobre. Aconteceu que por trés noites seguidas sonhou com um enorme te- souro escondido sob uma ponte na distante cidade de Praga. Pela insisténcia do sonho, resolveu ir a Praga em busca do tesouro. Ao chegar ao local, descobriu que a dita ponte era patruthada dia e noite por soldados do rei. Ficou circundando o local até que 0 ca- — 160- pitéo da guarda veio a ele saber o que queria. Rabi Itschak entéo contou sobre seu sonho. ‘Vocé quer me dizer que acredita em sonhos como este! ”, riu dele o capitéio. ‘Se eu acreditasse em sonhos, entéo também teria que ir até a distante cidade de Crac6via e encontrar um rabino, um tal de Itschak, porque sonhei que um grande tesouro estava enter- rado debaixo de sua cama!’ Rabi Itschak agradeceu ao capitéo, voltou para casa e encontrou 0 tesouro sob sua cama’ . Sobre dois pontos nos esclarece esta histéria, O primeiro, de que certos indicios apontam, para os que os conseguem discernir, formas de se chegar a “tesouros”. O segundo, de que estao todos enterrados nao s6 na propria casa, sendo que debaixo da propria ca- ma, na-esséncia de cada um. S6 tera sorte aquele cujo tesouro en- contrado for tesouro de sua casa. O tesouro de fora de sua casa nao Teverte em sorte, mas em muito azar. O tesouro de casa é 0 tesouro interno — as possibilidades de verdadeiro prazer e aproveitamento de vida que podem tornar qualquer experiéncia externa em fonte de sorte real ou de ironia. O sabio evoca a sorte do seu interior e nao de algum poder pa- ralelo ao Um, existente no lado externo. O sdbio busca no tesouro “debaixo de sua cama” a abertura para olhar 0 mundo e influen- cid-lo com seu olhar de maneira a ter maz’. E, como se por milagre, a bissale maz’l (um pouco de sorte). De onde veio? Do tesouro sob a cama e nao de um tesouro projetado em lugar distante, inacessivel no espago. Inacessivel por falta de conhecimento, sim, nunca por distancia, auséncia de oportunidade ou simplesmente por anti-sorte (azar). Estas, na verdade, sao as justificativas do nebech (do coita- dinho dentro de cada um de nés). O nebech é a energia que cons- tantemente coloca mais terra sobre 0 tesouro sob nossa cama. O ne- bech enterra mais ¢ mais profundamente o tesouro, de tal maneira que, para muitos, chegar ao tesouro se transforma em tarefa quase impossfvel. —161- MELUCHIM — ANJOS Tudo o que estamos dizendo sobre a sorte & como se estivésse- mos estendendo 0 conceito de interconexfo que existe entre todos € tudo, no mercado fisico © material da natureza, para uma intercone- xdo de um Mercado que transcende a barreira de todos os mundos. Pois é esta conexao que nao vemos e que nao entendemos que faz “baixar” situagdes e ocorréncias que nos surpreendem. Por isto, quando menos esperarmos seremos balangados em nossas vidas por alguma coincidéncia ou sincronicidade que nos deixar intrigados. Sao situagdes deste plano que se elevam e sofrem influéncias de ou- tros planos e, ao voltar, nos surpreendem pela descontinuidade desta —162— . \ tealidade que representam, ao mesmo tempo que so muito perti- \ nentes a esta realidade. Na verdade, nunca abandonaram 0 espaco da Realidade que nés, sim, de nossa parte, atrofiamos e reduzimos 4 pequena realidade. Um destes fendmenos s&o os anjos, Em hebraico, “anjos” (me- Jachim, na promincia fdiche, meluchim) significa, literalmente, “en- viados ou agentes”. Os anjos so elementos conectores entre a reali- dade pequena e a Realidade. Nao so seres, mas “motivacdes” dos outros mundos que se incorporam em pessoas, situacgdes ou oportu- nidades. Sao na verdade os agentes das sortes e dos azares como nés os vemos aqui deste lado, no mundo da Assid. Na tradi¢fo rabinica (G. Raba 50:2) € esclarecido: “Um anjo (malach) nunca realiza duas missdes, da mesma forma que dois an- Jos nunca partem para realizar a mesma misao”. Cada “‘motivagio” se expressa de mundo a mundo com enderego certo, pois foram atrafdas e cativadas desde este plano em que vivemos. Em outras palavras, cada um de nds pode ser tomado por estas “‘motivacées” e torar-se um agente, um intermedidrio entre mundos. Sem que sai- bamos, acabamos apresentando pessoas a pessoas, pessoas a oportu- nidades, por nossa causa as levamos a estar em certos lugares, ou a nao estar. Quantas vezes nio descobrimos, para total espanto nosso, que alguém nos considera muito, pois fomos fundamentais em seu Pprocesso de vida? E muitas vezes nem sequer sabemos ao que