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Lincoln Secco HISTORIA DO PT 1978-2010 Introducao Excrever a historia de um parti cescrever a bistéria geral de um pai Avrowto Gramsct, Quaderni del Carcere A saudade e a migoa talvez sejam os polos da lem- branga. Numa noite de inverno paulistano, este autor tes do rr diante de um homem simples. Dizia nao votar em Lala por ele ser analfabeto. Os dois jovens eram estudan- ios. E um deles retrucou: “Poi de classes, evidentemente, estava ali. Mas havia algo de errado... Muito tempo depois eu soube que um office boy da Confederagio dos Metalirgicos viajava com sindi aos arredores da cidade de Sio Paulo para uma confra- ternizagéo de fim de ano. Quando atendeu ao telefon celular, respondeu & sua mae que estava indo a uma festa da firma... Todos riram. O caso parece ter ocortido € si non é vero é bene trovato. Como o 1 passou por esta transformagio? Eo que este livro pretende explicar. Infelizmente para o historia- dot, uma geracdo viva e atuante © que tem 0 aprego que todas as pessoas tém pelo seu passado jamais poderia se reconhecer por inteiro numa obra como esta Evitar a saudade ou a mégoa ¢ dificil, mas esta hist6- ra nao se pretende nem oficial nem de um dissidente. E, decerto, tanto os membros da “esquerda” petista quanto 0 da “direita™ discordario de algumas avaliacées, ainda ue por razdes distineas. Até hoje néo havia uma histéria do pr. Nees mesmo ‘uma oficial feita pelo proprio partido. Entre os intime- ros estuclos de caso ¢ teses académicas sobre o periodo de formacio do partido, raras foram feitas por historiadores profissionais ou nio. E que s6 agora é possivel uma visio de conjunto da trajeréria petista. Se (salvo excesées) os sociais democratas europeus demoraram quarenta anos ou mais para chegar ao poder, o rr o fez na metade do tempo, Antes disso, seria temeririo escrever-lhe a histéria jd que 86 0 poder desfaz as ilusdes. Mas em vez de escrever um livro académico eu preferi uma histéria ensaistica e voltada aos que “trabalham” com 0 FT: jornalistas, cientistas politicos, pesquisadores estran- geiros ¢, decerto, os militantes da esquerda. Assim, deixei 1. A alusdo a “esquerda” € 3 “dircta’refere-se sempre is correntes ddo rr sem juizo de valor. Apenas explica o lugar que MIsTORIA DO PT a3 de lado © balango bibliogrifico inicial, cujo interesse é académico. Mas a obra visa, especialmente, os estudantes € 0 jovens em geral que sio herdeiros dessa histéria ¢ desejam superé-la, Também no fiz. um trabalho de historia oral e nem de grandes eventos. Eu fiz poucas entrevistas. Quando fiz, escolhi militantes intermedidtios ou de base e nao os {ue viveram os grandes fatos cujo brilho se apaga com 0 passar do tempo. Tentei citar © menos possivel personali- dades que, embora fossem importantes depois, elas eram ‘menos nas origens do partido, Embora cu tenha compulsado vasta documentagio Primétia e bibliografia memorialistica e académica, deixei de lado muitas fontes. Certamente, 0 pesquisador aca- démico sentiré falta de uma anélise mais profunda das administragbes petista, incluindo a federal. E que pre- feri um ensaio de interpretagio da nossa histéria recente centrada na dinamica interna do partido, Ou da luta de ses no Brasil através do pr, cujaforca centripetacres- cia com aquelas lutas Por outro lado, a forea centrifuga do capital se ope 4 tenrativa do partido superar a fragmentacéo das classes subalternas, Dessa dialética alimenta-se a narrativa de sua formagio. Mais do que expor periodos, procurei escre- vet um ensaio sobre formas, acompanhando as diferentes configurages que 0 Pr assumiu para dar sentido as con- ttadigdes que ele interiorizou a0 longo do tempo. Assim, a sua histéria recons as formas soci 24 uNcoLN seco éleitoral. Formas que se sucedem no tempo sem deixar de em parte se justapor. Fases A petiodizagio deste livro obedeceu as fases de cons: tituigéo do pr, Nio quero dizer que 0 vr seja 0 reflexo ficl de cada uma dessas etapas. Quando acentuo o fato de ue 86 nos anos noventa o partido se torna uma oposigdo