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Portugal sem destino Silvina Rodrigues Lopes - PRETENDE-SE NESTE TEXTO ASSINALAR as implicagGes de algumas ‘caracterizag6es do povo portugués enquanto totalidade mitica, bem ‘como do discurso nao identitario, que se Ihes op6e. Proceder-se- a lanilise de dois tipos de ensaio: 1. aquele que se situa na partilha do prestigio filos6fico e do prestigioliterdrio, 2 aquele que se constr6i fa partir de conhecimentos de varias ciéncias humanas ¢ da proble- ‘matizagao de nogGes, como a de povo ou de identidade, que nao s6 ‘ndo sio ébvias nem imutaveis, como sao fundamento de politicas que segregam ¢ excluem. Uma tl problematizagao vai ao encontro de um ‘uso da palavra «povo» que, fora do registo «cientifico» ¢ da politica ‘do consenso, a adopta como nome de um colectivo insubstancializé- ‘vel, que é sempre ~povo por vit», nem unidade nem ideal de unidade, Basia impli a encano mundo enquanto renga no seu no 6 de que todos sao potencialmen dores, a uma necessidade com base étnica A preocupacdo com aimagem dos portugueses,cultivada desde 0 século x1x, decorre da nogio romantica de povo e supée a necessida- ‘de de efabulagao que construa uma unidade nacional. A consciéncia pobreza ol antismo expressa em algumas obras literrias ¢ historiograficas, contrapuseram os autores da Renascenga portuguesa uma esséncia dos portugueses que os colocava na expec- tativa de um cumprimento messianico de Portugal. Durante o Estado ‘Novo, a exaltago de um passado glorioso ¢ de qualidades superiores dos portugueses foi o cimento ideol6gico e propagandistico usado para manter a ignorincia¢ o autoritarismo até 2025 de Abril de 1974, tendo aparecido durante esse periodo alguns ensaios antropol6gicos {que atribuiam aos portugueses diversas qualidades morais ¢tragos de ‘cardcter. Com as transformac6es ocortidas em Portugal, o cimento {228} ‘COMO SE FAZ UM POVO nacionalista ficou obsoleto, porque contrario as acces politicas € culturais da nova situacao. 'Em 1978 foi publicado O Labirinto da Saudade, Pricandlise Mitca do Povo Portugués, de Edvardo Lourengo, que interpreta imagens que ro passado se apresentaram como imagens dos portugueses, fazendo= vem fungio da necessidade, frequentemente reiterada, de nova ima- gem, Ainterpretagdo desenvolvida nos textos reunidos nesse liv € acompanhada de uma espécie de apelo &construgso de umanova mae gem unificadorae realista, ‘entendendo-se por tal que os portugueses sngo parte de trés assungées princi- pais: 1. as imagens que os portugueses tém desi sio de um drrealioma prodigioso, 2. elas constituem a metalinguagem em que os discursos dos portugueses se inscrevem, 3. € necessério srever, enovat, suspei- tar sem tréguas» essasimagens e mitos. Note-se que este ponto impli- cauma sintese, em sentido hegeliano, propria do processo revisionis- ta, doqueénegado edo que negando-oo supers. A caracterisicamis jimportante que Eduardo Lourengo atribui is imagens dos portugue= ses, o seu irrealismo, decorre para ele dos jéreferidos episOdios tau ae oer oRleGria de Portugal: origem da nacionalidadeperda da inde- pendéncia, ‘origem da nacionalidade, passa pela sua perda, pela humilhagao trazi- Seats dora oo roel reugues | ltimo epis6dl LT Ee Naesontocal titica, Eduardo Lourenco parte de uma assungao ela prépria mitifi- | cadorae mistificadors, ade qv literatura éuma instnc UPSTS® que dé vor ao povo, ¢ sobretudo imagem. Uma imagem oe grav, na medida em que ndo decorre dos seus actos, mas da sua repre ee eee is retratos que consciente ou inconscientemente aqueles que por natureza sao vocaconades para a autognos coletiva (artista, bistriadores,romancistas,poetas) vo criando impondo na cons- to substancia moldavel pela literatura, que 0 Nps cm. vei