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A democracia grega que Aristóteles examina tem pouco a ver com o modo
como, no século XXI, a entendemos. Em seu tratado Política, o filósofo grego
mostra pontos divergentes que estão na raiz da diferença entre as duas
posições.
Em primeiro lugar, Aristóteles compreende o Estado como uma
comunidade de algum tipo, com vista a um bem. E como, para ele, as ações
humanas sempre visam uma concepção particular de bem, o Estado visa aquela
concepção que é a mais elevada (P. I, 1, 1252a1-6). Na prática política, portanto,
o Estado não age como um grande mercador, mas como um coletivo em busca
de um fim mais elevado, a eudaimonia, a felicidade do indivíduo, que é a mesma
da cidade:
[A] union of those who cannot exist without each other; namely, of male and
female (...), and of natural ruler and subject (...). For that which can foresee by
the exercise of mind is by nature lord and master, and that which can with its
body give effect to such foresight is a subject, and by nature a slave.
(Idem, I, 2, 1252ª26-33).
Começando com a relação de dominância dos homens sobre as mulheres
(“by nature”), Aristóteles prossegue à unidade da família. Se a relação entre
homem e mulher visa cumprir o mútuo interesse de gerar novos indivíduos, a
relação familiar visa, por outro lado, a conservação destes. A família, portanto, é
“the association established by nature for the supply of men’s everyday wants”
(1252b13-14). É somente quando muitas famílias se associam, porém, que pode
este conjunto almejar algo mais que a simples sobrevivência, na forma de uma
aldeia. Mas esta associação ainda não assume a forma de um Estado, por ser
governada por um rei e por não ser autossuficiente (1252b18-22).
O Estado só pode ser formado sob duas condições, para Aristóteles. A
primeira é que seja formado por diversas aldeias, de forma que possa almejar
algo mais que a própria sobrevivência. A segunda é que seja quase ou
completamente autossuficiente, de forma que possam almejar a boa vida
(1252a27-30).
Com isso, podemos observar que o Estado se fundamenta, nesta visão,
na relação entre os indivíduos, e se distingue quando os indivíduos podem deixar
de se ocupar somente com suas sobrevivências particulares.
É neste ponto que surge a relação entre compor o Estado como indivíduo
e buscar a boa vida (ou a vida virtuosa), e de onde surge a primeira implicação:
nem todos os indivíduos são cidadãos, já que aqueles que trabalham para a
própria sobrevivência não podem buscar nada além disso. Cidadãos são aqueles
que não trabalham, pois podem eles buscar a vida virtuosa. Disto Aristóteles
deriva a segunda implicação: que é legítimo, por natureza, que haja uma classe
que coordena o poder político e outra que o efetue, do mesmo modo que é
“natural” que o homem seja aquele vê adiante por um exercício da mente (no
caso, o desejo de reprodução) e a mulher efetue a visão através de seu corpo.
Aristóteles só pode argumentar desta forma, porém, porque compreende
que a natureza tem uma propriedade metafísica que será combatida na
Modernidade: a causa final. É a partir da ideia de que existe um fim para a polis,
para as aldeias, para o cidadão e para os servos, que fazem parte da natureza
e obedecem suas leis, que se pode dizer que o fim da polis é a felicidade do
povo. Povo, portanto, e não cidadãos, já que o interesse dos senhores e dos
servos é, para ele, sempre igual, e não haveria motivo para pensar que a
inclusão de todos os indivíduos (inclusive aqueles que não são aptos para a
virtude) nas decisões políticas pudesse melhorar a felicidade de todos. É à forma
como os cidadãos se organizam politicamente que Aristóteles chama de
democracia, e não a forma como o povo se organiza.
Todo indivíduo é cidadão, logo o poder político deve ser exercido por um.
It is of it selfe manifest, that the actions of men proceed from the will, and the
will from hope, and feare, insomuch as when they shall see a greater good, or
lesse evill, likely to happen to them by the breach, than observation of the
Lawes, they'l wittingly violate them.
Hobbes, T. De cive. Cap. V, §1
Todo indivíduo é cidadão, logo o poder político deve ser exercido conforme
a vontade geral.