You are on page 1of 28
y 7 Fy a HISTORIA & ... REFLEXOES Thais Nivia de Lima e Fonseca Histé6ria & Ensino de Histéria a + quais, al carfruso mm. a Exaltar a patria ou formar 0 cidadao A Histéria como disciplina escolar no Brasil dificil precisar o ensino de Histéria no Brasil antes das primeiras décadas do século XIX, quando se constitufa 0 Estar do nacional ¢ cram claborados os projetos para a educago no Império. No perfodo colonial, a educagio escolar no Brasil foi rmarcada pela atuagiio da Companhia de Jesus, aqui chegada em 1549 com o Paxlre Manuel da Nobrega. Hla assumiu a res- ponsibilidade pela converstio dos indigenas, espalhou-se pelo teit6rio, principalmente pelo sul, @ partir da vila de Sao Pau- o de Piratininga (fundada em 1554) e pelo norte, no Grio- Pard e no Maranhio, onde os jesuitas Se estabeleceram em 1639, Nesses locais eles organizaram aldeamentos nos quais, além da catequese, desenvolviam atividades agricolas arte- regides fundaram seus célebres colégios, ros educacionais da América portuguesa, nos 1 cha formagio religiosa, os alunos recebiam tam- bém preparagiio himanistica para o ingresso nas universidar des portuguesas de Evora e de Coimbra. principais, ‘A atuagio dos inacianos em relagiio aos indigenas, no campo da educagio, estava revestida de um arsenal considers Je procedimentos e de estratégias destinados @ garantic a <> eficdicia do processo evangelizador. Suas formas de lidar com a diversidade, como a lingiifstica, por exemplo, tém sido estuda- das revelando curioso pragmatismo e, de certo modo, sucesso. a7 Conic "Hon. Route Além da construgo, por escrito, da Iingua indigena, 0s jesuf- tas valorizaram, em algumas reas, a circulagio oral do saber. Quanto aos colégios, revelaram a sua quase hegemonia no controle da escolarizagao formal, e neles eram formados cléri- 208 leigos sob forte orientagfo religiosa, A coroa portuguesa pouco atuava no campo da educagiio escolar, cleixando essa tarefa & Companhia de Jesus, No entanto, interferiu em algu- mas questi (0 da ctiagio de universi- dades no Brasil, com o intuito de garantir certo grau de depen- déncia e controle sobre coloni + €oMo no imped 4 formagiio intelectual das elites Essa politica contrastava vivamente com a da coroa espanhola, que, aincla no século XVI, jé havia criado universi- dades em seus dominios americanos, como as Universidades do México e de Siio Marcos de Lima, surgidas em 1551 ¢ 1576, respectivamente. As diretrizes educacionais dos jesuitas, estabelecidas no Ratio Studiorum, de 1599, organizaram o ensino nos estabele- cimentos brasileitos até a expulsio da Companhia de Jesus pelo Marqués de Pombal, em 1759, © HOS Sel colégios em | Lipo de Ariumstica Folha avulsa encontrada em escritos dos Jesuttas no Brasil, sé. XVIE- XVI. Fonte; LEITE, Serafim, S, J. Historia da Compania de GF Tnstitwo Nacional do Livro, = Sole o debate no Rio de Jansro ver ROCHA, Ubiratsn, Proposta curricular do ranicio do Rio de Janeiro: porque tater com eixos conceit em Histria? Ii: MONTEIRO, John Manvel & BLAJ, laa (Orgs). Histria & Utopias. So Paulo: Astociago Nacional de Hiri, 1995. * AQUINO, Rubin Sanlos Loto deet a. Histnia day Soiedades. Rio e Jani: ‘Ao Livto Téerico, 1978 = Para anaes desas popostas do ptiod de redemocratizag do Brasil, bem come dé ua compergin com os programas curiulares de Hisra do Regime Militar, ver FONSECA, Selva Giimattes.Cominhot da Miséria ensinad, Campinas, SP: opis, 1963; FONSECA, This Nivia de Lima. Os conbuiespelo enti de Hise, Belo Horizonte; Faculdade de Esco, Universidade Feder de Minas Goss 1996 (is seraglo de Mesto; MUNAKATA, Kazumi Histria que os livosdidizes con fait depois que senbou a diiadra no Brasil: n= PREITAS, Mares Cezar de (Or Historia rai em perspective. SE0 Palo: Centex, 1958. 61 Ceara Horned. rece” novos livros didéticos, numa condenago aberta xo chamado Programa tradicional e suas respectivas metodologias de tra- balho ¢ materiais didaticos. A nova proposta, ao operar uma inversiio no sentido do ensino de Hist6ria, apresentava a necessidade de rearranjo na selegio e na estruturagiio dos contesidos, na opto poruma nova metodologia de ensino, 0 que naturalmente cxigiria novas pos- turas por parte dos professores, etn relagiio & concepgito de His- {6ria ¢ de Educagio ¢ suas respectivas fumgdes sociais, O novo programa foi apresentado co Histéria “.. mais erftica, d assim, com a Histéria linear, mecanicista, etapista, positivista, factual © herdica”. As discussies levaram a opgio por uma Histéria que deveria ser respatada “enquanto cigncia, que pos- sui um objeto © um método prvprio dle estilo, e de que o ensino essa ciéneia requer um novo método & uma nova visio do seu Contetido”.* A partir da definigio dessa rerspectivas, elabo- rou-se o programa, tendo como cixo metodo anilise das socied através da pervepiio dot te necessirio e coletivamente consirido, que deter- mina e, a0 mesmo tempo, ¢ dleterminado pelas For- mas de organizayii social, polftica¢ ideol6gica dessas comunidades." Definindo esses prineipios ¢ partinda da noyiio de que “os homens fazem a Hist6ria ¢ sio produtores «le seu proprio conhecimento histérico”, os elaboradores do programa ressal- tavam a necessidade. de que esse principio bisico aparecesse na prpria pritica pedagégica, no cotidiano escolar, no pro- cesso de ensino/aprendizagem, integrando alunos ¢ professo. ‘SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAGAO DE MINAS GERAIS. Programa Ge Histria~ 1% 2" gras. Belo Horizonte, jutho 1987p. 9 " SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCACAO DE MINAS GERAIS. Pru de Histrin— 1° © 2 graus, Belo Horizont, julho 1987. p 9 2 auigeys wHOYIdO™ Histéria& sino de Hin A selegio dos contetidos foi feita de modo a corresponder aos objetivos de trabalhar o ensino de Histéria na perspectiva do rompimento com os pressupostos tradicionais. Além disso, foram explicitadas também algumas orientagdes metodol6- sgicas, As quais os professores deveriam estar atentos e que se adequassem aos seus fundamentos te6ricos, isto é, 0 materia- lismo hist6rico. Sendo assim, seria necesséria atengio para a distingao entre 0 tempo ctonolégico € 0 tempo hist6rico: 0 estudo da Hist6ria levaria em conta as sociedades que tém maneitas andlogas de produzir e de se organizar e que deve- riam ser estudadas conjuntamente, 0 programa enfatizava, ainda, a importincia e a neces- sidade do dominio, peto aluno, de alguns canceitos considerados fundamentais, em fungio do eixo te6rico adotado: relagdes sociais, modos de produgio, transigZo, classe dominante, classe dominada, apropriagao do excedente, etc, Procurando tornar 0 ensino de Hist6ria diferenciado em relagdio ao programa tradi- ional, havia, nessa proposta, a explicitago da preocupagao com a anslise historiografica, ou seja, sobre “as diversas cor- rentes de interpretagdo”. O programa de 1986 pretendia que houvesse uma pritica totalmente inovadora e diferenciada por parte de professores e alunos, por meio de uma mudanga de pontos de