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O tópico de Grandezas e Medidas na escola básica está dentro de um dos grandes blocos de conteúdos
considerados como fundamentais para a etapa da formação escolar pelos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) para o Ensino Fundamental. No entanto, muitos dos conceitos de Grandezas e Medidas não são
compreendidos de forma adequada pelos alunos que se deparam com barreiras aparentemente intransponíveis
para avançarem para as etapas posteriores do ensino. Tais dificuldades geram a má utilização de fórmulas
matemáticas e a compreensão equivocada de algumas Grandezas como massa, temperatura, velocidade,
densidade demográfica, entre outras, que se constituem em excelentes temas articuladores com outras áreas
científicas (Química e Física, por exemplo). O objetivo deste artigo é analisar os erros mais comuns de Grandezas
e Medidas, interpretando e classificando-os a partir dos quatro tipos de obstáculos no ensino de Matemática
definidos por Guy Brousseau.
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XIV EBRAPEM – Campo Grande, MS – 2010.
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Nascido
em
1933,
Brousseau
é
um
educador
matemático
Francês.
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XIV EBRAPEM – Campo Grande, MS – 2010.
“deixar que a instituição convença os alunos de que fracassam porque são idiotas – ou
doentes - porque nós não queremos enfrentar nossas limitações”.
Brousseau (2001, p.65) ainda aponta várias formas de lidar com os obstáculos:
• Rejeitá-los implicitamente a cada vez;
• Ignorá-los (e expor novamente a teoria, como se todo erro fosse decorrente do
desconhecimento da teoria apresentada mais recentemente);
• Aceitá-los sem os reconhecer;
• Analisá-los com os alunos;
• Reconhecê-los, expô-los e dar-lhes explicitamente um lugar no projeto de ensino.
Epistemológicos
Estão ligados às dificuldades conceituais, por vezes também constatadas na história da Ciência.
Ou seja, tal obstáculo decorre da falta de conhecimento aprofundado do conteúdo ou da
compreensão do seu processo de desenvolvimento ao longo da História.
Didáticos
Originados, em geral, quando professores (na maioria dos casos, bem-intencionados)
simplificam um conceito muito abstrato ou complexo usando-se de restrições (como de
conjuntos numéricos) ou de excesso de simplificações (Efeito Topázio 4). Ainda pode-se
originar por criação abusiva de metáforas (Efeito Jourdain5) como uma única forma de ver um
conceito.
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Efeito
que
ocorre
quando
o
professor,
por
considerar
de
antemão
a
resposta
que
o
aluno
deve
fornecer,
tenta
facilitar
a
tarefa
dando
dicas,
de
modo
que
os
alunos
sejam
levados
quase
de
imediato
a
respondê-‐las.
Segundo
Brousseau,
é
um
dos
efeitos
possíveis
do
Contrato
Didático.
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Ref.
Brousseau
(1986).
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Psicológicos
Estão ligados à natureza afetiva do sujeito ou às crenças da comunidade em que ele está
inserido. Se um aluno tem uma família, cujos pais ou irmãos sempre tiveram dificuldades em
Matemática, há tendência de ele carregar seus medos e o rótulo de que seja uma disciplina
difícil e de pouca compreensão.
Ontogenéticos
Ocorrem quando a maturidade não é suficiente, ou quando outras dificuldades do
desenvolvimento psicogenético do sujeito o impedem de compreender um conceito novo. Ele
precisa adquirir uma maturidade mental, para compreender um assunto, a qual não
necessariamente precisa estar ligada à idade cronológica.
Esses quatro tipos de obstáculos servirão de referência para nossa análise de exemplos
comuns de erros em atividades práticas, ligadas ao assunto de Grandezas e Medidas.
2. Objetivo
3. Metodologia do trabalho
• Números e operações;
• Espaço e forma;
• Tratamento da informação;
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• Grandezas e Medidas.
Para o bloco de Grandezas e Medidas, tema deste nosso trabalho, o PCN traz a
seguinte descrição:
Este bloco caracteriza-se por sua forte relevância social devido a seu caráter prático e utilitário,
e pela possibilidade de variadas conexões com outras áreas do conhecimento. Na vida em
sociedade, as Grandezas e as Medidas estão presentes em quase todas as atividades realizadas.