institucional relevante, nao desdenho 0 fato de que sua bancada parlamentar tenha tido um papel na Assembleia Nacional Constituinte. Quando afirmo que a oposigéo extraparlamentar foi mais significativa nos anos oitenta, ‘no quero esquecer que os movimentos sociais onde o Pt era hegeménico cresceram no decénio seguinte. Sé que © seu impacto na vida interna do pr era relativamente menor face & influéncia dos mandatatios de postos exe- cutivos © parlamentares. As etapas seguem critérios de predominancia de determinadas caracteristicas ¢ nio ex- clusividade, Embora o rr tenha sido oficializado em 1980, é evie dente que sua formacio se inicia em 1978, quando apare- eu a sua proposta. Mas resolvi no recuar a narrativa para fazer um histérico amplo da agio sindical no periodo, & ual fago alusGes de passagem. Ha uma vasta bibliografia sobre isso. © meu objetivo centrou-se na organizagio do Partido, sem olvidar que, sobretudo nos anos iniciais, a histéria do or esta muitas vezes fora dele. STOMA DOPE 25 Somente em 1984 abre-se a etapa do rr como opo- iso extra-parlamentar predominante nos movimentos ise sindicais. Naquele ano, o r esté armado de duas experiéncias: a consciéncia de que precisa ter um centro comprometido com a construcio estratégica do partido ¢ « derrota politica e isolamento depois das Diretas J, O ano de 1989 assinala a maioridade do pr. Aquilo Aue cle jf se tomnarasocialmente (a oposigéo de esquerda Predominance na sociedade civil) cle se converte no Esta. do: uma oposicao dentro do aparelho de Estado poll Porisso, em 1990 descortina-se um novo periodo marcade Pela crise do socialismo ¢ pela exigtncia de aggiornamento idcolégico de suas correntes majoritérias, Como o Pr nunca teve um congresso como 0 do sep alemao em Bad Godesberg* para renegar o marxismo, sua transformagio se deu de maneira molecular especialmen. te durante os dois mandatos de Fernando Henrique Car. doso. O ano 2002 le com 0 aggiornamento comple- ‘0 do rr. A instituigio do Processo de Eleigéo Direta c a consolidacio de aliancas com setores mais conservadores revelam que o partido se apresenta como probabilidade (mais que mera possibilidade) de governat o pais, Desde éntio ele se transforma em Partido de governo, A crise de 2005 acabou com parte da simbologia do pr. > Em 1959 durante o seu congreso extrordinirio realizado nesta cidade o Pas (spp) abandonou 0 ‘marsismo ofcialmente (J. Rovan, Histoire de la Social-Démoone vie Allemande, Pati, Se 26 uNcoLN secco Cada fase dessa histéria constitui apenas um recorte analitico’. Nao quer mostrar que as outras desapareceram € foram substitufdas. Os anos de formacio ¢ de oposigio extraparlamentar continuaram como rio subterrineo que realimenta a imagem piiblica do rr ¢ atinge a superficie de forma timida em seus momentos de crise. Aqueles anos entre 1984 ¢ 1989 foram tio vitais como os posteriores para a construgio da identidade e da forca politica do rr. O Modelo Os primeitos estudos ¢ memérias sobre o pr sacta- mentaram a visio de um partido constituido por trés fontes: aigreja progressisa, os remanescentes dos grupos da luta armada ¢ © novo smo. Aos trés clemen- tos poderiamos atribuir, respectivamente, a capilaridade social nas periferias das grandes e médias cidades e nas areas de conffito rural; a adogao do socialismo (ainda que \definido); € o papel dirigente no mundo do trabalho. A discussio do modelo faz-se hoje necessiriat para entendermos melhor as miniicias daquele processo de for- Uma primis periodiasio bastante sugexiva em: Paulo H Martinee, “O Partido dos Trabalhadores e a Conquista do Esta- do", em D. A. Reis e M. Ridenti (orgs.), Hiséria do Marxism no Brasil, vol. 6, 2007. Uma apreciagio sobre © papel dos intelectuais, por ex lectuais © a Criagio do rr”, em Flavio magao do partido ¢ resgatar 0 que ele teve de original ou nao. Desdobrando aquele tripé, poderiamos dizer que 0 "t surgiu de pelo menos ses fontes diversas. A primeira foi © chamado novo sindicalismo; a segunda, 0 movimento Popular influenciado pela Igreja Catdlica; a terceira, po- ticos jd estabelecidos