You are on page 1of 76

Prof. Dr.

Juarez Cirino dos Santos


Mestre em Ciências Jurídicas (PUC/RJ)
Doutor em Direito Penal (UFRJ)
Pós-doutorado no Institut für Rechts- und Sozialphilosophie
CU niversidade do Saarland, Alemanha)

A Criminologia
Radical

ICPC
LUMEN JURIS

2008
copyright <i,d 200~ b,. ICPC Editora Ltda. c Uvraria e Editora LumenJuris Ltda.

Todos os direitos rcscn-ados às editOras


ICPC Editora Ltda. e Linaria e Editora LumenJL1ris Ltda .
.A reprodução total ou parcial dc~[a obra, por qualquer meio ou processo.
sem a autorização prévi1 das Editoras, constitui crune.

ICPC Editora Ltda. Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.


Diretor Editores
Juarez Cirino dos Santos João de Almeida
\Vww.cmno.com.br João Luiz da Silva Almeida
icpc@cirino.com.br \\i'\\lw.lwnenjuris.com.br

Rio de Janeiro - R. da Assembléia, 36/201-204


CEP 20011-000 - (21) 2232-1859/2232-1886

Curitiba - Av. Cãndido de Abreu, 651/1° andar - CEP 80530-907 - Tclefax: (41) 3352-8290

Brasília - SCLN - Q. 406 - Bloco B - s/s 4 e 8 Asa Norte - CEP 70847-500


(61) 3340-9550/3340-0926/3225-8569 - Fax (61) 3340-2748

São Paulo - R. Camerino, 95/2 - Barra Funda - CEP 01153-030 - (11) 3664-8578

Rio G. do Sul - R. Capo J. de Oliveira Lima, 160 - Santo Antonio da Patrulha - Pitangueiras
CEP 95500-000 - (51) 3662-7147

Capa:
Rodrigo Michel Ferreira

Projeto Gráfico:
Kellen Susana Zamarian
....
s+=c00460'5~ O

........
t\l
....
Dedico este trabalho aosprifessores
Santos, Juarez Cirino
t\ criminologia
dos
radical/Juarez Cirino dos Santos. - 3. ed. - Curitiba: !
I
t'l
I
ICPC : Lwnen Juris, 2008.
139p. ; 21cm.
sG1
João Mestieri e
ISBN 978-85-375-0183-2
Bibliografia:

1. Crime.
p. 131-136.

2. Criminalidade. 3. Controle Social. I. Título


-
O
..r
~..r, '"Oo
!O

.. C
-'
O
\1
\1
Heleno' Fragoso (in memon'am)

910
Z
ã: "-~ ~
CDD (21' ed.) ~IO
.., .
~o UJ
5
N
o:
-< i
gz ~~ 81S
~.
364 'Z

Dados internacionais de catalogação na publicação UJo a5 z~ ~


Bibliotecária responsável: Mara Rejane Vicente Tei.xeÍra g~
~ 5
:2Gl
O
I- tlf.o'
0- -<
~~ '"~ ~
""O o tif~
8lt ;:: :l
-< t;~.; w
i!'r
i.~
Nota do Autor para a 3a Edição

Este pequeno livro - talvez um clássico da crimino-


logia brasileira - mantém plena atualidade científica e ampla
utilidade pedagógica. Entre outras coisas, parece cumprir a
tarefa didática de apresentar aos estudantes e profissionais
da Justiça Criminal as premissas ideológicas, os objetivos
políticos e os fundamentos científicos da moderna Crimi-
nologia Crítica. Esse papel é a explicação mais razoável para
o rápido esgotamento da 2a edição do livro, publicada em
2006.

A 3a edição de A Criminologia Radical surge sem


alterações de conteúdo ou de forma, exceto uma ou outra
correção pontual no texto. A idéia é preservar a originali-
dade teórica e metodológica de um trabalho acadêmico pro-
duzido no nascedouro de uma revolução do pensamento
científico sobre crime e controle social nas sociedades
contemporâneas.

Curitiba, janeiro de 2008 Juarez Cirino dos Santos

v
PREFÁCIO

Este livro foi escrito na época da ditadura militar no


Brasil - entre 1979 e 1981 -, apresentado como tese para
obtenção do título de doutorem Direito Penal na Faculdade de
Direito da UFRJ, defendido e aprovado com a nota máxima
por uma banca examinadora constituída pelos professores
Helena Fragoso, Roberto Lyra Filho, Celso de Albuquerque
Mello, Celso César Papaléo e João Mestieri (orientador)
- mestres que dignificaram a vida acadêmica, científica e
intelectual do País naqueles tempos sombrios.
Na época, os partidos políticos estavam amorda-
çados, os sindicatos reprimidos, a imprensa censurada, a
universidade e os intelectuais acuados - mas a resistência
democrática crescia em todos os segmentos da sociedade
civil e política brasileira. Os centros de produção científica
e cultural do País foram invadidos pela ideologia de lei e
ordem do AI-5, mas não foram dominados: na PUC/RJ,
o movimento docente da ADPUC e dos estudantes nos
Centros Acadêmicos era vigoroso; na Cândido Mendes/
Ipanema nunca houve censura política de professores; na
Faculdade de Direito da UFRJ, a luta histórica do CACO
(Centro Acadêmico Cândido de Oliveira) abria espaço para
defesa de teses marxistas como A Criminologia &dical, por
exemplo.

Vil
i\ idéia do livro surgiu ao escrever a dissertação de
mestrado na PUC/RJ, publicada como A Criminologia da gusto Thompson, Heitor Costa] únior, Cláudio Ramos,
Repressão (Forense, 1979), que descrevia a criminologia po- Juarez Tavares, Sérgio Verani, Técio Lins e Silva, Arthur
sitivista dominante na academia e no sistema de controle Lavigne, Luiz Fernando Freitas Santos, Yolanda Carão, Eli-
social. O estudo crítico dessa criminologia conservadora sabeth Sussekind e outros mais; o e?sino de Direito Penal
e Criminologia na graduação em Direito da PUC/R] e da
permitiu descobrir textos e autores pouco conhecidos no
Cândido Mendes-Ipanema, de 1976 a 1981; e a romântica
meio universitário brasileiro, com conceitos revolucionários
militância política no MR8 (Movimento Revolucionário 8
sobre crime e controle social, como Punishment and social
de Outubro) de Lamarca e Marighela, então já assassinados
structure de Rusche e Kirchheimer (1939), The New Crimi-
pela ditadura militar.
nology de Taylor, Walton e Young (1973) e Vzgiar e Punir de
Foucault (1977), espécie de linha defrente de um movimento Escrever A Criminologia Radical foi uma experiência
universal de criminologia crítica composto por cientistas, filó- pessoal emocionante, espécie de êxtase psíquico renovado
sofos e militantes políticos de vanguarda, como Alessandro a cada descoberta intelectual. E a reação do público foi
Baratta na Alemanha, Dario Melossi e Massimo Pavarini na espetacular: profissionais conservadores estigmatizaram o
Itália, Tony Platt, William Chambliss e os Schwendingers livro, mas criminólogos progressistas encontraram nele a
nos Estados Unidos, LaIa Aniyar de Castro e Rosa del verdadeira criminologia; alguns professores diziam ensinar
Olmo na América Latina, para citar apenas alguns. Então, criminologia radical- e não simplesmente criminologia _, entre-
porque não apresentar ao público brasileiro os fundamen- gando aos alunos fotocópias do livro, esgotado nas livrarias;
tos científicos e os objetivos políticos dessa criminologia de o livro foi objeto de seminários organizados por professores
raízes que pretendia "se constitui?; não como outra 'criminologia da e de grupos de estudo formados por estudantes de Direito.
repressão: mas como a única Criminologia da Libertação)) - como Ainda hoje - vinte cinco anos depois da 1a edição _, em
a denominamos originalmente - e precisamente nesses conferências e debates pelo País, encontro profissionais do
tempos de caça às bruxas? Direito e estudantes com um velho exemplar do livro na
mão, para um autógrafo. Em suma, aconteceu com o livro
O percurso intelectual de elaboração do livro teve
o que acontece com a ciência social erigida sobre a luta de
momentos inesquecíveis: a tradução (com Sérgio Tan-
classes: ou é aceita ou é rejeitada, não há meio-termo.
credo) de Criticai Criminology, de Taylor, Walton e Young
(Criminologia Crítica, Graal, 1980); as discussões jurídicas e O livro não foi republicado por causa de um projeto
políticas no Instituto de Ciências Penais do Rio de Janeiro, - aliás, sempre adiado - de fundir A Cnominologia Radical
sob a presidência de Helena Fragoso, a liderança de Nilo com A CriminologiOada Repressão e As Raízes do Crime, em um
Batista e um time de encher os olhos: João Mestieri, Au- Curso de Criminologia para os estudantes brasileiros. Mas o
argumento de que A Criminologia Radical seria um clássico
viii

IX
na literatura criminológica brasileira, devendo ser republi- SUMÁRIO
cado sem mudanças - independente daquele projeto -, foi
convincente. E aí está a 2a ,ediçào do livro, com algumas
alterações de forma para facihtar a leitura, mas sem nenhuma
mudança de conteúdo para preservar a originalidade - até
para mostrar que certas teorias pretensamente novas já
I. INTRODUçAo 1
completaram a maioridade no Brasil.

Hoje, com o Estado Democrático de Direito e o novo 11. A CIUMINOLOGIt\ ~\DICAL. 35


quadro político-institucional do País, as teses do livro con-
tinuam atuais - e podem contribuir para a formulação de IH. A CIUMINOLOGIA RADICAL E o

políticas criminais democráticas e humanistas, opostas ao' CONCEITO DE CIUME 49


boom repressivo e intolerante das políticas penais próprias
IV A CRIMINOLOGIA RADICAL E A POLÍTICA DO
do período de globalização da economia capitalista, ainda
CONTROLE SOCIAL. .........................................................•.. 61
e sempre sob a égide do capital financeiro internacional.

V A CRIMINOLOGIA RADICAL E A FORMA LEGAL DO


CONTROLE SOCIAL 87
Curitiba, janeiro de 2006.

VI. A CRIMINOLOGIA RADICAL E ALTERNATIVAS DO

Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos CONTROLE SOCIAL. l11

Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFPR VII. CONCLUSÕES 125

BIBLIOGRAFIA 133

x xi
I. INTRODUÇÃO

o desenvolvimento de teorias radicais sobre crime,


desvio e controle social está ligado às lutas ideológicas e
políticas das sociedades ocidentais, na era da reorganização
monopolista de suas economias. Esse movimento teórico
pode ser explicado, nas suas formas básicas, pelas transfor-
mações econômicas e políticas, nacionais e internacionais,
do período da planetarização das relações de produção e de
comercialização de bens, da divisão internacional do traba-
lho e da polarização universal entre países desenvolvidos e
hegemônicos e povos subdesenvolvidos e dependentes.