Desse modo, desempenham papel importante no currículo, pois mostram claramente ao aluno a
utilidade do conhecimento matemático no cotidiano. As atividades em que as noções de
Grandezas e Medidas são exploradas proporcionam melhor compreensão de conceitos relativos
ao espaço e às formas. São contextos muito ricos para o trabalho com os significados dos
números e das operações, da ideia de proporcionalidade e um campo fértil para uma
abordagem histórica. (BRASIL, 1997, p. 39-40)
4. Resultados e discussões
É necessário, antes de tudo, esclarecer que nem toda dificuldade apresentada pelos
alunos está sendo chamada de obstáculo epistemológico. De acordo com H. El Bouazzaoui
(1988), quando há dificuldade, o problema se resolve sem questionamentos da teoria e das
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GRUPO A
OBSTÁCULOS VINCULADOS A NOÇÕES FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA
A proporção, aqui compreendida como uma relação de igualdade entre duas ou mais
razões, é de fundamental importância para a compreensão das Medidas, bem como de diversos
outros temas que permeiam o ensino e as necessidades do mundo real.
Para Piaget, é no nível operatório formal (12 anos em diante) que o sujeito pode
construir vários esquemas operacionais, entre eles o de proporção. Desse modo, alguns
obstáculos na aprendizagem de Grandezas e Medidas podem ser causados pela necessidade de
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A impressão de que toda grandeza deva ser extensiva, pode gerar no aluno problemas
na compreensão das escalas de temperatura.
GRUPO B
OBSTÁCULOS VINCULADOS À DICOTOMIA TEORIA-PRÁTICA6
O divórcio entre teoria e prática, frequente no ensino, gera dificuldades, que são
evidentes sobretudo na estimativa e antecipação de resultados. Faz-se necessário, na escola, o
uso de instrumentos de medida para que o aluno compreenda o verdadeiro significado do
processo de medição, bem como a questão da precisão e as particularidades de cada grandeza.
Outro obstáculo didático pode surgir dessa vez como resultado da simplificação dos
exercícios para facilitar os cálculos, ou adaptar-se aos conhecimentos do aluno em termos de
conjuntos numéricos. São fornecidas sempre Medidas exatas (preferencialmente, inteiras) que
levam o aluno a desconsiderar a natureza contínua de grande parte das Grandezas estudadas
(comprimento, massa, tempo etc.).
Obstáculo 6 – Precisão
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O
texto
usa
o
termo
peso
para
referir-‐se
à
medida
de
massa.
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GRUPO C
OBSTÁCULOS VINCULADOS À RELAÇÃO
OBJETO-MEDIDA-GRANDEZA
Por que falar de Grandezas e Medidas, não são ambas a mesma coisa?
Utilizaremos o esquema acima representado 9 para facilitar a compreensão desta
questão e para elencar os próximos seis obstáculos que observamos. Nele, o CONJUNTO
OBJETO é levado no CONJUNTO GRANDEZA pela função g. Este, por sua vez, é levado no
CONJUNTO MEDIDA através da função µ. E a função m, que leva o CONJUNTO OBJETO
no CONJUNTO MEDIDA pode ser interpretada como a composta das funções g e µ.
Para os propostos deste trabalho, define-se grandeza como tudo o que pode ser medido.
São exemplos de Grandezas: comprimento, tempo, massa, força, velocidade e temperatura.
Medida é um processo, através do qual estabelecemos valores numéricos a uma grandeza.
Por exemplo, suponhamos que o CONJUNTO OBJETO seja formado pelas figuras
geométricas planas. Neste caso, podemos eleger como CONJUNTO GRANDEZA, por
exemplo, o Conjunto área ou o Conjunto perímetro. Suponhamos que tenhamos escolhido a
primeira opção. Então, cada elemento do CONJUNTO OBJETO será levado, pela função g
(uma função comparativa) à classe dos objetos de mesma área, que corresponde a um dos
elementos do CONJUNTO GRANDEZA. Essa classe de objetos é levada, por meio da função
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Este
esquema
encontra-‐se
no
artigo
de
LIMA,
P.
F.
(2004).
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A relação exemplificada pode ser estendida aos demais objetos, Grandezas e Medidas.