do mos; a quarta, os intelectuais com origens diversas, como 0 antigo rsb ou posicées berais radicali i antes de organizacées trotskisras; a sexta, remanescentes da luta armada contra a ditadura (embora sea possvel agrupar estes dois tiltimos), © chamado Novo Sindicalismo talvez venha sendo rewaliado, depois de influentes arroubos interpretativos ue lhe davam a condigao de portador de uma nova cons. ciéncia de classe revolucionstia (ou mesmo de nio té-la). Isto € possivel hoje porque se tornou muito Pequena a diferenca que separa alguns dos pressupostos do velho sindicalismo do passado com a agéo do rr ¢ da cur no inicio do século xx1. As greves do anc provocaram virias andlises dos ¢s- tudiosos da época ¢ levaram muitos a considerar uma Tuptura total entre o assim chamado novo sindicalismo ¢ 8 comunistas,vistos como reformistas. Mas havia quem dissesse que no Novo Sindicalismo “uma orientasdo revo. lucionéra” dficilmente poderia consolidar-se,jé que os Aguiar (o1g.), Antonio Candido: Pensamento ¢ Militincia, Sto » Editora Fundacéo Perseu Abeam 5: Leoncio M. Rodrigues, “Tendéncias 28 UNcoLN seco sindicalistas do anc, diferentemente de seus aliados mais radicais da capital paulista, atuavam dentro da estrutu- ta sindical e haviam optado pela legalidade tanto na luta econémica quanto politica. No caso da Igreja, embora seu papel seja imprescin- divel para o pr, houve o reverso da moeda também. Em tos lugares ela atacou o partido e quando apoiou o rr sofreu uma demora cultural em adotar os temas da nova esquerda pés 1968, 0 que causava a insatisfagdo ou estra nhamento com duas correntes (Libelu’ e Convergéncia Socialista) que cedo se destacaram na liberdade compor- famental que escandalizava a prépria esquerda, Ora, 0 rr como agremiacéo tinha lideres piblicos que eram contra © aborto (como Hélio Bicudo), enquanto © homosse- xualismo era motivo de piadas do préprio Luiz Inicio da Wva (Lula), ainda que candidatos ays tivessem se langa- do jd'em 1982, como em Sio Paulo e Belo Horizonte. No de baixa renda neopentecostais enquanto a CBB e muitos catélicos pro- gressistas se dis MistORa D0 Pr 29 daqueles deputados e vereadores no Pr em seu nascedouro (assim como dos sindicatos). Sua entrada no as neste campo, Jia esquerda organizada que aderiu a0 pr néo di- verpia muito sobre o cardtertético do partido. Alg imavam que integravam 0 pr para desin- Mas os que vieram da luta armada accitavam tuma agenda nacionalista, enquanto os trotskistas eram defensores das causas internacionais (como 6 a0 sindicato poloné iam, a0 lado sta, para fazer cursos na Alemanha Oriental Se as erés fontes e as trés partes constitutivas do rr Podem ser desdobradas em trés mais elementos, ainda assim eles sio inouficientes para dar conta da riqueza da formasio petista. Afinal, os processos da histbria sio as. zagées de Esquerda ¢ 0 vr Tempo, ago. 1983 ‘Como foi o caso de Djalma Bom (cf. M. M. Fercia eA. For (orgs), Muitos Ceminhos, uma Estrela: Memirias de Milzentes de + editorial do jornal Ee 30 LINCOLN sEcco sumidos ¢ encarnados por pessoas de verdade e elas sio complexas. Assim, um trotskista histérico como Mario Pedrosa nao aderiu a0 Pr nesta condigio e disse que to- dos deveriam deixar sta velha roupagem do lado de fora. Um dirigente militar como Apoldnio de Carvalho tam- bém nao ingressou no partido como membro do Pcsr, Manoel da Conceigéo, lider camponés reconhecido, era da ap, mas nao militou nesta corrente a partir de 1980. Podemos consideri-lo “apenas” uma lideranca popular ¢ ignorar seu passado politico? Florestan Fernandes ingres- sou depois ja na condigio de maior socidlogo brasileiro, mas ele nao retomou suas atividades na usp e se tornou deputado federal duas vezes. Da mesma forma néo havia operirios, milicantes or- ganizados ou catélicos “puros”. Alguns sindi ceram politicamente nas Comunidades Eclesiais de Base (cens) da Igreja Catélica. Paulo Skromov, por exemplo, exerceu trabalho manual, foi bancirio, depois estudou Histéria na usp € retornou a fibrica, além de frequen- car organizagoes trotskistas’. Frei Betto fazia a interlocu- 4 de Lula com a Igreja, mas havia sido preso politico € apoiado a ALN. Geraldo Siqueira era um politico estabe- lecido e nessa condigéo ingressou no partido, mas ele era ligado a grupos de extrema esquerda. Alguns estudantes foram mandados por suas organizagbes esquerdistas para 9. Teoria e Debate, n. 65, jultago. 