esta pessoa esta se referindo. O que nos ocorreu foi produto das interco- nexdes, onde fomos feitos mensageiros ¢ agentes de sortes e azares. Fomos feitos anjos e cumprimos com nossa missao intermediando para as “‘motivagdes’’. Estas motivagdes vém desde a segula e do zechut e nos abaste- cem com abundancia ou atestam nossas caréncias. Este conto chas- sidico menciona com clareza as interconexées e comenta sobre a criagdo de anjos (motivagées): “Disse o Keretzer: ‘Aquele que auxilia outra pessoa cria o —163- anjo Azriel (literalmente, Ajudante — azt — de D’us — el). Aquele que contribui para tsedaké (justiga) cria anjos Tsadkiel (literal- mente, Justiceiros — tsadk — de D’us — el).” De alguma forma, ao agirmos em interconexao consciente ele- vamos para outros mundos intengdes que tetornam como motiva- gdes. Se prestarmos ateng’o, estas intengdes j4 séo motivacdes até mesmo neste plano, mas sera apenas quando nos retornarem como anjos, agindo sobre nés mesmos, que perceberemos sua existéncia, para nosso espanto e diivida. Este € na verdade o elemento mais atemorizante do dar-se conta desta Realidade. Percebemos que nem sempre estamos indo para os lugares que estamos indo pelas razGes por que pensamos estar indo. Somos seres interativos, de uma maneira muito mais intensa e dina- mica do que podemos imaginar. Tao forte é isto, que aquele que se aprofunda pode sofrer as conseqiiéncias da confusao, pois ha fortes tens6es que tendem a dissolver 0 ego. Quao interativos somos nao faria o menor sentido para nossa percepgao de “eu’’. Por um lado nos encontrarfamos “sem pai nem mae”, sem referéncias, no mundo dos significados; por outro, ficarfamos deslumbrados com a unicida- de de significado. Afinal, no né das interagdes reside o Prego Justo, célula real do Mercado, local sagrado dos sagrados. Que o Eterno nos coloque véus até que possamos realmente enxergar! No mundo dos negécios, do gesheft, as “‘motivagées”’ tém trafe- go intenso. Sao elas que no dia-a-dia, na interagéo nossa cotidiana, se expressam em sustento. Nés mesmos nos fayorecemos com opor- tunidades uns aos outros. Porém, como ja explicamos acima, sus- tento n4o quer dizer “‘riqueza material”. Desta forma, seriamos anjos de sustento, na maior parte do tempo, para os ricos que, por alguma razao, seriam interesse maior das motivagGes. Mas nao é tao simples ou mecanico assim: = 164— “O Rabi de Rimanov sonhou que havia ascendido aos céus e que ouviu um anjo que suplicava ao Eterno para permitir-lhe trazer riquezas ao povo cd embaixo. Ele dizia: ‘Vé quao piedoso € Teu Povo e em que miséria vive. . . Libera para eles riquezas e Te sero mutitas vezes mais devotos.’ } O rabino entéo inquiriu 0 nome deste anjo e lhe disseram: ‘Ele é chamado de Sata.’ O rabino mais que de repente exclamou: ‘Deixa-nos em pobre- za, O, Eterno! Guarda-nos dos 'favores de Sata’ ’” O Rimanover sabia que muitas vezes 0 sustento ¢ a Tiqueza nao s4o produtos de interconexdes favordveis. Nao é raro que sejamos também mensageiros de motivacées que trazem mensagens ruins, Transformamo-nos entio em mensageiros de Sata — de obstdculos para uma vida realmente mais rica, Cada ganho, cada sorte, cada sustento deve vir-nos sem sensagGes duibias ou coragGes divididos, Pois se assim sao, melhor desconfiar que, em vez de riqueza e sus- tento, talvez sejam empecilhos a riqueza. —165- SEA cexdiaaliens IO. owt Gh eoesitprs iri ‘sang ES HO AEP aRapRATERIooes Leap RAvRO Ta wopopnunes omditie 2OlERRA Sty PUR. ats wilt pbeinee ete: oie soavenycrnsenr seit amNaT hie SRD hon sik teahiless abt ends grex~ Stabe it tio’ 8 Lari aeplmae nts Gel abe biol toee jp tone Seabee: vabattainan aca VIII - EMPECILHOS A RIQUEZA — O OUTRO LADO O “Outro Lado” € a denominagao que a tradigao judaica dé ao que € demonfaco. No entanto, como haviamos observado na “Die- ta’, ndo se trata de qualquer tipo de entidade independente, mas como 0 nome diz — 0 outro lado. Talvez, para 0 rabinos, Sata pudes- se ser traduzido como “efeitos colaterais’’. Olhados pelo ser humano ameacado, muitas vezes maltratado, os “efeitos colaterais” da vida, ou © outro lado, parecem ter uma vida propria ou uma sagacidade que, mesmo aos mais esclarecidos, volta e meia reacendem diividas quanto A sua existéncia personificada. Esta sagacidade nada mais € do que a prdpria natureza do Outro Lado, que € exatamente o outro lado das experiéncias na vida material e fisica. Quanto