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Matéria Autor Não é de estranhar que o “experimento” tenha se frustrado, não sem antes contaminar diversos lotes
do remédio com destinação à Goiânia.
Assim, mais uma vez Goiânia, a exemplo do Césio 137, foi cenário de uma verdadeira tragédia,
expressa em números noticiados pela imprensa da época: 22 mortes e centenas de vítimas com
incontornáveis seqüelas, tais como a cegueira, enfraquecimento das articulações, febre reumática,
problemas cardíacos etc.
À época, as vítimas se reuniram na busca dos responsáveis por tantas mortes, por tantas famílias
desfeitas, enfim, por tamanho descalabro.
Com a comoção nacional causada pela contaminação do remédio, a Anvisa imediatamente suspendeu as
atividades do Laboratório Enila, restando a seus sócios, dentre eles duas offshores no Uruguai, ingressar
com um requerimento de concordata.
Mas a concordata não pressupõe exercício de atividade comercial, no caso, a fabricação de remédios? E
esta atividade comercial não estava suspensa pela Anvisa? Como explicar a concessão da concordata
em 2003?
Ora, mesmo proibido de produzir remédios, o Laboratório Enila conseguiu garantir no Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro a tão esperada concordata preventiva, a ser arrastada por 5 longos anos,
mesmo sem que se cumprisse quaisquer dos pagamentos previstos no processo. Enquanto isso,
nenhuma vítima foi indenizada, trabalhadores ficaram desempregados, credores deixaram de receber,
material químico ficou abandonado no Parque Industrial, HD’s de computadores foram furtados da
fábrica, documentos comerciais desapareceram como que por passe de mágica, enfim, uma temeridade.
Somente em julho de 2007, mais de 5 anos após as mortes pela contaminação do Celobar, foi decretada
a falência do Enila, sendo, a partir de então, verificado que os responsáveis pela contaminação do
remédio já haviam desaparecido, tendo-se notícia de que um deles, o sócio americano, já teria inclusive
deixado o país.
Pausa para a pergunta que não quer calar: quem, afinal, seria responsabilizado pela morte de dezenas e
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contaminação de centenas de pessoas?
Com o início da administração da massa falida do Enila, verificou-se quadro muito mais dantesco que o
antes relatado.
Além de uma dívida acumulada já alcançando 40 milhões de reais, foi encontrado no Parque Industrial
(hoje guardado por 80 cachorros de médio e grande porte) 18 toneladas de material químico
deteriorado, bem como tonéis de ácido sulfúrico mal armazenados nos fundos da fábrica, mantidos no
mesmo ambiente que recipientes de benzina, acetona e éter, formando uma combinação explosiva.
Mais uma bomba estava por vir, mas, dessa vez, viria para impactar os verdadeiros responsáveis pelo
ressarcimento das vítimas, trabalhadores e credores. Essa bomba viria para ensurdecer um verdadeiro
gigante, um dos principais agentes econômicos na fabricação internacional de remédios: a
GlaxoSmithKline.
Descobriu-se, com base no relato de trabalhadores, nos autos de processo tramitado na Justiça Federal,
nos ônus reais do imóvel onde está o Parque Industrial, nos registros na Jucerja e, por fim, nos
registros de marcas no INPI, que o Laboratório Enila e a GlaxoSmithKline compunham um grupo
econômico de fato, tipicamente formado para a obtenção de favorecimentos fiscais, redução de taxas da
Anvisa, afastamento da fiscalização da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e do Cade etc.
Para se ter uma idéia da relação entre as Empresas, a GlaxoSmithKline detinha o domínio da marca
“Laboratório Enila”, tendo, ainda, declarado em processo judicial que sobre determinada marca não
recairia a caducidade exatamente pelo fato dela estar sendo utilizada por sua subsidiária no Brasil: o
Laboratório Enila.
Não há, a princípio, ilícito na composição de grupos econômicos de fato, como o composto pela Glaxo e
Enila, afinal a Constituição Federal é clara ao garantir aos agentes econômicos a livre organização e
planejamento societário, mas tais garantias não comportam abusos.
O direito a livre organização empresarial não pode obstaculizar o justo ressarcimento, pela empresa
controladora, daqueles que foram lesados por uma das suas empresas subsidiárias. Não poderá, de
certo, afrontar a dignidade da pessoa humana.
A farsa, caro leitor, se caracteriza não pela simples constituição de um grupo econômico de fato, mas
pela omissão da empresa controladora (GlaxoSmithKline) diante de uma verdadeira tragédia causada
por uma de suas empresas controladas (Laboratório Enila).
De outro giro, há séria questão ambiental que advém do Caso Celobar. Com o fechamento do Parque
Industrial do Laboratório Enila toneladas de material químico utilizado na fabricação de medicamentos
foi abandonado, sendo concreto o risco de contaminação do lençol freático, em caso de vazamento e
escoamento pelo ralo mais próximo.