2005. misrémia DoT 3 trabalhar em fabrica ¢ se tornaram sindicalistas perma- nentemente. Como devemos consideré-los? Pioneirismo Outro aspecto que é preciso relativizar na histéria do pt & 0 seu pioneirismo como primeiro partido de mas- sas ctiado realmente de baixo para cima e diferente de toda a esquerda anterior como afirmavam seus primeiros documentos”. Hoje ja se podem notar as insuficiéncias dessa visio, bem como as continuidades numa histéria de ruptura. Hé que se reconhecer que 0 Pcs, por exemplo, também cumpriu os requisitos que o socidlogo francés Maurice Duverger atribuiu ao partido de massa: nasceu fora dos meios politicos tradicionais (do parlamento), foi fundado por trabalhadores, era bastante pedagégico, or- ganizado em células de base, nacionalmente centralizado ¢ controlava rigorosamente a filiagdo de seus membros. ‘Mas néo encontrou uma forma legal de insergao na vida politica. ‘As novas pesquisas historiogréficas j4 permitem re- conhecer que 0 cB se nao foi, esteve muito perto de ser um verdadeiro partido de massas num de seus curtos perfodos de legalidade (1945-1947). Em 1945 0 partido 10, Vide por exemplo um boletim de nicleo: Partido dos Trabalha- ores, Niteleo Quarteinto da Satide, Si 1980. Mas era uma formulagio disseminada, 32, LINCOLN sxcco sinha mais de cinquenta mil militances" e elegeu catorze deputados, um senador € muitos vereadores pelo pal fazendo mesmo a maior bancada no Distrito Federal. Seu candidato a presidente teve 570 mil voros (a populacio era de quarenta milhées). Nas eleigées suplementares de 1947 0s comunistas elegeram mais dois deputados por Séo Paulo através de outra legenda (o psr ademarista)". O Partido estava inserido em associagées de moradores, organizava concursos de beleza”, fatia campanhas el fem centros espititas, atuava em escolas de samba ¢ lojas maghnicas e dirigia sindicaros que muitas vezes desobedeciam a linguagem moderada do partido e esti- mulavam greves. Sua imprensa era didria ¢ muito supe- rior A do pr em toda a sua histéria, contando com wma estructura profissionalizada ¢ distribufda por muitos Es- tados, mesmo depois da cassagio do seu registro; € ti- nha a Editorial Vitéria que langou 57 mil obras. Por fim, 0 partido ndo teve tempo de crescer dentro do estado ¢ ‘ne R.Poppino, International Communism in Lain America: A Hi tory ofthe Movement 17-1963, London-New York, Macmillan, 1966, p. 231 Partido Social Progresista do governador paulista Ademar de Barros. Ele foi chamade de “po fem enormes casos de conrupeso. Esta corrente teve depois em Finio Quadros e Paulo Maluf os continuadores. sy. BER Pomar, Comunicagdo, Cultura de Exquerda ¢ Contrae- gemonia: O Jornal ¥ioje (194-192), Sho Paulo, caus, 2006, tese de dourorade. misroma Dorr 33 jar com recursos piblicos, embora contasse com irregulares aportes internacionais enquanto 0 PT jé nasceu dentro da legalidade. Outro Bras Todavia, aquela visio do pr sacramentada nos anos oitenta nao ¢ irrelevante. Apenas © modelo, uma vez ela- borado, precisa retornar & histéria concreta. A diversidade regional e social brasileira criou iniimeros vr diferentes. No atual estgio de pesquisas monogrificas sobre o partido po- demos ter uma pilida ideia dessa diversidade e jd é possivel apreciar a dialética entre os impulsos locais ¢ os movimen- tos de conjunto ¢ entender melhor as dificeis mediagées cexpressas nas constantes divis6es internas, muitas vezes ca- rentes de qualquer raiz ideolégica importante, © Brasil no qual o Pr surgiu era muito quele em que Lula chegou & presidéncia em al tos. Em Mundo Novo (ws), o pr elegeu ja nos anos 1990 uma prefeita, deficiente fisica, oriunda da pastoral da juventude ¢ do Movimento dos ‘Trabalhado- res Rurais Sem