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Almeida Garret: Frei Luís de Sousa

Breve Análise
1. Acção dramática

Frei Luís de Sousa contém o drama que se abate sobre a família de Manuel de Sousa
Coutinho e D. Madalena de Vilhena. As apreensões e pressentimentos de Madalena de
que a paz e a felicidade familiar possam estar em perigo tornam-se gradualmente numa
realidade. O incêndio no final do Acto I permite uma mutação dos acontecimentos e
precipita a tensão dramática. E no palácio que fora de D. João de Portugal, a acção
atinge o seu clímax, quer pelas recordações de imagens e de vivências, quer pela
possibilidade que dá ao Romeiro de reconhecer a sua antiga casa e de se identificar a
Frei Jorge.

O Acto I inicia-se com Madalena a repetir os versos d'Os Lusíadas:

• "Naquele engano d'alma ledo e cego,


que a fortuna não deixa durar muito…"

As reflexões que se seguem transmitem, de forma explícita um presságio da desgraça


que irá acontecer. Obedecendo à lógica do teatro clássico desenvolve a intriga de forma
a que tudo culmine num desfecho dramático, cheio de intensidade: morte física de
Maria e a morte para o mundo de Manuel e Madalena.

2. Do drama clássico ao drama romântico

Se se pretender fazer uma aproximação entre esta obra e a tragédia clássica, poder-se-á
dizer que é possível encontrar quase todos os elementos da tragédia, embora nem
sempre obedeça à sua estruturação objectiva.

A hybris é o desafio, o crime do excesso e do ultraje. D. Madalena não comete um


crime propriamente na acção, mas sabemos que ele existiu pela confissão a Frei Jorge
de que ainda em vida de D. João de Portugal amou Manuel de Sousa, apesar de guardar
fidelidade ao marido. O crime estava no seu coração, na sua mente, embora não fosse
explícito como entre os clássicos.

Manuel de Sousa Coutinho também comete a sua hybris ao incendiar o palácio para não
receber os governadores. A hybris manifesta-se em muitas outras atitudes das
personagens.

O conflito que nasce da hybris desenvolve-se através da peripécia (súbita alteração dos
acontecimentos que modifica a acção e conduz ao desfecho), do reconhecimento
(agnórise) imprevisto que provoca a catástrofe. O desencadear da acção dá-nos conta
do sofrimento (páthos) que se intensifica (climax) e conduz ao desenlace. O sofrimento
age sobre os espectadores, através dos sentimentos de terror e de piedade, para purificar
as paixões (catarse). A reflexão catártica é também dada pelas palavras do Prior,
quando na última fala afirma: "Meus irmãos, Deus aflige neste mundo àqueles que ama.
A coroa da glória não se dá senão no céu".

Tal como na tragédia clássica, também o fatalismo é uma presença constante. O destino
acompanha todos os momentos da vida das personagens, apresentando-se como um
força que as arrasta de forma cega para a desgraça. É ele que não deixa que a felicidade
daquela família possa durar muito.

Garrett, recorrendo a muitos elementos da tragédia clássica, constrói um drama


romântico, definido pela valorização dos sentimentos humanos das personagens; pela
tentativa de racionalmente negar a crença no destino, mas psicologicamente deixar-se
afectar por pressentimentos e acreditar no sebastianismo; pelo uso da prosa em
substituição do verso e pela utilização de uma linguagem mais próxima da realidade
vivida pelas personagens; sem preocupações excessivas com algumas regras, como a
presença do coro ou a obediência perfeita à lei das três unidades (acção, tempo e
espaço).

3. Tempo

A acção dramática de Frei Luis de Sousa acontece em 1599, durante o domínio


filipino, 21 anos após a batalha de Alcácer-Quibir. Esta aconteceu a 4 de Agosto de
1578.

"A que se apega esta vossa credulidade de sete… e hoje mais catorze… vinte e un
anos?", pergunta D. Madalena a Telmo (Acto I, cena 11).

"Vivemos seguros, em paz e felizes… há catorze anos" (1, cena 11).

"Faz hoje anos que… que casei a primeira vez, faz anos que se perdeu el-rei D.
Sebastião, e faz anos também que… vi pela primeira vez a Manuel de Sousa", afirma D.
Madalena (Il. cena X).

"Morei lá vinte anos cumpridos" (…) "faz hoje um ano… quando me libertaram", diz o
Romeiro (Il. cena XIV).

A acção reporta-se ao final do século XVI, embora a descrição do cenário do Acto I se


refira à "elegância" portuguesa dos princípios do século XVII.

O texto é, porém, escrito no século XIX, acontecendo a primeira representação em


1843.