O estudo das teorias radicais sobre crime e controle


social deve, portanto, fixar as linhas teóricas e metodoló-
gicas comuns aos movimentos e tendências críticas em
Criminologia e indicar os vínculos' desses movimentos e
tendências com as estruturas econômicas e políticas e as
relações de poder e de dominação das sociedades capitalis-
tas. A construção intelectual das coordenadas científicas das
teorias radicais exige, além do exame de produções teóricas
particulares representati"as desse movimento e tendências,
o uso de categorias capazes 'de captar as transformações
históricas e as lutas sociais, políticas e ideológicas que,
simultaneamente, produzem e explicam a Criminologia
Radical.
A Cn>JJillologia Radical In/Toe/uçâo

A Criminologia Radical surge como crítica radical da indiz)idZfa/ (assimilação deformada dos valores culturais). A
teoria criminológica tradicional, assim como - guardadas punição, como medida anticriminal oficial, justificava-se
as devidas proporções - o marxismo surgiu de uma crítica naturalmente como correção ressocializadora e oportuni-
radical da economia política 'Clássica:ambas as construções dade para arrependimento (Taylor, Walton e Young, 1980,
assumem na prática e desenvolvem na teoria um ponto
de vista de classe (a classe trabalhadora), em cujo centro
se encontra o proletariado. Mas enquanto o marxismo é
p. 10-11). A posição de compromisso do enfoque repre-
senta uma composição entre tendências conservadoras
(teorias clássicas e positivistas biológicas) e liberais (teorias

a estruturação de conceitos radicalmente !-l0vos sobre as positivistas sociológicas e as fenomenologias do crime) da
forças e a direção do movimento histórico, a Criminologia criminologia dominante.
Radical se edifica com base no método e nas categorias As teorias conservadoras caracterizam-se pela descrição
científicas do marxismo, desenvolvendo e especializando
da organização social: a ordem estabelecida (status quo) é
conceitos na área do crime e do controle social, mediante a o parâmetro para o estudo do comportamento criminoso
crítica da ideologia dominante, como exposta e reproduzida ou desviante e, por isso, a base das medidas de repressão e
pelas teorias tradicionais do controle social: as teorias clás- correção do crime e desvio. A ideologia das teorias conser-
sicas e positivistas, e algumas variantes da fenomenologia vadoras é essencialmente repressiva: fundada na hierarquia
moderna.
e na dominação, como bases da lei e da ordem, tem um
significado prático de legitimação da ordem social desigual
(Taylor et alii, 1980, p. 22-23).
1. As Teorias Tradicionais
As teorias liberais se caracterizam pela prescrição
Após a Segunda Guerra, nos países industrializados de riformas, concentrando-se em pesquisas sociológicas
do Ocidente se desenvolve uma criminologia concentrada para sugerir mudanças institucionais (descriminalização,
no estudo de causas ambientais, preocupada com privações tratamento penitenciário etc.) e sociais (habitação, assis-
materiais, lares desfeitos, áreas desorganizadas e pobres etc., tência etc.) como meios de prevenção do comportamento
abandonando as teorias genéticas e psicológicas, e outras anti-social. A ideologia liberal separa a atividade teórica
teorias conservadoras sobre a "perversidade humana" na do cientista, limitado a sugerir ou aconselhar, e a prática
explicação da etiologia do crime. Essa orientação teóric(1, política do administrador, o homem de decisão atento às
conhecida como criminologia fabiana por causa de sua necessidades concretas: o assessoramento do administrador
tendência ao compromisso, trabalhava com dois grupos de por cientistas e técnicos, incumbidos do trabalho abstrato,
fatores básicos: a subsocialização (insuficiente assimilação de exprimiria a subordinação da ciência aos imperativos polí-
valores culturais por deficiências de educação) e a corrupção ticos. A maioria da criminologia atual, especialmente em

2 .'.
, 3

.J
A Criminologia F..Lldical
---- ..-._------------------
In trodtl(t1o
-------------'--------~--'_._--------,--_ .._--------.-_.
Il"..I, I
!
instituições ligadas à realidade oficial, concentrada em pes-
etc.) e sociológicas (patologia social, desorganização social e
quisas sobre reincidência, métodos de prevenção, regimes
comportamento desviante).
penitenciários etc., segue o esquema liberal (Taylor et a/li",
1980, p. 23-25).

Mas a conexão ideológica entre conservadores e libe- 2. A Formação das Teorias Radicais em
rais para formação de uma mmin%gia correciona/ista está na
Criminologia
noção comum de que a maioria do comportamento social
é cOnt'enciona!,ou seja, ajustado aos parâmetros normativos, Sem desmerecer contribuições anteriores, geralmente
enquanto o comportamento não-convenciona!, constituído incompletas e limitadas, ou com distorções reformistas
pelo crime e desvio, seria a minoria do comportamento ou formalistas, um dos primeiros estudos sistemáticos do
social. O enfoque comum de conservadores e liberais não desenvolvimento da teoria criminológica sob um método
questiona a estrutura social, ou suas instituições jurídicas e dialético, aplicando categorias do materialismo histórico,
políticas (expressivas de consenso geral), mas se dirige para é o trabalho coletivo The New Cnminology (Taylor, Walton
o estudo da minoria criminosa, elaborando etiologias do crime e Young, 1973). O texto apresenta uma crítica interna das
fundadas em patologia individual, em traumas e privações teorias do crime, desvio e controle social, desde as con-
da vida passada, em condicionamentos deformadores do cepções clássicas, passando pelos positivismos biológicos
sistema nervoso autônomo, em anomalias na estrutura e sociológicos, as contribuições fenomenológicas e intera-
genética ou cromossômica individual etc., em relação ciorustas e, finalmente, as teorias conflituais, destacando,
com as circunstâncias presentes, cuja recorrência produz nas conclusões, os estágios analíticos da criação e da aplicação
tendências fixadas, psicológicas, fisiológicas ou outras. No da norma criminal: as origens do comportamento desviante
(estruturais e imediatas), o comportamento desviante con-
estudo dessa etiologia (e suas relações), o criminólogo
realizaria uma tarefa neutra, independente de interesses creto e as origens da reação social (imediatas e estruturais).
Esse texto acelerou a formação da Criminologia Radical,
pessoais e do sistema de reação contra o crime, com seus
ao exprimir a revolta de teóricos críticos (Laurie Taylor,
condicionamentos políticos e ideológicos (Young,1980,p. 75).
Stan Cohen, Mary McIntosh, Ian Taylor, Paul Walton,
Mas não se trata de estudar em detalhes, neste texto, as te-
Jock Young etc.) contra o pragmatismo puritano e correcio-
orias conservadoras e liberais, objeto específico de estudo
nalista da criminologia convenci~:md, em Cambridge, 1968,
em A Criminologia da Repressão (Cirino, 1979), cam ampla
formando a própria conferência:a National Deviancy Con-
análise de seus postulados ideológicos e estruturas teóricas,
ference (Mintz, 1974, p. 33). Esse encontro, realizado em
dentro do seguinte esquema: a) teorias clássicas; b) teorias
York, no ano de 1968, com mais de 400 participantes, marca
positivistas biológicas (genéticas, psicológicas, psiquiátricas
uma ruptura coletiva e coordenada com a criminologia tra-
4
5
111/rodJlçeio
A Cn"mil1o!ogia N/dica!
---------"-"-----"--------------_. __ ._._----~-~-

dicional, conservadora e liberal, com a superação de suas defeitos psicológicos ou de personalidades anormais - e do
elaborações mais sofisticadas, como a teoria da rotulação, controle social, avaliado em termos de efetividade e eficiência
por exemplo, definida co~o "criminologia cética". e, portanto, como variantes do positivismo, concentrados
em estatísticas criminais. A importância do evento residiu
O livro de Taylor, Walton e Young, com o título irôni-
no estabelecimento de uma base ideológica e científica para
co de "A nova criminologia", trata de uma velha criminologia:
um trabalho teórico coletivo e organizado, cuja proposta
sua crítica pretende, remotamente, o desenvolvimento de
geral compreendia a crítica radical da teoria criminológica e
uma criminologia marxista, colocando as questões do crime
social dominante, a participação em movimentos políticos
e do controle social em perspectiva histórica e reconhecen-
de libertação de minorias oprimidas e no trabalho de massa,
do a urgência de uma economia política do crime, alternativa à
criminologia micro-sociológica, conflitual ou interacionista a organização e coordenação das lutas de presos etc. - em
(Mintz, 1974, p. 33-39). Criminólogos radicais criticaram o suma, um programa teórico e prático no contexto das re-
estilo tradicional do trabalho, definindo-o como "história lações entre os sistemas de controle social e a estrutura de
das idéias criminológicas" não situadas nas condições reais classes do modo de produção capitalista (Manifesto, 1974).
de seu desenvolvimento, espécie de "crítica da crítica" etc. A tarefa de esclarecer a relação crime/formação econômico-social
(del Olmo, 1976, p.64). Em autocrítica posterior os autores leva à inserção do fenômeno criminoso na e.ifera deprodução
reformularam as tendências formalistas e o estilo idealista (e não apenas na e.ifera de circulação): as relações de produção e
do livro (Taylor et alii, 1980), afirmando a necessidade de as questões de poder econômico epolítico passam a constituir
redefinir a problemática do crime e do controle social os conceitos fundamentais da Criminologia Radical (del
como fenômenos inteiramente inseridos no processo social, Olmo, 1976, p. 64). Reuniões sucessivas definem alguns
ligados à base material e à estrutura legal do capitalismo postulados teóricos e metodológicos do questionamento
contemporâneo: a economia política - ou melhor, a es- radical: a crítica da ideologia conservadora e liberal (concei-
trutura econômica em que se articulam as relações sociais to de delinqüente como anormal ou patológico, necessitado
no capitalismo - surge como o determinante primário da de tratamento ou de reabilitação), se baseia na concepção
formação social, formalizado nas superestruturas jurídicas materialista da história, que estuda o crime e os sistemas de
e políticas do Estado. controle do crime como fenômenos enraizados nas contradi-
Mas o acontecimento crucial da formação da Crimi- ções de classe de formações econômico-sociais particulares,
nologia Radical é a criação do Grupo Europeu para o Estudo do estruturadas pelo modo de produção dominante. A ligação
Desvio e do Controle Social, em Florença, Itália, em 1972, com a da teoria criminológica com a teoria do Estado, através da
publicação de um Manifesto (reeditado em 1974), denuncian- ciência da história, permite identificar o desenvolvimento
do os modos dominantes de análise do crime - produto de das instituições de controle social com a história superes-