Há, ainda, a exposição da população local a risco de explosão, diante do armazenamento conjunto de
acetona, éter, benzina e ácido sulfúrico, em franco vazamento.
Mais receios surgiriam após a inspeção do Parque Industrial, principalmente pelo que poderia estar
guardado no interior do maquinário. É de conhecimento público que grandes Laboratórios fazem uso de
equipamentos com material radioativo encapsulado, como forma de baratear os custos com energia
elétrica.
Temerária seria a invasão do Parque Industrial com o furto do maquinário para posterior desmonte e
venda em ferro velho. Esse medo remonta mais uma vez a Goiânia e ao Césio 137, mas, dessa vez,
atingindo uma cidade cosmopolita, internacionalmente conhecida.
Imagine o Rio de Janeiro, tão bem descrito pelas belas canções de Tom Jobim e Vinícius de Morais,
transformando-se em cenário de vazamento radioativo, alcançando bairros contíguos ao Jacaré e
ocasionando a morte e contaminação de milhares de pessoas. A Cidade “Maravilhosa”, caro leitor,
entraria em quarentena e 2008 se transformaria no “ano que nunca acabou”.
Informados pela administração da massa falida acerca desse caótico cenário, autoridades públicas do
Estado reunidas integraram verdadeira força-tarefa, disposta a ultrapassar toda a limitação ainda
presente na legislação ambiental que, por exemplo, atribui a responsabilidade para a retirada do lixo
tóxico ao “poluidor”.
Neste contexto, foi priorizada a saúde pública em detrimento de um mero conceito jurídico abstrato,
sendo percebido que, neste caso concreto, o “poluidor” oculta-se ou esconde-se sob o manto (ou
máscara) de organização societária, não sendo aceitável esperar por futura identificação, transitada em
julgado.
Com a união de forças está sendo possível à administração da massa falida, com o apoio do Governo do
Estado, representado pelo alto comando dos Bombeiros, da Defesa Civil, da Feema, da Cica e da
Secretaria de Ambiente, dar a correta destinação ao lixo tóxico exposto a toda sorte de manipulação
humana.
Neste mês de setembro deu-se início à retirada das 18 toneladas de material químico, sendo, ainda,
proposto por representantes do Governo do Estado que o local, onde antes funcionava a Fábrica
causadora de tantas mortes, fosse transformado em uma escola, mediante desapropriação, voltada para
o ensino fundamental, médio e profissionalizante.
Seria esse um fim lúdico para uma história tão dramática, mas, apesar da perspectiva de um bom
desfecho, estamos longe de um fim.
Aqui se escreve mais um capítulo, não como uma nova farsa, mas como a clara demonstração de que
não se está diante de um “país sem lei”, mas de cidadãos e autoridades conscientes e capazes de
produzir o “direito”, tornando-o vivo e ajustável ao caso concreto, sempre em prol do interesse comum.
O que esperar dos próximos episódios do Caso Celobar? Caberá ao Judiciário escrever esse roteiro,
demonstrando que é possível fazer Justiça com eficiência, garantindo ressarcimento financeiro para
todas as vítimas do que de início se chamava Enila e Celobar, mas que hoje, derrubadas as máscaras e
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dissipada a fumaça, identifica-se como GlaxoSmithKline.
Essa história não deve terminar aqui. Deve prosseguir, não como uma saga, mas como uma seqüência
que superará, a exemplo do Poderoso Chefão I e II, o roteiro original, afastando reiterados abusos,
tragédias e farsas, tornando-se emblemática para a criação de uma história de superação: uma
verdadeira e nova história brasileira.
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michel mendes
19/09/2008
Maira
19/09/2008
É isso aí!
Marcelo Guedes
19/09/2008
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Ana Paula
19/09/2008
Bjss!!
Max
20/09/2008
Ótimo texto Dri! Espero que, num futuro próximo, você possa
escrever o epílogo desta história com final feliz! Bjs e parabéns!
Vanda Alves
21/09/2008
Muito bom.
Gostei do seu texto e o assunto não pode ser esquecido.
Bom você voltar a ele, importantíssimo.
Bjs.
Gustavo
24/09/2008
Gisele
25/09/2008
Jana Perluxo
29/09/2008
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Gostei muito da materia.Parabens.bjs
Aleh
05/10/2008
Dri,
menina..vc esta na trilha das grandes materias jornalisticas!
E é sempre importante relembrar e trazer a tonas esses casos
que acabam perdendo o foco da grande midia com o passar do
tempo.
Demorei a escrever, pq andava sem tempo , e a sua materia
exige atençao.
Parabens.
Bjs
Aleh
carlos fraga
21/10/2008
Pedro Carvana
13/11/2008
Pedro
Adriana Almeida
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29/01/2009
É, amigos.
A luta continua e mais uma batalha foi vencida: Márcio D'
Icarahi, Presidente do Enila quando da tragédia do Celobar, foi
condenado a 20 anos de prisão.
O caso não foi esquecido. Espero que logo tenhamos mais
novidades!!!!!
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