4. Personagens

D. Madalena de Vilhena é a primeira personagem que aparece na obra, mas pode-se


afirmar que toda a familia tem um relevo significativo. São as relações entre esposos,
pais e filha, o criado e os seus amos ou mesmo o apoio de Frei Jorge que estão em
causa. Um drama abate-se sobre esta família e enquanto Manuel de Sousa Coutinho e
D. Madalena se refugiam na vida religiosa, Maria morre como vítima inocente.
D. Madalena tinha 17 anos quando D. João de Portugal desapareceu na batalha de
Alcácer-Quibir. Durante 7 anos procurou-o. Há catorze anos que vive com Manuel de
Sousa Coutinho. Tem agora 38 anos (17 + 21). Mulher bela, de carácter nobre, vive uma
felicidade efémera, pressentindo a desventura e a tragédia do seu amor. Racionalmente,
não acredita no mito sebastianista que Ihe pode trazer D. João de Portugal, mas teme a
possibilidade da sua vinda. E com medo que a encontramos a reflectir sobre os versos
de Camões e a sentir, como que em pesadelo, a ideia de que a sobrevivência de D. João
destrua a felicidade da sua família. No imaginário de D. Madalena, a apreensão torna-se
pressentimento, dor e angústia. É neste terror que se vê na necessidade de voltar para a
habitação onde com ele viveu.

Manuel de Sousa Coutinho (mais tarde Frei Luis de Sousa) é um nobre e honrado
fidalgo, que queima o seu próprio palácio, para não receber os governadores. Embora
apresente a razão a dominar os sentimentos, por vezes, estes sobrepõem-se quando se
preocupa com a doença da filha. É um bom pai e um bom marido.

Maria de Noronha tem 13 anos, é uma menina bela, mas frágil, com tuberculose, e
acredita com fervor que D. Sebastião regressará. Tem uma grande curiosidade e espírito
idealista. Ao pressentir a hipótese de ser filha ilegítima sofre moralmente. Será ela a
vítima sacrificada no drama.

Telmo Pais, o velho criado, confidente privilegiado, define-se pela lealdade e


fidelidade. Não quer magoar nem pretende a desgraça da família de D. Madalena e
Manuel. Mas como verdade recorrente no mito sebastianista, acredita que D. João de
Portugal há-de regressar. No fim, acaba por trair um pouco a lealdade de escudeiro pelo
amor que o une à filha daquele casal, D. Maria de Noronha. Representa um pouco o
papel de coro da tragédia grega, com os seus diálogos, os seus agoiros ou os seus
apartes.

O Romeiro apresenta-se como um peregrino, mas é o próprio D. João de Portugal. Os


vinte anos de cativeiro transformaram-no e já nem a mulher o reconhece. D. João, de
espectro invisível na imaginação das personagens, vai lentamente adquirindo contornos
até se tornar na figura do Romeiro que se identifica como "Ninguém". O seu fantasma
paira sobre a felicidade daquele lar como uma ameaça trágica. E o sonho torna-se
realidade.

Frei Jorge Coutinho, irmão de Manuel de Sousa, amigo da família e confidente nas
horas de angústia, ouve a confissão angustiada de D. Madalena. Vai ter um papel
importante na identificação do Romeiro, que na sua presença indicará o quadro de D.
João de Portugal.

5. Cenário

O Acto I passa-se numa "câmara antiga, ornada com todo o luxo e caprichosa
elegancia dos principios do século XVII", no palácio de Manuel de Sousa Coutinho, em
Almada. Neste espaço elegante parece brilhar uma felicidade, que será, apenas,
aparente.
O Acto II acontece "no palácio que fora de D João de Portugal, em Almada, salão
antigo, de gosto melancólico e pesado, com grandes retratos de familia…". As
evocações do passado e a melancolia prenunciam a desgraça fatal.

O Acto lll passa-se na capela, que se situa na "parte baixa do palácio de D. João de
Portugal". "É um casarão vasto sem ornato algum". O espaço denuncia o fim das
preocupações materiais. Os bens do mundo são abandonados.

6. A Atmosfera

Há ao longo da intriga dramática uma atmosfera psicológica do sebastianismo com a


crença no regresso do monarca desaparecido e a crença no regresso da liberdade. Telmo
Pais é quem melhor alimenta estas crenças, mas Maria mostra-se a sua melhor
seguidora.

Percebe-se também uma atmosfera de superstição, nomeadamente desenvolvida em


redor de D Madalena.

7. Simbologia

Vários elementos estão carregados de simbologia, muitas vezes a pressagiar o


desenrolar da acção e a desgraça das personagens. Apenas como referência, podemos
encontrar algumas situações e dados simbólicos:

• A leitura dos versos de Camões referem-se ao trágico fim dos amores de D.