6
A Crimino!o,gia Radica!
lnlrodlfcào
-----~--_ .. _-----_. __ ._._~. __ ._---------_ .._--,--_._--------~-~----

trutural da dominação do capital, bem como relacionar mão-de-obra ociosa controlada diretamente pela prisão,
os fenômenos do crime com a história da sobrevivência nas suas conexões com a polícia e a justiça criminal, parece
do trabalho assalariado, em condições de exploração e de sem sentido considerar o preso como /umpenproletariado,
miséria, na contextura de classes das sociedades capitalistas sem consciência ou organização política e sem papel na
(deI Olmo, 1976, p. 66-67).
luta de classes: a população carcerária é extraída da classe
A hipótese de que deSigualdades econômicas e po- trabalhadora, engajada nas lutas sindicais por direitos tra-
líticas entre as classes sociais são determinantes primários balhistas e leva para a prisão a experiência na organização
do crime revigora teses radicais sobre sociedades livres de de movimentos de reivindicações (a luta pela observância
crimes - ou livres da necessidade de criminalizar para so- das regras mínimas, pela preservação dos direitos não afe-
breviver - e orienta o esforço coletivo para a elaboração de tados pela privação da liberdade etc.) e de protestos contra
uma teoria criminológica comprometida com a construção violências na prisão, contra a exploração do trabalho do
do socialismo: a libertação do potencial de desenvolvimento preso etc., elevando o nível de consciência e de organização
humano pela libertação da luta de sobrevivência material da população reprimida (Mintz, 1974, p. 50-53).
de comer, consumir etc. Na linha dessa proposição, teoria
Na Europa e nos EUA, a partir da década de 60, as
e pesquisa criminológica constituem uma praxis social, em
teorias radicais germinam nas lutas políticas por direitos
que uma precisa concepção da utilidade do conhecimento
civis, no caso dos ativistas negros americanos, nos movi-
como instrumento de libertação encoraja e promove as
mentos contra a guerra, generalizados durante o genocídio
transformações indicadas por seus preceitos. Admitindo
do Vietnã, no movimento estudantil, em 1968, nas revoltas
a centralidade da classe trabalhadora como força política
em prisões e nas lutas de libertação anti-imperialistas dos
capaz de edificar o socialismo, a Criminologia fuldical rea-
povos e nações do Terceiro Mundo. Esse vínculo prático
valia o significado e destaca a importância crescente das
de criminólogos radicais com as lutas políticas e movimen-
minorias oprimidas pela condição de classe (a população tos sociais da segunda metade do século desenvolve-se,
:. das prisões), de raça (negros, índios etc.), de sexo ou de progressivamente, em uma crítica vertical à criminologia
idade para a execução daquele projeto político (Taylor et convencional-liberal que hegemoniza ,ateoria e a pesquisa
a/il, p. 25-32). Na época do capitalismo monopolista, em sobre crime, desvio e controle social, com a literatura mais
que menos de um terço da força de trabalho potencial influente, técnicos e consultbres governamentais, o pre- .
está integrada nos processos produtivos, e mais de dois domínio em comissões para o estudo do comportamento
terços dessa força de trabalho se encontra em situação anti-social e a elaboração de programas de prevenção, geral
de marginalização forçada do mercado de trabalho, como e especial (platt, 1980, p. 113-14).

8
9
[n trodll(c1o
A Criminologia RL,diml ._--------_.~"-----_._._,. __ . --_._ .....•.. __ ._-_.-_ ..__ .... -. - .-.,".' --,._,---~
-" -----~.._---_ .._--_._-_._-------------------_. __ .... _---_ .._ ..

A hegemonia conservadora e liberal em teoria e criminologia (Lyra Filho, 1980, p. 10). Crime é o que a lei,
ou a justiça criminal, determina como crime, excluindo com-
pesquisa criminológica não se explica por convergências
portamentos não definidos legalmente como crimes, por
teóricas ou metodológicas, pois são muitas as clivergências
internas entre sociólogos positivistas, teóricos do conflito mais danosos que sejam (o imperialismo, a exploração do


ou do labeling opproac'h etc., mas pelo significado ideológico trabalho, o racismo, o genocídio etc.), ou comportamentos
comum de seus postulados fundamentais (platt, 1980). O que, apesar de definidos como crimes, não são processados
processo de formação e estruturação da Criminologia Ra- nem reprimidos pela justiça criminal, como a criminalidade
dical é inseparável da crítica aos componentes ideológicos de "colarinho branco" (fixação monopolista de preços,
fundamentais da criminologia dominante, na medida em evasão de impostos, corrupção governamental, poluição do
que constitui seu próprio perfil ideológico e científico por meio ambiente, fraudes ao consumidor, e todas as formas
diferenciação e oposição àquela. A gênese crítica da Crimino- de abuso de poder econômico e político, que não aparecem
logia Raclicalcomeça nas questões conexas do conceito de nas estatísticas criminais). A questão aparentemente neutra
crime e das estatísticas criminais, deslindando as implicações e incontroversa da definição legal de crime - ou da atuação
políticas e as premissas ideológicas que fundamentam as da justiça criminal, indicada nas estatísticas criminais -,
teorias criminológicas traclicionais e informam as ciências como base do trabalho teórico da criminologia tradicional,
sociais, em geral, nas sociedades de classes, e prossegue manifesta um conteúdo ideológico nítido, que concliciona
nos aspectos superestruturais feticruzados das relações de e deforma toda a teoria e pesquisa, reduzida à descoberta
produção, sob a teoria da inseparabilidade das lutas sociais das causas do comportamento criminoso (Chambliss, 1980;
contra a exploração econômica, no contexto das relações de Lyra Filho, 1980).
produção, e contra a dominação política, no contexto das A clistorção ideológica da criminologia tradicional
relações de poder, em que a prisão se caracteriza como a não se reduz ao que está excluído da definição legal, ou da
forma específica do poder burguês, "diretamente determina- sanção da justiça criminal, mas resulta diretamente do que
da pelo modo de produção capitalista" (Fine, 1980, p. 26). está incluído nas definições legais ou nas sanções da justiça
criminal, como inclicado nas estatísticas e registros oficiais
sobre o comportamento criminoso, a base permanente
3. A Crítica às Teorias Tradicionais daquela criminologia. Um simples exame empírico (Fra-
goso, Catão e Sussekind, 1980) mostra a natureza classista
O ponto de partida da criminologia dominante é
da definição legal de crime e da atividade dos aparelhos
o conceito de crime: comportamentos definidos legalmente
de controle e repressão social, como a polícia, a justiça e
como crimes e/ ou sancionados pelo sistema de justiça cri-
a prisão, concentradas sobre os pobres, os membros das
minal como criminosos são a base epistemológica dessa
11
10
A Crilllil1%c~itlRadica/
------------ --------------- ---~-------- Inlrodll(clo

classes e categorias sociais marginalizadas e miserabilizadas varia conforme o tipo de sociedade e o estágio de desen-
pelo capitalismo. A situação geral dos países capitalistas volvimento tecnológico, o que significa ausência de crimes
pode ser exemplificada por seu modelo mais representati- naturais e identidade entre crimin0sos e não-criminosos,
vo, a sociedade americana (Taylor et alii, 1980, p. 39), cuja exceto pela condenação criminal; a cifra negra representa a
população contém 20% de pessoas do Terceiro Mundo, diferença entre a apadncia (conhecimento oficial) e a realidade
como negros, mexicanos e porto-riquenhos, que consti- (volume total) da criminalidade convencional, constituída
tuem 50% da população carcerária; existem mais negros por fatos criminosos não identificados, não denunciados
nas prisões do que nas universidades e, enquanto categoriais ou não investigados (por desinteresse da polícia, nos crimes
da população trabalhadora (operários, artífices, operadores sem vítima, ou por interesse da polícia, sob pressão do
etc.) representam 59% da força de trabalho da sociedade,
poder econômico e político), além de limitações técnicas e
constituem 87,4% da população das prisões. Nas sociedades materiais dos órgãos de controle social. Na verdade, a cifra
capitalistas, a indicação das estatísticas é no sentido de que negra afeta toda a criminalidade, desde os crimes sexuais,
a imensa maioria dos crimes é contra o patrimônio, de que cujos registros não excedem a taxa de 1% da incidência real,
mesmo a violência pessoal está ligada à busca de recursos até o homicídio, freqüentemente disfarçado sob rubricas de
materiais e o próprio crime patrimonial constitui tentativa "desaparecimentos", "suicídios", "acidentes" etc. (Aniyar,
normal e consciente dos deserdados sociais para suprir
1977, p. 80-83); por outro lado, a cifra dourada representa a
carências econômicas.
criminalidade do "colarinho branco", definida como práti-
A insistência de teoncos liberais e conservadores cas anti-sociais impunes do poder político e econômico (a
sobre estatísticas, como indicação da extensão do crime na nível nacional e internacional), em prejuízo da coletividade
sociedade, ou de que criminosos condenados são a maior e dos cidadãos e em proveito das oligarquias econômico-
aproximação possível da quantidade real de violadores financeiras (Versele, 1980, p. 10 e ss.): os caracteres sociais
da lei, decorre da explicação da criminalidade por fatores do sujeito ativo (portador de alto status sócio-econômico)
pessoais (biológicos, genéticos, psicológicos etc.) ou sociais e a modalidade de execução do crime (no exercício de
(ambiente, família, educação etc.), que seriam responsáveis atividades econômico-empresariais ou político-adminis-
pela super-representação das classes dominadas e pela trativas), conjugados às complexidades legais, às cumplici-
sub-representação das classes dominantes nas estatísticas dades oficiais e à atuação de tribunais especiais, explicam
criminais. Mas a confiabilidade das "evidências" (no caso, a imunidade processual e a inexistência de estigmatização
o dado estatístico) e a validade das teorias da cri~nologia dos autores (Aniyar, 1977, p. 92-93).
tradicional são destruídas pela relatividade do crime e pelas
A Criminologia Radical define as estatísticas criminais
chamadas cifras negra e dourada da criminalidade: o crime
como produtos da luta de classes nas sociedades capitalistas:
12
13
Introd,,(,io

a) os crimes da classe trabalhadora desorganizada (lttmpenpro- poder econômico e político, explicam essa exclusão (Young,
letariado, desempregados crônicos e marginalizados sociais, 1979, p.16 e ss.; Cirino, 1980, p. 38-52).
em geral), integrantes da chamada criminalidade-de-rua, de Esse quadro geral explicativo da distribuição social
natureza essencialmente ecbnômica e violenta, são super- da criminalização de condutas, elaborado segundo a po-
representados nas estatísticas criminais, porque apresentam
os seguintes caracteres: constituem ameaça generalizada ao
conjunto da população, são produzidos pelas camadas mais
sição social do autor, orienta a pesquisa da Criwinologia
Radical para a base econômica e para as relações de poder
da sociedade, excluídas da pesquisa da criminologia tradi-