Terra (ast). Em 1999 ela foi assassinadal Intimeros foram os casos de militantes do partido ou de organizagées populares que tiveram 0 mesmo fim. José Rainha do ast soffeu tentativas de assassinaro. Nao obstante todas as suas debilidades (especialmen- te na definigao teérica e na formagao politica interna), 0 Partido dos Trabalhadores concorreu decisivamente para 34 taNcoLN seco “civilizar” a Sociedade Civil, conquistando nela um espa- 0 politico para os trabalhadores, tornando as greves le- gitimas (ainda quando fossem ilegais). Este foi o “carter pedagégico”’ do pr e que permitiu que ele fosse uma al- ternativa de poder em 2002 independentemente da “Car- ta a0s Brasileiros”, 0 documento de compromisso com as classes dominantes. Se mais tarde © partido também foi em alguma medida tragado pela tradigdo clientelista brasileira, este é outro capitulo de sua histéria. O partido que emerge de uma trajetéria assim tem a sgrandeza ¢ as limitagdes do solo histérico onde vicejou. Pode néo ser a melhor, mas é a histéria do rr. 14. Eduardo Be ‘¢ Democracia: Ensaio sobre 0 vr no seu Tri , Mouro: Revista Marxista, 0, 3, jul. 20%0. 1. Formagao (1978-1983) A Emancipagto da classe rabalbadora deverd ser obra da propria clase reabalhadora Kant Mans, “Estatutos Gerais da Associagio Internacional dos Trabalhadores", 1871. Como a cidade em que foi fundado, 0 pr nasceu num Colégio, © Sion é uma escola situada num bairro de alta classe média de So Paulo. Lugar improvivel para a funda- io de um partido operirio, Entretanto, no dia 10 de feve- reiro de 1980 cerca de 1200 pessoas (sendo quatrocentos de- legados cleitos em dezessete Estados brasileiros) comparece- ram Aquela escola para fundar o Partido dos Trabalhadores. ‘A maioria dos presentes era de estudantes, intelectu- ais ¢ Iideres de movimentos populares, mas nao de tra- balhadores'. Além disso, o Manifesto do pr, aprovado na- quela reunio, nio falava em socialismo (ao contrétio da Carta de Principios divulgada no ano anterior), todavia cra patente que se tratava de uma organizagio de esquerda 1. Ou ao menos se lamentava assim © Deputado Fede Khair (x), presente no encontro (Jornal do Brasil 10, 1 fe. 1980, p. 3), 36 LINCOLN secco. ¢ radicalmente favoravel aos interesses imediatos dos tra- balhadores’, até entéo impedidos de ter voz na sociedade civil, ou sea, “integrar na ati ide politica legal camadas que dela estavam marginalizadas”. A simples presenga de intelectuais histéricos, vineulados 20 trotskismo, a0 co- a. uma opgio liberal clissica e radical a0 lado tas que acabavam de affontar a Ditadura Mi- litar €o capital transnacional em grandes greves, mostrava aque viera o pr. O partido nascia fora da drbit viético, portanto do Partido Comunista Brasileiro (rc); afastava-se do “populismo” negava oficialmente a he- ranga Social-Democrata. Os petistas afirmavam 0 socia- lismo num horizonte distante enquanto defendiam um “programa para a democracia’. As posig6es de seus docu- do comunismo so- trotskista com aportes sindicalistas, ABC da Greve Afastada do centro de Sio Paulo pela Avenida do Es- tado e a Via Anchieta, 0 ac (ou ancpM) é a regio da Grande Sao Paulo que congrega Santo André da Borda do 2. Manifesto do Pr, Comissio Nacional Proviséria do Movimento Prs-rr, Sio Paulo, 1980 (csp). 3. Paul Singer, “A Fundacio”, Folha de Séo Paulo, 14 fe. 1980. 4. "Pontos para a Elaboracio do Programa”, em M. Pedrosa, Sobre 0:1, Sao Paulo, Ched, 1980, pp. 83-106 uisrémiA Do PT 37 Campo, S40 Bernardo do Campo, Sao Caetano do Sul, Diadema, Maus, Ribeiréo Pires e Rio Grande da Serra. Dos anos de 1930 até 0 inicio dos anos de 1980, 0 Brasil viveu pelo menos dois grandes processo’s estrucurais, que afetaram aquela regio: a industrializagio e a urbani- zagio, ligadas ao aumento demogrifico ¢ & acumulagio acelerada de capital, espacialmente centralizada no Esta do de Sio Paulo. No anc, a grande indistria automobi- ica se concentrou, assumindo a vanguarda produtiva e tecnolégica do Brasil com suas montadoras ¢ fabricas de autopegas: nos anos setenta, a indistria automotiva