mais intensa a vida, quanto mais complexa, quanto mais a perder, mais intenso € — 168- o Outro Lado, Quanto mais luz» mais nitida a sombra, que é efeito exatamente de matéria exposta a luz. Esta € uma das dificuldades de sermos, ou estarmos, em corpos.. As religiées por milénios expressam esta nogao de aprisionamento & realidade ffsica que a tudo transforma de modo que se possa com- preender, coisificando ou buscando materializar. Quando vemos as Cores, esta é uma apreensao da matéria de algo que no € necessé- riamente verde, azul ou vermelho. E tudo que é apreendido pelo corpo esta fadado a deixar de sé-lo pela propria condigdo de finitude da vida. O verde, portanto, contém em si um saudosismo de que nao sera para sempre verde. Ou seja, a “perda’’ é parte da mesma reali- dade de “ter-se” no mundo material — é seu outro lado. Este “outro lado” (Sitra Ach’ra) nao é, portanto, exorcizdvel enquanto mundo fisico. Esta € a razdo pela qual a dita “vida espiri- tual” € tao importante, pois tudo que é do espirito est isento de ou- tro lado. O que diz respeito & alma ¢ ao crescimento espiritual nao causa sombra e pode-se “ter” sem expectativas de perda. Este € 0 nosso elemento divino — “imagem e semelhanga’”’. Elemento que nao € perdido nem com a morte, e veremos isto mais adiante, no capitulo “Deste Mundo Muito Se Leva”. Por isto a prosperidade nos 6 tao complicada. E, sem falsos mo- ralismos, a riqueza nao evita nem um pouco os elementos de angtis- tia e antagonismo do mundo fisico. Neste sentido, nao existe dife- renga nenhuma entre riqueza e pobreza. E dbvio que a miséria € um mal que destrdi, pois impossibilita que se possa fazer parte do Mer- cado e de suas incriveis oportunidades. Mas a pobreza, que também € um elemento fisico, da matéria, s6 diz tespeito a um tinico mundo do Mercado. Rico e pobre, portanto, também sio percepgoes, tais como as cores, apreendidas pelo aparato da matéria ou do corpo. No entanto, se por um lado a riqueza material nao representa qualquer vantagem ou superioridade em outros mundos sobre a po- breza, por outro pode ser um grande empecilho a prosperidade em outros mundos. —169- Dizia o Rabi de Chernobil: “Entre pobreza e fortuna, sempre optei por pobreza. E a me- | thor protegdo contra o egoismo e contra os defeitos do esptrito. E, na verdade, o que hd de mais barato e mais facilmente adquirtvel. | Portanto, um bom negécio. A pobreza permite ndo ter que lutar de- sesperadamente contra a inveja e a competigdo; nao ter que dar satisfagées a ningwém nem lidar com suspeitas; e faz com que seja- mos compreendidos pelas pessoas sem a necessidade de justificati- vas ou explicacées. Eu peco, meus amigos, ndo me privem de tal te- souro!”” A prosperidade é dificil. Ela nos joga na cara a todo instante o efémero da vida, camufla os momentos de descida da ‘‘roda”’ e muitas vezes nos faz perder tempo, muito tempo. Esta nao é, ao mesmo tempo, uma apologia da pobreza, mesmo porque os rabinos sAo claros e objeti- vos —a prosperidade do mundo é um mandamento, E umalerta para que qualquer momento de prosperidade seja tratado com muito cuidado, pois so os maiores empecilhos a riqueza. Se vocé estiver prosperando: primeiro, “Maz’l Tév!” (parabéns!) e, imediatamente depois, busque ajuda! Primeiro, curta; depois, procure rapidamente engajar-se em es- tudo, tsedaka etc. O Rabi de Tsechiv muito apropriadamente comenta- va sobre a béngao de Aarao em Niimeros 6:24: “ ‘Que o Eterno te abencoe e te guarde’. Por que ‘abencoe’ e ‘guarde’? Entdo aquele que é abengoado jd ndo obtém tudo? Mui- tas vezes a prosperidade traz junto consigo coisas ruins, por esta razdo os sacerdotes abengoavam assim. Desejavam que féssemos ‘abengoados’ pela prosperidade, mas que também féssemos ‘guar- dados’ , protegidos dela’’. Daqui podemos derivar uma importante compreensao sobre a complexidade da vida. Ha uma parceria constante entre este mundo -170- e€ outros, entre o ser humano e a divindade. Pois a béngao nao € 0 estado de graca, nao € nela que se completa a expectativa humana de viver \a vida. E no “guarda-se” que se estabelece um contato entre céus e ter- ra. E da manutengio de portas abertas para outros mundos que advém fé e capacidade de esperanga. Nosso desejo, portanto, nao é apenas es- perar que estas se abrame despejem sobre nds béncdos, mas de apren- der pacientemente a abri-las para um mercado de investimentos muito maior do que