is im, Tomar esta concep¢0, Orinda de um aproveitamento ideol6gico do romantismo, como certa dea IDENTIDADE NACIONAL, CULTURA POPULAR E REVOLUGKO [229] de lado 0 que na filosofia, antropologia e teoria literdria do século xx ‘veio por em causa o haver algo como uma instancia colectiva repre- sentivel em imagens. E que s¢.0geral nfo tem existéncia, dado.queé “sucesso sociol6gico que conhecetm, declarando que «nao teve nem ‘podia ter, o sentido do trdgico hist6rico»”. Considera que «a imagem de Portugal nao é subvertida pelo neo-realismo mas readaptada a sua - fancdo estruturante e futuramente harmoniosa de um pais que um dia ee Atribuindo ao neo-realismo {ética missdo de subverter ai 9 confronto no terreno dos ssp eid ae eee manasa oureno refer. Poném, atensio entre populism e deseo aqui que Eduardo Lourengo considera que teria sido no ides te, mas sim revolucionétio, era «um implacavel ¢ justo olhar a nossa realidade humana»? .O que sugere uma espécie de doen- portugueses (por no assumirem 0 seu trdgico histérico) que tis da realidade humana dos outros povos. Essa doenca ss artistas que pertencem 20 [230] COMO SE FAZ UM possivelmente nunca mais se curaré» (novo trauma). Essa dist que, no entender de Eduardo Lourenco, tentava simpor uma nota ‘segue ‘apretenso de ser um recome- ¢¢0, sem submeter o antigo regime a uma «revisio im acompa- hada 0 sistemética, usta, equilibrada».Ao colocara passado. ‘Note-se também que nos melhores dos casos do neo-realismo a desi ‘tem como principio a afirmagdo de uma cultura ‘que seja, como Ihe chama Carlos de Oliveira em O Aprendiz de Feit ceiro, contravengnox, entendido este como afirmacio da capacidade criadora de todos, nao relegando a cultura popular (aquela que nao ‘povo enquanto conjunto de pessoas que nao tiveram acesso a cultura cerudita. O uso da palavra spovo» é ai sem comparacao com aquele que ‘na mesma época era o dos apoiantes da politica do Estado Novo, que, 1no uso mais restritivo que Ihe davam, a usavam para designar 0 con- junto daqueles que cumpriam o destino de ser miseriveis — 0 «povo simples», cheio de vircudes, das quais a primeira é, como nos animais domésticos, a obediéncia — complemento dos que cumpriam o des- tino de os dominar, o «povo culto», os proprictirios e seus adjuvantes. Para ser auténtico, o «povo simples» nem sequer devia saber ler. O que eraapecsentao como arte popula correspon so cl 25 ‘tos que mimavam 0 primitivismo (folclore, galo de Barcelos, etc.). ~~O25 de Abril foi um corte. Temporario, mas foi, é. Existem muitos relatos do viver intenso e livre (em igualdade) dessa época. Recorro a Eduarda Dionisio que em «25 anos do 25 de Abril — Vozes da Mudan- ‘av refere varios aspectos da vida que comecava a mudar e «com ela 0 conceito de cultura e o seu lugar no quotidiano», ou a Boaventura de Sousa Santos, que analisa 0 riquissimo movimento social da épocars IDENTIDADE NACIONAL, CULTURA POPULAR E REVOLUGAO [231] O problema de fazer um povo, uma identidade, estava longe do hori- zonte de preocupagées. A ideia de nascer, de se afirmar: ~ condicio do humano se » sobrepunha-se a.qual- ede - Essa foi no entanto pouco tempo apretensSo de definicio de tragos caracteristicos dos portugueses. eS eee oc ieae eee aaa mas décadas, ite com a vinda de i fez de Portugal um pafs de cruzamento de culturas, See 5 : are 86. sitar ¢€ manter os fantasmas da identidade nacional, que sao evidentemen- ‘eos daunidade nacional, a que outros nio pertencem porque vieram de fora, sobretudo de Africa, ‘ou dos, ‘pa. Assim, nio se comy a prete Gil. E também nao deixa de ser preocupante a recepcao que o livro teve nos media. Propondo, tal como Eduardo Lourengo, explicaes com base na psicologia, mas neste caso a partir de im s diversas do iano ¢ nao