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A EUW AQUI... 75 arte: ried Cd CAC Tad eo CRE CR RSL Ett eyela a movimentada historia de nossa casa no Cosmos IRGE A MENTE | QUANDO 0 BICHO PEGA oe Mees 1d aT CoE ‘0 competir por fémeas e territério, animais usam FoR os eS y Be EC eet eee caer Receba todos os Review —-_ meses o melhor conteudo sobre negocios. conexao continua DISPONIVEL NAS PLATAFORMAS [sero (Elsegmento SETEMBRO 2019 ANO 18 SCIENTIFIC AMERICAN 260 primeiro mapa sD da Via Lactea telesedpio espacial Gaia mapeou, com ecisio inédita, 18 bin de estrelas da Palixia. Os resultados esto mudandoa forma coma vemos ¢ compreendemos nossa vizinhanea edsmica, Cave Jorg Eduard Masana 36 Comoa du ya nova diseiplina, « neurociéncia de Jes, esté mostrando como mente Fic emersir a partir de uma interacdo Petinada entre diferentes areas do cerebro. Maz Bertolero ¢ Daniele Bassett «A célula invulneravel idlogos estdo construindo um organismo capaz-de repelir qualquer 52 virus existente no planeta. O préximo asso pode ser a construedo de eélulas ‘humanas impenetrdvels. Rowan Jacobsen Promessas quebradas s sigante de mineragio Rio uma alardeada promessa publica bs melhorar a ecologia de seus ps de extracao de iimenita em Radagascar em cooperacio com. ‘ientistas conservacionistas, Mas yeaa ‘enfrentar diteuldades, Rowan Moore Gerety Latar ou fugir capa 31de 2018 2 Agena vas pesquisas questionam uma das pas Erepe ing 9 saraigadas idelas sobre a rete Gora. um teerdo Joortamento animal: ade que todos flan acapacidade de avatar o poder de eves ac ets ce um adversio. Gareth Armor e sudoge deere Robert W.Ekeood compl precio daha wowwisclam comb & SCIENTIFIC AMERICAN 3 Carta do editor 7 Um plano climatico q E uma boa ideia converter o metano, um potente sis do feito esta, em CO,. Rob Jackson e Pep Canadell parece doido 8 Pesquisas sobre armas precisam de mais apoio ‘Nova lei promete milhées para estuclos, ¢ verba deve ser tusada com crtério, Peloseditones 9 Meméria 10 Avangos + Tuardes assustadigos + Ventilacao facilitada + Evidencias restritivas + Riso amigével + © tempestuoso clima espacial +0 onus da dendncia + Luzes de arta « Ootho do papa- imoseas + Vibragées magnéticas Os pequenos frascos do nosso Futuro esp: raj de missGes combina tamanho reduzido, custo ial menor ealta tecnologia. Salvador Nogueira bebe cor sndoin ram pode sera eh (forever alimentos alergenicos a rian para evitaralergias, Claudia Wallée as Ensinar criangas a programar? ssa nao é necessariamente uma boa ideia. Zeynep Tufeket A grande desuceleragio As grandes rupturas teenolbgieassio mais rarase estan demorando mais, Wade Roush EIA ¢ RIMA em prosa e verso De meras siglas ao silogismo, Alewander Turra A obesidade abrevia vidas? Confisio na interpretacio de dados pode reforgar pereepcbes| tendenciosas. Alberto Cains Pablo Noguera sn a Semen Best CARTA DO EDITOR A longa estrada para Ano passado, a revista. Nature apresentou um relalorio espe: cial elencando algumas das principais questdes em aberto na cigncta, que os leitores de Scientific American Brasil puderam conterir em nossa edigiio de agosto. Entre os seis temas selecio: nnados pelos editores estavam a explicagte para a matéria escu: +a, a origem da vida, a natureza do espaco-tempo e um que me faseina pessoalmente: a natureza da conseiéneia — que, alias, é presenga obrigatoria em todas as listagens deste tipo. Desde que vim trabalhar como editor em Seientifie Ameri- can Brasi?, ha pouco mais de trés anos, j4 publicamos alguns artigos sobre a pesquisa neste campo. Por isso, € com alegria ‘que posso dizer que este més estamos trazendo um dos mais in teressantes que vi passarem por aqui, O titulo € ambicioso: “Como a matéria produz.a consciéneia” ‘Nesse artigo, os autores Danielle Bassett ¢ Max Bertolero apresentam as instigantes contribuigGes que tem sido ‘nos Giltimos anos para o estude da eonseiéneia a partir da pes quisa com redes cerebrais. Frequentemente ouvimos falar que o eérebro possui areas li- sadas 2 fala, ao processamento visual, as emogGes, ao autocon- trole ete. Na linguagem da neurociéneia de redes, se diz que 0 cérebro estd organizado em médulos, Os médulos estao conec- ‘tados fisicamente uns aos outros formando redes. fa interacio entre médulos que nos permite exeeutar indimeras taretas, No limite, todo o cérebro passa a ser compreendide como uma rede sinica © integrada, que abrange cerca de 100 bihoes de lunidades individuais articuladas em pelo menos 100 trilhdes de pontos de conexio. Estudos com centenas de sujeitos mostram que as estrutu- ras de conexdes entre os médulos sAo individuals. Isto 6, cada individuo tem uma espécie de impressio digital no modo como seu eérebro esti conectado. Esta conexio, sugerem as pesquisa dore: 6 a base fisica que fandamenta a atividade cerebral que '@ no funcionamento mental € que, em altima instane! faz com que eu seja eu, ¢ voeé, caro leitor (ou leitora), seja vor’. Por outro lado, estudos mostram que problemas no funci aconsciéncia namento das redes afetariam varios processos mentais, ocasio- nando males psiquicos como depressio, deméncia e esquizolrenia, Conhecendo melhor o funcionamento das redes, talvez pos- samos encontrar maneitas de estimuldslas nos pontos certs & assim tratar diversos desses males. Mas, para além das aplica- {es clinicas, tais estudos so um passo na direedo de entender- ‘mos, efetivamente, como o eérebro produz a mente, Para quem tem o coragao nas estrelas, a capa deste mes trav, as descobertas sobre a Via Lictea que estao sendo feitas a par- ties do telese6pio especial Gaia, Esta ambiciosa missio espacial coleta dados de 70 milhoes de estrelas por dia, que serviram de ase para um novo catélogo estelar, divulgado ano pasado, com informagoes sobre mais de 1, $ bilhao de objetos. Entre as muitas novidades que o Gaia esté revelando, desta- a constatacio de que algumas estrelas da Via Léctea nio surgiram aqui: foram eapturadas por uma eolistio com uma ou- tra galxia menor. Também vale apontar a descoberta de um Lipo de estrela, as ands-brancas com massa estimada em 0,8 da -massa solar, cuje existénecia nio pode ser explicada pelos nossos Inodelos atuais de formagao ¢ evolueao estelar. Por fim, gostaria de meneionar um e-mail que reeebi de um atento e antigo leitor nosso, o gedlogo Argemiro Garcia. Ele es- creveu para apontar que, da forma eomo eserevi no editorial da edigao de