Inês de Castro que, como D. Madalena, também vivia uma felicidade aparente
quando a desgraça se abateu.
• O tempo dos principais momentos da acção sugerem o dia aziago: sexta-feira,
fim da tarde e noite (Acto I), sexta-feira, tarde (Acto II), sexta-feira, alta noite
(Acto lll); e à sexta-feira D. Madalena casou-se pela primeira vez; à sexta-feira
viu Manuel pela primeira vez; à sexta-feira dá-se o regresso de D. João de
Portugal; à sexta-feira morreu D. Sebastião, vinte e um anos antes.
• A numerologia (1) parece ter sido escolhida intencionalmente. Madalena casou
7 anos depois de D. João haver desaparecido na batalha de Alcácer-Quibir; há
14 anos que vive com Manuel de Sousa Coutinho; a desgraça, com o
aparecimento do Romeiro, sucede 21 anos depois da batalha (21=3x7). 0 número
7 é um número primo que se liga ao ciclo lunar (cada fase da Lua dura cerca de
sete dias) e ao ciclo vital (as células humanas renovam-se de sete em sete anos),
representa o descanso no fim da criação e pode-se encontrar em muitas
representações da vida, do universo, do homem ou da religião; o número 7
indica o fim de um ciclo periódico. O número 3 é o número da criação e
representa o círculo perfeito. Exprime o percurso da vida: nascimento,
crescimento e morte. O número 21 corresponde a 3x7, ou seja, ao nascimento de
uma nova realidade (7 anos foi o ciclo da busca de notícias sobre D. João de
Portugal e o descanso após tanta procura); 14 anos foi o tempo de vida com
Manuel de Sousa (2x7, o crescimento de uma dupla felicidade: como esposa de
Manuel e como mãe de Maria; 14 é gerado por 1+4=5, apresentando-se como
símbolo da relação sexual, do acto de amor); 21 anos completa a tríade de 7
apresentando-se como a morte, como o encerrar do círculo dos 3 ciclos
periódicos O número 7 aparece, por vezes, a significar destino, fatalidade
(imagem do completar obrigatório do ciclo da vida), enquanto o 3 indica
perfeição; o 21 significa, então, a fatalidade perfeita.
• Maria vive apenas 13 anos. Na crença popular o 13 indica azar. Embora como
número ímpar deva apresentar uma conotação positiva, em numerologia é
gerado pelo 1+3=4, um número par, de influências negativas, que representa
limites naturais. Maria vê limitados os seus momentos de vida.

8. Acção Trágica

Elementos Hybris Agón Pathos Katastrophé


trágicos (o desafio) (o conflito) (o sofrimento) (a catástrofe)
por causa do causada pelo
adultério regresso de D.
contra as leis e os interior, de João - morte
direitos da família: consciência pela incerteza da psicológica:
sorte do primeiro
adultério no coração contínuo marido separação do
marido
D. consumação pelo crescente violento pela volta ao
Madalena casamento com palácio do primeiro profissão
de Vilhena Manuel gerador de marido religiosa
conflitos:
profanação de um com D. Manuel cruel após salvação pela
sacramento com D. João conhecimento da purificação:
com Maria existência do
bigamia com Telmo primeiro marido: irmã Sóror
pela perda do marido Madalena das
pela perda de Maria Chagas
morte
não tem conflito psicológica:
revolta contra as de consciência
autoridades de separação da
Lisboa não entra em esposa
sofre a angústia pela
conflito com as separação do
situação da sua
desafia o destino ao outras mundo
mulher
Manuel S. incendiar o palácio personagens profissão
Coutinho religiosa
sofre a angústia pela
recusa o perdão a sua hybris
situação presente e
desencadeia e glória futura de
futura da filha
inconscientemente agudiza os escritor:
participante da conflitos das
hybris de sua esposa outras Frei Luís de
personagens Sousa: glória
de santo
D. João de abandona a família não tem conflito sofre o esquecimento morte
Portugal a que foi votado psicológica:
não dá notícias da alimenta os
sua existência conflitos dos sofre pelo casamento separação da
outros da sua mulher mulher
aparece quando
agudiza todos sofre por não poder a situação
todos o julgavam
os conflitos com travar a marcha do irremediável do
morto
o seu regresso destino anonimato
revolta contra a não tem conflito sofre fisicamente:
profissão religiosa tuberculose
dos pais entra em
morre
D. Maria conflito com: sofre
fisicamente
de revolta contra D. sua mãe psicologicamente:
Noronha João de Portugal seu pai não obtém resposta a
vai para o céu
Telmo muitos agoiros
convida os pais a D. João de vergonha da
mentir Portugal ilegitimidade
conflito de sofre pela dúvida
consciência constante que o
assalta acerca da
conflito com morte de D. João de
afeiçoa-se a Maria
outras Portugal
não poderá
personagens:
Telmo Pais deseja que D. João resistir a tantos
com D. sofre hesitando entre
de Portugal tivesse desgostos
Madalena a fidelidade a D. João
morrido
com D. Manuel e a D. Manuel
com Maria
com D. João de sofre a situação de
Portugal Maria

9. Estrutura dramática

Estrutura Interna Estrutura Externa


Exposição Acto I - cenas I, II, III e IV
Acto I - cenas V-XII

Conflito Acto II

Acto III - cenas I-IX


Desenlace Acto III - cenas X-XII

Cenas I-IV Informações sobre o passado das personagens Preparação da


acção - decisão dos governadores e decisão de incendiar o
Acto I cenas V-VIII palácio

cenas IX-XII Acção: incêndio do palácio


cenas I-III Informações sobre o que se passou depois do incêndio

Acto II cenas IV-VIII Preparação da acção: ida de Manuel de Sousa Coutinho a Lisboa

cenas IX-XV Acção: chegada do Romeiro


Acto III cena I Informações sobre a solução adoptada

cenas II-IX Preparação do desenlace


cenas X-XII Desenlace

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