de obras literérias, José Gil consi onsdera, também ee, que terao sido situagdes traumédticas a «nio-inscrigao» (refira-se que para Eduardo Lourengo, Bae ‘Ses so 0 povo mais «desmemoriados), da qual decorre uma série de ‘qualidades pouco apreciaveis: 0 medo, a fuga alei, a pequenez e prin- cipalmente a inveja. José Gil retoma assim aquilo que nunca deixou de circular no regime da mé-lingua, um dos suportes do poder de Estado, ambivalence por ser simultaneamente factor de imobilizagéo eacicatar da concorréncia. O método usado consiste em fazer inter- ‘comportamentos de Todos os eed Bum procedi- retérico bem conhecido de construgao. para José Gil aqueles que contam por Todos? Um em Portugal Hoje um dos defeitos dos portugueses € exem- plas casas de novos-ricos em que ha uma cozinha «nobre» is hé a cozinha num anexo, usada em certos casos para poupar | op edesesuoo vu opeseasap anb opmmbe ayuouresioasd) owsrazadso-oary op eofae9 © d 090)q wo sasandnasod so axauras ‘,azsousacy () apepruapy op rong ey Wa ‘TH 9S0f opuengy ou NG ‘sasanSnasod ovs waquies ‘spnes 9 ‘opeprnqearqey ap soodtpuos seunsss9d v a ofaduiasop ov ovaso 2 sounurus sorgyes waqasar ‘ejeaso apues8 ap sozawnU 9 ‘anb sassi| “SoMpTes Sou SopeqUuoDsop aauaUTEDaNIp OES sorsodurt anbsod sedeasa sayy op asaipdry ewmyuau opuas ogu ‘soasodut -pSueIqo9 ap staAPxOX3UT souNstUEDaUr e sorta{ns Ovrs9 anb (soxU] $9 wreaqey anb sowsau so esa wa) sazopeyfeqen so vous! anb A199 WO OAOU OWSoWI oad ‘seueqin serZaptuad se a2ayUOD OU Bee sn sp so Fe eyo 90f fT PORT OL ‘zey e-yioust 1x9 iat isinelteniay sins secats eel oe “opepio vu uraara anb so ‘eareausd eSuemias woo sorurwopuod /wiaata anb so ‘soata Bj anb ws anb sapanbe sesiouvws sosuas9yip ap. eh ib dapiagettiss Yor AE ered aquo8 stew z9a epeo urest3e anb «seyjesnu» 9p opSnnsuoD ‘sug ap onsodosd e sour ap seuazap vy earzou ors, [neg OWOD b — owwaunsjoauasap ap od assy ‘wreasodns oanb sogSinznsut sep ustedes op viougnbasuoo rum ‘ese steur epeosa eum ‘9 ‘s3ap dso ew]qoad win 9 wau ‘sasanSnasod sop sax9pse9 wn ap a Ogu Osst q "seoLIgztI0d sapepro se 9 seueqan sepsaztsad sesUaUET uresa0sax9 anb — sasanSnaod so vxpear [t= 9s0f jenb ov aoe5 yeapr pipour eBse] wo manasuo9 ,o3x93 OsINOU Jax3s0UK OWFOD anb — «199 burua» op exquios ¥ 10y anb wo vasa ‘({sasandnazod joqaany ap sorp. $9 syemI98 so no reBuex “Fuoy-Buop] ‘onbsoy eA :oj9pow nas o b sey “Sox[e soraytp2 ap oxususTdozede orpses o vpeaso ap vuajqord ‘PIPISUOD [ID 280f) ovSeoyrpa ap ojapour un v aoey souLrENAIS 19 ¥as9 Ou Ovasanb v seWy “sasted soxino ap sep SeLUSIU SE OFS OpU stueqam sagSessaqe se ‘ezanbus ap a stesnajna soasanb sod :s0xe] SeULI0} nowos owssinbys-oA0U 0 eBn20g wa aMb 02199 3 “oauawsanbusua oF ojade o urezexraaosde anb sajanbep odnu8 o ayusuesto0xd aiod sop oanequasasdas owo9 1090109 9 ‘o1agoed owssinbis- ou umn e wepuodsass09 sosea sasso anb jaxySour 9 2s owsaut ‘05 $9 0 19AIA 9p esIoueU aius.adWODUT ENS ep LoRSLDIeIeD vu sfu opuaa ‘sasannazod so asqos sagsnjauo9 rep sexy, “vrrowd & wa zva as OWOD fete] IDENTIDADE NACIONAL, CULTURA POPULAR E REVOLUGAO [233] como exemplo de chico-esperto «aquele que nao quer trabalhar por- que ganha o suficiente com o subsidio de desemprego»'. Trata-se de ‘uma frase que, no minimo, releva de um total desconhecimento sobre as condigdes de desemprego e subsidio de desemprego, mas niio deixa de lembrar as designacées de «malandro» e «mandrifio» que muito fre- ‘quentemente so 0s outros nomes do «bom povo trabalhador. *Sxepienrimererare nove mvengio calpablisedars de Joot Gil, ado chico-espertismo? A quem interessa que se diga, como ele o faz, que «somos todos chico-espertos»? Aqueles que fazem corrupgao € assim se véem com a naturalidade de serem todos da mesma laia. E por isto que essa do