vulneráveis da sociedade e possuem a maior transparência cional: as relações de classes nos processos produtivos da
ou visibilidade, com repercussões e conseqüências mais estrutura econômica da sociedade e nas superestruturas de
poderosas na imprensa, na ação da polícia e na atividade poder político e jurídico do Estado. Assim, a Criminologia
do judiciário; b) os crimes da classe trabalhadora organizada) Radical descobre o sistema de justiça criminal como prática
integrada no mercado formal de trabalho (a chamada crimi- organizada de classe, mostrando a disjunção concreta entre
nalidade de fábrica, como pequenas apropriações indébitas, uma ordem social imaginária, difundida pela ideologia domi-
nante através das noções de igualdade legal e de proteção
furtos e danos), não aparecem nas estatísticas criminais
geral, e uma ordem social real, caracterizada pela desigualdade
por força da inevitável obstrução dos processos criminais
e pela opressão de classe. Essa revelação está na base das
sobre os processos produtivos; c) a criminalidade dapequena
formulações teóricas e da prática transformadora da Cri-
burguesia (profissionais liberais, burocratas, administradores
minologia Radical, em direção a uma sociedade capaz de
etc.), geralmente danosa ao conjunto da sociedade por superar as desigualdades sociais que produzem o fenômeno
constituir a dimensão inferior da criminalidade do "colari- criminoso (Taylor et alii, 1980, 44-45).
nho branco", raramente aparece nas estatísticas criminais;
Nesse contexto, o significado ideológico da crimi-
d) a grande criminalidade das classes dominantes (burguesia
nologia tradicional aparece na sua proposta de reforma:
financeira, industrial e comercial), definida como abuso de
do criminoso, do sistema de justiça criminal e, mesmo, da
poder econômico e político, a típica criminalidade de "co-
sociedade - neste caso, em formulações dentro do modelo
larinho branco" (especialmente das corporações transna- de capitalismo corporativo, sob a égide de "administrado-
cionais), produtora do mais intenso dano à vida e à saúde res esclarecidos" e como ajustamentos funcionais para as
da coletividade, bem como ao patrimônio social e estatal, condições econômicas e políticas existentes. O resultado
está excluída das estatísticas criminais: a origem estrutural histórico alcançado pela criminologia correcionaJista é o
dessa criminalidade, característica do modo de produção constante aumento do poder do Estado (capitalista) sobre
capitalista, e o lugar de classe dos autores, em posição de os trabalhadores, os setores marginalizados do mercado de

14 15
I'.'
('
A Criminologill Radical
-----_. ----_._~----------------

trabalho e as rIÚnorias,com ampliação da rede de controles,


I --------------_ _ _-_._
.. .. ..... ..
!Il!roduçâo
__ _----._--.-_.

sobre salários, condições de trabalho, direitos democráticos


como o "sursis", o livramento condicional, a justiça juvenil,
e o mais (platt, 1980, p. 117- 119).
os reformatórios, as prisões abertas etc., cujos manifestos
e inegáveis benefícios pessoais abrigam um aspecto con- A distorção ideológica da criminologia correClO-
traditório, que significa controle mais geral e dominação nalista pode ser destacada no contexto das alternativas do
mais intensa (platt, 1980, p. 116). Esse pragmatismo re- trabalhador na sociedade capitalista, indicadas por Engels:
formista, fundado em técnicas de comportamentalismo e ou conformar-se à brutalização, transformando-se num
de engenharia social, nos limites da organização política e homem sem vontade, destruído pela rotina, a monotonia
jurídica do Estado, resolve-se em repressão pura e simples: e a exaustão física e mental dos processos produtivos; ou
volta as costas para os movimentos de massas, não coloca aceitar a ideologia dominante, aderindo aos valores da
as alternativas de cooperação/competição, ou de valores competição para encontrar uma "saída pessoal"; ou furtar
humanos/valores da propriedade, nem considera a pers- a propriedade do rico para satisfazer necessidades básicas,
pectiva histórica de eliminar a exploração do tra~alh~, a com os riscos da criminalização; ou, finalmente, fazer a
opressão política de classes, de ra?as e d~ outras ~no~las. revolução, incorporando-se à atividade política e à ação
Na verdade, a posição básica da Ideologia correClonalista coletiva como alternativa para superar a opressão social e
manifesta-se como um paternalismo despótico: homens a exploração pessoal, restaurando a humanidade perdida
iluminados (políticos, administradores e cientistas) são as e a esperança de liberdade real (Young, 1980, p. 94-94).
forças motoras da história, e o povo ignorante é, apenas, Esse quadro real é encoberto pela "indignação moral"
objeto e massa de manobra, sem poder nem consciência promovida pela ação oficial e os meios de comunicação
(platt, 1980, p. 117-22). Por outro lado, a própria tradição de massa contra o criminoso convencional, o "bode ex-
acadêmica em teoria política, econômica e social descreve piatório" útil para esconder (e justificar) problemas sociais
a história dos grupos dominantes como registrada por reais - ao contrário do criminoso de "colarinho branco",
líderes políticos, empresários etc. e, na área do sistema de protegido pelas instituições de privacidade da sociedade
justiça criminal, como registrada por juízes, diretores de burguesa -, produzidos (como o próprio criminoso) pelas
prisão e delegados de polícia. A pesquisa crirIÚnológica, desigualdades intrínsecas do sistema de relações sociais
dependente de financiamentos e vinculada a interesses (Young, 1980, p. 101).
,(
:nstitucionais, transforma o criminólogo, freqüentemente,
:If
em técnico neutro e pronto-para-aluguel, um instrumento
I
voluntariamente subserviente, a serviço do controle em
I 4. Tendências Críticas e Radicais
qualquer ordem - de grande importância em períodos de re- I,
Na década de 60, especialmente nos EUA, desenvol-
belião política, de incremento das reivindicações operárias
/i
ve-se uma criminologia de percepções e atitudes, com estudos
16
li,.
I,t~: 17
Il1trodtlçào
/-1 CrilJ/il1ologia &,diCtlI

sobre o criminoso, a vítima, a policia, o juiz, o público, as de Mead sobre a personalidade como "construçào social":
testemunhas etc., uma multiplicidade de pesquisas centradas o modo como pensamos e agimos é oproduto parcial do modo como
teoricamente nos trabalhos,de David Matza (1969), Edwin os outros pensam e agem em relação a nós. Nessa perspectiva, a
Lemert (1964), Howard Becker (1963), Edwin Schur (1965) explicação da ordem social é baseada em tipificações, uma
e outros, cujos fundamentos mais distantes se encontram transmutaçào do esquema fenomenológico de Schutz: a)
em Georges Mead (1934) e Alfred Schultz (1962), ligando- qual a essência de um fenômeno particular? - qual a essência
se, enfim, a Edmund Husserl e a Max Weber, as matrizes do desvio? b) como as pessoas fazem tipificações? - como as
ongtnals. pessoas aplicam o rótulo de desviante? c) como as tipificações são
compartilhadas? - como aspessoas reagem ao rótulo de desviante?
A mais elaborada construção criminológica da feno-
(Rubington & Weinberg, 1977, p. 195).
menologia é a teoria da rotulação (também conhecida como
teoria interacionista, ou teoria da reação socia~, erigida sobre os A teoria da rotulação se fundamenta em duas ordens
trabalhos de Edwin Lemert e de Howard Becker, com os de conceitos principais:
acréscimos vigorosos (na área da psiquiatria e da psicologia
1) a existência do crime depende da natureza do ato
social), de Ronald Laing (1959), Erwing Goffman (1970),
(violação da norma) e da reaçãosocialcontra o ato (rotulação):
Thomas Szasz (1975) e outros.
o crime "não é uma qualidade do ato, mas um ato qualificado como
Assumindo que, em sociedades pluralistas, todos criminoso por agências de controle social" (Becker,1963, p. 8);
experimentam impulsos desviantes e realizam condutas
2) não é o crime que produz o controle social, mas
exorbitantes dos parâmetros normativos, a teoria da rotulação
(freqüentemente) o controle social que produz o crime: a)
constrói uma "concepção do mundo" numa dupla perspec-
comportamento desviante é comportamento rotulado
tiva: das pessoas definidas (por outras) como desviantes e das
como desviante; b) um homem pode se tornar desviante
pessoas que definem (os outros) como desviantes. A mudança de
porque uma infração inicial foi rotulada como desviante; í ,
enfoque, em relação à criminologia positivista domi?ante,
c) os índices de crime (e desvio) são afetados pela atuação
está na orientação para a su~jetividade, enfatizando questões
do controle social (Lemert, 1964). A teoria da rotulação
de valor e de interesse e abandonando os estudos etiológicos
distingue entre desvio primário, um processo de natureza
e as explicações causais do crime (Rubington & Weinberg,
1977, p. 191 e ss.). O objeto de estudo da teoria da rotulação "poligenética" excluído do esquema explicativo da teoria,
compreende a constituição das regras sociais e as práticas e desvio secundário, uma resposta seqüencial à criminalização
de aplicação dessas regras (por quem, contra quem, quais as pelo desvio primário, que marca o comprometimento do
conseqüências etc), dentro da concepção fenomenológica criminalizado em uma "carreira desviante", como impacto