aquele que percebemos na dimensao material. Guardar-se é, portanto, o complemento da béngao, que, como vimos, nao determina que se é especial ou ‘‘gostado”. Aquele que é abencoado muitas vezes cai na armadilha de achar-se especial. Quantas pessoas nao criam a partir de suas béngaos materiais vis6es de mundo que, na verdade, sao empecilhos para seu real enriqueci- mento? Leia com cuidado esta histéria chassidica explicativa de por que muitos justos nao s&o tao abengoados quanto outros que podem até ser perversos: “E como um rei que tem dois filhos. Cada um vem receber seu presente diante do banquete real. O primeiro filho, basta aparecer na porta do saldo, e pronta- mente é visto e seu pedido atendido. O pai tem pouca consideragao por este. filho e fica incomodado apenas com sua presenga. O rei manda que seus pedidos sejam dados na porta para que ndo tenha que se aproximar da mesa. Entdo se aproxima o filho amado. O pai experimenta um enorme prazer com sua chegada e néo quer que se va tdo prontamente. Por esta razdo o rei demora em conceder-lhe os pedidos, na expectativa de que seu filho se aproxime ainda mais Dele. Tao logo o filho chega, percebe a extensao do amor de seu pai e ndo se acanha até mesmo em servir-se da prépria mesa do ban- quete’’. =I171- Ah... se os abencoados com a prosperidade percebessem os / que sio guardados, os que atendem a prépria mesa. .. Os “suarda- dos” so os que passeiam pelos outros mundos, conhecendo seus mercados € investindo nestes. Talvez possamos até mesmo imaginar uma gradaco que relacione béngio com “guardar”. Que permita entender 0 tipo de investimento possfvel com as béngios que nos chegam para que estas resultem também em “guarda” divina, O que se segue, portanto, é um figuracdo da tabela de possiveis investimentos nos diversos mundos: espago da BENCAO espaco de MANIFESTAGAO EM “TE GUARDE” MUNDO. RIQUEZA INVESTIMENTO ASSIA NECHES (bens materiais) TSEDAKA IETSIRA SEGULA (tesouro) GUEMILUT CHASSADIM BRIA ZECHUT (mérito) KEDOSHIM TIHIG ATSILUT | LISHMA (sem representacao ESTUDO de ganho) | (vide tabela na pagina 46 para comparacio) __ Sao, portanto, os seguintes os investimentos: No munto material, através da tsedak4, da taxacio Tesponsdvel das transag6es e da riqueza, obtém-se assentamento do mundo e en- tiquecimento do mundo. Desta maneira amplia-se NECHES, bens. No mundo da emogdo, 0 investimento é guemilut chassadim, ou atos de carinho para com os outros. Diferente da isedakd, que € um ato de justiga e, portanto, uma obrigagéo sem a qual nosso dinheiro contém roubo, guemilut chassadim & 0 que chamamos de ‘“‘carida- -172- de’. So gestos de preocupagiio com os outros que partem da proje- gao de amor ao outro e da identificag4o do outro como sendo nés mesmos. Guemilut chassadim abre as portas do mundo emocional, Desta maneira ampliam-se os TESOUROS, que poderao ser utiliza~ dos em momentos de necessidade. No mundo do espitito, o investimento & kedoshim tihidt, Esta 6 a expressao usada na Biblia para designar que o objetivo de cada in- dividuo deveria ser o de tornar-se um sacerdote, ou, literalmente, “sejam sagrados!””, A palavra “‘sagrado” em hebraico, kadosh, vem da raiz “separados”. Tornar algo sagrado, ou sagrar, € separar algo ou tomar algo diferente. Neste investimento exige-se que se ultra- passe até mesmo o nivel da ética normativa, da mais primaria, e que se opere na ética do Tsadik (do justo). No espaco de kedoshim (sa- grados), nao é necessério nem mesmo esta identificagao direta com o outro — vocé nao ama o outro porque poderia ser vocé. Vocé sim- plesmente ja internalizou este carinho para com tudo que é vivo e para com tudo que entra em interagao. Neste nivel j4 nao mais existe © conceito de perda, e a nogéo de ganho toma a forma de ZECHUT, de mérito. Aqui se cruza a barreira do que se pode levar deste mundo. Ja 0 mundo das emanagées, ao qual os rabinos se referem como “o espago vazio onde j4 ndo existe mais dircita ou esquerda”’, nao contém nem sequer ganho. Nao ha perda ja desde o nivel inferior, e aqui ndo ha também ganho. E 0 mundo de Lishmd, em que tudo é feito “em nome de’, Nao ha recompensa, nfo hd enriquecimento nem manifestagao de sustento. Ao mesmo tempo, todos os demais mundos esto sob influéncia direta e constante desta dimensio. Nas emanagées, também, a relacio nao € mais para com o outro diferen- ciadamente, nao existe 0 conceito de “benemeréncia”, nem para