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A MESOAMERICA ANTES DE 1519 América ds ‘Vésperas da Congas OS PRIMEIROS capitulos de uma hist6ria da América Latina dizem res- peito aos povos que nela habitavam antes do primeiro contato com 0s euro- peus. Isso é particularmente valido no caso da Mesoamérica!. O México, a Guatemala, El Salvador, Honduras e, em menor grau, a Nicarégua e a Costa Rica, assim como 0 Equador, o Peru e a Bolivia nos Andes centrais, tém suas raizes profundamente enterradas no subsolo de suas civilizagoes pré-colom- bianas. Este capitulo pretende, em primeito luger, delinear rapidamente @ desenvolvimento dos povos e das altas culturas da Mesoamérica antes do estabelecimento dos mexicas (astecas) no vale do México (c. 1325); em segundo lugar, examinar as principais caracteristicas da organizagio politica ¢ socioecondmica e as realizagées intelectuais e artsticas durante o perfodo de predominancia (séculos XIV ¢ XV) dos mexicas (astecas); ¢, em terceiro lugar, apresentar uma visio geral da situacao reinante na Mesoamérica as, vvésperas da iavasto européia (1519), 1. Algunsestdiosos alemes, partiularmente Eduard Seer (1849-1922), introduairam hd mals se setentaanos a expressio Mite America para desgnar a resto onde loresceu uma ata cu turs indigens no México central e meridional e no terrterio contguo dos pies do norte da América Central, Muitos ance depois, em 1943, Paul Kirchhoff, em seu “Mesoamérica: Sue Limites Geogrsicns, Composicin ftnica y Caracteres Culturals”, Acta Anthroplogica, 92-107 (Escuela Nacional de Antropologia, México, 1943), focllzou sus atencto nos limites _rogréficos do que cle chamou Mesoamérica, Mesoaméricaé mais que um temo geogrsfice: Caipullé: “grande casa”, com o sentido de “pessoas pertencentes a mesma asa’, talvez grupos de familias ligadas por parentesco, embora nao haja cer- teza quanto a isso). Uma das crénicas nativas relata que originalmente havia sete calpulli mexicas’. Uma outra afirma que todas juntas perfaziam um total de dez mil pessoas. Suas lendas relatam que 0 deus Huitzilopochtli, ‘quando hes fez as promessas, deu sua palavra de que protegeria todos aque- les que pertenciam as “casas” (calpulli), os ligados pelo sangue: “seus filhos, netos, bisnetos, seus irmios mais jovens, seus descendentes”. Ao contrério do que indicam as duividas expressas por alguns estudiosos, as tradicées. insistem na idéia de que, tanto naquele passado remoto como no presente (logo apss a conquista espanhola), os membros de um calpulli tinham um ancestral comum®. A tradigdo oral ¢ os livros nativos coincidem totalmente zos imtimeros relatos sobre as muitas dificuldades enfrentadas pelos calpulli dos mexicas dirigidos por seus sacerdotes e guerreiros. Ocasionalmente, alguns dos mexicas desobedeceram as ordens de Huitzilopochtli, acarretan- do conseqtiéncias desastrosas, A obediéncia aos conselhos do deus sempre resultava no cumprimento de suas promessas, Os mexicas (em sua prépria versio de seu passado) pareciam gostar de descrever-se como um povo que na época nao era apreciado por ninguém. CE. Florentine Coder (Zoravante FC), 12-ols, Santa PNM, 1950-1982 vr I, cap 7 Fernando Alvarado Terozémoc, Cronica Mexiciyol, México, 1972, pp. 22-27. Diego Chimalpshin Cuauhtlehuanitzin, Second Relation, reprodug fac-similar em Corpus Godicum Americans Medi Aevi, Ernst Mengia (e.), Copenhagen, 1949, vol. I, 28 % Castillo, Feagmentos, pp 66-67 '8 Alonso de Zorita, Breve y Sumani Recen, Mexico, 1942, p. 36 J4 por si mesmos se colocavam & parte, por texem nm destino singular. Entre ‘outras coisas, diziam de si mesmos que reverenciavam aquelas formas de governo e organizacio de origem divina, diretamente vinculadas ao sumo- sacerdote dos toltecas, Quetzalcéatl. Outros grupos anteriores aos mexicas ou seus contemporaneos também haviam percebido o valor (religioso e politico) que havia em afirmar ser investido