18 19
A Criminologia RL7dical BIBLIOTECA DE C!l:NCIAS JURIOJCAS
-~--~------_._-----------~ -------_._~
... _~_._~----~- In trodlf(áo

pessoal da reação oficial - na verdade, o ponto de incidência


do desvio e da psiquiatria, com o objetivo de constituir a
das análises da teoria.
base teórica de uma politica e psicologia humanista, uma
A concepção de crime como produto de normas (cria- espécie de frente popular da fenomenologia e do marxismo,
ção do crime) e de poder (aplicação de normas) define a lei conhecida como "sociologia do desajuste" (pearson, 1980,
e o processo de criminalização como "causas" do crime , p. 178). A preocupação principal dessa orientação, que se
rompendo o esquema teórico do positivismo e dirigindo transforma no enfoque mais popular da criminologia ame-
o foco para a relação entre estigmatizarão criminal e forma- ricana dos anos 70, está no chamado "crime expressivo",
ção de carreiras criminosas: a criminalização inicial produz ligado à produção de prazer: a maconha, e não o roubo; a
estigmatização que, por sua vez, produz criminalizações prostituição, e não o homicídio; o crime sem-vítima, e não
posteriores (reincidências). O rótulo criminal, principal o crime utilitário (Young, 1980, p. 80). A proposta prática
elemento de identificação do criminoso, produz as seguintes dessa orientação está na base das tendências modernas
conseqüências: assimilação das características do rótulo na área do crime e do controle social: descriminalização,
pelo rotulado, expectativa social de comportamento do despenalização, desinstitucionalização, substituição de san-
rotulado conforme as características do rótulo, perpetuação ções estigmatizantes por não-estigmatizantes etc. (Aniyar,
do comportamento criminoso mediante formação de car- 1977, p. 146).
reiras criminosas e criação de subculturas criminais através
O radicalismo da sociologia do desqjuste estaria em sua
de aproximação recíproca de indivíduos estigmatizados
tendência para "quebrar as cadeias pré-fabricadas" da ima-
(Aniyar, 1977, p. 111-14). De certa forma,aestigmatização
ginação reificada - que mostra a ação humana como coisa
penal é a única diferença entre comportamentos objetiva-
"lá fora" - e da metodologia positivista, com suas causa-
mente idênticos, porque a condenação criminal depende,
lidades mecânicas e taxas "dadas" de crime. A orientação
além das distorções sociais de classe, de circunstâncias de
"desreificante" surge como desafio aos profissionais do
sorte I azar relacionadas a estereótipos criminais, que cum-
controle, representados por teóricos positivistas: à sua com-
prem funções sociais definidas: o criminoso estereotipado
é o "bode expiatório" da sociedade, objeto de agressão petência técnica e à sua autoridade moral (pearson, 1980,
.1 das classes e categorias sociais inferiorizadas, que substitui p. 179 e s.). Distinguindo, na ordem social, a existência de
e desloGl sua revolta contra a opressão e exploração das regras técnicas- com validade demonstrada em proposições
classes dominantes (Chapman, 1968, p. 197). testáveis e corretas, cuja violação reRete "incompetência"
e cuja conseqüência é a "falh~ da realidade" - e regras da
Esse esquema analitico, aplicado a todas as modalida-
personalidade - d~tadas de validade na área das relações
des de desvio (criminal, sexual, psicológico, politico etc.), se
sociais, cuja violação é o crime ou desvio, punido pelo sis-
erige como exercício inter-disciplinar nas áreas da sociologia
tema de controle -, conforme um esquema de Habermas
20
21
Introdllçâo
A CtilJ/inolo,gia Radical ._--------------------_._--_._-_ ....__ .
-----------_._ .._._-----~-----

(1971, p. 91-94), a sociologia do desq;úste mostra que o desvio mas mantendo o braço, ou um dedo, rígido, para mostrar
é tratado como "incompetência técnica" pelos aparelhos que não estão relaxados - ou seja, o paciente age "marca-
de controle social, reduzi1Jdo a correção a uma questão damente como louco para provar que é, claramente, são"
de "intervenções técnicas,,'na personalidade do desviante. (pearson, 1980, p. 187-89). .
Desmistificando essa metodologia, a -fociologia do desegúste Assim, enquanto o positivismo nega vontade própria
redes cobre os dilemas morais na aplicação de "padrões de ao desviante, a sociologia do desegúste se dirige p.ara o interior
estigma" (criminoso, louco, desajustado etc.), inventados pe- dele, em atitude de defesa e de compreensão, rejeitando a
los profissionais do controle e aplicados aos rotulados - que noção de que "pode ser como nós", vendo-o não como
se conformam ao rótulo ("auto-realização"), mostrando o homem cujos "mecanismos de cópia falharam", mas como
desvio como "negociação" entre o público (autoridade) e o ser dotado de racionalidade, com método em sua loucura. O
cliente (criminoso, louco etc.) (pearson, 1980, p. 180-82). positivismo destaca a ordem e as regras, sua respeitabilidade
e violação, mas a sociologia do desqjuste indica que o "outro
Finalmente, verificando que a ideologia do controle
lado da ordem" é liberdade - e não caos -, envolvendo o
determina, em parte, o desvio (formas, imagens e taxas) e
desviante em uma aura romântica: é o homem "duro", que
definindo o controle do crime como política, a sociologia do
desqjuste pretende se constituir como teoria política contra
a política do controle. A política de sua teoria enfatiza a
violência sutil da vida diária, o crime como forma de "re-
não treme, que prova seus nervos e habilidades ao extremo,
cuja "natureza está saturada de risco", experimentando sua
liberdade contra "as sensibilidades submetidas à camisa-

de-força" (pearson, 1980, p. 191-200).
belião política primitiva", ou "expressão de liberdade" nos
moldes da esquerda idealista(pearson, 1980, p. 184 e s.).Goff- Mas essa posição de simpatia da sociologia do desqjuste é
man, por exemplo, pesquisando as relações de poder das repudiada como "máscara de liberalismo", que não assume
instituições totais (prisões, hospitais etc.), mostra os internos compromissos: apsicologia social de Goffman é uma "acomo-
reduzidos a um "remanescente de identidade" pessoal, dação à organização de poder existente" e sua dramaturgia
desde a cerimônia de "degradação inicial", com a invasão "uma impostura" que permite "suportar derrotas" sob o
da fala, das vestes e maneiras, a colonização dos hábitos, pretexto de que "não são para valer"; a sociologia de Becker
sob a opressão dos doutores, enfermeiros e guardas - os é um "novo tipo de carreirismo", que aponta as deficiências
técnicos do comportamento -, mas capazes de certas "tá- do controle social mas se limita aos funcionários inferio-
ticas pessoais" para salvar a própria identidade: a jovem res (Gouldner, 1973) - ou, então, como expressão de um
bonita, com dois cachimbos na boca; outra, com um mo- radicalismo aparente, que exclui as relações de poder (e de
nóculo de papel no olho, ou equilibrando sabonetes na classes) da sociedade e, de qualquer forma, não esclarece o
cabeça raspada; ou outros, ainda, sentando-se relaxados, desvio inicial, origem da rotulação (Walton, 1972). A novi-

23
22
r

~
A CrilJ/inologia &dica/
In /rod/l{clo
~------------------~---------- -----_._-----

dade da teoria foi colocar a problemática do etiquetamento, e o desvio, em geral, como tentativas individuais fragmen-
da estigmatização e da estereotipia criminal em relação com tárias para resolver problemas existenciais, a anfipJiquiatria
a atividade dos aparelhos de controle social, mas com uma aponta para a necessidade da luta política coletiva como
crítica reduzida ao nível descritivo, como "a outra cara da alternativa adequada aos interesses dos grupos sociais su-
criminologia liberal" (del Olmo, 1976, p. 68), que completa balternos, cujos membros são qualificados como "anormais
o quadro explicativo desta (Baratta, 1975). naturais", com uma história pessoal feita de "antecedentes
A teoria da sociologia do desqjusfe é politicamente limita- penais" - ao contrário da burguesia e outras categorias
da e historicamente confusa: não compreende a estrutura sociais dominantes, que dispõem da psicanálise e das psico-
de classes da sociedade, não identifica as relações de poder terapias em clínicas particulares, com os recursos materiais
político e de exploração econômica (e sua interdependên- e o espaço social para explicar seus distúrbios pessoais por
cia) do modo de produção capitalista e, definitivamente, categorias científicas neutras, como neuroses, desritmias,
não toma posição nas lutas fundamentais da sociedade fobias, complexos ou simplesmente sfress, assegurando sua
moderna. Enfim, a estrutura teórica e metodológica e a "reinserção social" sem traumas ou dificuldades (Basaglia
política subjetivista e romântica da teoria, embora de utili- e Basaglia, 1976, p.90-1).
dade - e relativamente crítica - nos limites inter-subjetivos O movimento teórico que começa nas teorias con-
de seu marco teórico (Bustamente, 1977, p. 213-26), não servadoras, clássicas e positivistas, continua pelas teorias
define uma posição radical, no sentido do radicalismo da liberais até a construção mais crítica da teoria da rotulação,
Criminologia Radical. nos anos 60, e evolui, na década de 70, para as posições do
i
I Entretanto, é preciso reconhecer que os setores mais chamado "idealismo de esquerda", conhece variantes de
~
., revolta impotente, com amplo impacto popular, como, por
avançados da antipsiquiatria fundamentam as instituições
de controle, como o cárcere e o manicômio, na divisão exemplo, a criminologia da denúncia. O enfoque da criminologia
da sociedade em classes antagônicas, cuja clientela são os da denúncia se concentra no comportamento dos poderosos,
segmentos marginalizados, sem poder nem utilidade eco- denunciando os defeitos das elites de poder econômico e
nômica na produção: os objetivos corretivos ou terapêu- político da sociedade, para mostrar que os que fazem a~
ticos do cárcere ou do manicômio, sob a aparência de leis são, também, os maiores violadores dessas leis (faylor .
resolver "contral'Üções naturais" da vida social, ocultam a ef alii) 1980, p. 33 e ss.). A utilidade da denúncia social dos
finalidade real de preservar a divisão de classes da estrutura abusos do poder econômicb e político, em estreita relação
social, mediante ameaça permanente de violência contra a com um jornalismo "exposé", alimentando as pesquisas
força de trabalho ativa, integrada no mercado de trabalho sobre criminalidade do "colarinho branco", é prejudicada
(Basaglia, F. e Basaglia, F., 1976, p. 85). Destacando o crime
pela ausência de definição clara de seus objetivos políticos
24
25
[ntror!lIçclo
A Cit'mirJOlo,gia 10:,r!ic,,1
_._~_.~_._-- -_.--' _ .. _--_._-_. __ ..• _ ... .. _. __ ... ,-_ .._ .._--
, .. _--_ .._-------------
--------------- .--- - - - ----------------- ---- __ ._.-._., _._-_.