referéncia, de visto do processo histérico que, dei- xando de privilegiar os grandes fatos politicos e as grandes personagens da histéria oficial, partiriam das lutas de classe © das transformagGes infra-estruturais para explicar a histéria, revelando, assim, sua clara fundamentagiio no marxismo. Nao 6 de admirar, assim, que num momento em que as lutas contra © regime autoritério € pelo proceso de redemocratizagio do pafs, essa proposta para o ensino de Histdria angatiasse sim- patias. Afinal, importantes grupos que lideravam aquele pro- cesso ligavam-se as tendéncias politicas de esquerda, vincula- das aos movimentos de inspiragio socialista, A adogiio dessa proposta extrapolou, portanto, sta dimensio oficial no estado de Minas Gerais, alcancando outras partes do Brasil por outras 63 CcoucAa “Histon. REO” vias, que podiam ser os livros didéticos que se orientavam por ela e que circulavam nacionalmente, ou a elaboragio de pro- ‘gramas inspirados no “modelo” mineiro. As caracteristicas dessa proposta, no entanto, relegaram © processo hist6rico brasileiro, de certa forma “encaixado” num processo mais amplo ¢ sujeito as mesmas “eis” ¢ generalizagéies impostas pelo modelo teérico adotado. Além disso, a substitui- ‘¢4o da cronologia linear da histéria tradicional pela evolugio dos modos de produgao acabou por néo romper substancialmente com © princfpio etapista do programa tradicional, apenas abanclonan- doum esquema fechado em fungao de outro, igualmente determi- nado. Alguns resultados coneretos da adogiio desse progam fo ram analisados por uma historiadora, integrante da Con ‘Vestibular da Universidade Federal de Minas Ger do respostas de candidatos nas provas dissertativas dle Hist6r daquela Universidade, em meados da década de 90: ode is, comentan Quando se trabalha com este program: modo de produgio ¢ a histéria do ca ria deixade ter fato e de ter sujeito, uma coisa abso tamente abstrata, funcionando com base na extrutur essa forma nfo se pode expliear nada, porn estrutura que funciona, si0 os atores, os sujeites.. Na verdad existem trsatores: o Estado, perverso, que mle 6 tratado (na verdade Estado c hurgucsia so vislos conv ‘a mesma coisa); a burguesia e a chasse operdvia, A bur guesia perversa, a classe openstia hoavinhute a Hist gira em tomo disso. A idia da histria do capitalisine chege a esse ponto. Ento os alunos percdem completa mente o referencial, eles nijo (8m idéia, vamos dizer, dos atores, do jogo de interesses, que & m que dduas classes fundamentais. com aidéia do ism, Hi ANASTASIA, Caria Moria Junho, Depoimento 8 autora, em FONSECA, Thais Niviade Lima e. Os combutes pel enviur de Hist novas questbes,viths estatisas. Belo Horizonte: Faculdade de Edecig, Universi de Federal de Minas Gerais, 1996, (Dissertago de Mesa). 6 “ Hii & Enso de Ha ‘As mudangas curriculares ocorridas no Brasil a década de 80 criaram a necessidade de materiais condizentes com 0s novos programas e, evidentemente, tal situagio foi aproveitada por importantes editoras do pats e muitas cole- es destinadas ao ensino fundamental - sobretudo de S* a 8° séries ~ foram langadas, Um dos exemplos mais comentados € 0 das colegdes Construindo a Histéria e Os caminhos do ho- ‘mem, ambas de Adhemar Marques, Flavio Berutti e Ricardo Faria2* A primeira foi feita especialmente para acompanhar 0 programa de Minas Gerais e a segunda apareceu como sua nova versio, adaptada para consumo mais amplo, em varias regides do Brasil. Em outros casos, autores da linba mais tra- dicional, que publicavam livros hé muitos anos, tentaram acom- panhar as novas tendéncias, promovendo reestruturagées em suas obras, adaptando-as &s novas propostas, agora também ovas necessidades do mercado. Exemplo disso foram os li- vvros que passaram a ter uma linguagem mais “materialista’, um enfoque que acentuava os fatores econ6micos sem, no en- tanto, abandonar suas inspiragGes historiogréficas tradicionais e suas metodologias baseadas em resumos, questionétios, si- nopses cronolégicas, ete. Entre esses casos de adaptagdes em obras tradicionais pode-se mencionar a colegio Histéria de Consciéncia, de Gilberto Cotrim, ¢ Histéria do Homem, de Francisco de Assis Silva.” Se num primeiro momento. nova histéria a ser ensinada nas escolas apoiava-se teoricamente no materialismo hist6ri- coe 0 momento politico favoreceu, sem ckivida, essa esco- Iha-, logo no final dos anos 80 ¢ infcio dos 90 « historiografia brasileira acelerava um significativo processo de renovagio, MARQUES, Adheinsr; BERUTTI, Fldvio; FARIA, Ricanlo Cionstraindoc Hité- la, Belo Horizonte: L6, 1986; MARQUES, Ahr; BERUTTI Hivos FARIA, Ricardo. Os caminka da femien, Belo orizonie: L2, 1991 8 COTRIM, Gibeito, Hivtvie & Consténcia Sho Paul: Saraiva, 1989; SILVA, Fransteo dle Asis. Hite ea amen sbondagem incr cla Histxia Gera e| 4 Brasil, So Paulo: Movema, 1996, 65 Coco "Haren &.. Ree” expondo a influéncia cada vez mais nitida da chamada “nova hist6ria”, particularmente a tendéncia de origem francesa. A partir do momento em que o debate sobre o ensino de Hist6ria considerava cada vez mais conscientemente seus vinculos com a produgio historiogrifica, nfio demorou muito para que as propostas curriculares pa novas propostas st ssem por avaliagies eriticas e que issem, fossem elas de carter oficial ou formuladas na pritica docente, Néio mais havendo, legalmen- te, a obtigatoriedade do uso dos programas oficiais, os profes sores ¢ 0s autores dos livros diskiticos di ; idfticos dispunham de maior liberdade de agiio, « que contribuiu para maior ousadi ‘ na pro- posigdio de programas e de contetidos para 0 ensino de Hist6- ria na escola fundamental, Eimpottante salientar que n disciplina escolar Histéri, embora mantivesse parte considlerivel de suas caraeterfsticas de origem ~ desde que se constituiy com tal no século XIX ~, incorporou de forma cada vez mis expleitaa preocupagao de professores, autores de livros dikitieos ¢ elaboradores de pro- gramas com a sintontia entre 0 saber cientifico ¢ o saber esco- lar. Iss0 significa dizer que, para muitos, a qualidade do ensi no de Hist6ria ministrado nas escola diretamente sta mais recentes em curso no Brasil. Por isso, tomou-se ainda mais desejivel, a partir de mea~ dos da década de 90, que os programas cucu ate tives didéticos incorporassem as tendéncias da historiogeafia con- tempordnea, como foi o caso da hist6ria dus mentalidades e da hist6ria do cotidiano, ainda hoje predominantes quando se fala em inovagiio no ensino de Histéria, Mais ou menos a partir de 1994, antes mesmo do aparecimento dos Parametros Curticula- res Nacionais para o ensino fundamental, jé surgiam propostas de ensino de Hist6ria que procuravam incorporar aquelas ten- dEncias, independentemente de sua existéncia nos programas 66 ANIO8Y3 YYOaNIdOD Higa se Ensino de Hist curriculares oficiais. A iniciativa partia, neste caso, de pro- fessores evolvidos em suas préticas cotidianas e de editoras que procuravam a dianteira no mercado editorial desta