agosto, talver.na pré-cambriano € 0 cambriano € assinalada Justamente pelo aparecimento dos fésseis que identificam a chamada explosio cambriana, Ou seja, eles so o elemento que marea o fim de um, periodo e o comeco do outro, Fica aqui o registro. Também é uma boa oportunidade para ressaltar aos leitores que suas mensagens, sejam para elogiar, criticar ou simples ‘mente manifestar suas opinides, so sempre bem-vindas. Esta edigao também apresenta artigos ¢ textos abordando a busca da célula a prova de virus, as dinamicas ocultas nas Tutas centre animais, os desatios da minerag&o sustentivel nas selvas de Madagasear e muito mais. Divirta-se! anscounnaooss Camalrsissequenbracs ——EdudMaapenqratirds Maer adept ero piacarsesgonS Se GaethAmett series inmates TpaitateCencsstecoreséa —"druwmiraGngcdessimasaodeatt ‘inponarsene besa Cire ralede Care ramsao Gave Cimpeséctorenéereekeun ‘een Une Veta Saeorsece ands epomelpengupecesindgtes, doubters FowanHoor Gertyérpee amar bn pg pd pai Cat feupiinapbtriessaieda — “Trmtrserepssmiedehas emcozraetemnrul poriouchcotong Dai Base clara Stumm iveyelcencauaten Vokeiyoretgrelsetigedes Soerosebon eran Hops oereliroieprtretete Festgemesesapibwenate Unrgtopetyntaanba ‘btn ofan Gia Fae Resehen omental Chri [thet 0B Sarvnimie Robert W. 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Oe) ers) PIN ata eee er ake ee ae erected prensa Laer ccs res que se imaginava, eque, por outro lado, alguns nao eram verdadeiros aglomerados, mas simples asterismos ag mentos de estrelas sem um vineulo fisieo entre elas), E caso dos “aglomerados” mais antigns loealizados na parte interna do disco galéctico. De acordo com os modelos tesri- dos dex FISICA ESTELAR Embora o principal objetivo da missfio Gaia f¢ semaranbar o passado da Gali, os resultados foram allém, Cees Um novo olhar sobre a vida das estrelas Gola também estétransformando nosso conhecimento sobre a evo _tidade de estelasestudladas pelo Gala permit reconstrur odiagrama Piper rete aa eta eee eer eee ee ee ees Cee ee eee ee eer tt eee eee ene eee eee ee ere eee See ee et ene eee eee ee eee eer ener yeast) ESTELAR DA Pee PSTN Gaia permit laborar oi rama de Hertzprung Rus cipames ere Reeser invented re ee ery ees Per ey ee autos Peete] Cee) Poa eset eer ae Peery Peer Petr ry er pone tr ee ten ey Peete Fhe ie anya Se eS Tapes i] Tact ii) HPPARCOS eee) Sequtnca enlpal Luuminosidade (luminosidades sores) ‘Sm pene com idades semalnantes . orto Cee en ey ced Eee ee a eer eee ee Fenn re ene eg eee ene eee uty Reece emer eee eee ee erect) Pores nicer ecto i Fi a gq 1 a i 3 Em particular, a exuberdneia de dados do tiltimo catélogo esta preenchendo varias lacunas de nosso conhecimento so- bre aestruturae a evolugao das estrelas. Uma das ferramentas mais importantes no estudo da fi- siea estelar 60 diagrama de Hertasprung-Russell (HR). Cria- do hi mais de um século de forma independente por Ejnar Hertzsprung e por Henry Norris Russell, 0 diagrama repre senta a relagdo empiriea entre a temperatura ¢ a luminost- dade das estrelas, dois pardmetros que variam desde o nasci- mento até.a morte de uma estrela, Quando observamos urna estrela e medimos suas propriedades, sua posigao no diagra- mma TR € dada principalmente por sua idade, e por sua mas- sae composigio quimica iniciais, Mas até o momento dispit- nnhamos s6 de dados parciais de algumas etapas da vida das estrelas, eorrespondentes a zonas coneretas do diagrama HR, Gaia transformou esse cendrio. As distincias estelares medi- das pelo satélite permitem transformar as magnitudes apa- rentes (0 brio que observamos da Terra) em absolutas (sua luminosidade intrinseca). Isso permite posicionar as estrelas ‘no diagrama com tal preciso que comecamos a ver detalhes punea notados. Foi possivel compor um diagrama HR com mais de qua- tro milhdes de estrelas, apenas usando aquelas cujos dados disponiveis so mais precisos. S6 para comparar, 0 diagra- ‘ma elaborado a partir dos dados de Hippareos incluta as pro- priedades de cerca de 20 mil estrelas, Os novos dados reve- Jam claramente diversas populagdes estelares, entre as quais se destacam as estrelas da sequéncia principal (aquelas que, como o Sol, ainda estio fundindo hidrogénio), as estrelas si gantes (que ji atingiram a etapa de fusdo de helio) e as ands Drancas (residuos estelares compactos que sobram quando uma estrela similar a0 Sol esgotou seu combustivel nuclear), Anas brancas sio abundantes, mas dificeis de detectar, pois emitem pouca luz, Sua funcio de luminosidade(o ntime- ro delas em relagao a luminosidade) e sua fungi de massa (0 _niimeto delas em relacao sta massa) fornecem informacao sobre a historia da formacgio estelar da galdxia. Até agora, os cestudas mostravam uma clara concentragiio de anis braneas com 0,6 massas solates, bem como am pico com 0,6 massa solar. Mas 0 diagrama HR obtido com os dados de Gaia reve laa existincia de uma populagio até agora nao prevista pe- los modelos, ao redor de 0,8 massa solar. Por enquamto, essa, subpopulagio de anas braneas descoberta pela Gaia precisa de uma explicagao satisfat6ria Por tratarse de objetos com uma origem comum, as es trelas de um aglomerado, como jé mencionamos, comparti- Tham a idade e a composieao quimica inicial. Ao mesmo tem. po, cada uma delas evolui de acordo com o ritmo ditado por ‘sua massa, Se representarmos a temperatura e a luminosida- de de todas as estrelas pertencentes a um mesmo aglomera- do num diagrama HR, obteremos uma *iséerona”: um ins: tantaneo das propriedades de um conjunto de estrelas coma ‘mesma idade. Portanto, comparando as is6cronas de aglome- rados com diferentes idades, podemos eotejar os dados com ‘0s modelos de evolugio estelar. Essa éa primeira vez que dis omos de isoeronas empftieas & precisas para uma grande quantidade de aglomerados. Nio ha diivida de que esse ma- terial valioso contribuira para melhorar significativamente ‘os modelos de estrutura ¢ evelugdo das estrelas, MAIS ALEM DA VIA LACTEA, Os dadios de Gaia sao também prectosos para o estudo do halo externo e das vizinhancas da Galéxia. A anslise de es- trelas de cerea de metade dos aglomerados globulares (agru- pamentos de estrelas que orbitam em torno do eentro galiie- tico), em todas as galixias esferoidais vizinhas conhecidas e ‘nas nuvens de Magalhes (duas galaxias satelite da Via Lac ‘tea) permitiu caleular seus movimento com precisio inédita. estudo das