e comproITÚssosideológicos, no quadro das lutas sociais do A multiplicação de estudos críticos e radicais sobre
capitalismo monopolista transnacional: o enfoque carece de crime e controle social, nem sempre coincidentes nas
uma estrutura conceitual e metodológica capaz de extrair bases ideológicas, compromissos políticos e orientações
todas as conseqüências te6ricas e práticas do seu objeto de científicas, desde a crítica de esquerda, passando pela "nova
estudo. O resultado é sua agonia resignada, em espasmos de criminologia", até as construções mais elaboradas de crimi-
indignação moral diante das desigualdades sociais nos proces- nólogos marxistas, em uma convergência de preocupações
sos políticos de definição de crimes e nas práticas judiciais interdisciplinares e internacionais de sociólogos e historia-
de gestão diferencial do processo penal e de aplicação da dores, advogados, juristas e criminólogos, parece justificar
pena criminal, escandalizado com os duplos padrões de mo- o esforço de definir tendências dentro dessa perspectiva,
ralidade das classes dOITÚnantes.A origem pequeno-bur- em um esquema que facilite a compreensão das limitações
guesa dessa linha criminológica explica sua desorientação e desvios existentes.
estratégica e a perplexidade inconseqüente de sua teoria: as Um estudo recente (Young, 1979, p. 11 e ss.) define
questões levantadas podem chocar a classe média urbana e duas tendências principais nos aportes criminológicos li-
seus intelectuais refinados - mas não comovem o poderoso gados à teoria marxista, representando desvios voluntaristas
impune, nem sensibilizam o sem-poder reprimido, que co- e economicistas nas questões do crime e do controle social:
nhecem bem tais distorções, cada qual de sua perspectiva. o idealismo de esquerda e o reformismo. O chamado idealismo de
Além disso, a criminologia da denúncia parece supor que os
esquerda se constitui, historicamente, como a ideologia ra-
poderosos dominam por uma espécie de "direito moral"
'.'~ dical de grupos sociais marginalizados, como os militantes
1 - e não pelo poder material, que os capacita a converter
{ do "poder negro", nos Estados Unidos: George Jackson
j força em "autoridade", pelos procedimentos estabelecidos
t
(1971, p. 156 e ss.), Angela Davis (1971, p. 27-47), Bobby
j (faylor et alii, 1980). Uma criminologia conseqüente deveria
.{ Seale (1971, p. 121-2), Huey Newton (1971, p. 60-64),
~i mostrar que a criminalidade do poder econômico e político
.~ Stockely Carmychael (1968, p. 46-68) etc., cuja oposição
;j não é um fenômeno irregular ou acidental, mas fenômeno
:l à violência e à coercitividade da ordem social assume um
regular e institucionalizado, ligado à posição estrutural de
i classe na formação social capitalista e, por exemplo, sobre
caráter voluntarista: homens livres devem rejeitar uma so-

I
ciedade desigual e opressiva. Na experiência histórica desses
a base da posição de classe, explicar por que a apropriação
grupos (negros, presos e outras minorias), a ordem significa
de riqueza, pelo método de expropriação de mais-valia, na
~ coerção sistemática, o ('consenso social" do capitalismo
relação capital! trabalho assalariado do modo de produção
monopolista é uma aparência ilusória reproduzida pela es-
capitalista, é legal e estimulada, mas se essa apropriação de
.,~~
: cola, a imprensa, o Parlamento etc., que oculta um controle
riqueza ocorre por outras vias fraudulentas ou violentas, é
.".'
,';1
," criminosa e punida. totalitário e mistificador: a lei se destina à proteção dos
:~
~
...•
27
;q
26
::1 ~
'j
;~
;~
i,"
"
A Crimillolox,ia Radical
------ --------_._----_.
llltrodll(rlo

interesses dos poderosos, enquanto a polícia e a prisão são


da reabilitação pessoal ou da ressocialização, pseudo-cien-
garantias violentas de uma ordem social injusta. A escola, a
tismo que esconde o rigor punitivo e, de fato, aumenta o
fábrica e a prisão são instituições ideológica e politicamente
castigo, mediante técnicas de isolamento, privação sensorial
similares:a educação não passa de um "processo de lavagem
ou administração de drogas psicotrópicas - sem falar nas
cerebral", a disciplina da fábrica é a base da disciplina da
penas indeterminadas do sistema prisional americano, que
prisão e o aparelho penal (polícia, justiça e prisão) funciona
colocam o preso à mercê dos administradores e guardas
como mecanismo central de controle das classes e grupos
da prisão.
sociais submetidos (Young, 1979, p. 12-13).
A estratégia do radicalismo da esquerda idealista objetiva
A tese da lei como "expressão direta" dos interesses
a abolição do controle social burguês, com a extinção da
das classes dominantes, que controlam os meios de pro-
prisão, da polícia, da escola, dos meios de comunicação de
dução material e de reprodução ideológica da sociedade,
massa, da famflia nuclear etc., definidos como "instituições
permite definir o comportamento da classe trabalhadora
inimigas da classe trabalhadora", mas inteiramente "fun-
e dos marginalizados sociais normalmente como crime,
cionais" para o capitalismo: não se trata de riformar, mas de
porque se opõe aos interesses das classes dominantes e à
destruir essas instituições e promover sua substituição por
lei que expressa esses interesses. O crime é, simultanea-
instituições proletárias. Finalmente, o idealismo de esquerda
mente, produto das estruturas econômicas e políticas do
proclama a contradição irredutível do direito burguês, carac-
capitalismo e evento pro to-revolucionário, como desafio às
terizado por um discurso dejustiça igualitária e uma prática
relações de propriedade existentes, ou forma de manifesta-
real opressiva e discriminatória) justificando a tática política de
ção da violência pessoal dos marginalizados sociais contra
exposição sistemática da realidade desigual promovida pela
o poder organizado das classes dominantes, representadas
retórica da igualdade e, assim, desmascarar a aparência ilusória
pelo Estado, que legaliza a violência de classe dos crimi-
da ideologia jurídica. O crime, fenômeno social ligado ao
nosos reais que estão no poder (Young, 1979, p. 14-15).
capitalismo, em geral - cujas instituições são denunciadas
O controle social de classe tem na prisão sua instituição
como essencialmente criminosas e criminógenas -, e a re-
central- e na polícia, seu agente principal-, ambos carac-
pressão criminal, fenômeno institucional concentrado nos
terizados por uma eficiente,ineficiência no controle do crime:
segmentos sociais subalternos e marginalizados, colocam a
o objetivo oculto seria constituir uma ameaça permanente
necessidade política de aliança dos grupos sociais explora-
contra as classes sociais objeto de exploração econômica
dos, reprimidose miserabilizados objeto dos processos de
e de dominação política. Esse objetivo é disfarçado pelas
criminalização, como meio de auto-proteção e de realização
"mistificações positivistas" do tratamento penitenciário,
final de sua estratégia (Young, 1979, p.16).
28
29
A elimin%gia Radica! _ I ntrod/{(clo
- --------- -----------_._-----_._---------_._--._------_ ... __ .. -

,

o riformiJmo, um desvio economicista da crítica cri- Enfim, o riformismo trabalha com uma etiologia criminal que
minológica, desenvolve-se como espécie de "marxismo" aponta na direção de uma dupla origem do comportamento
bem-educado, absorvido pelo sistema, assimilado pelos criminoso, explicado ou por constituições biológicas atípi-
currículos universitários, s'em a origem rebelde, o aguer- cas, origem de disposições anti-sociais de indivíduos defor-
~illlento combativo, a tradição rrülitante e a importância mados, ou pelo ambiente social de competição individual
política do idealismo de esquerda. A característica básica da pela existência material, acentuando traços personalistas e
ideologia reformista, em relação ao Direito e ao Estado, por agressivos (Young, 1979, p.16 e ss.).
exemplo, é a crença passiva no "processo de dissolução do De modo geral, a perspectiva riformista do economi-
capitalismo no socialismo" - portanto, uma projeção his- cismo "marxista" não se distancia da monotonia positivista
tórica da II Internacional- e, por outro lado, a crença ativa e suas causalidades mecânicas, trabalhando com hipóteses
no Estado intervencionista, capaz de realizar a correção deterministas similares, com a diferença da crença - de
progressiva de desigualdades sociais por reformas jurídicas. resto, também positivista-marxista - na inevitabilidade
O reformismo afirma ser contrário aos interesses das classes histórica da evolução do capitalismo para o socialismo,
trabalhadoras o conteúdo das instituições (e não a sua na seqüência de um processo linear e fatalista que ignora
forma), o controle da polícia (e não o aparelho policial), a a influência da ideologia e da política na gênese da capa-
ilegalidade da prisão (e não a própria prisão), a limitação de cidade de sobrevivência do capitalismo, como modo de
/

oportunidades de acesso à escola (e não o sistema escolar), produção de classes sociais antagônicas. A influência desse
o conteúdo da lei (e não a forma legal) etc. O crime é de- desvio riformista na estruturação da Criminologia Radical é
finido como fenômeno "natural", existente em qualquer insignificante, funcionando mais como modelo de reformu-
sociedade - embora em maior quantidade no capitalismo-, lação ou discurso de legitimação da ideologia do controle
redutível por mudanças sociais que eliminem os fatores da social, esgrimido por teóricos "marxistas" engajados no
"criminalidade determinada" (ligada à patologia individual, "carreirismo" em instituições oficiais.
como carências, subnutrição, defeitos mentais etc.) e do As limitações mais importantes, comuns às tendên-
"crime voluntário" (relacionado ao individualismo egoísta cias da esquerda idealista e do riformismo, são a ausência de
da competição capitalista). O comportamento humano é explicações estruturais da criminalização dos grupos sociais
classificado nas categorias de normal, próprio da maioria subjugados e marginalidados - esclarecendo a posição do
"livre" (nos limites de liberdade da economia de mercado) pobre como "bode expiatório" da violência institucional-,
e de determinado, característico da minoria "sem liberdade", a falta de aprofundamento nas contradições do capitalismo
por condicionamentos biológicos, psicológicos e sociais. na era da transnacionalização do capital monopolista e a

30 31
A Criminologia Radical lntrodlfçiio
-----------------------------

carência de adequada compreensão da natureza contradi- individualistas e pessoais da moderna teoria do crime e
tória da aparência dos fenômenos sociais e institucionais da da pena, como alternativas para o trabalho criminológico
sociedade capitalista, que vinculam problemas de conteúdo radical (Young, 1979, p. 26-28; Cirino, 1980).
com questões de forma, como mostra a mais autorizada
teoria marxista sobre crime, controle social, Direito e Estado
(Young, 1979, p.21 e ss.).
Criminólogos radicais proclamam que as contradi-
ções da teoria não podem ser resolvidas sem mudanças da
base estrutural da sociedade - cujas contradições concretas
produzem e explicam as contradições da teoria - e propõem
uma luta em dois níveis:

a) no nível forma4 a rejeição da ideologia da esquerda idea-


lista, expressa em slogans como "o direito burguês é uma
vergonha", ou "a legalidade é uma forma de cooptação"
etc., argumentando que a conquista formal da igualdade
nas áreas da proteção individual, do direito criminal e da
prisão, por exemplo, pode determinar uma redução da po-
pulação das prisões, a reconstituição de sua "clientela" e a
progressiva transformação da prisão, de instituição sem lei
para instituição legalizada - O que coincide com o interesse
das classes trabalhadoras e de todos os marginalizados
sociais e oprimidos, em geral, no capitalismo;

b) no nível material, a rejeição da posição reformista da luta


formal como fim-em-si, omitind0-se das questões políti-
cas e ideológicas do capitalismo contemporâneo. Parale-
lamente, a construção de uma concepção de crime fundada
na posição de classe do autor e orientada para a definição
de responsabilidades coletivas, capaz de superar os critérios

32

.
- -
33
11. A CRIMINOLOGIA RADICAL

A crítica sistemática dos conceitos, do método e da


ideologia da criminologia tradicional possibilitou a rede-
finição do objeto, dos compromissos e dos objetivos da
Criminologia Radical, desde a orientação para o estudo
dos criminosos reais, em posições de influência e de poder
nos quadros da ordem econômica e política da sociedade
capitalista, até a inserção dos grandes temas da criminologia
no contexto histórico das questões políticas gerais: quem
controla a ordem social, como é distribuído o poder e a
riqueza, como pode ocorrer a transformação social etc.
(Taylor et alii, p. 55-57).