lide- rou a acumulagao dd capital, com taxas anuais de cresci- mento acima de 30%". A taxa de urbanizagio da populagio era, em 1940, de 26,35%, € atingiu 77.13% em 991°. A industrializacéo ¢ a urbanizagdo se associaram, obviamente, a grandes corren- tes migratérias, 0 que se explica pela mobilidade do pré- prio capital e pela demanda de trabalho gerada pelo seu movimento de reproducao ampliada. Mas o cardter ace- lerado desse movimento gerou efeitos econdmicos, demo- agrificos e politicos singulares. O Brasil viveu sua transigao demogrdfica’ (em que a taxa de mortalidade cai rapidamen- te’ea de natalidade continua alta) no século xx. C. Benjamin eT. B. Aratjo, Brasil: Reinventar o Futuro, Rio de Janeiro, Sindicato dos Engenheiros, 1995, p. 36. 36 LINCOLN secco. ¢ radicalmente favoravel aos interesses imediatos dos tra- balhadores’, até entéo impedidos de ter voz na sociedade civil, ou sea, “integrar na ati ide politica legal camadas que dela estavam marginalizadas”. A simples presenga de intelectuais histéricos, vineulados 20 trotskismo, a0 co- a. uma opgio liberal clissica e radical a0 lado tas que acabavam de affontar a Ditadura Mi- litar €o capital transnacional em grandes greves, mostrava aque viera o pr. O partido nascia fora da drbit viético, portanto do Partido Comunista Brasileiro (rc); afastava-se do “populismo” negava oficialmente a he- ranga Social-Democrata. Os petistas afirmavam 0 socia- lismo num horizonte distante enquanto defendiam um “programa para a democracia’. As posig6es de seus docu- do comunismo so- trotskista com aportes sindicalistas, ABC da Greve Afastada do centro de Sio Paulo pela Avenida do Es- tado e a Via Anchieta, 0 ac (ou ancpM) é a regio da Grande Sao Paulo que congrega Santo André da Borda do 2. Manifesto do Pr, Comissio Nacional Proviséria do Movimento Prs-rr, Sio Paulo, 1980 (csp). 3. Paul Singer, “A Fundacio”, Folha de Séo Paulo, 14 fe. 1980. 4. "Pontos para a Elaboracio do Programa”, em M. Pedrosa, Sobre 0:1, Sao Paulo, Ched, 1980, pp. 83-106 uisrémiA Do PT 37 Campo, S40 Bernardo do Campo, Sao Caetano do Sul, Diadema, Maus, Ribeiréo Pires e Rio Grande da Serra. Dos anos de 1930 até 0 inicio dos anos de 1980, 0 Brasil viveu pelo menos dois grandes processo’s estrucurais, que afetaram aquela regio: a industrializagio e a urbani- zagio, ligadas ao aumento demogrifico ¢ & acumulagio acelerada de capital, espacialmente centralizada no Esta do de Sio Paulo. No anc, a grande indistria automobi- ica se concentrou, assumindo a vanguarda produtiva e tecnolégica do Brasil com suas montadoras ¢ fabricas de autopegas: nos anos setenta, a indistria automotiva lide- rou a acumulagao dd capital, com taxas anuais de cresci- mento acima de 30%". A taxa de urbanizagio da populagio era, em 1940, de 26,35%, € atingiu 77.13% em 991°. A industrializacéo ¢ a urbanizagdo se associaram, obviamente, a grandes corren- tes migratérias, 0 que se explica pela mobilidade do pré- prio capital e pela demanda de trabalho gerada pelo seu movimento de reproducao ampliada. Mas o cardter ace- lerado desse movimento gerou efeitos econdmicos, demo- agrificos e politicos singulares. O Brasil viveu sua transigao demogrdfica’ (em que a taxa de mortalidade cai rapidamen- te’ea de natalidade continua alta) no século xx. C. Benjamin eT. B. Aratjo, Brasil: Reinventar o Futuro, Rio de Janeiro, Sindicato dos Engenheiros, 1995, p. 36. 38 LINCOLN seco. © novo protesto sindical saira das entranhas do de- senvolvimento econémico da ditadura. As primeiras mo- vimentagées foram causadas pela manipulacio dos indices, inflacionérios pelo governo, a época do ministro Delfim Netto. Em 1977 a Folha de S. Paulo revelow que a varia- ¢ao dos pregos internos ¢ por atacado em 1973 havia sido de 22,69 (acima da versio governamental que divulgara 1,9% € 12,6% respectivamente). Mario Henrique Simon- dos industridrios. Em 1978, do total de greves, 75,9% ocorreram no setor industrial Neste ano os operdrios da Scinia, no anc, insatisfeitos com o salitio do més, entraram na fabrica e cruzaram os bragos diante das méquinas