chico-espertismo sempre se tentou infiltrar (@ socapa, porque no discurso oficial eram todos sérios) para criar cum- plicidades: criando no outro a imagem de que ele é chico-e: 7 obtém se uma espe ead pars chico-espetcs pro i José Gilnao se apercebe desse mecanismo, talvez pela cegueira Tessentimento contra uma entidade abstracta, «os portugueses», a qual gerando uma vohipia da acusagio, faz ignorar tudo aquilo que ‘numa perspectiva filoséfica, sociol6gica ou politica deveria ser pro- blematizado: o abuso das generalizag6es e a parcialidade do direito. © problema da corrupeio est, sem diivida, ligado ao proble- ‘ma das leis ¢ do seu cumprimento. Iludi-lo no: chico-espertismo dos portugueses que, diz-se, tudo fazem para escapar as leis, é ignorar os ‘mecanismos de fuga as mesmas e 0 acesso «natural» de certos grupos esses mecanismos, para jé ndo falar das proprias leis, que no livro de José Gil aparecem como se fossem sagradas. Eo direito aresistén- cia? Serd que cumprir a lei é em si um mérito? Sobre o tema da cor Fup¢ao escreveu Eduardo Prado Coelho em Nacional e Transmisstvel — livro que, sem embarcar nas parangonas do ser portugués, fala de certos costumes sem os essencializar —, a partir do uso frequente da ‘expressio «a culpa morreu solteira», que é um eufemismo para dizer que no se encontrou o autor de um crime, isto €, que ndo houve puni- ‘¢40. Os exemplos que ele apresenta so localizados (casos: ponte de Entre-os-Rios, «Apito Dourado», Isaltino Morais, Casa Pia) e apon- ‘tam para certas solidariedades institucionais de grupos dominantes. ‘Bem diferente é remeter tudo para o tal chico-espertismo dos por- ‘tugueses. E certo que daqueles a quem a carapuga nao serve muitos no leram os livros de José Gil. No entanto, nem por isso a atribui¢ao dessa qualidade a todos deixa de ser uma injuria (todas as generali- _Zasbes identitarias so injuriosas) que atinge imediatamente quem (234 COMO Sx FAZ UM POVO conheca e sinta como injustica as imensas dificuldades econémicas de portugueses ¢ emigrantes que tém voltados sobre eles os aparelhos daeexploragio capitalista. O livro Em Busca da Identidade, O Desnorte est por conseguinte em perfeita continuidade com Portugal Hoje, embora de imediato no pareca: a técnica do desnorte acaba por conduzir, como veremos, A nostalgia da identidade perdida. Ha nesse livro um texto em que um ‘grupo de portugueses ¢ referido em fungio de actos que nao decor- rem de qualidades negativas: aise trata da manifestagao que reuniu recentemente muitos milhares de professores contraas regras da ava-~ liagdo do ensino secundério. O referido texto, que discorre sobre 0 problema da avaliago enquanto medida de uma sociedade de contro- le, nao considera os professores como chico-espertos. Porém quando José Gil conclui que esse movimento foi anulado por ndo ter atingido ‘0 seu alvo, sinénimo, para ele, de nao ter sido inscrito, essa «verifica- ‘¢4o» de anulagao tem sobretudo uma fun¢ao performativa. Diz José Gil: «Deixando intactos os meios da contestagao mas fazendo desa- parecer 0 seu alvo, {o governo] desinscreve-os do real. £ uma técni- ‘ca de ndo-inscri¢io.»” Percebe-se agora melhor o que é em José Gila nio-inscrigo: um acto do poder do Estado que anula os movimento: -que anula os movimentos que o contestam ao impedi-los de atingir os alvos — s6 se inscreve dabiopoli ica sinénimo de avaliagao e sociedade de controle: «Sao técnicas terriveis de dominagao, de castracao e de esmagamento ¢ de fabricagao de subjectividades obedientes. Conviria chamar a este ‘mecanismo tao eficaz «a desactivagao da ac¢do»”, Pergunta: entio se ‘0s portugueses nunca inscreveram foi porque sempre houve biopol- tica e sociedade de controle? Ou: as formas antes usadas para impe- dir os trabalhadores de