cate- goria, Um movimento assim capitaneado, tendo material di- datico de qualidade razodvel disposigao dos professores, acabou por expandir a demanda por um ensino de Hist6ria que nao mais privilegiasse os fatos politicos singulares, os grandes nomes ¢ a cronologia linear e que também nao tives se como alicerce uma anilise essencialmente econdmica do processo hist6rico, éria das mentalidades ¢ a hist6ria do 10 ensino, ¢ em Rapidamente a his cotidiano toraram-se sinénimo de inovagio fungiio delas estava disposigo do professor um elenco con- siderdvel de publicagdes didéticase paradidéticas que se apre- ‘sentavam como vineuladas Aquelas tendéncias. Colegdes pa- radidéticas como © cotidiano da Histéria ou didéticas como Historia — cotidiano e mentalidades significavam, num pti- ‘meio momento, a experimentagao num campo ainda inexplo~ rado nos ensinos fundamental e médio. Com o tempo, &medi- ado aprofundamento do debate, isso passou a significar inal mudanga de paradigmas no ensino de Hist6ria. Observou-se um boom editorial na frea, combinado, obviamente, as novas politicas educacionais, sobretudono que tovaa criagao do Pro- grama Nacional do Livro Didético (PNLD) ¢ do sistema de ‘compras de livros, pelos governos federal ¢ estaduais, para distribuigdo nas redes piblicas de ensino. A existéneia de um sistema de avaliagiio do livro didético a nivel nacional ea vin cculago das compras do governo a esta avaliagdio estinmularain produgio editorial, tanto no que diz respeito & busea de me- thor qualidade das publicagses, quanto ao aumento das tra gens edo volume de vendas dos titulos aprovados pelo PNLD. A associagfio dessas duas dimens6es veio mediada pelos arfimetros Curriculares Nacionais (PCN), ditetrizes de caréter or | Coo “Heroen RRS" orientador, niio-obrigatérias, mas que tém se apresentado cada ‘vez mais fortemente como norteadoras das ages nos ensinos fundamental e médio. Isso significa que esta cada vez mai: clara a sua Fungo, na pratica, como uma espécie de “progra- ma curricular” para o ensino de Hlist6ria ¢ de definidor da es- trutura dos livros didiéticos ¢ paradidéticos que, ao entrarem em processo de produgio, vém sendo pensados em conformi- dade com os PCNs ¢ com os critérios de avaliago do PNLD. Mas o que dizer das priticas do ensino de Hist6ria, conere- tamente, nas salas de aula? E notério que uma das caracteristicas dos programas curticulares seja a de indicar para o professor 0 maior mimero possivel de procedimentos, de metodolo, adequadas &s propostas apresentadas. Também os livros didé~ ticos so cuidadosos na elaboragto dos “manuais do profes- sor”, nos quais podem ser encontradas orientagSes metodol6- ¢gicas para o trabalho com 0s contetidos ¢ para 0 aproveitamento dos recursos apresentados pelo material. No entanto, nada dis- so garante, a rigor, alteragdes sensfveis nas priticas cotidianas dos professores, mudangas significativas nas concepgdes de Hist6ria predominantes, controle sobre a diversidade de apro- Priagdes de contetidos ¢ de metodologias. Enfim, as préticas escolares no sio um retrato fiel dos planejamentos. A di Plina escolar Hist6ria, nto obstante os movimentos na di de outras formas de abordagem deste campo do conhecimen- to, ainda mantém, nas préticas, os elementos mais remotos que a conformaram como tal. Esse 6, a meu ver, um dos tragos mais marcantes do-ensi~ no de Hist6ria, sobretudo apés 0 turbulento movimento de mudangas que o atingiu a partir dacrise do Regime Militar. Os alicerces construfdos desde 0 final do século XIX, sustenta- dos numa concepgio tradicional de Histéria, foram fortes 0 suficiente para manter um edificio que, apesar das reformas e das propostas de alteragdo na sua concepsao, niio se abala tio 8 Hisar & Eni de ine fortemente, Breve exemplo esté em depoimentos de professores do ensino fundamental, colhidos em meados da década cle 90, ‘no momento de seu maior envolvimento com as mudangats curriculares que propunham nova abordagem da Hist6r escola, Em seu discurso, esses professores garantiam adesio incondicional ao “novo” ensino da disciplina. Justificando as vantagens do programa sustentado no materialismo hist6rieo, diaiam eles que Entdo, se 0 professor tem a capacidade de fazer una relagio, de estabelocer 1 seqiléncia de fato-causa conseaiténciaem um processo continuo, onluno ana durece neste processo, programa parte, realmente, do prinefpio da Histiria da Humanidade, desenvolvendo o aspecto da evolugio Ado homem, clos fatos, das relagbes; 0 provesso hist rico fem sempre uma causa, val ter una conseyitt cia, amadurecendo o processo de raciocinio Kégico do aluno, Entio, todos os conceitos bisicos, todas as es truturas, todas as formas socials, so um processo de evolugdo continuo Niio & necessdrio grande esforgo para perceber uma con cepsiio tradicional de Histéria, herdeira do século XIX, nodis- curso que, vivamente, a condenavae que aderia a uma abort gem “revolucionéria” da Histéria na escola fundamental, que no mais enfatizaria os fatos politicos, mas sim os modos ile produgdo. Alcangar essas praticas cotidianas, as relagées efeti- vamente estabelecidas de professores ¢ de alunos com a dlisci- plina escolar Histéria, € algo ainda a ser feito. A miaioria es ‘magadora dos trabalhos analiticos sobre 0 ensino de Hist6ria < ahs de Belo Horizont, dnb 5 Depalcon oe rtsres de ain prs “4 Save 95 FONSECA, Tas Ni dL Os SUeThcns ae Hr ava qos, vel extaginBl riz Bd, Unveade Feer de iar Go 196. Diss Mesa), (On mei © Cancho Herma he Reece” dedica-se as suas dimensdes formais, ou seja, 2s formulagdes dos programas e das diretrizes curriculares, & produgiio dos livros didéticos e paradiditicos. Isso sem considerar os conhe- cidos “relatos de experiéncias”, que tratam da construgiio de caminhos alternativos para 0 ensino de Histéria, geralmente de cardter localizado e, nfo raro, isolndo. Aquilo que diz respeito an ccontudo, nto parece cha- mar muito a atengiio dos pesquisadores do ensino de Hist6ria, sto €, como ocorrem, nit pritica, as apropriagdes de programas & de diretrizes curriculares, de livros didaticos e paradidaticos, das propostas de inovagito, Ainda siio muito ineipi sas neste sentidlo,niio obstante sea um altamente propicio e farto de possibilidades: Ad mesma desde sua constituigtio no século XIX, muito embora elementos de origem, jplina escolar Histéria certamente nao € mais a priticas de ensino ¢ outros As concepgdes historiogr deve: un processos importantes que contribusram para as mudangas em seu perfil em sua estrutura, relacionados 2s transformagdes do proprio campo do conhecimento histérico, & formagiio dos professo- res, As politicas priblicas relativas d educagiio de forma geral © aoensino de Hist6ria em particular, & organizagio escolar, entre se considerar que, neste po, corn Um doy trbathos ma wees snalsa as apropriagOes de wna Histrin ainda rosa & perspestiva traicional. em escolns sseundiriag SIMIAN Lana Mara de (Casro, Pntando a descobniemty ens de Histea e oimagnaio de adoes- es, I: SIMAN, Lana Ma de Casto & ONSECA, Thais Nivia de Lima e (Orgs). Inaagurand «Hissin © consi a nagio: discursos imagens no tnsino de Histéis, Belo Horizonte: Austria, 2001p, 149-170. Ver, tam HGUEIREDO, Fernsnda Coen Soares presengn do try didicn de Histria ‘nv colubaneexcalu: yess esclares © concepge de Histéra no Regie Mili= tar (1971-1983), Belo Hotizonte: Centro Universiti Newton Paiva, 2002 (espa de Iii Cita). Ines de aguas pss desta nate teruestaa cu 1V. rapoctvas de Ensino de Histrin. Cader de Rese ‘noe Ouro Preto: Universi Federal de wo Preto: Helo Horizonte: Centro Newton Paiva, 2001 Universi 0 SINIDSYS wuCayide- Historia Ensno dei coutras questées, Sao todas elas dimensbes de grande relevan- cia, mas considerarei mais detalhadamente uma delas, signi cativa para a compreensio das formulagies te6ricas e histo- riognificas e das praticas de sala de aula. Politica, cultura eo ensino de Histéria A constituigiio da disciplina escolar Histéria e a organi- zago de seu ensino nas escolas brasileiras esteve envolvida, desde 0 século XIX, em discussdes politicas que estavam em relevo, em momentos diversos, conforme vimos anteriormente. Considerando 0 perfodo do Brasil independente, no qual o Esta do passou a assumir a gestfo da educaedo, verifica-se 0 papel que o ensino de Hist6ria ocupou, como importante elemento de formaggio moral, cfvica e politica das eriangas e dos jovens, Pouco 1a pouco, contetidas, procedimentos metodolégicos e materiais diditicos foram sendo definidos ¢ apresentados como instru- mentos daquela formagao, de modo que fossem capazes de aten- der as diretrizes de grupos politicamente dominantes. A tarefa de fazer do ensino de Histétia instrumento de legitimagao de poderes e de formagéo de individuos adapta- dos & ordem social nao poderia se resumir, no entanto, & impo- sigdo de uma abordagem da Historia que privilegiasse 0 Estado a agtio dos “grandes homens” como constituidora ca identida- de nacional. A imposigo poderia até ocorter, mas ao tratar de valores e de comportamentos ideais, nfo poderia deixar de ha- ver certa sintonia destes com o universo cultural mais geral, do ‘qual fazem parte a educagio ¢ os sujeitos nela envolvidos. Isso significa, por exemplo, que 20 valorizar certo tipo de ago he- rica e abnegada de alguns personagens da Histéria como mo- delos de conduta moral ¢ patristica, o ensino de Histéria, a par do que fazia a historiografia, trabalhava com nogSes e valores caros A formagéo cultural brasileira, de forte heranga cristi, sobretudo catdlica. A identificagdio da populagto escolar com n Caucto “Hite Rents” esses valores certamente facilitaria a apreenstio daquilo que se ‘queria transmitire reforgat, do ponto de vista da formacdio moral € politica, pelo menos até meados do século XX. A constatagio dessa questio € possfvel por meio da ané- lise de programas curriculares ~nos quais se definiam conte dos e metodologias —, bem como do material didatico produ do, principalmente os livros de Hist6ria e as cartilhas de Moral e Civica, Nessas fontes evidenciam-se as diretrizes politicas ¢ historiogréficas do ensino de Hist6ria, mas é necessério consi- derar também outras, aquelas nas quais é possivel perceber as formas de apropriagdo e de cireulagao dos valores que cram apresentados como essenciais aos objetivos gerais da educa- ‘io. Essas relagdes ficam mais claras com a andlise de uma situagiio que pode ser considerada “clissica” no ensino de His- Aria, isto é, as suas caracterfsticas épicas e exaltadoras, recor- rentes até, pelo menos, meados do século XX. Entre outros momentos, a chamada “Bra Vargas” é parti- cularmente privilegiada quanto as ages do Estado no sentido de orientar 0 ensino de Hist6ria para a formagio moral e polf- tica. O governo de Getlio Vargas, desde 1930, entendeu a importéncia do cultivo de uma hist6ria e de uma memsria na- cionais para a construgao da identidade nacional, Suas estraté- gias no se limitavam ao ensino escolar propriamente dito, ‘mas iam além, atingindo politicas de preservagio do patrim6- nio histérico e da celebragdo da meméria da nao, por meio das festas cfvicas. Essas ages foram, afinal, mantidas por vé- rias décadas, marcando fortemente 0 chamado perfodo popu- lista, até 0 infcio da década de 60. Foi como parte dessas estratégias que episédios e perso- nagens da historia do Brasil alcancaram posigio de relevo ¢ alguns dos mais destacados referiam-se & antiga Capitania de Minas Gerais, ficando em primeiro plano a Inconfidéncia Mi- neirae seu personagem mais famoso, Tiradentes. Além de jé ter sido realgado pela historiografia nacionalista, desde 0 século n lita L Ervine de Hin XIX, este episédio e seu personagem-s{mbolo representavamn ‘uma épocae uma regio tidos como matrizes da nacionalidadle da cultura brasileiras. Os intelectuais do movimento mod: nista haviam considerado as minas setecentistas como a ori- gem dessa cultura e tal posigdo foi incorporada ao discurso © as estratégias do Estado no proceso de sua legitimagao no 1p6s-30. Por isso, a Inconfidéncia Mineira e Tiradentes passa ram a ocupar papel exemplar no ensino de Histéria e nas eele- ‘rages patridticas em todo o Brasil. ‘As concepgées unitaristas © nacionalistas da educagio, presentes desde o século XIX, foram acentuadas pelas reformas Francisco Campos, de 1931, e Gustavo Capanema, de 1942, que elegeram o estudo da Hist6ria como instrumento central na cedncagdo politica, ¢a diseiplina Histéria do Brasil como funda- mental na formagéio moral e patristica. Essa educagiio encontra ria nos livros didéticos importantes instrumentos ¢ junto as fes- {as cfvicas, constituiriam eficaz arsenal pedag6gico. Livros didéticos e comemoragio efvica atuam como me: diadores entre concepgées e priticas politicas e culturais, or nando-se parte importante da engrenagem de manutengiio de determinadas visdes de mundo e de hist6ria. Os livros dict cos tém sido, de fato, grandes responséveis pela permanénci de discursos fundadores da nacionalidade. B fundame i, portanto, discutir as suas dimens&es como lugar de menviria & como formador de identidades, evidenciando saberes: jd con solidados, aceitos socialmente como as “versiies i da histéria da nagiio e reconhecidos como represent ‘uma origem comum. A festa cfvica, por sua vez, constitu ex igo dos valores inscritos no ensino de uma hist6ria teriori nacionalista e, ao envolver aescola, cumpre seu papel ed dor, de acordo com os interesses de seus organizadores. As: sim, por meio dos livros didéticos ¢ das festas efvicas, posle-ve perceber as relagSes entre politica, cultura e ensino, pelas 16 presentagdes construfdas ¢ pelo imaginirio, quadro no qui 1S Couto “Hao. Renee pode ser analisado o papel de determinados eventos hist6ricos como a Inconfidéncia Mineira Até.a instalagdo da Repiiblica, em 1889, ela nao aparecia com destaque nos manuais escolares que, ou a ignoravam ou minimizavam sua importincia, embora alguns autores do Im- pétio a considerassem como parte do processo de emancipa- Gio, nfo como