superdensidades estelares no halo externo revela, pela primeira ver, um mapa cinemético estrutural de filamentos estelares da Via Léctea em todo 0 céu. Exis- te uma rica rede de filamentos entrecruzados, muitas vezes, com uma coeréncia einemética surpreendente. Virias dessas cestruturas foram descobertas reeentemente, O mapa refor- ‘cao cendrio de quea Via Lactea passou por varios eventos de Tusdo eaeregdo de galdxias menores, As 6rbitas das galdxias esferoidais ands vizinhas nao com: partilham @ mesmo plano orbital, embora todas mostrem ‘uma grande inclinacao em relacao ao disco galéctico. Em al- ssumas foram observadas assimetrias e, possiveimente, efet- tos de maré, A andlise do movimento dessas galixias satelites também permite estimar a massa da Via Lictea, Se supuser mos, por exemplo, que a galaxia ana Leo T esta gravitacio- nalmente ligada & nossa, podemos calcular para a Via Léctea lum massa de aproximadamente 9.1 x10" massas solares. (© que nos reserva o futuro? A duragio prevista da mis- so era até julho de 2019, com possfvel prorrogagéo de um ano, Hoje, a ESA jé aprovow a prorrogacio da missio até 0 fi- nal de 2020 ¢ considera estendé-la mais cineo anos. Observar uma estrela por um periodo maior permite determinar com precisio seu movimento. Além disso, permite detectar (os desvios em relacdo a uma trajetéria retilinea, 0 que, nesse caso, indicaria que a estrela nfo esté 6, mas acompanhada por outro objeto, que pode ser outra estrela ou um planeta. A proxima liberacao de dados esta prevista para 2020. Esse eatdlogo deverd melhorar os dados do atwal e incluir in- formaedo nova: a classificagio de alguns dos objetos observe dos nas estrelas, gakixias e quasares, as temperaturas, forgas grwvilacionais, composicao quimica e outras propriedades de uma grande variedade de estrelas, ¢ as rbitas precisas de corpos do Sistema Solar, A comunidad astronomica pode re -gozijar-se: 0 conjunto de dados de Gaia deste, edos proximos arquivos, devera mantéJa ocupada por d6cadas, 38 Theor ger that toto formation othe Miky Way'saner star halo and thick ‘sh Ari Holt al ae, 83995 85-8, cv de 208 _Adynaically young ana perturbated Milky Way sk Teresa Agata. em Nu ‘el 6, pie 250-26) stabvode 208 oma;esbreasexurd cae ea wwncosmosesinnabilta ese? ‘aruiedanisio Gigs scessrrctie vvsslamcombr 85 Como a materia roduz a P mente Uma nova disciplina, a neurociéncia de redes, esta mostrando como a mente pode emergir a partir de uma interagaio refinada entre diferentes areas do cérebro Max Bertolero e Danielle 8, Bassett Mustrapbes de Mark Ross Studios § REDES SAO PARTE DA NOSSA VIDA. DIARIAMENTE, RECORREMOS A COMPLEKOS rotas maritimas e aéreas, Ha redes al fora da nossa experiéneia imediata, Pense na rede de abastacimento irico, na World Wide Web e no proprio Universo, onde a Via Lac- tea é um n6 minusculo de uma rede de galaxias aparentemente infini- ta, Mas, dentre estes sistemas de conexdes ¢ interacdes, poucos S40 0s que podem se comparar ao que trazemos debaixo de nosso eranio, 96 Scent American Bra Setembro 2019 Aneurociéncia ganhou destaque nos dtimos anos, com a popularizacio de imagens coloridas que retratam as reas do cérebro “se acendlendo” a medida que realizamos alguma ati- vidade mental. 114, por exemplo, o lobo temporal, na regio do ouvido, que é assoviado & meméria, ¢ o lobo occipital, na parte de tras da cabega, que se dediea a visio Mas, nesta descrigao do funcionamendo do eérebro huma- no, faltava explicar como a interaglo entre as diferentes par- tes faz emergir aquilo que nds somos. O nosso laboratorio, ¢ outros, recorreu a uma Tinguagem de um ramo da matem- tica chamado teoria dos Grafos que permite analisar, investic gare predizer interagbes cerebrais complexas que transpoem, ovabismo entre a atividade neurvelétrica intensa e um con- junto de habilidades eognitivas — pereepedo, memoria, to- mada de decisao, aprendizagem e iniciar movimentos, Este novo campo da neurociéneia de redes basela-se e reforca a ideia de que certas regides do cérebro exereem fungdes defi- nidas. No seu aspecto mais fundamental, aquilo que 0 eére- bro — © 0 que somos nos, enquanto seres canscientes — de- fine-se por uma vasta rede de 100 bilhoes de neurdnios com pelo menos 100 trllies de pontos de conextio, ou sinapses. Hoje podemes modelar os dados obtides por imageamen- to na forma de um grafo composto de nés e arestas. Num gra- fo, 0s nés representam as unidades da rede, como os neu nnfos. Arestas representam as conexdes entre eles — imagine lum neurdnio entrelagado a outro, Em nosso trabalho, 0 eé- rebro humano é reduzide a um geafo com cerca de 300 nos, Diversas areas podem ser conectadas por arestas que re= presentam conextes estruturais do cérebro: srossos paco- les de“eabos” chamados de tratos de substaneta branea que vinculam diferentes regibes. Esta deserigao do eérebro como ‘uma rede unificada j4 nos proporeionou uma deserigao mais, clara do funcionamento cognitivo, além de oferecer os ber ficios priticos de melhores diagn6sticos ¢ tratamentos para oencas psquiditrieas. Uma maior compreensio das redes ce rebrais pode gerar um modelo para uma inteligéncia artificial igoada, novos medicamentos, tecnologia de eletro-esti- io para mudar o mau funcionamento da cireuitaria ce- nto. rebal duran de novas terapias para doengas ment depress, talver, levar ao desenvolvi A MUSICA DA MENTE Para entender como as redes fundamentam a nossa eapa- cidade cognitiva, fagamos uma analogia com uma orquestra executando uma sinfonia, Até recentemente, estudavamos a -A0 isolada de regiOes cerebrais individuais, o que seria 0 cequivalente a separar as seedes de metal madeiras, pe Donel S. Basset cessor asin no deparanero de icenenh do irae a Prs ric etic ees emsizeras ie bile i204 ela seterouura Macht Flo Max Bertoler bist de pis trad Grupo deSiscras Coles efosset erect um dared seas de eo ela Unsessade da Caton, ere eis ers Flexo epsoly apa UnivsidaeCokba s0 e cordas. No cérebro, este estratificagao representa uma abordagem que remonta a Plato: cortar a natureza nos seus pontos de articulagio e estudar os componentes individuais que surgem a partir Assim como é itil entender como a amigdala ajuda a pro cessar a emocao, € vital compreender como um violino al- canga notas tio agudas. Mas mesmo uma lista completa das eas cerebrais e suas funedes — visio, emocdo, movimen- to ete, — nao explica como o eérebro realmente