paradas; logo 0 movimento se espalhou por 150000 metalirgicos’. O carster molecular ¢ relativamente espontaneo do movimento represcntou necessariamente um impulso para novas formas de organi- zagao, como s6i ocorrer com esses tipos de movimenté A greve da Scania pode ter nascido realmente de decisbes iguel Chala, Intelectuaise Sindicalistas. A Experiéncia do Dieese, ga, Humanidades, 1992, p. 156 Frei Betto, Lula: Biggrafia Politica de um Openiro, Sio Paulo, Estagio Liberdade, 1989, p. 33. Francisco C. Weffor, “Partiipagio ¢ Conflro Industrial: Con- tagem e Osasco 1968", Cadernas Cebrap, pp. 25-24. uisrémia port 39 espontineas do pessoal da ferramentatia"e da acio de base de um ou outro sindicalista. De qualquer maneira a pos- tura do sindicato no movimento de reposigao salarial de 1977 € na campanha salarial de 1978 foi vital para que a Scania (e depois muitas outras) parasse Somente entre maio e dezembro de 1978, Lula ¢ seus companheitos organizaram 328 greves?, Para Florestan Fer- andes a “greve de 1978 efetuou uma ruptura, que punha grande capital, a contrarrevolugio ¢ seu governo ditato- rial de um lado, os operitios e o movimento sindical de outro”, © seu exemplo foi evocado por todas as forcas operitias que se contrapunham aos pelegos ¢ & estrutura sindical oficial. Em Séo Paulo eclodiram greves e comissdes a0 sindicato oficial, particularmente na Toshiba, Siemens, ¢ Masscy-Ferguson®. A apr Gao de Sao Paulo ¢ anc se daria gradualmente, especial- Depoimento de Gilson Menezes, Histéria Imediata, n. 2, Si0 Paulo, 1979. Lais W. Abramo, O Resgate da Dignidade, Campinas, Unicamp, 1999, P-227. ano tv, n. 19, Sdo Pau- E, Femnandes, O rr em Movimento, Sio Paulo, Cortez/Autores Associados, 1991 p. 40. . Oposigio Sindical Metaingica, Comino de Fria, Rio de Ja cio, Vores 1981 40 uNcoLN seco mente no comité de solidariedade a greve de 1980 Era o sindicalismo dos auténticos. © novo protesto sindical era auxiliado, sem sombra de diivida, por uma extensa rede comuni onde moravam os trabalhadores ¢ suas fa uetes no se limitavam as portas de fibrica e eram feitos nos pontos de dnib ares de pessoas sem 0 apoio de aparclhagem de som, simbolizou o espitito de comunhao daqueles operitios. Os que se postavam a frente do pa ue, ouviam com atengao e repetiam as palavras do lider para os que estavam atrés.. Ainda em 1978, Lula declarava que a organi classe operiria num partido era 6 questo de tempo! ano de 1979 também foi marcado por grandes greves Fo ABC, mas agora sob a direcio do sindicato e de Luiz Iné- © Lula. Em janeiro de 1979, no congresso dos ‘metalirgicos do Estado de Sio Paulo, ocorrido em Lins, ¢ 16. V.Gianotti eS. Neto, cur por Dentro por Fra, 2 ey Vores, 1991p. 33 Vide FB. Macedo, Vides Opentriat: Redes Informats de Sociabi- lidade« Frmagio da Clase Operira em Sdo Bernardo do Campo (2960-1980), io Paulo, vse, 2007. ls, “As Greves se Alastrario por Todo o Brasil", Cadernos do Prevente, 0.2, Sho Pau HISTORIA DO PT 4 em junho de 1979, no congresso nacional dos metaliirgicos, em Pogos de Caldas, a ideia de um Partido dos ‘Trabalha- dores ganhou apoio na principal categoria opersria do pais. A chamada Tese de “Santo André-Lins” foi um dos mar- os daquele processo. Ela foi apresentada pela assessoria de Benedito Marcio, do sindicato de Santo André e ligada & ‘convergéncia socialista. Hé relatos de uma proposta de cria- . Caso do Padre Jaime Santana no Programa Nacional de Televisto do PC do B, 25 abt. 1986 Folha de S. Paulo, 11 maio 1986. 