precursora da construgiio do Estado independen- te, mas como mentora de uma idéia de patria e de maglo, A celebragzio do 21 de abril, no entanto, s6 passou a ter significado politico e pedagégico na segunda metade do século XIX, & me~ dida que as idéias republicanas se propagavam. E desde aquela Epoca, observava-se a patticipagio do mundo da escola na festa civica, principalmente no Rio de Janeiro ¢ em Minas Gerais, cenditios do episGdio celebrado e centros politicos importantes, Ainda durante o Império, j4 se organizayam essas celebragies, como a que ocorren, por exemplo, em Ouro Preto, em 1882, nit qual estiveram presentes estudantes de escolas religioss e da Escola de Minas, discursando, w6€ flores em homenagem aos inconfidentes de 1789. Os republicanos, apés 1889, nao alteraram substancial- menteas diretrizes da produgao historiografica ou dos manuais didaticos, Mas operaram uma inversio significativa na abor- dagem dada a Inconfidéncia Mineira, elevada agora a condi 40 de movimento-simbolo da luta republicana, Tiradentes foi entronizado como set her6i e martir, numa construgao de fun- damentagao religiosa bastante evidente, As referéncias religio- sas eram jé fortes em relatos contemporaneos sobre a execugo de Tiradentes ¢ sobre scu comportamento.diante das autorida- des, A existéncia de uma memdria nio-registrada sobre esses acontecimentos nao é uma hipstese descartavel, eas referéncias "Sobre eta festa, ver: FONSECA, Thuis Nivia do Lima e, Festa efviea aniverso sulla Minas Geraisnoséoulo XIX. In PAIVA, Eduardo Panga ANASTASIA, Carla Maria tusho (Orgs). O tbat mesic mansias de pensar e formas de iver ~séeulos XVI aXIX. io Paulo: Annable: PPGH/UFMG, 2002, 1" ANIDSVS WHOOvIde Histor Enino de Hist cculturais de base religiosa dos militantes ¢ historiadores repu- blicanos do final do século XIX devem ser consideradas na anilise das formulagées sacralizadas construfdas em torno de Tiradentes.”' A sua aceitagio como her6i republicano seria fa- cilitada, numa sociedade de forte formagio cat6lica, pela as- soviagio entre o sacrificio cristao € o sacrificio patriético. Os ‘mamuais didéticos, até, pelo menos, meados do século XX, ‘manteriam essas construgdes, parte importante das concepedes educacionais, de formagiio efvica e moral dos jovens brasilei- ros desta 6poca. Civismo e moral estabeleciam o lago entre politica e religiso, visivel também no diseurso politico do pe- iodo, Tem-se af um conjunto de representagées em torno do episédio Inconfidéneia Mineira e de seu principal personagem, apropriadas ao longo do século XX por grupos politicos e so- diversos, em diferentes momentos, com miilti- ciais os mais plos interesses € objetivos. ‘Na busca da recuperago do passado no quado do ided- rio nacionalista, a énfase em grandes feitos e grandes herdis no poderia deixar de ser considerada, Uma das idéias mais caras a essa perspectiva 6 a do trabalho em prol do coletivo, 0 servigo prestado & nagiio e 0 sacrificio pela patria. O dis ‘eurso sacralizado ser4, portanto, perfeitamente adequado aos objetivos do Estado, sobretudo quando, no final da década de 1930, estaria em curso a reabilitaggio da meméria dos in- confidentes de Minas Gerais, com 0 repatriamento das cin- zas dos que morreram no exilio afticano e com a criago do ‘Museu da Inconfidéncia, em Ouro Preto. Varios livros didé- ticos publicados, principalmente, durante o Estado Novo re- forgariam o tom sacralizado e 6pico da conspiragao mineira, 1 Sobre a avlses da construsdo historiogrifien das epresenajies de Trades, yor CARVALHO, Jost Murilo de formugda das ainas:oinagingvio da Repi- ‘ica no Basil Sto Paulo: Compania das Leas, 1990, FONSECA, Thais Nivia lie Lim Da infra an atar du patria: meré erepresentagbes da Inconh ttncia Mireica ede Tiadentes. So Paulo: Faculdade de Filosofia, Clncias © Letras, Universidade de $40 Paulo, 2001. (Tes de Dostorlo). 15 Cause “Hvona &. Rewoer” cenfatizando a beatitude de Tiradentes, valorizando a atitude abnegada do heréi. Assim, ao lado das referncias culturais de base religiosa, verifica-se a énfase no civismo e no patti otismo de Tiradentes, elementos explorados pela propagan- da varguista, num esforgo de producio de sentimentos capa- zes de soldar as relagdes sociais no processo de construgao de uma identidade nacional coletiva. E 0 que torna a idéia de sacrificio pela patria elemento precioso na pedagogia do Es- tado Novo. A idéia de um sentimento patridtico, nacionalis- ta, convergente, que justificaria o trabalho em prol da pitria e até mesmo o sacrificio supremo por ela, encontra no epis6- dio da Inconfidéncia Mineira ¢ sobretudo na atuagio de Ti radentes © terreno ideal para deitar as rafzes das diretrizes morais civicas do regime, O que, por exemplo, nos textos didéticos monarquistas aparecia como falta de habilidade, de realizagio profissional ¢ de sucesso material de Tiradentes, surge, para os republi nos, como um conjunto de qualidades de um homem com miiltiplos talentos, entre os quais © politico ¢ 0 revolucionario, Para o Estado Novo, preocupade com a valorizagiio do traba- tho, Tiradentes aparece, sem difvida, como o protétipo do bra- sileiro laborioso, talentoso e esforgado: Entre os mais afeigondos a idéia ibertadora, Figurava um alferes de cavataria, Joaquim José da Silva Xavier, 0 Tiradentes, Era um homem pobre, de coragiio gene- +080, inteligéncia viva, amante do progtesso, umn auto idata, cheio de ardor e capaz de grandes empreitadas [..] No era nem sonhador, nem entusiasia vulgar. T- nha senso 6a realidade, espirito prético, realizador, produto que era de um mefo, onde se cultivayam as letras, empreendiam-se organizagdes, Iuiava-se com ‘a asperezada terrae procurava-se disciplinar a fortu- na. [..} Era tipo representativo do brasileiro do sé- culo XVII, cujas virtudes e qualidades os pésteros 6 istrin Emin de Hiria hherdaram, nos seus cometimentos e empresas pelt bertagfo mora, intelectual econtmice do Brasil, en- tre 08 quais citamos José Bonifécio, Caird, Maus, Re- bougas e tantos outros. ‘A valorizagio do trabalho nesse trecho do livro didtico de ‘Artur Viana encontra clara ressoniincia na obra doutrinéria do stado Novo, em que esta questiio figurava como urna das cen- tis na definigo da nova cidadania que se desejava constnuit”? ‘A representagio do bom brasileio, ara ao regime, erajustamen- {ea do trabalhador, ¢ identificar Tiradentes como homer traba- thador s6 reforgaria sua imagem como exemplo a ser segnido pela juventude. Asidéias de pobreza honzada, progresso, invent vidade, capacidade empreendedora e espftito coletivo aparecem Cartaz do Album A jinennude no Estado Novo (DIP). Museu da Escola de Minas eeais, Foto: Thais Nivia de Lima ¢ Fonseca SIVIANA. Amar Gaipar, Hinéria do Brasil para a 3 série xvasal. Sto Paso ‘Editor do Brasil, 1944. p. 336. ‘Yee: CAPELATO, Magia Helena Roti. te vargsamo 6 no peronise. Campinas, SP: Papirs, 1998 “Maas en cen: propaganda polticn n ere eareeeeeeeeaege cece Ccoueho "Hiroe A. RBS claras em virios textos