funciona, as- sim como uma lista de instrumentos nao serve como formula, para a sinfonia Eroica, de Beethoven. As abordagens iniciais focaram como cada regio do c6- rebro esté inserida numa rede mais ampla que integra vie rias regides, e mapearam conexdes entre regides para estu- dar como elas participam dessa rede maior e integrada que é océrebro, Héiduas vertentes prinelpais, Primeiro, estudar a estrutura conectiva revela a instru- mentagao da orquestra cerebral. Fa hase fisiea da criagso da miisica,¢ a instrumentacdo de cada peca musical limita 0 {que pode ser toeado. A instrumentacao ¢ importante, mas ela Segundo, eérebros sao imensas orquestras de newrdnios que disparam juntos em padrdes espectticos. Escutamos a inGisiea do eérebro medindo a correlagio entre a atividade de pares de regides, indicando que elas funcionam em conjunto. ssa medida de atividade conjunta é conhecida como conec- tividade funcional, © cologuialmente pensamos nela como uum rellexo da mésica cerebral, Se duas regibes disparam com fas mesmas fluluagdes a0 longo do tempo, considera-se que que sao conectadas funcionalmente. 0 volume da musica do cérebro pode ser considerado como o nivel de atividade de sinais elétricos em uma regito cerebral A todo instante, algunas dreas esto mais ativas. Na ver- dade, todo o eérebro esta ativo todo o tempo, mas exeeutar ‘uma tarefa ir modular apenas a atividade de uma pequena regitio, em relaglio ao seu nivel bésico de atividade, Isso nao quer dizer que nés usamos apenas metade do nosso poten- Come oérabro di oigam a quemsome? Essa perautalevou so novo campo da nerociéciode rede, queusa um amo da mae, tear dos sas para modearascoonbes cerebral ques permite er, cael ou apenas farmossertados. ‘88 Scentie American Bes Setembro 2019 _Ateoria dos ras qu tnt Gus por qui cos,tebricosdo camps qulriolingustas model ‘oscaminhosficosqueconsvoer as redesfuno= ris os quai emergem nossa capacidadescognt- ‘as spares vss, atengio ove autocontol ‘A media que oaprerdaada dares crescouer abso os pesqustdores cmegaramatranspor ‘bacuneenrematéraemente. Noaspect pain, poderom sugirrexas mancirasde isgnsticare waar de dts tas como adepesso, ial cognitive, Na verdade, se todo 0 eérebro estivesse num estado de forte atividade ao mesmo tempo, seria o equivalen- tea todos os membros da orquestra tocanclo 0 mais alto pos- sivel. O resultado seria 0 caos, nfo @ comunicacio, S80 0s rit- ‘mos, o andamento ¢ as pausas estratégicas que comunicam, informagio, tanto numa sinfonia como dentro da sua eabe MODULARIDADE “Tal como a orquestra que pode ser dividida em diferen- s familias de instrumentos, 0 eérebro pode ser separado.em ssrupos de nds chamados modulos, que estruturamn redes lor calizadas. Todos os eérebros s’o modulares. Os nds dentro de ‘um médulo possuem conextes entre si que so mais fortes do aw s com nds de outros médulos. Cada modulo tem uma certa fungao. Recentemente, fize- ‘mos uma meta-andlise de varios estudos independentes que ‘abrangiam mais de 10 mil experimentos de ressonaneia mag- nétiea (MRD) de sujeitos realizando 83 tavefas eognitivas dic Ferentes, ¢ constatamos que tarefas distinias assinalam di- ferentes médulos das redes cerebrais, 14 médulos que se ‘ocupam de atengdo, meméria e pensamento introspective. Outros se dedicam & audiedo, visio e movimento, Fsses processos sensoriais e individuais e contiguos, dos quais a maioria esté restrita a ‘um inieo lobo cerebral. Também deseobrimos que a compu- ‘em médulos nao gera estimulagio extra em outros mé- dulos, um aspecto essencial do processamento modular, Meso que os médulos sejam independentes em boa me- dida, uma sinfonia requer que cada familia de instrumentos toque em untssono. A informagio gerada por um médulo deve posteriormente ser integrada a outros modulos. Assistir um filme apenas com 0 modulo responsével pela visto, sem acessar o médulo das emogées, prejudicaria muito a experi- fencia. Por isso, para realizar varias tarfeas cognitivas, os mé- dulos precisam trabalhar juntos. Uma agio da meméria de curto prazo como reter um niimero de telefone exige a coope- ragdo dos médulos de atengdio, audigio ¢ processamento de ‘membérias, Para integrar e controlar a atividade de méltiples médulos, o eérebro usa hubs, que sio nds onde se as conextes vindas dos diferentes médulos. Alguns médulos-chave que controlam ¢ integram a ativi- dade cerebral sf0 mais expansivos em suas atividades, ¢ suas conexdes se extendem por vitios lobos cexebrais. O médu- Jo de controle frontoparietal abarca integralmente os Tobos fromtal, parietal e temporal. Na escala da evolucao, ele surgi recentemente, Em humanos, esse médulo € grande, em. com paragao aos nossos ancestrais primatas mais proximos. Fle € analogo ao maestro da orquestra e & ativado em diversas ta- refas cognitivas. © médulo frontoparietal assegura que os diversos mo- dulos atuem em unissono, e tem forte participa no que é chamado de fungao executiva, que abrange 08 provessos de tomada de decisées, meméria de curto prazo e controle cog- nitive, Esta dltima é a habilidade de desenvolver estratéxi complexas ¢ restringir comportamentos inadlequados. jotores envolvem médulos neomtram Outro médulo bastante intereonectado & 0 médulo de sali- {neia, que se conecta ao médulo de controle frontoparietal e contribui para uma série de comportamentos relacionados a tengo ¢ a resposta a novos estimulos, Por exemplo, vela es- tas duas palavras; azul e vermelho, Se voet for perguntado “qual a cor da palavra?” vai reagir muito mais rapidamente & ‘que esta grafada em vermelho. f: que 0 médulo de saliéncia e ‘ frontoparietal devem ser ativados para responder & cor ver- de, pois voce precisa reprimir uma tendéneia natural deler a palavra como “azul” Por fm, 0 modulo do modo padrao inclui os mesmos lobos do médulo de controle frontoparietal. Ele possui muitos haxbs © esti ligado a varias tarefas cognitivas, ineluindo pensa- ‘mento introspeetivo, aprendizagem, recuperacao de memd- ras, processamento emocional, inferéncia dos estados emo- cionais de outros e até o ato de participar de jogos de azar Danos nesses médulas perturbam 0 funcionamento de eone- xdes por todo 0 cérebro e geram vastas dificulades de cogni- 0, assim como o man tempo num aeroporto que € um hud era atrasos no trifego aéreo em todo um pais CONENOES P Embora nossos eérebros tenham oars. los componentes bé- sicos de rede — médulos interconectados