de poder pela mesma fonte de origem tolteca, Assim, varios povos do México central e de localidades situa- das em regides distantes, como Oaxaca, Guatemala e Yucatan, haviam rece- bido a insignia de governo do Senhor do Leste, um dos titulos de Quetzal- céatl!t, Nao é de admirar que 0s mexicas, jé fixados em sua propria terra prometida, tenham decidido seguir 0 conselho de seus antigos guias e ligar- se a Quezalc6atl ¢ & nobreza tolteca. O senhor de Acamapichtli, um descen- dente dos toltecas-culhuacanos que também tinham ancestrais mexicas, deu inicio a uma nobreza asteca. Ble ¢ outros pipiltin culhuacanos casaram-se com as filhas dos antigos sacerdotes e guerreiros mexicas. Os membros das, familias daqueles que haviam guiado os mexicas também foram incorpora: dos ao grupo escolhide, Quando aconselhavam seus filhos em suas conver- sas (Huehuetlatolli), os pais mexicas do estrato pipiltin lembravam-thes repetidas vezes sua origem: eram descendentes dos toltecas e, em iiltima anilise, do préprio Quetzalcsatl Dessa maneira, as tradi “imagem verdadeira”. Na época, a vida inteira da nacdo.asteca estava sendo transformada no seu caréter geral; muitas pessoas pagavam tributos a0s tlato- que pipiltin de Tenochtitlan; a profecia de Huitzilopochtli cumprira-se inte- sralmente: dos descendentes daqueles macehualtin, que eram “plebeus ser- os" em Aztlan Chicomoztoc, nasceram os tlatoque e 05 pipiltin mexicas. £0 ‘que ensinam 0s selatos orais, as livros, os poemas e as falas dos mais velhos. Veremos agora como essa “imagem verdadeira” se assemelha ao que podemos descobrir, a partir de fontes arqueolégicas, etno-historicas, lin- gaisticas e outras fontes documentais dispontveis, sobre a histéria, a politica, a economia, a sociedade ¢ a cultura dos mexicas (astecas) durante o tltimo capitulo de sua existéncia autonoma. Ti Ver, entre outros, os cas0s registrados nos Anales de Cuaulhitielan, em Codice (Chimatpopoca, México, 1975, 10-11; Pepol Va, tra. de A. Recinos, México, 1953, pp. 218-219; Anales de los Cakchiqueles trad. de A. Recinos, Mésieo, 1950, pp. 67-68: Caso, ‘Reyes yReinos dela Misteca, vol, pp- 81-82. 39 40 A AMBRICA AS VESPERAS DA CONQUISTA Por volta de 1390, morreu Acamapichtli, o primeiro governante (huey slatoani) de linhagem tolteca ¢ fundador da casa govername dos tlazo-pipil- tity “nobres Mlustres”. Ble ¢ seus sucessores imediatos, Huitzililuit! (1390- 41418) ¢ Chimalpopoca (1415-1426), ainda eram sujeitos aos tecpanecas de Azcapotzaleo, uma “senhoria” em que os povos de descendéncia teotihuaca- rng, tolteca e chichimeca se haviam fundido e que nessa época exerceram hegemonia no planalto central. A itha de Tenochtitlin, onde os mexicas se haviam fixado, era possessdo dos tecpanecas. Desse modo, de fato, 08 mexi- cas, por mais de um século desde sua chegada em 1325, haviam pago tribu- tos a Azcapotzalco ¢ realizado servigos pessoais para ele. Em 1426, Chimalpopoca morteu, provavelmente assassinado pelos tec- aneces. Algum tempo depois, itrompeu a guerra entre os tecpanecas e os ‘mexicas, Estes conseguiram a ajuda de vérios outsos povos também sujeitos 4 Aacapotzalco. A “imagem verdadeira” destaca neste ponte ‘um episédio extremamente significativo. Quando os teepanecas estavam prestes a iniciar as hostilidades, a maioria do povo mexica, isto , os macehualtin, ou ple- beus, sustentaram que era melhor render-se. Em resposta, os pipiltin fizeram um trato: se ndo conseguissem derrotar Azcapotzalco, obedeceriam aos ‘macehualtin para sempre, Todavia, se conseguissem derrotar os tecpanecas, 8 macehualtin deveriam total obedincia aos pipiltin!2. A vitéria sobre os tecpanecas, por volta de 1430, estabeleceu a base da tao enfatizada situagio politica e socioecondmica dos pipiltin mexicas A vit6ria também significou a total independéncia da senhoria mexica e 0 onto de partida de suas conquistas futuras.Itzcoatl (1426-1440), ajudado