de propaganda do Estado Novo, tal como no trecho selecionado. No final da citagio, o autor estabelece uma ponte entre 0 brasileiro do sécalo XVIII eo do século XX, ind cando a adequagéio do modelo escolhido, Entre os “tantos outros” poderia, muito bem, figurar o proprio Getilio Vargas. ‘A ressonfincia dos elementos diretivos da educagao mo- ral politica podia ser sentida em trabalhos realizados por es- tudantes das escolas pr \s, muitas vezes publicados nos jomais de maior circulagiio, como parte das estratégias pedagdgicas nos momentos comemoratives. Um ‘aluno do 3° ano ginasial do Gindsio Siio Bento, do Rio de Ja- neiro, escrevia sobre Tiradentes, em stia composigio, que a sua alma efvica, a sua {6 em Cristo deram-the Forgas para que pudesse suportar aquctes dois longos anos de prisio © ainda encontrasse co jente para fortalecer o nino combalido de seus companheiros ide infortinio, Af é que se revel o seu grande cardter so, nobre ¢ grande: s6 entio & que Tiradentes nasce para o pantedo da imortalidade! No dia 21 de abril de 1792, no campo da Lampadosa, Rio de Janeiro, subiu ; fan ‘adiminivel em sua grandera mors 4 [sic] forca 0 impavido hers 1m sua erenga, alto que a for cea aonde uma sentenga 0 erguia, Tevantou- Patria como sfmbolo imortal da Lierdade!"* para a [Apés 0 Estado Novo nido se verificaram mudangas subs- tanciais nas diretrizes para 0 ensino de Histéria ou para a for- mulagio dos manuais. Na verdade, parte significativa dos ‘yros que foram produzidos nesse perfodo continuaram a ulilizados até o infeio da década de 60, em sucessivas reedi- ‘goes, sempre preocupados com o papel de Tiradentes na for~ rmagiio moral e politica dos jovens brasileiros. Ele continuow, is pcere da Inconfidéacs” Somat da Brasil Rio de Janeiro, 22 de abil de 1937, 1p. 10, Sep Livso Abeto Ae Cringas. 8 inria & Ensne de Mita tp de oes ted sahil i ee Livro escolar patria brasileira, de Coelho Neto « Olavo Bilec, 28 edigio, 1957. Colegio da autora assim,a ser apresentado comoo modelo de conduta ideal. Exern- plo da continuidade e da forga dessas representagbes esté na Tongevidade de livros como A patria brasileira, de Olavo Bilae e Coelho Neto, que, em 1957, j4 na sua 28° edigio, lembrava fos alunos das escolas primérias ser a Inconfidencia Mineira a “primeira tentatva de independéncia da péwia” e Timdentes 9 seu mati, cnjas gotas de sangue “no cafram em terreno esté- Til, porque a drvore do sactifico se fez arvore de redengao, © Repiiblica 60 fruto da semente de martiio langada & terra ness mani de Abril”. Essa representacdo foi fartamente apropriada pelo dis- curso politico e difundida 19 universo escolar entre 1930 © 1960. Em verdade, a escola é aparecia, no inicio do governio de TBILAC, lava & NETO, Coelho, Edwcapilo Morale Civ: a Pia Bese pas aun des econ primis, 28 el, Rio de Jno: Lira Proneso Aves, 1957, p. 202 19 Couch "Harn. Re Gettilio Vargas, como o espaco privilegiado para a prética do civismo, Conectando a escola € os meios de comunicagiio, © Ministério da Educagio deixava clara a amplitude de suas ages equal setia 0 seu direcionamento. No momento em que 0 esta- do de guerra decorrente dos contflitos intemos com os oposito- res do regime esvaziava as ras, nada mais apropriado do que jntemar a celebragiio do dia de Tiradentes: as transmiss6es de rédio se encarregariam de levar a comemoragao para dentro de casa e das escolas, por meio de palestras e discursos sobre 0 tema, declamages de poemas e execuciio de hinos patristicos. Passada a crise ¢ instalado o Estado Novo, a comemora- ‘go do 21 de abril expandiu-se e diversificou-se quanto as ati- vidades incorporadas & celebrag&o, Tomou-se, no entanto, monolitica, repetindo-se todos os anos, em praticamente to- dos os lugares, segundo a mesma estrutura. A espontaneidade que ainda podia ser vista nas festas dos perfodos anteriores, organizadas por obra e graga de associagbes e de entidades da sociedade civil, com modesta intervengio do Estado, quase desaparecen, Em seu lugar, a comemoragio comandada, de- ‘eretada, induzida que, se no obedecia a um ritual fixo © pre- estabelecido como veremosaa partir do governo de Juscelino Kubitschek ~, seguia claramente princfpios normativos de cu- ho ideol6gico e politico. Sua fungo primordial era a de for- mar a consciéncia cfvica do cidadio trabalhador, moldé-to de modo a transformé-lo em uma barreira eficaz as ameagas 20 regime, tanto internas quanto exteas. Em tudo ressaltava a idéia da unidade, nao importando se 0 objeto da celebragio estava mais ou menos proximo, hist6rica e culturalmente, dos que eram chamados a celebri-lo. * _ Essa homogencidade observada ente 1937 © 1945 era, assim, resultante da concep¢iio de uma nagdo una e coesa, que deveria reconhecer de maneira uniinime uma s6 hist6ria, com- partilhar uma mesma meméria, cultuar os mesmos herdis e, em fungo disso, 0 Ministério da Educaco assumiu a gestiio 80 ita Km dei docalendétio fico. A idéia do uno aparecia ainda, no desir {que Aqueles setores da sociedade brasileiro quem fora atri- buido, pelo Estado Novo, papel relevante na construc & Mi conselidagto da nagdo: as escolas, as associagbes de trabaliy dlores eas instituigBes militares. Esses grupos apareciam come os principais protagonistas das celebragdes,feitas POY eles ¢ para eles. A pretensiio da unidade também se cexpressava na tiniformidade dos programas celebrativos realizados nas ©S°% tas, quase os mesmos em todos os lugares do Brasil e» em tat ohedecendo a-mesma seqiéncia: hasteamento da bbandei- var cxceugaio do Hino & Bandeira edo Hino Nacional: palestss pura estudantes e trabalhadores; apresentagso de trabalhos es- ceokares sobr smuagio de poesias alusivas & In- onfidéncia Mineira ¢ aos seus principals personagens: Pt senkagiio de poemas e pegas sobre temas patriticos: Teitura da bi rata Tiadentes ramatizagées dalnconidenciaMineias ompetiges esportivas. Aconclamago do povo 20 pain « adefesa nacional, a exemplo do que fizera Tiradentes ne 6c" vo XVII, janunciava, tambérn, 0 discarso que se foria depois dhe entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. sactificio de Timdentes deveria ser seguido por seus compatriotas,Imsta- ddos a partciparem da lua contra ofascismo na Europs- No infcio de 1942, j@ rompidas as relagdes diplomiteas do Brasil com os pases do Fixo, aumentava cada vez. mais ® expectativa da entrada do pafs na guerra, Nas comemoragées dde-21 de abril de 1942, antes mesmo da declaragio formal de guerra, que ocorreria em agosto daquele anos “Tiradentes j@ Senvia como o exemplo do sacrificio que talvez tivesseas de® fazer muitos jovens brasifeiros. Numa sessio efvica realizada no Cine Brasil, em Belo Horizonte, & qual comparece0 ‘grande piiblico, ficou registrado 0 apelo ao sacrificio da juventude, vr discurso do representante dos diretores de escolas se°0 (dérias da cidade, Depois de uma preledo sobre o martirio de ‘Tiradentes, 0 diretor o apontou, segundo o jornal Estado de 81 Tee eet Cech “Hr Be. Rete” Minas, como “exemplo a juventude, de quem a patria agora, mais do que nunca, iré necessitar: Sua oragio [do diretor] foi ‘uma conclamagao & mocidade, para que num juramento sole- ne, assumisse 0 compromisso inehudivel [sic] de ir ao cio ~ se precisar— para defesa de nossa civilizagiio e liberda- de", Sugestivamente, no encerramento da sesso, acabou criado 0 Centro do Culto Civico da Juv sede na escola dirigida pelo mesmo orador, “com 0 fim de homenagear os grandes vultos brasileiros”."