com 0s outros, nem para com o mundo, Nao hé mais internalizagao de nenhuma realidade ou percepgdo que é capturada e assimilada. Nesta dimensio a relagdo € 0 estudo, nao ha outro, mas UM. Para o UM o investimento € 0 estudo, Tal qual D’us fez para si a Tord — investimento desde 0 mundo mais superior que maravilhosamente -173- nos chegou como conceito. Tord de fogo que na matéria tomou nado apenas forma de palavras, mas, acima de tudo, a nogdo de estudo Lishmé — estudo pelo estudo. Conta-se que foi permitido a um rabino entrar no mundo vin- douro. No inicio teve suas expectativas frustradas, pois esperava encontrar algo grandioso, onde os justos viveriam em luxo ¢ mara- vilhas. No entanto, tudo que encontrou foram pessoas estudando, numa ieshivé (escola) celeste. Perguntou entdo: “* ‘Mas € isto que fazem? E entéo jé nao faziam isto em suas vidas terrenas?’’’. Ao que foi respondido: “‘Sim. . . S6 que agora entendem!”’ Neste ‘“‘mundo vindouro”’, estudo e compreensio sio a mesma coisa. Esta, afinal, € a dimensfio onde nfo hd outro lado, onde todos os lados foram assimilados no que é, no que existe. =174- IX- A MORTE E A RIQUEZA — DESTE MUNDO MUITO SE LEVA Acima menciondvamos que a partir da dimensio de kedoshim tihié podemos acumular riquezas destitufdas de Outro Lado. Sao ri- quezas que podem nos acompanhar mesmo para além desta dimen- sao. Na realidade, so posses sem materialidade, se é que isto nos faz qualquer sentido. Deveria fazer. . . Fagamos uma breve abstragao. Muitos individuos pensam que ter “cash” é bom, De certa forma nos parece correto, afinal com este “cash’’ estamos diante das possibilidades todas de “ter”, No entan- to, o bom investidor discordaria disto. “Cash” nao é investimento, mas uma retirada de investimentos. “Cash” s6 representa sustento momentineo. Exemplo evidente disto foi o mand no deserto, do qual D’us fazia descer o suficiente para cada dia. Quem quisesse armaze- nar mais do que o correspondente a cada dia percebia que retirava —176- possibilidades de outros, enquanto seu mand guardado apodrecia, Assim € com dinheiro sob a forma de moeda — apodrece. Somos entéo obrigados a trabalhar com o sustento para o futuro, tentando empregé-lo em coisas que néo apodrecem. Acabamos tendo “pos- ses” que nfo séo posses, mas expectativas de posse que, como in- vestimento, esperamos possam transformar-se em posse. No que investimos? Na vitalidade de outros, na criatividade de outros, na sorte de outros, em organizacao de outros e também da produ¢o constante de energia e sustento que o planeta c o sistema onde vivemos nos jogam feito mand todos os dias, Pois os rabinos acreditavam que “‘cash” pudesse ser armazenado também em intera- go. Para eles alguns dos investimentos de maior resisténcia & putre- fagdo eram os obtidos por sermos sagrados. Na Biblia, uma seg4o muito especial traz exatamente 0 cédigo secreto sobre o qual temos derivado varias das quest6es que acima abordamos. Da mesma forma que os Dez Mandamentos apresentam uma listagem de “‘investimentos”’ que o ser humano deve fazer para retirar destes sustento em sociedade, no centro do texto biblico en- contramos um trecho similar conhecido, como “‘kedoshim’’ (sagra- dos). Este contém os mandamentos para o justo, segredo oculto no texto e na realidade de como “‘investir’’ para tirar sustento na grande Sociedade — dos existentes agora, no passado e no futuro. O se- guinte nos é contado (B.B.1 1a): “Num perfodo de escassez de alimentos, 0 Rei Monobaz (impe- rador que no primeiro século se converte ao judatsmo) distribuiu “toda a Sortuna que tinha recebido de seus pais. Seus irmdos e ou- tros membros da familia real protestaram dizendo: ‘Vocé esté dan- do ndo sé 0 seu dinheiro, mas o dinheiro que vocé herdou de seus antepassados. . .’ Respondeu: “Meus ancestrais armazenaram tesouros aqui embaixo, mas eu os armazeno nos céus, pois esté escrito (Salmos 85:12): A verdade Sg crescerd desde a terra, e justiga desde os céus descerd por sobre a terra. Meus ancestrais armazenaram tesouros em locais onde podiam ser tomados por m4os humanas, mas eu os armazeno num local onde nenhuma mo humana pode chegar, pois estd escrito (Salmos 89:15): Caridade e justiga estdo junto a Teu trono. Meus ancestrais armazenaram tesouros que hoje nao thes dao nenhum juro, eu os armazeno de forma que lhes déem juros, pois estd escrito (Isafas 3:10): Os justos agiram bem, pois dos frutos de seus atos comerdo! Meus ancestrais guardaram dinheiro em seus cofres, eu guardo almas que foram salvas, pois esta escrito (Prov. 11:30): Os frutos (cash) dos justos sGo a drvore que sustenta os vivos e traz para si almas (que testemunhem em seu favor). Meus ancestrais armazenaram tesouros para seus descendentes ¢ eu Os armazeno para mim, pois esté escrito (Deut. 24:13): Para ti a justiga deve ser creditada diante de D’ us. Meus ancestrais guardaram tesouros neste mundo, mas eu os guardo para o mundo vindouro, pois estd escrito (Isafas 58:8): E d Srente de ti (no mundo vindouro) segue tua justiga (para interceder por ti).”” Temos que aprender, para sermos seres do gesheft (de negécios) do verdadeiro Mercado, a investir e economizar em todas as dimen- s6es. Aquele que fica neste mundo coletando apenas bens com mate- tialidade nfo poderdé embarcé-los para a préxima estacéo sobre a qual a tinica coisa que sabemos é ser destituida de materialidade. O corpo que por aqui fica, feito revestimento, retém junto consigo tudo que Ihe dizia respeito. Se vocé se dedica apenas a isto: cuidado! Te- 14 pouca bagagem! Contava o Mezeritzer: * “Um rei enviou seus dois filhos a um pats distante para obter conhecimentos de sua cultura e finangas. No caminho seu navio —178- Gfundou e foram dar nesse pais sém nenhuma Posse. Os dois prin- cipes comegaram a trabalhar pera sustentar-se, e tudo que ganha- vam gastavam para manter-se. Um dos principes fez um grande esforgo para viver uma vida muito simples, de tal forma que ainda tivesse tempo para estudar a cultura e as finangas. O outro traba- ‘hava apenas para sustentar-se, Passado algum tempo, 0 primeiro retornou a seu pai com muitas novidades e conhecimento. O segun- do acabou também retornando, sem poder retirar do pais suas ri- quezas. Este voltou com pouco conhecimento e as mdos vazias e obieve pouca atengdo de seu pai. Pois os principes sio almas enviadas a este mundo para obter compreensio e atos de bondade. Aquele que € esperto nao gasta to- dos os seus esforcos neste mundo em atividades ‘nao lucrativas’, e retorna com ‘novidades’. O tolo retorna com suas mos vazias”. Aqueles que conseguem enxergar isto buscam cémbio para suas Potencialidades de forma a viverem uma vida que assume kedoshim tihitt (sereis sagrados!). E por isto que o gesheft correto, o bom ne- gécio, nio é apenas o que garante nosso sustento, mas que visa o Sustento de tudo que interage conosco. Nesta dimensio somos res- Ponsaveis por tudo que enxergamos, e quanto mais enxergamos, maior nossa responsabilidade. E custa muito caro esta postura. Pois, para encontrar meios de cambiar deste mundo em circulante dos de- mais mundos, temos que encontrar formas de entrega e confianga no Mercado. E como & dificil!, . . Rabi Uri explicava sobre o midrash ém que Abraao, quando jo- vem, recusou-se a servir a fdolos e foi jogado no fogo e, por incrfvel que pareca, nao se queimou. Dizia: “‘Abrado pensou: ‘Se quero que os tdolos sejam jogados ao fo- 80, eu mesmo preciso ser jogado ao Sogo’. Esta é a razdo pela qual sobreviveu. No entanto, seu irmao, Haran, que viu que nada the acontecia, entrou no fogo e Soi por ele consumido’’ . —179- FE. necessério entrar no fogo em que, conceitualmente, quere- mos jogar nossos fdolos. Neste fogo se dé 0 cAmbio, pois descobri- mos que o que tomava a forma de fogo no mundo da matéria era feito da mesma esséncia que nosso desejo real de acabar com os {dolos. Este € 0 segredo de Abraio: reconhecer os idolos e langar-se no fogo. Pois 0 que deve ser passado no fogo ou convertido em cit- culante de outra ordem nfo € objeto da idolatria, mas nosso proprio coraciio. Este € também‘o procedimento que nos aponta a tradigao de Abraio para vivermos como parte do mundo da Assid, da maté- ria. Devemos ser muito cuidadosos ¢ portar-nos como explicava o Besht: “Quando um mergulhador se langa as profundezas do oceano em busca de pérolas, deve conservar sua respiracdo e concentrar- se apenas em encontrar a pérola. Da mesma maneira devemos pro- ceder quando mergulhamos no mundo da maiéria, do mundano, em busca da Tord — devemos tomar cuidado para nao perdermos nos- so senso do sagrado e sermos seduzidos pela matéria. Pois, se isto ocorre, sua pressdo arrasa nossa vida espiritual, da mesma for- ma que a pressdo da dgua pode acabar com o mergulhador descui- dado’. Para sermos mergulhadores cuidadosos, temos que entender que