por seu sagaz conselheiro Tlacaclel, deu infcio a uma era de mudangas e conquis- tas, Moteuczoma Ihuicamina, “O Velho” (1449-1469), consalidau 0 poder € @ xeputacdo do povo de Huitvilopochtli, Sob 0 governo de Axayacatl (1469- 1481), de Tizoc (1481-1485), de Ahuitzotl (1486-1502) e de Moteuczoma IL (1502-1520), o domfnio asteca estendeu-se ainda mais. Um fortalecimento extraordindrio de sua forca militar, combinado com a confianga que tinham em seu préprio destino, resultou numa continua expansio politica e econd- mica. Numerosas senhorias habitadas por povos de muitas linguas diferentes, entre os quais 0s totonacas e 0s huaxtecas nos atuais estados de Puebla e de Veracruz, ¢ 08 mixtecas e os zapotecas em Oaxaca, foram subjugadas de diver- Diego Durén, Historia dels Indias de Nueva Espana, ed. A. M. Gaibay, México, 1967, 2 vols. V. especialmente voll pp. 65-75 sas maneiras pelos mexicas. E formas organizadas de um comércio dilatado foram responsaveis pela crescente prosperidade do “império” mexica, ‘A s6lida estrutura econdmica da orgenizasio politica dos mexicas, que jé estava basicamente formada ao fim do governo de Moteuczoma I (por volta de 1469), foi objeto de muitas interpretacbes divergentes. A maioria dos cro- nistas espanhéis (¢ historiadores do século XIX, como Prescott, Bancroft, ‘Ramirez e Orozco y Berra) haviam reconhecido que a sociedade mexica era, ‘em muitos aspectos, semelhante & dos reinos feudais da Europa. Assim, para descrevé-la, ndo hesitaram em empregar termos semelhantes aos de reis ¢ rincipes; corte real, hidalgos e cortesios; magistrados, senadores, cénsules, sacerdotes e pontifices; membros da aristocracia, nobres de alta e baixa posi- S40, proprietérios rurais, plebeus, servos e escravos. O revisionismo critico foi iniciado por Lewis H. Morgan, em termos das idéias expressas em seu famoso Ancient Society (1877). Ble escreveu: A organizacto asteca colocava-se claramente diante dos espanhéis como uma confederasao de tribos indigenas. Nenhuma outra coisa, a ndo ser a mais grosseira distoredo de fatos dbvios, poderia ter autorizado os esritores espanhéis a fabricar a ‘monarquia asteca a partir de uma organizagto democrética, bal cles (0s cronistas espanhdis] temerat narquia com caracteristicas acentuadamente feudais.. Essa concepsio incorreta jd se ‘manteve por mais tempo do que merece devido & indoléncia dos americanos!, smente inventaram para os astecas uma mo- As idéias de Morgan, aceitas e divulgadas por Adolph F. Bandelier (1878- 1880), exerceram uma profunda influéncia. A maioria dos pesquisadores aceitaram a tese de que 08 mexicas ¢ 06 outras povos que habitavam o sul do México e a América Central no tinham classes sociais diferenciadas e no haviam desenvolvido formas de organizacio politica, como reinos ou outros tipos de Estado. Reconheciam que os povos mesoamericanos eram apenas grupos vinculados por sangue (vérios tipos de “tribos” ou “clas"), algumas vvezes associados em confederacoes. Meio século mais tarde, um estudo mais sério de fontes indigenas que muitas veres foram ignoradas antes conduziu a um novo revisionismo. Manuel M. Moreno, Arturo Monz6n, Paul Kirchhoff, Alfonso Caso, Friedrich Lewis H. Morgan, “Montezuma's Dinner", American Review, abril 1876, p. 308 a AMBSOAMERICA ANTES DE 519 2 A AMBRICA AS VESPERAS DA CONQUISTA Katz ¢ outros chegaram a conclusées que coincidiam nos seguintes pontos: os macehualtin, agrupados em calpulli, constituiram entidades sociais rela- cionadas por parentesco; sua posigao socioeconémica diferia tao radical- mente da dos pipiltin que se foi forcado a aceitar a existéncia de classes sociaiss entre as muitas distingSes que prevaleciam entre os macehualtin e os pipiltin havia uma muito importante, relacionada com as formas de posse da terra; somente 0s pipiltin podiam possuir @ propriedade privada da terra.

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