Entre outras coisas, é preciso mostrar que a definição


legal de crime, base do trabalho da criminologia tradicional,
está ligada à ideologia de neutralidade do Direito (apresentado
como instrumento de justiça social e de proteção de interes-
ses gerais) e atua como instrumento de controle das vítimas
da exploração e da opressão social- os trabalhadores inte-
grados no mercado de trabalho e os marginalizados sociais
-, cujos protestos, reivindicações e revoltas são reprimidos
pelas forças da ordem e, freqüentemente, çanalizados para
o sistema de justiça criminal. As deformações ideológicas
da definição legal de crime, atreladas à concepção burguesa da
ordem social, induziram criminólogos radicais a formular
uma. definição proletária de crime, tomando como base a

35
• li
A Criminologia Radical I
I
--------~.~----_._---------------- A C,iminologia RL1dieal

violação de Direitos Humanos definidos em perspectiva Estado, evita as deformações da criminologia positivista
socialista, sintetizados nos conceitos de igualdade social e de dominante, que separa a teoria criminológica da teoria
segurança pessoal - mas incluindo outros direitos politica- política, a teoria política da teoria econômica e exclui a
mente protegidos, assim como a possibilidade de examinar categoria central da luta de classes de todas as teorias so-
práticas e relações sociais criminosas excluídas da definição ciais (Young, 1980, p. 105 e ss.). O estudo da tipologia dos
legal, como o imperialismo, a exploração econômica, o ra- crimes como concretas rupturas da norma criminal, ou
cismo e outras distorções do capitalismo contemporâneo do estereótipo do criminoso construído pela distribuição
(Schwendingers, 1980, p. 135-75; Platt, 1980, p. 124-25). .social da criminalização, ou do funcionamento do sistema
O compromisso primário da Criminologia Radical é de justiça criminal, pressupõe o contexto concreto de
com a abolição das desigualdades sociais em riqueza e poder formações sociais históricas, com estruturas econômicas
(Taylor et alH, 1980, p. 55), afirmando que a solução para o determinadas e superestruturas políticas e jurídicas cor-
problema do crime depende da eliminação da exploração respondentes, articuladas nas relações contraditórias do
econômica e da opressão política de classe - e sua condição modo de produção da vida material (Taylor et alH, 1980,
é a transformação socialista (platt, 1980, p. 125). Essa posi- p. 55). As teses iniciais do idealismo de esquerda, da lei como
ção política evita a degeneração da Criminologia Radical em "instrumento" das classes dominantes para manutenção
mera "moralização", ou no correcionalismo repressivo da de seus privilégios, ou as demonstrações complementares
"reabilitação pessoal", que identifica crime com patologia de que os detentores do poder de fazer leis são, também,
e, nas posições mais liberais, propõe reformas de superfície, os imunes violadores dessas leis, evoluem para teorias
ou mais serviços sociais, modificando alguma coisa para materialistas do Direito burguês e do Estado capitalista,
deixar tudo como está - ou seja, preservando o sistema de construídas com base nas transformações históricas do
dominação e de exploração do homem pelo homem. capitalismo competitivo para o capitalismo monopolista,
Esse compromisso compreende as tarefas com- e as conseqüentes alterações das formas de luta de classes
plementares de produzir teoria e de criar procedimentos e dos mecanismos políticos de controle social.
capazes de ajudar a classe trabalhadora - e o conjunto dos A desmistificação do sistema de controle social penal
setores sociais subalternos e marginalizaG.os-, no projeto revela sua natureza classista, incluindo as medidas "libe-
político de construção e de controle de uma sociedade ralizantes", como as políticas 'de substitutivos penais, as
democrática. A formação da Criminologia Radical, com I prisões abertas, a descriminalização, a despenalização etc.,
base nas contradições de classe das relações econômicas
estruturais e das relações superestruturais de poder do
II explicáveis menos como atitude humanista do legislador e
mais como estratégias burocráticas do poder público deter-

36
I 37
A Criminologia Radical
A Criminoloy,ia Iv/dical ._------_ ... _-------------
-- -- ---- - - --- - --- -~---~-- --- -- -- --- ---- - ------ ----------_._----

minadas pelo excesso de presos: o "coração" dos interesses desempregados e inutilizados, de pessoas abandonadas e
garantidos pelo sistema penal é, na verdade, "o programa doentes, até a organização das prisões, da polícia e da justiça
real de cada sistema de p\odução" (Aniyar, 1980, p. 23). (Taylor et alii) 1980,61.).
O programa de uma ciência do crime e do controle
Em um esquema didático pode-se dizer que, enquan-
social para as condições de desenvolvimento econômico e
to as orientações positivistas se exaurem na explicação do
político da sociedade capitalista, compreende a crítica do
crime como produto etiológico de "causas" determinantes,
Direito como lei do modo deprodução dominante, e do Estado
privando o sujeito criminalizado de racionalidade e poder
como organiZflção política dopoder de classe, além da elaboração
de escolha, como assinala a teoria da rotulação, e as orien-
simultânea de uma "economia política do crime" capaz de
tações clássicas explicam o crime como produto de uma
demonstrar que as transformações do capitalismo contem-
"razão pervertida", uma "forma pura" somente controlada
porâneo não alteraram suasprioridades básicas de propriedade
pela força do Estado, a Crimi~ologia Radical se empenha
privada e lucro, nem sua dinâmica social de reprodução das
na tarefa de uma análise materialista do crime e do sistema
desigualdades e de marginalização. Como socialistas, a luta
de controle social, subordinada à estratégia geral que liga a
principal dos criminólogos radicais é contra o imperialismo
teoria científica à prática política no objetivo final de cons-
dos países centrais, a exploração de classe, o racismo etc.
trução do socialismo (Young, 1980, p. 110- 11).
e, como teóricos, o esforço pela construção de explica-
O projeto científico da Criminologia Radical tem ções materialistas da lei penal e do crime, nas condições
por objetivo a produção de uma teoria materialista do criminógenas do capitalismo monopolista contemporâneo,
Direito e do Estado nas sociedades capitalistas, em que está vinculada à teoria geral do desenvolvimento histórico
a produção crescentemente social requer uma regulação que informa sua estratégia política: a instituição de uma
crescentemente jurídica das relações sociais, procurando sociedade sem classes, através da socialização dos meios de
identificar as forças sociais subjacentes às formas legais produção (Marzotto, Platt, Snare, 1975, p. 43-45).
e mecanismos institucionais de controle da sociedade. A
A Criminologia Radical estuda o papel do Direito
questão da persistência, da modificação ou da abolição das
como matriz de controle social dos processos de trabalho
normas jurídicas é examinada em relação aos interesses
e das práticas criminosas, empregando as categorias funda-
que garantem, à função realizada na organização material
mentais da teoria marxista, que o definem como instituição
da produção e à contradição fundamental entre capital e
trabalho assalariado, no processo histórico de socializa- superestrutural de reprodução das relações de produção,
promovendo ou embaraçando o desenvolvimento das for-
ção da produção e apropriação privada do produto (que
ças produtivas (Marx, 1973, p. 28-29). A teoria marxista,
crirninaliza com rigor os que se recusam a esse tipo de
socialização), desde o tratamento legal de trabalhadores como instrumento de análise sincrônica e diacrônica da

39
38
A Cn'minologia Radica!
A Criminologia Radica!

sociedade, é essencialmente radical, no sentido de tomar trabalho e, portanto, do papel de consumidor, desenvolve
as coisas pela raiz - e, em sociedade, a raiz humana é uma "potencialidade" para o crime, recorrendo a meios
inseparável da posição de classe que, por sua vez, é de- ilegítimos para compensar a falta de meios legítimos de
terminada pelo lugar nos processos produtivos, fundados sobrevivência. O sistema de controle social atua com todo
na separação trabalhador/meios de produção, ou seja, na rigor na repressão da força de trabalho excedente margi-
relação capital! trabalho assalariado. O estudo do crime e nalizada do mercado (o discurso de proteção do cidadão
do controle social no capitalismo se baseia na divisão da "honesto", ou de combate ao "crime nas ruas", legitima a
sociedade em classes (estrutura econômica) e na reprodução coação do Estado), mas o objetivo real é a dúciplina daforça
das condições de produção, fundadas na separação capital! de trabalho ativa, integrada no mercado de trabalho. Essa
trabalho assalariado, pelas instituições jurídicas e políticas inversão ideológica reaparece em outras áreas: a estrutura
do Estado, que proscreven: práticas contrárias às relações econômica desigual e opressiva produz os problemas sociais
de produção e de reprodução social. Assim, o estudo do do capitalismo, como o desemprego, a miséria e o crime,
crime e do controle social não se reduz aos tipos legais de mas a organização política do poder do Estado apresenta
crimes, mas compreende o tipo social de autor (posição de esses fenômenos - especialmente o crime - como causas
classe), o tipo de sociedade (formação econômico-social), dos problemas sociais do capitalismo; por outro lado, os
seu estágio de desenvolvimento (nível tecnológico), o papel métodos de "prevenção" do crime e de "tratamento" do
da formação econômico-social no mercado mundial (posi- delinqüente estigmatizam, danificam e incapacitam a po-
ção na relação imperialismo/dependência), as funções na pulação criminalizada para o exercício da cidadania, mas o
divisão internacional do trabalho (fornecedor de 'matéria- temor da prisão controla a força de tr~ba1ho ativa, garantin-
prima e de mão-de-obra ou exportador de capitais) etc. do a produção material e a reprodução da ordem social- e
(Cirino, 1979, p. 19-32) isso parece ser tudo o que importa (Young, 1979, p. 21).
Na verdade, as contradições do capitalismo explicam A ligação oculta entre controle do crime e relações
que o mesmo processo que vincula o trabalhador no traba- de produção é o foco de pesquisa da Criminologia Radical:
lho, aceitando a brutalização de sua "canga pessoal", dirige o controle do crime pela ação da polícia, da justiça e da
o desempregado/marginalizado para o crime, aceitando prisão assegura a continuidade (reprodução) do sistema
os riscos da criminalização: a neces,~idadede sobrevivência em social de produção capitalista. A articulação específica
condições de privação material. A força de trabalho integrada entre a estrutura econômid da sociedade, definida como
nos processos de produção e circulação material conhece a o "conjunto das relações de produção", e as formas ideo-
disparidade social da relação esforço/recompensa, enquan- lógicas superestruturais jurídicas e políticas do Estado, que
to a força de trabalho excedente, excluída do mercado de instituem e reproduzem aquelas relações de produção, é a