muito podemos levar conosco. Nossas oportunidades de investi- mentos so muito mais complexas. Dependemos para isto do outro — © mais perto de nés entre tudo neste universo. Nosso primeiro passo, portanto, € nos perceber no outro. Sem poder realizar isto, dificil- mente seremos verdadeiros ecélogos césmicos — preservadores nao s6 do mundo, mas dos mundos. O “outro” € nosso primeiro alvo na expectativa de nos tornarmos parte do UM. O outro €a chave para se anular 0 Outro Lado, uma vez que na identificagao com 0 outro este se torna o mesmo lado — UM. — 180—- Os provérbios nos dizem: “Como na dgua a face responde a fa- ce, também o coracéo do homem responde ao coragao do homem’’. Perguntam-se os comentaristas: “Por que Agua e nao espelho?’” Res- pondem: “Porque para se ver na 4gua uma pessoa tera que abaixar- Se € aproximar-se. Também € assim que 0 coragéo responde ao cora~ ¢ao — aproximando-se”. E o que é a proximidade senao 0 gesheft, 0 negécio e a interagao? Pois é neste mesmo mercado de trocas do dia- a-dia que fazemos nossas aplicagées nos outros mundos e no grande Mercado. De nossos atos cotidianos partem remessas constantes para nossas poupan¢as nos mundos nfo-materiais. Mundos que interagem com este © que um dia nos serao residéncia quando nao formos mais feitos de matéria, Possamos nés também estar inscritos no Livro do Sustento, des- frutar de Saldo e para 0 todo o sempre operar no Mercado. “Neste mundo nada é dado incondicionalmente, e a rede est estendida por sobre toda a vida. E 0 Banco esté aberto, e o Ban- queiro dé crédito, e as carteiras de crédito estéo abertas, e uma mio toma nota, e todo aquele que quiser tomar emprestado que ve- nha e que leve; mas os Coletores fazem suas rondas constantemen- fe, € tomam pagamento dos vivos com seu consentimento ou nao, pois de inicio era sabido que 0 empréstimo néo era incondicional; e o julgamento € um julgamento verdadeiro e tudo esté pronto para o grande banquete!’’ (Mishna Avot 3:20). —181- $ cadens ta Hod jas pnijy tess Coen ak, cane Fem iste do nai: X - DINHEIRO NO MUNDO VINDOURO Conta-se que um rei mandou chamar um aldeao, que ficou muito assustado com a requisic¢io. Este se preparou com muito temor e partiu em direcdo ao palécio. Em solidariedade, seus amigos o leva- ram até os portées do vilarejo, enquanto sua familia 0 acompanhou até a porta do paldcio. De 14 para adiante, com o aldeao sé seguiram seus méritos e sua habilidade de cuidar de si. Para os rabinos esta €é uma parabola da vida. Em algum mo- mento seremos chamados ao paldcio (‘‘Este mundo se parece a um corredor diante do mundo vindouro; prepara-te e acerta-te no cor- redor para que possas entrar no saldo de banquetes’’ — Avot 4:21). Nossos bens e propriedades, nossos amigos nos acompanhardo até a saida do “‘vilarejo” — poderemos desfrut4-los somente até 0 ultimo suspirar. Nossos familiares e os que nos conheceram nos acompa- = 184 nham até o sepultamento, a entrada do palacio, e mais adiante nio podem seguir. No palcio, no saléo de banquetes, s6 nos acompa- nham nossas boas atitudes. Diante do Rei sdo apenas as escolhas feitas pela vida, Le Chaim, os geshefis bem realizados, que passam como crédito. Até ha muito pouco tempo, todo o aparato de que disptinhamos para medir e avaliar este tipo de leitura da vida baseava-se numa intuig4o moralista. Seya “bom” e mais adiante isto vai te servir para algo. Hoje, a ecologia representa um pequeno e gigantesco passo no sentido de dispormos de mais subsidios para compreender esta leitu- ra, Existe uma estrutura de interconexdo para a qual certas atitudes sto “boas”’ ou nao. Preservam um sistema que deseja ser preservado ou nao. Ha algo que conta para além do prazer e da fuga do sofri- mento e que é importante para nés. Como se descobrissemos real- mente algum interesse “comprovavel” fora do corpo, do individuo. Os rabinos tinham este olhar que ndo é mAgico, mas constitui-se apenas em conhecer o meio através do qual os olhos véem. Diziam que através de um vidro vé-se 0 lado de fora. Coloque um pouco de prata do outro lado do vidro, e este se transforma em espelho — tudo que vemos € a nds mesmos. Um pouco de dinheiro, de materialida- de, € 0 que é transhicido momentaneamente é vivido como um coti- diano no qual é dificil aceitar qualquer realidade externa. Pulsa o universo € nés com ele, mas € de manha, e com o sol vemo jornal. Para os sdbios de Israel havia