por hubs —, cada lum de nés exibe ligeiras variagdes na maneira como nossos cireuitos neurais so conectados, Pesquisadores recentemen- tededicaram um intenso eserutinios essa diversidade. Num {ase inicial do que & chamado 0 Projeto Conectoma Fumano, 1.200 pessoas jovens voluntariaram para participar de um es- tudo sobre a arquitetura de redes cerebrais, nanciado pe- los Institutos Navionais de Saiide. (© objetivo final do pro- Jeto € abarcar todo 0 perfodo de duragio de uma vida) As redes de conectividade estrutural e funcional de cada indivi- uo foram investigadas usando 0 método {MRI Esses dados foram complementados por uma bateria de testes e questio- narios cognitivos para analisar 280 tracos ou caracteristicas comportamentais ¢ eognitivas, Os partieipantes forneceram informagdes sobre qudo bem dormiam, com que frequéneia consumiam bebidas aleodlicas, suas competén« cas e de meméria, ¢ seus estados emocionais tas de todasas partes do mundo comegaram ase debrugar so- bre esse conjunto inerivelmente rieo de dados para deseobrir ‘como nossas redes cerebrais eodificam quem somos. Usando dados de centenas de participantes do Projeto Co- nectoma Humano, nosso laboratério e outros demonstraram ‘que 0s padres de conectividade cerebral eriam uma “im pressao digital” singular. Pessoas com fortes conexdes funcio- nais entre eertas regides t2m vocabulirio extenso ¢ exibem inteligéncia fuida superior — itil para resolver novos pro- Dlemas ~ e sio capaves de adiar gratificagdes, Blas tendem a ter mais educacdo e satisfacdo com a vida, além de memériae atengao melhores. Outras, com conexdes funcionais mais fra- eas entre as mesmas éreas cerebrais, tm inteligéncia fluida ‘ais limitada, histGrias de abuso de substaneias, distirbios de sono euma menor capacidade de concentragio, wwntselameombe 89 Decodificando 100 trilhées de mensagens ‘AVia Lactea tem centenas de bhSas de estreias — apenas uma fragio das 100 trihoes de conexdes em nossos eérebres que nos permite perceber, pensar agi Meu a Para desvendir esta complexidade, neurocientistas de rede criam um mapa, ou “ara que consiste de ns ligados por arestas que se encalxam em médulos, que, por sua vez, ‘Bo ‘conectados firmemente uns 20s outros por nds altamente conectados chamados, om huts. Hu conor De médulosa hubs. pensamentos oles seam midis queso dedcam a procasara vita tne @comportamartos motes erie cutest Ags doseage comafubs lc qumse gama carer isemseat ris dos Ure quetam mata fgagts cor mts méeosé cerheocmohubconex tipomaiscommenterencina nese arin Sus ives conentescomostantos mds cdecbro so decisis para muta aes partclamente comporaentasconplocs @. Médulo2 ris forssgngsesa ruitesouves dls space pstaita [tera cori pra ‘sleds po cores secspalhampor seas océebo queds wes (© Umar sere do ctrroumino mos oss cinerea forecrpremtntscinaclees gah dass ormpondeto recente ser co nat teeta cms tts etree pitas ida tin Cr: Ns fms coer apm ieee exipm cee pegses on coarsest. 40 Scionite Americus Brasil Setembro 2018 Agrupande cordenande tudo Medudosparaa vida tend eos hegtes cognitive, Sto dadeadosa aris pec. mats es pescado po repels A ae as ths sender 0 oo. Omi ul po eng, ‘eth emevdo en dome bs cota ere obser ‘Mutat ea rege muitos. Uw ede 5d mental a opacidade de rar meealerte greets de cht be irmeriona po? “ep, roa taro mesh vu coro 0 steno. ‘Ags des sd ecards de ares is sara. 0 méio rntapartl rcheenaaera ‘tants ov memo ft Oma de moto pao lea comeadosemocenan sdbjetreseucema uta rsa quan uma pesca esd em repe. i Maree ter gem «en rte be as) wovesclameombe 48 Inspirados por esta pesqui- sa, mostramos que as descober tas poderiam ser deseritas por determinados padrées entre as conexdes dos /tubs. Se a sua rede cerebral possui hubs fortes, co uitas conexdes através dos m6: dulos, ela tende a ter médulos que so claramente separados uns dos outros, ¢ voe® ter desempenho. melhor em mui- tas tarefas, de meméria de curto prazo a matemétiea, linguage ‘ou cogniedo social Dito de modo mais simples: seus pensamentos, sentimentos, idiossincrasias, falhas ¢ resilién- cia mental dos pela onganizagio espeeitica do eére bro como uma rede unificada © integrada, Em suma, € a miisi- ‘ea que seu eérebro toca que faz voce ser noe, do jeito que vor® & (Os médulos sineronizados do cérebro tanto estabelecem a sua identidade como ajudam a reté-la ao longo do tempo. As composiedes musieais que tocam parecem sempre milares. Essa semelhanga pode ser testemunhada quando os participantes de dois outros estudos no Projeto Conectoma ‘Humano se envolveram em vitias tarefas que envolviam me- ria de curto prazo, reconhecimento das emogdes de ou tras, jogas de apostas, @ ato de tamborilar os dedos, Hingua. gem, matemitica, racioeinio social e um “estado de repouso” autoinduzido, em que eles deixaram suas mentes vagau- temente, a conectividade funcional das redes emelhangas, em todas essas atividades, do que se esperava. Voltando & nossa analogia, nao & como se 0 cére- bro tocasse Beethoven quando realiza céleulos mateméticos Tupac Shakur quando repousa. A sinfonia em nossa cabe- ‘¢aéo mesmo masico tocando o mesmo género musical. Essa consisténcia deriva do fato de que os caminhos fisicos do cé- rebro, ou conexdes estruturais, impdem restrigBes as rotas cexistentes em sua rede integrada ao longo das quais um sinal neural pode viajar. E nos delineiam 0 modo como conexbes funcionais — digamos, aquelas para matemstica ou linguagem — podem ser configuradas. Na metifora musical lum bumbo nao pode tocar a linha melodica de um piano, ‘Mudaneas na musica do eérebro ocorrem inevitavelmente. ‘Conexdes fisieas passam por alteragées no decorrer de meses ‘ou anos, enquanto a conectividade funcional muda em or- dem de segundos, quando uma pessoa alterna entre uma ta refa mental ea seguinte. ‘Transformagoes, tanto em conectividade estrutural como funcional, so importantes durante 0 desenvolvimento ce- rebral adolescente, quando os Gltimos toques do diagrama de conectividade do eérebro esto sendo refinados. Este pe- Interessa mostra mais 42 Scintlt American Bra Setembro 2019 INCONTAVEIS conexdes da substancia branca nesta Imagem so usadas para modelar 0s eaminhos fsicos do cérebro, As redes funcionais usam essasligagies cestruturals para executar diversas tarefas cognitives. foo de importancia deci va porque os primeiros sinais de distiirbios mentais muitas vezes aparecem na adolest