46 uncom seco fundado no salio paroquial”. Em Barretos (sp) 0 pr nas- ceu da agao de estudantes de Engenhar enraizou socialmente com o apoio da Pastoral da Juven- tude. Mas isto dependia exclusivamente do local. Em ci- dades tao diferentes quanto Marilia (sp) e Wanderlindia, hoje pertencente a Tocantins, a esquerda catélica criow foram organizados concomitantemente com apoio do Padre Josimo” entre 1979 ¢ marco de 1983. Com a sua substituigio, os militantes perderam 0 apoio da Igreja e 0 local das reunises', Alids, 0s trabalhadores rurais estiveram na base do Pr em vitios Estados onde ni havia concentasio industrial de monta. Era uma época dificil para sindicalizar no cam- po. Entre 1975 ¢ 1989 foram assassinados 1 377 trabalhado- res em conflitos agrérios. O vr refletia necessariamente essas lutas. Na fundagao da cur (1983), no Pavilhao Vera Cruz, Sao Bernardo do Campo, 27.3% dos sindicatos pre- sentes eram rurais. Por outro lado, em Ubatuba (se) a Mauro Iasi, As Metamorfoses da Consciéncia de Classe. O rr en- ‘tre 4 Negasio e 0 Consentimento, Sio Paulo, Expressio Popul 1s 26 few, candidata do pr TORIA DO Pr nao teve nenhum papel maior na fu io do partido. A cidade possuia uma presenga evangélica importante ¢ coube A Associagao dos Professores do Esta- do de Sio Paulo (Apeoesp) ¢ Libelu os papéis centrais*. Jé0 papel dos militantes de organizagées clandestinas «em geral s6 se sobrelevava na elaboragio tedrica, onde seu jargio ¢ alguns procedimentos se impuseram nos primei- ros dez anos da histéria partidéria. Mas na pritica concre- ta dos movimentos sociais camp: corais 0 jargio niio encontrava ressondncia maior. Havia uma relagio in- versamente proporcional entre linguagem radical e a influéncia na s Muitos grupos organizados aderiram ao pr, ainda que vissem nele uma frente st ~ Organizagio Socialista Internacionalista (mais tarde corrente © Trabalho), por exemplo, tinha sér aderir definitivamente”. A Convergéncia Socialista, que esteve nas articulagées iniciais, terminava 0 ano de 1979 tomnando-se uma associacio civil com a perspectiva de legalizar-se como outro partido®. Mas acabou ingres- sando no pr. O pcr, ALN, MEP, a aP e dissidentes do pc do B, Pca e MR-8 ingressaram no partido. A maioria se dissolveu ou formou novas tendéncias internas. Depoimento de Vitor Santos, 8 mas, 201 CE Ricardo Azevedo, Por um Tria: Memérias de wm Militante da 4P, Sao Paulo, Plena, 2010, p. 244. Marcia Berbel, op. cit. p. 104. 48 LINCOLN skeco ‘Uma pesquisa com uma amostra de militantes do pr no Primeiro Congresso (1991) revelou que na época de sua filiacéo a0 partido somente 10,4% dos entrevistados hhaviam pertencido a grupos marxistas de extrema es- querda”. Todavia, de modo algum o papel dos militantes organizados pode ser apagado da construcao partidéria, afinal eles forneceram muitos formuladores politicos para 0s sindicalistas, mas quase sempre ao custo da passagem molecular daqueles militantes das alas esquerdistas 20 centro ou dircita do partido. Em alguns casos eles logra- ram chegar a algumas fibricas ¢ bairros de periferia das grandes cidades através dos pouquissimos operitios re- crutados anteriormente ou pela proletarizagio forcada de Se alguns agrupamentos recusaram 0 Pr, como 0 PCB, Ma-8 e rc do 2, alguns grupos de extrema-esquerda prefe- riam inserir seus militantes, em regra geral provenientes do ‘meio estudantil ¢ do funcionalismo piiblico, para influen- ciar as assembleias do sindicato dos metalirgicos, algo que se tornou pritica habitual, sendo que alguns deles foram “proletarizados” e, depois, se tornaram sindicalistas, embo- ra tivessem desde cedo sua origem reconhecida pelos diti- emporancidade Possvel(rg080-1991), Porto 49. Denise Parané, Lula, o Filho do Brasil, io Paulo, Fundagio Per- seu Abramo, 2009, p. 105 HISTORIA DO Pr 49 Madureza do Sindicato dos Metalirgicos de Sao Bernardo tum aparelho da esquerda, resolveu feché A importancia dos marxistas no Pr sempre foi maior nna disputa interna do que na externa (especialmente is mais significativos da formagéo do pr. E 10 explica muito das imprecisées conceituais futuras A Dinémica Regional Em julho de 1981 0 pr estava organizado em 21 Esta- © miimero de filiados superava os vinte mil apenas €m Sao Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais ¢ Rio Grande Sul, 0 que jé era pouco num pais como o Brasil. O ido também estava presente nas seguintes unidades da federagao: Acre, Paré, Rondénia, Alagoas, Bahia, Cea- ri’, Maranhao, Paraiba, Pernambuco, Pi 41. Ricardo Azevedo, op. 42. Cabe lembrar que seu imo seria mais tarde deputado,

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