* Guards as especificidades de cada momento, essas priticas s¢ mantive- ram para além do Estado Novo. Nas escolas, em que as celebragdes do 21 de abril servi- ram de pretexto para agdes pedagégicas, isso ficava ainda mais claro onde a Igreja catdlica esteve envolvicla direta o ensino, Na solenidade comemorativa de 21 de abril de 1950, no Colégio Santo Agostinho de Belo Horizont dres da escola, discursando para os alunos, exaltava ria de Tiradentes ¢ 0 exemplo daclo por el snle con Na sua figura len Gs das datas, as figuras herciileas dos que derrama. ‘ram seu sangue pelo engrandecinento da patria, pela libenade do Brasil, pelo seu progress © pelas suas veneramos ¢ cultuamos atra- grandes tradigGes de povo cristo. iradentes & um simbolo, um modelo que a mocidade nio pode es- quecere por terem alguns esquecido esse ideal subli- me da honra, do dever e da religido, vemos a patria brasileira em perigo, minada por esses mesinos fi- Thos ingratos que tudo ceberam dela e agora nada querem the dar. © verdadeiro patriota tern que se le- vantar conira esse petigo, O jovem de carétere, prin- cipalmente 9 mogo catélico, tem que vibrar de amor Patridtico ¢ sair dessa inéreia esgotadora das energias "toda a cade comemorcy ante o Dia de Timdents”, Exteco de Minas, Blo Horizonte, 22 sbi de 1942. p. 3 82 aurosv3 Vuoavldl: Hisar &Easino deine duma mocidade que é a esperanga da patria, sendo, por isso mesmo, alvo dos agentes dissolventes dos sentimentos cristdos e palridticos que a todo custo querem ganhar « mocidade.” polaboracgées dos DESENHOs Desentto infantil vencedor de eoncurse do Jomal Estado de Minas, 1949, Foto: Thais Nivia de Lima e Fonseca Preocupado com a agiio dos “agentes dissolventes dos sentimentos ctistios” — leia-se, os comunistas ~, o padre fez uum jogo de associagbes que cbrigaria os ovens estudantes de um colégio cat6lico a manterem a coeréncia entre sua opeio religiosa e suas obrigagdes patri6tieas. Essa ligugtio patria/te- ligido permeava, num sentido mais amplo, as concepgdes edu cacionais na primeira metade do século XX, impregnando pro- fundamente o ensino de Historia. 20 dia de Tiraderesbrilhanternnte comemorado no Colégo Santo Agestinh™ Dir de Minas. Belo Horizont, 23 de abil de 1980.57 83 i i eee ‘CoecA0 “Histon REDO" ‘A partir de 1952, acelebrago do 21 de abril passou por um processo de reorganizagio promovido por Juscelino Kubitschek, inicialmente quando governow o estado de Minas Gerais © depois jd como presidente da Repiblica. Sua agio foi no sentido de construir uma tradigzo comemorativa, segundo ritual preestabelecido que, além de manter muitos aspectos das comemoragbes das décadas anteriores, ineorporou outros, como a transferéncia simbélica da capital mineira para Ouro Preto e a criagdio da Medalha da Inconfidéncia. O carter pe- dagégico dessa celebraedo ficava patente nos atos © nos di cursos pronunciados naquelas ocasiées, sempre alusivos a0 momento politico e voltado & exortagao dos sentimentos patri- Gticos, e:na farta utilizagiio do universo escolar como instru- mento de educagio moral e politica. A presenga dos estudan- tes das escolas piblicas ¢ particulares deixou de ser ocasional e ganhow papel de destaque, com atwagio e fungdes bern-defi- nidas, Bram esses estudantes, por exemplo, os condutores das imagens de Tiradentes ~ em geral na forma de cartazes © pai- néis —e dos pavilhées nacional e estaduais. Nas escolas, os livros didéticos ainda se mantinham com as mesmas caracterfsticas das décadas anteriores, entendendo ensino de Histria como instrumento de formagio moral € politica, no viés nacionalista j4 indicado. Mas no deixavam, contudo, de atender também as exigéncias da conjuntura polf- tica, como podemos perceber em alguns livros utilizados na década de 50, durante o governo de Juscelino Kubitschek, que falavam sobre os mineiros que estudavam na Franga, conde entio se falava muito em domocraca, isto é tum sistema de governo em que 0 poder & desempe- rhadlo por homens eleitos pelo proprio povo. bom Jembrar que, naquela época, em quase todo o mundo, as populagées obedeciam aos tis, evjo poder era considerado alguma coisa de sagrado. Aproveitando Be Historia & Enno de Hira jas de Minas Ge um governo demo- o descontentamento geral, os ide rais queriam implantar, no Bras cratico, 0 que significava a independéncia ot a extin- G0 do dominio portugués. * Esse texto encontrava clara sintonia com o discurso polf- tico dominante na época, @ comegar pelos que foram pronun- ciados pelo proprio Kubitschek em todas as eomemoragies de 21 de abril das quais participou durante seus mandatos. ‘obstante o fim do Estado Novo tena trazide tempos de maior liberdade ¢ participagiio politica, a concepgao predominante de Historia niio abdicava da idéia de que os destinos dos ho- ‘mens sto conduzidos pelos “grandes vultos”, ea escola cont nuava a enfatizar essa perspectiva. Guiados pelos livros did ticos, pelas aulas dirigidas ¢ pelas comemoragées cfvicas, 08 cestudantes continuavam a elaborar composigées como a do menino da cidade de Dores do Indaié, que, a0 explicar as in rages contra a coro poritiguess, no final do séeulo XVIII, ressallava que faltava quem desse o grito de revolta, 0 grito fizesse com que os brasileiros se unissem num s6 ide- al, num $6 objetivo. Faltava quem fosse guiar, quem Fosse conduzit os brasileiros naquele movimento tio nobre de libertagio. Beis que, do centro da terra bra- sileira, do coragio do Brasil, surge uma figura herdl- cae destemida que iria conduzir os passos do brasi- Jeico naquela conspiragio. Tiradentes! desse her6i. Um her6i que brilhou na Hist6ria Patria, {que acendeu nos coragées brasieiros a chama da Ti- berdade.”” Topo, R Haddock, Peqnena Hstiria do Brasil ~ Para o curso primati, com ‘ieiengSes dos principals fats de nossa vida econ6ica. 68, Sp Palo: Meth ramentas, 1957 p. 60. >»wa tncanfidtacia Minira”, ads de Minas. Beto Horinont, 17 de abi de 1948 ‘Caéero Garland. Segunda Sezto.p. 4 85 Coxe "Hem Renee A cultura escolar produziu, ainda, no ambito do ensino de Historia e em suas relagdes com a pedagogia nacionalista, trabalhos escolares, desenhos feitos pelas criangas, cartazes, Programacdes festivas, com o intuito de celebrar © passado nacional e seus grandes heréis. O resultado dessa produgo expressava as miiltiplas referencias presentes neste universo, provenientes da histotiografia, da formagio religiosa, da culagio da literatura infantil, da difusdo de obras de arte pelos ‘manuais escolares, das festas populares, entre outros. Em mui tos desenhos