infeio da idade adulta, Uma area com a qual nossa pesquisa se relaciona € enten- der como as redes cerebrais se desenvolvem durante infncia ¢ adoleseéne até a idade adul- ta, Esses processos sso impulsio- nados por mudangas fisiologicas subjacentes, mas eles também so influenciados por aprenci- zaido, exposicio a novas ideias © competéncias, o status socioe- ‘condmico de um indivfduo e ous tras experineias. Os modulos das redes cere brais surgem muito cedo, até ‘mesmo no iitero, mas sua conee- tive le se refina & medida q ‘erescemos. Durante a infancia, © fortalecimento das conexdes estruturais aos hubs se asso~ cia a um aumento na segregagio entre os médulos e na efici- {nein com que pessoas jovens desempenb m tarefas exeetti- nio complexo ¢ autorregulagao, O desenvol= vimento da segregacao entre os méclulos ocorre mais rapido em criangas com status socioecondmico mais elevado, desta- ‘cando o impacto devisivo de seus ambientes. Embora as mudancas na conectividade estrutural sejam lentas, a reconfiguracao de conexdes funcionais pode ocor- rer répido, em segundos ou minutos. Essas mudangas répi- das sio essenciais para alternar entre tarefas e para a grande jtidade de apr qua ndizagem exigida mesmo por uma s6 tare fa, Em varios estudos verificamos que redes com médulos ca- pazes de mudarem prontamente apareet tm maior far Pas dados ptiblicos de um estudo histérico conhecido como Meu- Conectoma, no qual o professor de psicologia da Universida- de Stanford Russell Poldrack passou pessoalmente por ava- nem individuos que fo executiva e capacidade de aprendizagem. melhor entender o que estava acontecendo, usamos Jiagdes cognitivas @ de imageamento és vezes por sema- na por mais de um ano. Embora os médulos sejam, em sua maioria, autOnomos e segrezados, 0 eérebro as vezes reorga- niza espontaneamente suas conexdes. Essa propriedade, cha- mada flexibilidade da rede funcional, permite que um né ‘com fortes conexdes funcionais dentro de um méxlulo subita- mente estabelega muitas conexdes com um modulo diferen- te, mudando o fluxo de informagies através da rede. Usan- do dads deste estuddo, descobrimos que o redirecionamento das conexdes de uma rede muda de dia para dia de um jeito ‘que corresponde a humor positivo, estado de atengao ¢ fadi- sa, Em individuos saudlveis, tal flexibilidade de rede se cor relaciona com w melhor fungio eognitiva, i : NOTAS DISSONANTES A configuracdo das conexdes cerebrais também reflete a satide mental de alguém. Padres anormais de conectividade acompanham depressao, esquizofrenia, Alzheimer, Parkin- son, transtorno do espectro autista, transtorno do défieit de atengio, deméneia eepilepsia. A maioria das doengas mentais nao esta confinada a. uma ‘rea do eérebro, 0 cireuito afetado na esquizofrenia se esten- de por todo 0 ori, A chamada hipotese de desconesiio para a esquizofrenia sustenta que nao Ii nada de anormal quanto ‘20s médulos individuais; a desordem se relaciona a uma su- perabundaneia de conexdes entre eles. Num eérebro saudavel, os médulos sto, em sua maioria, autOnomos e segregados, ¢ 1 eapacidade de eausar mudancas Aexiveis em conexdes da rede ¢ henéfica para o funcionamen- 10 cognitive dentro de certos limites. Em nosso laborat6rio, descobrimos que nos cérebros de pessoas com esquizofrenia seus parentes de primeiro grau hi uma superabundancia de flexibilidade na capacidade das redes se autorreconfigu- rarem. Alucinagdes auditivas podem surgir quando n¢ dam inesperadamente as conexdes entre médulos da fala € médulos auditives. Essa mistura pode resultar no que pare- ‘com ser'vozes audiveis na eabega de alguém. Como a esquizofrenia, o transtorno depressivo maior nao € causado por uma nica regio cerebral anormal. Trés m6- dulos especiticos parecem ser aletados na depressio: 08 m6- dulos de controle frontoparietal, saliéneia e modo padrio, De fato, os sintomas da depressao — desinibigao emocional, sen- sibilidade alterada a eventos emotivos e “ruminagio” — ma- peiam esse 2 comunicagao normal entre os tres mo duos fica instavel. Normalmente, as atividades de modulo para médulo se alternam para equilibrar © processamento ‘cognitive de inputs sensoriais com pensamentos mais intros- pectivas, Mas, na depressio, o modo padrio predomina, ¢ a pessoa mengulha em pensamentos ruminativos. Desse modo, amiisica do eérebro torna-se eada vez mais dissonante, com uma familia de instrumentos governando a sinfonia. Essas observagies ampliaram nossa compreensiio das propried des de rede da depressao ao ponto de que um padrao de co- nectividade em um eérebro pode nos permitir diagnosticar certos sublipos do distirbio e determinar quais areas devem ser tratadas com a teenologia de estimulay ESTADOS MENTAIS, Quando Richard Feynman, fisico ganhador do Prémio No- Del, morreu em 1988, seu quadro-negro dizia: "O que nao pos- so criar, eu ndo entendo’, E um belo aforismo, mas ignora ‘uma idefa fundamental. Deveria ser revisado para “O que nao osso criar e cortrolar, eu mio entendo’: Quando tal contro- xistente, ainda sabemos o suficiente para desfrutar de leéi ‘uma sinfonia, mesmo que nao nos qualifiquemos para ser- ‘mos o maestro, Quando se trata do eérebro, temos um entendimento basi- co de sua forma e da importincia da arquitetura de sua rede, Sabemos que nosso eérebro determina quem somos, mas pouco entendemos de como isso ocorre, Reformulando a ex- plicagao do matemtico Pierre-Simon Laplace sobre determi- nismo e mecdnica, e aplicando-a ao e6rebro: nosso eérebro atual, ¢, logo, nosso estado mental atual, pode ser pensado como uma compilagio de estados passados que podem ser usados para predizer 0 futuro, Um neurocientista que conhe- esse todos os prinefpios de funcionamento cerebral, ¢ tudo sobre o e6rebro de alguém, seria eapaz de predizer as condi- des mentais daquela pessoa — seu futuro, assim eomo seu. passado, estariam presentes nia mente daquela pessoa Tal conhecimento poderia. prevenir dor e softimento, ja ‘que muitas doengas mentais se associam a anormalidades de rede, Talvez,possamos desenvolver dispositivos implantavi que alterem ou até gerem novas redes cerebrais, ou que edie tem genomas para prevenir redes desorganizadas, associadas a disttirbios mentais. Isso nos permitiria tratar de doengas € restaurar a funelo cerebral depois de um derrame (AVC) ou. eso, e aumenti-ta em individuos saudaveis, Antes que esses cenarios futuristas se materializem, duas