trés tinicas formas de conectar-se com a dimens&o fora da materialidade. Ou seja, olhar por um vidro que nao € espelho e sintonizar-se com uma verdade que paira no ar, que € vento ou “Vento/Espirito (ruach) Sagrado”, s6 é possivel nesta dimensao por trés processos: o estudo, a oragao e as boas ati- tudes. Resgatando da banalidade a que reduzimos estes termos, reco- nhecemos que estes representam nossas habilidades rastreadoras de uma outra dimensio e realidade. O Professor Saul Liberman dizia que as oragGes e€ as preces so as inst&ncias em que falamos com — 185- Ele/a; 0 estudo, a instAncia em que Ele/a fala conosco. Nossa medi- tacao, nosso olhar para os céus, nosso ritual, nossa liturgia de falar com 0 nada, como os passarinhos, € expresséo de dentro da prépria expexiéncia como matéria de que temos uma nogao do “outro lado do espelho”. Nossa possibilidade de estudar as tradigGes e 0 que foi destilado em ensinamento do pouco que cada gerag&o enxergava pa- ra além do espelho sio mensagens captadas através de um meio que se fez transhiicido. As boas atitudes, as Le Chaim, as que consideram 0 outro, sim- bolo do que esta para além do nosso corpo individual, sao as frontei- ras da materialidade. A internalizagao de que todo momento deve ser marcado pelo “bom gesheft (negécio)” é a chave para se penetrar neste outro meio sem espelho, sem nem mesmo um vidro que nos separe. Esta consciéncia nos é dificil. .. Nos é insuportavel princi- palmente 4 medida que nos aproximamos de nossa morte e perda to- tal na dimensfo da matéria. Diziam os mestres chassidicos: “Nas ul- timas trés horas antes do préximo mundo, € tao dificil agarrar-se 4 vida quanto escalar uma lisa parede de gelo. Por isto encontramos nas oragées as palavras: ‘Ajuda-nos nas trés horas’ — estas sao as ho- ras”. Atrayés dos “bons negécios” os rabinos expressavam sua crenga de que é mais facil chegar grande consciéncia pelo comportamento do que ao comportamento pela consciéncia. Portanto, se no mundo vindouro a grande ocupagio € o estudo, é ouvir Dele diretamente e compreender, por aqui o importante é estar sempre realizando “‘bons geshefin (negécios)’”’ ou estudando para poder realiz4-los com maior freqiiéncia. Sao, portanto, os bons negécios que nos dao esperancas, que fazem do sustento nossa conexao mais direta com a fé. O que é comportamento aqui, 14 é consciéncia. O que é dinheiro aqui, la é estudo e compreensfo. Por dinheiro, a esta altura j4 sabemos, queremos dizer dinheiro verdadeiro retirado de “bons gesheftn’”’. O dinheiro pelo dinheiro na verdade nao € circulante, é uma ilusdo, fenomenologia do espelho. — 186 - “Rabi lossef, filho de Rabi Toshua ben Levi, ficou muito doente e entrou em coma. Apés ter-se restabelecido, seu pai the perguntou: ‘O que foi que vocé viu?’ ‘Eu vi um mundo todo ao contrdrio, um mundo turvo e de cabega para baixo’, respondeu. ‘Os mais elevados na terra eram os mais baixos ld, e os mais baixos na terra, os mais elevados la’. ‘Meu filho’, disse o pai, ‘vocé nao viu um mundo turvo, mas um mundo claro’ .’’ (Pessachim 50a.) Est4 na hora de rever sua poupanga... Talvez até mesmo a natu- reza de seus negdcios. Dé uma boa olhada na necessidade do Mer- cado a sua volta... Os judeus, devido a sua tragica histéria de perseguicdes, expul- sdes e fugas constantes, sempre tiveram o cuidado para nao ter seu capital imobilizado. Quem sabe tivessem de partir de um momento para outro... Alguns optaram por jdias, délares... Mas os que real- mente entenderam o midrash de sua experiéncia neste mundo tém seu capital totalmente desmobilizado em “interagdes verdadeiras” — em express6es de kedoshim tihit (sagrados sereis!). Se tiverem de partir, nado vao chegar do outro lado de maos abanando — terao o mi- nimo “circulante”’ necess4rio para instalar seu pequeno negécio no mundo vindouro, retirar seu sustento e, quem sabe, prosperar. Terminado na semana em que Ifamos das Escrituras Sagradas nas sinagogas: “‘Kedoshim tihiti ki kaddsh ani IAH”’ — Sereis sagra- dos, pois Eu IAH sou sagrado (Lev. 19), no ano de 5751. —187- kanes ei pnigeetiga cada ied 4 canis paintekCn a unagiolabiue:o munevi muah. eniunatmexies guilds aie i acentna, eatsab iba a urmeirD edaesmrren ? verb iptahivlnrtS betetaso vaiasn eG 0: ant. pai eerie cares ae capi seifeaepedbianradbeasaudscllnn 5 ae BAL entthnb chia qaitebakt tesgemeeta int

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