conseguir os seus alvos nio desactivavam a ac¢40? Claro que os governos respondem as reivindicagGes que no satisfazem desvalorizando a forca que as sustenta: essa desvalorizagao oscila entre o consideré-las subversivas e consideré-las inexistentes ‘ou quase. Mas isso no implica a sua conversio em «ndo-acgao», em sbrincadeira de criangas», em «acgio nio-performativay. Chama-se propaganda, manipulagao da informacao, etc. Considerar, como faz José Gil, que uma experiéncia depende dos seus resultados é neste caso colocar os contestantes em fungao dos contestados, o que coloca a meméria das lutas politicas na depen- déncia daquilo contra que se movem. Assim se percebe que José IDENTIDADE NACIONAL, CULTURA POPULAR E REVOLUCKO [235] Gilconsidere como caracteristica dos portugueses a nio-inscriga0. E porque as teorias g ‘6ria do pais, ¢ que contribuiram para o engendramento das ideias ‘que desencadearam a mudanga. Embora em Em Busca da Identidade. O Desnorte haja algumas ‘iradas que se confundiriam com um pensamento anti-identitério, ‘correcsao e negacao das anteriores pretensGes essencialistas do seu autor, um pouco de atencio aos textos a que pertencem mostra que outro o seu alcance. Assim, no primeiro texto de Em Busca da Iden. ‘tidade, considera-se que esta foi scultivada no discurso nacionalista» ‘eteve «os mais nefastos efeitos no espaco e no tempo social ¢ exis. tencial» ¢ aponta-se um efeito daquele cultivo: a «paralisia do desas- ‘Sosseg0, se considerarmos o desassossego um traco essencial da nossa ‘culturay. Repare-se entio: se o desassossego & «um traco essencial sda nossa culturay, ele € anterior ao nacionalismo e deve continuar is dele, sé de lo sta e ficou ‘aralisado; trata-se pois de reactivar esse traco essencial, essa hiper- S enquanto vocacdo ou destino. O qué Passa é que, mesmo quando afirma o contrario, José Gil escreve em ‘buscada identidade perdida: na caracterizacio do desassossego como -strago essencial da nossa cultura» ha o assomo de uma identidade (236) como SE PAZ UM POVO parandica, @ de um povo pero . “Aproposta de Boaventura de Sousa Santos para sair do ensimes- ‘mamento € a «cria¢ao de um conhecimento cientifico-social sobre ‘a condigéo de Portugal no sistema mundial. Esse conhecimento destina-se&construgo de um novo senso comum sobre 08 Port ‘gueses, menos mistificador mas mais jionado, menos celebra- i i ipador. Um senso comum autocritico que nao tena a veleidade de, com a sua iidade, superar as muitas cor s, sociais, politi- ‘case culturais que atravessam a sociedade portuguesay®. Tal propost- ‘to parece tender para uma proposta de surura da politica ¢ da cultura ‘asua natureza Ae shvages dageh apie 238) COMO SE FAz UM POvO a ciéncia. No entanto é preciso perceber que nao ¢ exactamente disso ‘que se trata, mas sim de uma posi¢do hicida sobre o valor da critica, do conhecimento ¢ de todos os meios que contribuem para a andl frase acima citada se pode concluir que «senso comum nio tem aio_ valor de unificagao econ ens comuns, smas sim ode expago dedidagns confit do viver-em-comum Para ‘oconhecimento da sociedade portuguesa, é fundamental a caracteri- zagao que dela faz o autor das «Onze teses», a partir da qual a designa como «soci i-periférica» onde se cruzam elementos _rogéneos. E tanto mais importante quanto essa caracteristica tem potencialidades interessantes, mas, tal como qualquer outra caracte- ristica que compée o plural singular de Portugal, no define um des- tino. O conhecimento, a criagao artistica, a politica nao obedecem a ‘uma teleologia, como tal nunca sao inteiramente previsiveis. Como se ‘enuncia no titulo da 11. tese: «Portugal ndo tem destino. Tem passa- do, tem presente e tem futuro.»

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