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encosta na droga, dificilmente têm acesso direto a ela. Esses vendedores, por vezes,
utilizam-se de aliciadores, responsáveis por, a seu mando, recrutar mulas ou
aviõezinhos.
A segunda ponta é, justamente, integrada pelas mulas ou aviõezinhos. A estes
aplica-se a causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06. Não
guardam vínculo com a organização criminosa. Representam um elo dinâmico de
transporte da droga de sua origem a seu destino. Atuam ocasionalmente, na medida em
que, para a aplicação da causa de diminuição, exige-se a primariedade, os bons
antecedentes e a não-dedicação a atividades criminosas.
A terceira ponta é representada pelos recebedores da droga. Estes são os
próprios consumidores, que respondem pelo crime previsto no art. 28 da Lei
11.343/06, ou são compradores que almejam revender o entorpecente com algum
lucro, distribuindo-o entre consumidores.
Não nos parece proporcional atribuir a pecha da hediondez à conduta praticada
pelo vendedor da droga, à conduta perpetrada pelo comprador da droga, que almeja
revendê-la com algum lucro, e à conduta praticada pela mula ou aviãozinho, que
recebe mísera recompensa pelo transporte ocasional. Não nos parece que essas
diferentes engrenagens possam ser equiparadas em termos de gravidade. A rigor, de
maior gravidade são as condutas do vendedor e do comprador da droga, que financiam
o comércio do entorpecente, alimentando-o.
Então, também sob o viés da colocação da mula ou aviãozinho na engrenagem
do tráfico de drogas, não nos parece proporcional classificar o tráfico privilegiado
como hediondo.
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ASSESSORIA DE ATUAÇÃO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – AASTF
Para o caso de essa Suprema Corte considerar que o delito de tráfico de drogas
a que se aplica a causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06
caracteriza-se como hediondo, registre-se, ao menos, que o tratamento mais gravoso
não tem o condão de permitir a aplicação de frações diferenciadas para fins de
concessão da progressão de regime ou de benefícios da execução em geral.
Em verdade, o art. 5º, XLIII, CF, consagra o estatuto constitucional repressivo
dos crimes hediondos e equiparados.
Por se cuidar de restrição ao jus libertatis, a regra constitucional exige
interpretação restritiva. Esgota-se em si mesma. Não dispõe o intérprete da
Constituição ou o legislador infraconstitucional de carta branca para avançar em
relação ao estatuto constitucional repressivo e estabelecer regras nele não contidas.
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ASSESSORIA DE ATUAÇÃO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – AASTF
Ora, não há, no art. 5º, XLIII, CF, regra alguma, implícita ou explícita, que
autorize a fixação de frações mais gravosas para fins de concessão da progressão de
regime ou de benefícios da execução em geral.
Nesse sentido, por violação ao art. 5º, XLIII, CF, tem-se como inconstitucional
o disposto no art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90, que estabelece frações diferenciadas para a
concessão da progressão de regime, ou mesmo outros dispositivos infraconstitucionais
que fixem frações diferenciadas para outros benefícios da execução em geral.
Então, impõe-se a exclusão da hediondez do delito de tráfico de entorpecentes a
que se aplica a causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06.
Subsidiariamente, para a hipótese de se insistir na atribuição ao delito do mesmo
tratamento dado aos crimes hediondos, deverão ser afastadas, ao menos, as frações
diferenciadas para a concessão da progressão de regime e de outros benefícios da
execução em geral.
Brasília, 3 de agosto de 2015.
Gustavo Zortéa da Silva,
Defensor Público Federal de Categoria Especial.