grandes lacunas tém de ser preenchidas: preeisamos saber ais sobre como a genética pessoal, o desenvolvimento e 0 meio ambiente na fase inieial de vida determinam a estru: tura cerebral de alguém e como essa estrutura leva a capaci- dades funcionais. Neurocientistas tém algum conhecimento, ‘com base no genoma humane, sobre a estrutura que dé ori- ‘gem a redes funcionais, mas ainda preeisam desvendar como, preeisamente, esse processo ocorre. Estamos comevando a entender como as redes cerebrais se desenvolvem e sio mol- dads pelo ambiente, mas nao estamos perto de explicar toda a complexidade deste processo, A “fiacao” cerebral, sta co- nectividade estrutural, restringe 0 modo como varios médus Jos interagem uns com os outros, mas nosso conhecimento ‘segue limitado, A medida que preenchemas essas lacunas, ‘melhoram as chances para intervengdes que norteiam 0 fun- cionamento cerebral para trajetérias saudavets, © que nos impede, por ora, € a nossa visio ainda confue ‘sve indistinta do eérebro — 6 come se estivéssemos do lado de fora da sala de concertos e tivéssemos visto apenas esho- «cos dos instrumentos. Dentro de cada regiao do cérebro, exis- tem milhées de neurénios disparando a cada milissegundo, ¢ 6 somos capazes de medir indiretamente seus ntveis médios de atividade a cada segundo mais ou menos. Até agora, po- demos identificar, grosso modo, as conexdes estruturais do cérebro. Felizmente, cientistas e engenhetros tém avancado para fornecer dados cada vez mais claros que permitirio um, olhar, mais profundo sobre aquela que é talver a rede mais complexa do universo conhecido: seu eérebro, ‘AMectanistie Model of Connector Hubs, Modular and Cogion. Mow A Burl aon Aare Hunn car 2 185-17: Ou 820, Graph Theay Metheds: Applications Brain Netwrks, Spe aba ‘ical Newasconce, vel 29, 82,2 ode 218 Network Nerosciencs Uae arnt and lt Sper em Nie Nec, ol.20 pig 88-364 Maro 207 wornsclumeom.be 48 Perera célula inoulneracel Bidlogos estao construindo um organismo capaz de repelir qualquer virus existente no planeta. O préximo passo pode ser a construcao de células humanas impenetraveis Rowan Jacobsen On OE ae ee ee eee eee Cee ener renee eer ee es Pe tee eee neettnn ns Pee eee See aS ers eet Pe ee ee ey Ojorasa Rowan Jacobsen exrea reas fre fcasme' seb vane gers orcs davoladosrarospubleads medion 93 demargode 20, ‘ 'vinus POUSA NA CELULA COMO UMA ARANHA ATERRISSANDO EM UM BALAO com mil vezes 0 seu tamanho. Ele possui seis pernas finas esticadas embaixo de um corpo que lembra uma seringa com uma cabeca bulbosa. Este é um predador chamado lambda, e sua presa ¢ uma bactéria Esche- richia coli. Ao encontrar sua vitima, 0 lambda faz. 0 que incontaveis tri- Indes de virus tém feito desde que a vida sungiu: agarra-se 2 membrana da célula com suas pernas, prende sua parte parecida com uma seringa a um poro e se contrai, injetando seu DNA dentro dele. O DNA contém as instrugées para produzir mais virus, e isso é praticamente tudo o que um virus é: uma cépsula proteica que contém as matrizes para gerar mais c6pias de si mesmo. Virus invadem células e sequestram 0 equipamento celular, que usam para se replicar até que haja tan- tos virus que eles i organismos usam 0 mesmo sistema de codificai 0 DNA. Insira 0 c6digo na eélula, ¢ cla usar Depois, 0 processo se reinieia na bactéria infectada, No- vvas proteinas virais tomam forma, As coisas parecem prom soras para o lambda, Em poucos minutos, a célla estaré lite- almente explodindo com uma infinidade de virus novintios, Quando irrompem para fora, cada um se ditige a outra bacté= via, visando repetir este eielo ineontavels vezes Stibito, o mecanismo celular estaca, Ele simplesmente no consegue ler’ DNA do virus. No dueclo entre virus e eélulas, essa ineapacidade nunea ocorren, E isso significa que o lamb- da esta condenado. A razao para o seu fim & que esta cepa de E, coli foi reprogramada para usar um sistema operacional de DNA que nunea existiu na ‘Terra, e 0 e6digo viral ¢incom- pativel com ele. As diferencas deixam o lambda tio inde so quanto um virus de computador com o sistema operacio= rnal Windows dentro de um Mac, © mesmo aeontecerd com outros eventuais virus atacuntes. As pessoas que produziram cesta bactéria ¢ seu novo eOdigo aereditam que essa e: ristiea @ tornard imune a qualquer virus. Elas a chamiam ri colins7,e tem grandes planos para ela, A r£coll-57 esta sendo construfda em um laboratério na Escola de Medicina de Harvard por uma equipe Tiderada pela DiGloga Nili Ostrov, Nos dltimos eineo anos, Ostrov tem se mostrado obcecada com cada detalhe da reconstruco ge- niética da bactéria, Este € 0 proieto de edig@o zénica mais complicado da histéria e foi tema de um importante artigo de 2016 na Science, que identificon 148.955 modifieagdes no DNA necessérias para tomar a célula resistente, & prova de virus. A equipe de Ostrov havia completado 63% delas, relata- ram ela e seus colegas, © 0 monstro estava indo bem, 46 Seine American Bras Setembro 2019 rompam pelas paredes da eélula. Sao capazes de fazer isto porque todos os ), que é baseado em acidos nucleicos, tais como instrugdes para produzir proteina Apos trés anos, a eélula reconstruida esti Em breve, a cena que descrevemos ocorrera nao apenas com ‘um, mas com centenas de virus em uma placa de Petri. Se a rE-coli-57 sobreviver, poderé mudar para sempre a relagio entre os virus e suas presas — inclusive ns Virus sao incrivelmente abundantes, ¢ $00 milhes deles cobrem cada metro quadrado do planeta. No s6 nos ator- que usam células para fabricar produtos de fogurte a farma- cos, Virus também sao um dispendioso flagelo na industria, de latictnios, que emprega bactérias para fermentar queiios e iogurtes — esses produtos tém de ser descartados quando as bactérias sao alingidas por uma contaminagao viral. Uma, bacteria resistente, & prova de virus, portanto, poderia ser um microrganismo com um valor de bilhdes de délares. ‘Uma e6lula assim poderia deseerrar um novo mundo de medicamentos projet ida. “Se quisermos pro: uzir anticorpos sofisticados e drogas proteicas requintadas, precisamos incorporar neles substancias diferentes’, diz Os luoy, “Isso seria um divisor de aguas para as empresas farma- ‘Butieas,” Todas as proteinas naturais sao construidas a par- tir dos mesmos 20 aminodcidos, mas 0 sistema operacional modificado da rEcoli-s7 Ihe permitiria construir novas pro- tefnas usando aminofecids exétieos, assim como novas pe as de LEGO expandem 0 que pode ser construido com o con- junto basico. Kssas proteinas projetadas poderiam mirar com grande preciso doencas como a Aids ou 0 cancer, De um lado mais controverso, 0 sucesso da rEeoli m com doengas, mas também infernizam indistrias dria ser um passo rumo a tornar eéhulas humanas resisten- les a virus, ao deixar seu DNA imune a um sequestto viral. Seria um feito inestimavel para a pesquisa médica, que so fre com infeecdes virais nas suas Linhagens eelulares huma- ras usadas para desenvolver e testar medicamentos terapeu- ticos. Cétiens, no entanto, duvidam que as eélulas recodifica- das possam funcionar como as “normais”, © que faria delas plataformas de teste nao confiaveis. 