feitos pelos alunos da escola primiria, e publica dos em jornais do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, Tiraden- tes era representado em seu perfil sacralizado, as vezes numa releitura de imagens presentes nos livros didaticos, mesclades a referencias provenientes de outras fontes, comuns nas esco- Jas ¢ no universo infantil, como as ilustragées de cartithas de catecismo, representando Jesus Cristo, Tanto nesses desenhos, ‘quanto nos textos escritos pelas criangas, a idéia da salvagio 6 posta em relevo, muitas vezes organizada na estrutura narrati- va dos contos de fadas, também eles elementos freqiientes nas escolas e no cotidiano infantil. As priticas escolares que resultaram desse processo ¢ que se enraizaram no podem ser vistas apenas como o produto da éficécia do direcionamento imposto pelo Estado naquele mo- mento, mas também como a solugdo dada ao encontro de ele- mentos culturais que se organizavam, dando sentido a uma historia que, se queria, fosse ade todos os brasileitos. Livros didéticos, composigdes, desenhos infantis, pinturas e obras historiogréficas apontam para uma percepgdio da histéria da hago como obra de espfritos elevados e de atos de herofsmo, destinada.a ser mais celebrada do que compreendida, Uma his- t6ria de caréter sacralizado, visivel, por exemplo, na interpre- tagiio dos episédios que cercam o martirio de Tiradentes, indi- cando as bases de um universo cultural fortemente marcado Pelo catolicismo. A anélise do movimento das representagées 86 ANIDSYS YUOOYIdO: iia Evan is de Tiradentes no universo escolar demonstra, ainda, como a educagdo & um poderoso instrument de legitimagio politica, ‘© que foi percebido com muita lucidez pelos grupos que assu- miramo poderem 1930. As bases de formagio cfvica e nacio- nalista por eles langadas deitaram rafzes profundas, sobrevi- vendo ao regime que as criara e, com certeza, ainda produzem efeitos nos dias atuais. Muitas transformagdes ocorreram na historiografia, nas artes, no ensino de Hist6ria, desde aquela época, Nao obstan- te, muitas das antigas idéias ainda ecoam em nossos dias e, mesmo que, aparentemente, néio despertem mais interesse, continuam a ser repetidas e, de certa forma, a fazer sentido. ‘Assim € que, sob os auspfcios do govemo do estado de Minas escolas puiblicas mineiras receberam, em abril de 2001, um livrinho intitulado Joaquim José: a histéria de Tira- dentes para eriangas.*# Escrito ¢ ilustrado por um publicitério c artista plistico de Belo Horizonte, ele comprova 0 quanto as representagdes ttadicionais de Tiradentes ainda so caras na defesa de uma identidade, nacional ou regional —neste caso, sobretudo da tiltima -, € © quanto ainda servem a interesses politicos. O livro foi publicado € distribufdo como parte das estratégias de propaganda do governo estadual, que usava, mais uma vez, a Inconfidéneia Mineira como instrumento de com- bate © de legitimagiio politica. O Tiradentes-Cristo est pre~ sente no texto, mas sobretudo nas primorosas ilustragdes do ‘autor, que ao mesmo tempo heroificam e sacralizam 0 perso- nagem, apresentando-o militante, bandeira na mio, pregando a revolugio, cercado por seus companheiros-discfpulos, ele- vado & sactalidade por anjinhos sorridentes. No conjunto da hist6ria tradicional do Brasil, talvez 0 \inico personagem que possa se aproximar de Tiradentes em “SFARIA, Halo. Jaaqnim José: histiade Tiadones para criangas, Belo Harizan- te: Secretaria de Estado da Educagio de Minas Gerais, 200, cd Couto “Huu ns? termos de exaltagio patriética na época do populismo seja D, Pedro 1." Mas com a desvantagem de nao ter vivido 0 calvério que levaria o alferes Joaquim José da Silva Xavier & heroificagao sacralizada. A exaltagfo ao primeiro imperador do Brasil, envolvendo o ensino de Hist6ria ¢ a comemoragao cfvica, sustentava-se na idéia da unidade nacional, cuja cons- trugio ele teria iniciado, A valorizagiio de D. Pedro 1 seria feita em associagio & de Getilio Vargas, como responséveis por esta unidade, em momentos diferentes da histéria da na- gio. A idéia de independéncia, para o perfodo populista, esta- ria associada & conquista da independéneia econémica, resulta- do dos projetos de desenvolvimento em pauta naquela época, Mesmo assim, D. Pedro acabava sendo lembrado como 0 tea~ lizador dos projetos de independéncia que levaram Tiraden- tes, seu precursor, 8 forca. As imbricagées entre polftica, cultura e ensino de His- tria, nao obstante apresentem tragos da permanéncia de con- cepeSes antigas, expressam também as conjunturas distintas que as cercam, Um ripido exame dos Parimetros Curticula- res Nacionais ou de relatos de experiGneias de professores que procuram alternativas para este ensino evidencia a sua contemporaneidade, ao abordar questées tais como 0 multi culturalismo, as questdes sociais de maior relevancia no pats, as praticas da cidadania, entre outras. Da formacio do sitdito fiel A monarquia, & do cidadio consciente e participativo, 0 ensino de Hist6ria tem caminhado em consonancia com as quest@es de seu tempo, mesmo que em alguns momentos ~ particularmente os de regimes politicos autoritérios ~o dire~ cionamento ¢ 0 cerecamento sejam maiores e mais prejudi- ciais & reflexdo histérica. Sobre as comenoragSesnasivalists da proclamagio da Tadependcia do Brasil ‘enenalingo aD, Perot, ver: VAZ, Aline Choucair Fesiascvies 0 Eso Nove rituals de poder no imagindrio miei (1937-1945). Revs de Inciapao Cie. eato Universitrio Newton Paiva, 2002. BS ioe tine de Hila Este breve estudo sobre uma das dimensées do ensino de Histéria durante 0 perfodo chamado populista indica as possi- bilidades de avango neste campo de investigagiio. A incorpo- ragio de importantes categorias de andlise como praticas cul- turais — aqui vistas na dimensfio da cultura escolar -, de representagSes ¢ de imaginério ajudam na compreensaio da complexidade das relagdes presentes na escola. Essas nogdes fazem parte dos aportes teéricos da Histéria Cultural em mui- tos campos da investigagaa histérica no Brasil. Da forma como foi sugerida neste capitulo, a andlise sobre as priticas de ensi- no de Histéria, nesta perspectiva, rompe com a idéia de que clas dizem respeito somente aos métodos de ensinar. Vistas uuas relagdes com o imaginério e as representagies polft is e com a cultura escolar, elas se mostram multifacetadas, expondo as ages dos sujeitos nela envolvidos, a multipticida- de de interesses presentes em sua constituigdo, as referéneias cculturais de que se alimentarn. A andlise fundamentada em apories teéricos da Hist6ria Cultural extrapola, assim, o ambito puramente pedagdgico que tem caracterizado boa parte dos trabalhos sobre o ensino de Hist6ria. Tem-se, aqui, a perspectiva de ampliagaio do espec- tro de fontes e da diversidade de seu tratamento, do desenvol- vimento de anzlises que considerem as miltiplas temporalida- des e 08 indicios de permanéncias e de rupturas nas priticas escolares, que so também priticas cultura. 89

You might also like