A confusão entre Grandezas por parte do aluno aponta para um obstáculo que pode ser
considerado:
- Psicológico, no caso de confundir peso e massa. A comunidade em que está inserido,
sua família, seus pais, provavelmente chamam de peso a medida que fazem na balança.
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Portanto, para ele há uma relação natural com essa nomenclatura, que pode constituir um
obstáculo para a compreensão do conceito científico de massa e peso.
- Epistemológico nos demais casos, como confundir área e perímetro, massa e volume
e assim por diante.
Ao aplicarmos esta questão10 numa sala de 3º ano do Ensino Médio, uma das alunas
sentiu grande dificuldade em resolver o exercício. Em princípio, pensávamos que era um
desconhecimento das fórmulas ou da sua forma de aplicação. Mas, percebemos que não era
essa a dificuldade. Mesmo recebendo orientações para calcular a área do quadrado e do círculo
separadamente, a aluna não sabia o que fazer com essas Medidas. Ainda quando dissemos que
para calcular a área da sobra bastava calcular a área do quadrado e subtrair a área do círculo, a
aluna não podia compreender que sentido havia nessa operação. Isso porque não lhe era claro
o conceito da grandeza área, ou melhor, a transformação que leva cada objeto em sua área.
Essa transformação pode ser ainda considerada um obstáculo epistemológico, quando
se confunde o objeto com a grandeza. Por exemplo, o termo círculo refere-se à figura ou à sua
área? Para Euclides era natural referir-se a essas duas coisas pelo mesmo nome. Este mesmo
obstáculo pode ser também didático, quando se pergunta para o aluno quanto vale o círculo.
processos de medição tem estreita ligação com a evolução tecnológica e científica das culturas
humanas. (LIMA 2004, p.13)
Comparar Grandezas não é o mesmo que medir Grandezas. Nem sempre isso é claro
para o aluno. Desse modo, a função g pode ser um obstáculo para a compreensão da função µ
e vice-versa.
5. Considerações finais
realidade proposta. Uma retificação menos profunda pode causar no aluno aquela sensação de
que o professor vai estar sempre entre ele e o saber, sensação nada conveniente se objetivamos
a autonomia do aluno pela busca do conhecimento, dentro e fora da escola.
O estudo realizado a partir da literatura (ASTOLFI, 1994, _______, 1997;
CAMPANARIO, 2000) e de nossa experiência docente indica que os obstáculos, quando
identificados e devidamente trabalhados, podem tornar-se aliados do professor no decorrer do
processo de ensino. Martinand (1986) sugere que a superação de alguns obstáculos concebidos
pode se tornar objetivos a serem alcançados; é a noção de objetivo-obstáculo. Os dados
apresentados podem auxiliar o professor para a elaboração de suas aulas, no intuito de lidar
com tais dificuldades que podem gerar a má utilização de fórmulas Matemáticas e de
compreensões equivocadas de outras Grandezas, como massa, temperatura, velocidade, dentre
outras.
Por exemplo, ao identificar no aluno o Obstáculo 7, segundo nossa categorização, faz-
se necessário introduzir novamente o conceito da nova grandeza, comparando-a com a anterior.
Se o aluno divide a medida por 100 na transformação da unidade de centímetros para metros,
não basta dizer que de cm² para m² é diferente. É preciso mostrar isso experimentalmente
através de papel quadriculado, ou outros recursos que o professor considere adequados para
que o próprio aluno chegue à conclusão de que cabem 10.000 cm² em 1 m², percebendo a
diferença entre objetos lineares e superficiais e superando, assim, os seus obstáculos.
Ao longo de nosso estudo notamos que certas dificuldades não se enquadram dentro
dos obstáculos elencados segundo Brousseau, havendo a necessidade de se buscar outros
referenciais, e ainda a troca de ideias entre diferentes disciplinas, podendo auxiliar na
identificação, gerando pistas para superar tais obstáculos.
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Referências Bibliográficas
CAMPANARIO, J. M; OTERO, J. C.. Más Allás de las Ideas Previas como Dificultades de
Apredizaje: las pautas de pensamento, las concepciones epistemológicas y las estratégias
metacognitivas de los alumnos de ciencias. Enseñanza de las Ciencias, v.18, n.2, p.155-169,
2000.