4 ideia também alarma (0s que temem que tal recodificagio nos leve um poueo mais perto da criagZo de humanos com DNA projetado, (Ninguém envolvido no projeto propds projetar pessoas) Recodifiear apenas uma dnica célula humana criadla em laboratério seria muito complicado, porque genoma humano tem 3,2 bilhies de letras de comprimento, 800 vezes maior que 0 de £. eal. Mas r¥-col#¢ um primetro passo fundamental A recodificagao frustra e vence invasores virais porque al tera linguagem que uma eélula emprega para produit pro- teinas, que so as moléculas que toda forma de vida usa para conseguir fazer qualquer coisa, Protefnas sao feitas de unida- ‘des menores conhecidas como aminodcidos, e cada amines cido tem um cédigo de DNA de trés letras, feito de algu- ‘ma combinagio das quatro bases de DNA: A, C, Ge T ‘TG, por exemplo, significa triptofano e CAA quer dizer slutamina, Bsses codigos de lids letras so chamados e6: dons, ¢ todo gene € simples- ‘mente uma sequéncia linear dees, A pradlugao de protei- nas acontece quando essa sequénela € enviada AS fAbrieas celulares, os ribossomos, “Isso seria onde os cédons formam pares com moléeulas chamadas RNAs de transferéncia (tRNAs). Cada tRNA tem uma extre midade que se liga a um certo céclon e outra que se Higa a um. tipo de aminofcido, A medida que a sequéneia de cédons se través da linha de montagem da protefna, os RNAS cocrentemente os aminoaicidos até que a prote teja completa, ‘Mas ha um traco importante nese sistema; ele tem mui- ta redundanela. Existem 64 eédons porque Iii 64 combine- (es de trés letras de A, C, GeT. Mas s6 existem 20 aminoa cidos, Isso significa que ha miitiplos eédigos para a maioria dos aminodcidos. AGG, por exemplo, significa arginina, mas CGA também. Alguns aminodeidos tem até seis c6dons. LA nos idos de 2004, George Church, geneticista de Har vvard e chefe de Ostrov, comegou a ponderar se todos esses ¢6- dons eram absolutamente necessérios. E se todo 0 AGG no genoma de E. cof fosse alterado para CGA? Como ambos eo dlificam para arginina, a bactéria ainda construiria todas as suas proteinas normais, Mas — e este é um ponto-chave se 0 tRNA que forma par com 0 AGG também fosse elimina- do da eélula, entdo o e6don AGG seria um bece sem saida no proceso de construgio de proteins Enquanto pensava sobre as implicagdes de eliminar eertos URNAs, Church teve uma epifania, “Me dei conta de que isso tornaria as células resistentes a todos os virus’, diz ele, “o que seria uma vantagem potencial muito grande” Virus como 0 lambda se reproduzem ao fazer com que uma eélula lela ge nes virais ¢ construa protefnas usando essas sequéncias. Mas se otRNA para AGG fosse apagado da célula, entao todo gene viral que inclufsse um o6don AGG ficaria imobilizado, a espe- rade um tRNA que nfo existia mais, ¢ nenhuma protefna vi- ral seria completada. Virus evoluem furiosamente, e Church suspeitou que eles logo conseguiriam contornar 0 desaparecimento de um tini= 0 URNA. Mas s¢ cédons € tRNAs suficientes fossem elimina fel que um virus encontras- dos, seria praticamente imposs se espontaneamente @ combinagao correta de mutagoes para usar 0 cédigo alterado, 4 £. coli tinha sete cédons que eram relativamente raros. Eles ocorriam em todos 083.548 de seus genes, dia de 17 vezes por gene. Se todos os tRNAS correspondentes fossem eliminados, um virus precisaria de- Uma célula recodificada poderia descerrar todo um novo mundo de medicamentos projetados. algo revolucionario, um divisor de aguas”, diz Ostrov. senvolver cerea de 60 mil novas sequéneias, cada uma inse~ indo o eéddon substituto correto exatamente no ponta certo. E isso, simplesmente, nado aconteceria Em 2004, isso era s6 uma ideia, Mudar um tinico gene em ‘um organismo jd era algo dificil; editar os milhares de genes neeessirios para eliminar todas as ocorréneias de certos ¢6- dons era impossfvel. Mas, em 2014, os avancos tecnoligicas permitiam vislumbrar tal possibilidade. Por isso, Church co- megou a procurar alguém com a motivagao ¢ as habilidades organizacionais necessérias para ataear 6 maior projeto de edicao génica da historia, Fol af que Ostrov chegou ao seu laboratorio como pesqui sadora de pés-loutorado, Se Church foi o arquiteto dar. coli- 457, Ostrov tornou-se sua engenheira € empreiteira geral tinha muita experiéncia em construcso molecular, Ostrov cresceu em Israel ¢ frequentou a Universidade de Tel Aviv, ‘onde modificou uma protefna ao adicionar alguns aminoée!- ddos que ligavam uma particula de metal. Quando varias des sas proteins modificadas se encaixaram, elas formaram ura nanofio capaz de conduzir corrente [eletrical. “Pensei comigo, ‘uaul, podemos usar a biologia para fazer coisas titeis recorda ela. Mais tarde, Ostrov ganliou seu Ph.D. ao modifiear geneti- camente fermento de p vificagiio para produvir um pigmento vowwsclamcambr 47 Virus versus célula Existern milhdes de virus que infectam e assumem o controle de células humanas e bacterianas, ransformando-as em {abricas produtoras de virus. Biélogos agora esto modificando e redesenhando o DNA de uma bactéra, a rEcol-57, ‘com genes que Ihe permiter trabalhar como uma célula saudével normal, mas resistira todos os ataques vrais. @© infiteracao virat yeaa cine ere eee) teats ae tin copra peter - ‘Um virus pousa emuma eflula bacteriana e injeta ODNAdo virus étranscrito em um srpska Es DNA eds fame amare nas er eo DNAGa cin deren pee eee Sees ert © sequestro Sse NA ia penetra naftrca motadora de protinas da cfu, bessoe. cds cru de ‘seas de mRNA, cnherde como een forma Ups com unamolaacomplonetr execs ey ee PC oO ad Ree erty

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