40
41
A Cn"min%p,la lZadim/
~~---~~-- - ---- ---, .._--_._._---------~. __ .__ .._,----------------
________ . ::!_c::'!!.~0%giaR£I~!!~
base explicativa da contradição entre a aparência e a realidade contingentes marginalizados do mercado de trabalho e
dos fenômenos sociais: a forma jurídica das relações de de consumo no capitalismo (desempregados ou presos,
produção é, simultaneamente, forma de reprodução das re- por exemplo). Entretanto, essa análise estrutural mostra a
lações de produção e de mistificação dessas mesmas relações, inseparabilidade entre disciplina do trabalho (o lado positivo
como representação ilusória ou invertida da realidade. A da equação esforço/recompensa) e controle social (o lado
forma aparente da liberdade, da igualdade e da justiça oculta negativo da equação esforço/recompensa) e fundamenta a
uma realidade de coerção, de desigualdade e de injustiça: a tese radical de que justiça econômica ejustiça penal são aspectos
ideologia é, ao mesmo tempo, realidade e ilusão (Young, de um mesmo e único fenômeno.
1979, p. 22). Em forma sumária, o contraste da Criminologia
A explicação desse fenômeno parece residir na re- Radical com a criminologia tradicional pode ser assim
lação entre a esfera da circulação (formas jurídicas) e a indicado:
esfera da produção (estrutura econômica): o trabalhador, a) o ol::jetoda Criminologia Radical é o conjunto de
disponível no mercado - a esfera da circulação, regida pelo relações sociais, compreendendo a estrutura econômica e
Direito, em que domina a aparência - vende livremente as superestruturas jurídicas e políticas de controle social; o
sua força de trabalho pelo equivalente salarial: é um igual
oo/eto da crw.J.nologia tradicional é limitado pelo comporta-
perante a lei, não é logrado pelo capitalista individual. Mas
mento criminoso e pelo sistema de justiça criminal;
na esfera da produção, em que existe a realidade produtora
da aparência, em lugar do salário equivalente encontra a b) o compromisso da Criminologia Radical é com a
exploração do trabalho, pela expropriação de mais-valia; transformação da estrutura social e a construção do so-
em lugar da igualdade formal do direito, a desigualdade cialismo, mostrando a insuficiência das reformas penais,
substantiva; em lugar da liberdade do contrato de trabalho, denunciando o oportunismo pragmatista das políticas pe-
a coerção das necessidades econômicas. A relação entre a nais alternativas - mas apoiando as medidas liberalizantes
aparência da ,esfera de circulação e a realidade da esfera de - e afirmando a impossibilidade de resolver o problema
produção explica porque o trabalhador, para sobreviver, do crime no capitalismo; o compromisso da criminologia
deve vender a única mercadoria que possui, ao preço do tradicional refere-se ao aprimoramento funcional-tecno-
mercado: a força de trabalho (Marx, 1971, p. 196-97). crático do aparelho penal, conforme critérios de efetividade
(redução de crimes) e de eficiência (maior ef,:tividade, com
A Criminologia Radical, colocando esse quadro no
menores custos);
centro da sua teoria, não nega a maior liberdade e igualda-
de do trabalhador produtivo na sociedade capitalista, em I c) a base social da Criminologia Radical são as classes
I trabalhadoras e o conjunto das categorias sociais subal-
comparação com o servo da sociedade feudal, ou com os

42
I 43

I
A Cnminolo,gia Radical
A Criminologia Radical

ternas e massas marginalizadas da sociedade capitalista:


os mecanismos de produção e de aplicação de normas
objetiva elevar seu nível de consciência e de organização
penais e de execução das penas criminais. A produção de
e explicar sua criminalidade como tentativa individual de
normas penais promove uma simultânea seleção de tipos
resolver problemas estruturais, que exigem ação coletiva
legais e de indivíduos estigmatizáveis: a estrutura de inte-
consciente e organizada; a base social da criminologia tradi-
resses protegidos (elites de poder econômico e político) e
cional são as elites econômicas e políticas (e seus intelectuais
as condutas ofensivas desses interesses pré-selecionam os
orgânicos, os agentes do controle social): o conhecimento
tecnocrático da "criminologia aplicada" no sistema de jus- sujeitos estigmatizáveis. Assim, ~ caráter "fragmentário"
tiça criminal opera como técnica de controle (Habermas), do direito penal, definido pela idoneidade técnica de certas
ou como conhecimento de "contra-insurgência" (Quinney), matérias (e não outras) para a incriminação, oculta a pro-
reforçando o monopólio do poder econômico e político teção de interesses das classes e grupos sociais de poder
(Gouldner), que especifica os fins e as áreas de aplicação econômico e político (e a imunização processual de sujeitos
da ciência (Garofalo, 1978, p. 18-22). dessas classes, ou ligados, funcionalmente, à acumulação
do capital) e a criminalização de comportamentos típicos
A crítica à criminologia tradicional, que explica o das classes e grupos sociais subalternos, especialmente os
crime como "anomalia" do sujeito, ou como "realidade
marginalizados do mercado de trabalho. Esse mecanismo
ontológica" pré-constituída ao sistema de justiça criminal,
não se limita à seleção de tipos legais de comport~mentos
originou a transposição da abordagem teórica do autor
proibidos, mas inclui variações na natureza e intensidade
para as condições o/:vetivas estruturais do fenômeno crimino-
da punição: máximo rigor para comportamentos caracterís-
so, assim como a mudança do interesse científico sobre
ticos das massas marginalizadas do mercado de trabalho e
causas do crime para o interesse científico sobre mecanismos
de consumo (especialmente em ações contrárias às relações
de controle socia~ que constroem, pelos processos de crimi-
de produção) e ausência de rigor para comportamentos
nalização constituídos pela criação e aplicação da lei penal,
característicos das elites de poder econômico e político
o fenômeno do crime como "realidade social construída"
(especialmente em ações ligadas funcionalmente à estrutura
(Baratta, 1978, p. 8).
das relações de produção), como a critllinalidade econômica
O salto qualitativo da Criminologia Radical é repre- ou financeira, por exemplo (Baratta, 1978, p. 9-11).
sentado pela superação d~ paradigma etio!6gico tradicional
A pesquisa histórica mostra que a aplicação das nor-
e pelo estudo do sistema punitivo como sistema dinâmico de
mas criminais depende da'posição de classe do acusado,
funções do modo capitalista de produção, negando o mito
uma variável independente que minimiza ou cancela princípios
do direito penal igualitário: a crítica ao sistema punitivo
de hermenêutica ou de dogmática jurídica, instituindo um
concentra-se no processo de criminalização, destacando
autêntico direito penal do autor. indivíduos pertencentes aos
44
, 45
A_C_n_n._ún_O_/O_~I_.a_&'t!!.ca/----- -- ---_- _
-------------_ _-_ __ A _-_._--_._._--_._---------
..
Crimin%,gia I<.Ltdim/

grupos marginalizados do mercado de trabalho reúnem as igualdade legal, no sentido de ~gualposição em face da lei, ou
maiores probabilidades de criminalização; por outro lado, de iguais chances de criminalização, existe, realmente, como
a posição precária no mercado de trabalho (subocupação, desigualdade penal: os processos de criminalização dependem
mão-de-obra desqualificad-aetc) ou defeitos de socialização da posição social do autor e independem da gravidade do
ou de escolarização, constituem variávezS intervenientes no crime ou do dano social (Baratta, 1978, p. 10).
processo de criminalização (Baratta, 1978, p. 11-12).
Um dos grandes avanços científicos da Criminologia
Enfim, o sistema carcerário é o centro da crítica ra- Radical teria sido demonstrar a relação funcional entre os
dical ao sistema de justiça criminal, na sua função de dupla mecanismos seletivos do processo de criminalização e a
reprodução: reprodução das desigualdades das relações lei do desenvolvimento histórico da formação econômico-
sociais capitalistas (pela garantia da separação trabalha-
social capitalista: a relação entre o cárcere, como instituição
dor/ meios de produção) e reprodução de um setor de
central de controle social, e afábrica, como instituição cen-
estigmatizados sociais, recrutado do exército industrial de
tral de produção material, é a matriz histórica da sociedade
reserva, qualificado negativamente em dois sentidos: pela
capitalista, desde a transformação do camponês (separado
posição estrutural de marginalizado social (fora do mercado
do campo e de seus meios de produção) em trabalhador
de trabalho) e pela imposição superestrutural de sanções
livre (sem meios de produção) adaptado à fábrica, até a
estigmatizantes (dentro do sistema penal). A reprodução
reprodução das condições em que se fundamenta o modo
das desigualdades é realizada pela disciplina dos processos
de produção capitalista, a separação trabalhador/meios de
de trabalho (relações de produção) e pelo controle polí-
produção.
tico da força de trabalho (separação trabalhador/meios
de produção). A reprodução de estigmatizados sociais
favorece a superexploração do trabalho de condenados
e de ex-condenados, o emprego do egresso na circulação
ilegal do capital (como o tráfico de drogas, por exemplo) e,
ainda mais grave, sua utilização em esquadrões fascistas de
repressão operária e sindical (Baratta, 1978, p. 12-13).
A conseqüência política da crítica da Criminologia
Radical é a negação do mito do direito penal igualitário,
na sua dupla dimensão ideológica: aproteçào geral de bens e
interesses existe, realmente, como proteçào parcial, que pri-
vilegia os interesses estruturais das classes dominantes; a

46 47
111. A CRIMINOLOGIA RADICAL
E O CONCEITO DE CRIME

A criminologia tradicional produziu três modelos


operacionais do conceito positivista de crime: a definição
legal (positivismo jurídico), a definição naturalista (positi-
vismo sociológico) e a definição ética (positivismo jurídi-
co-sociológico). Essas definições, construídas nos limites
internos da ideologia dominante, representam o conceito
burguês de crime, que exclui o aspecto subordinado da con-
tradição histórica, a classe trabalhadora e a ideologia que
fundamenta um conceito socialista de crime. A burguesia e
classe trabalhadora são as forças históricas que definem os
pólos dialéticos da controvérsia teórica sobre o conceito
de crime, uma questão científica decidida nas lutas sociais
pela hegemonia ideológica e política da formação sócio-
econômica capitalista.

A hegemonia do capital depende, especialmente, da


definição legal do conceito burguês de crime, que descreve
ações contrárias à estrutura das relações sociais em que
assenta seu poder de classe. Para a Criminologia Radical,
comprometida com sua base social (a classe trabalhadora)
e com a construção do sociali~mo, como formação econô-
mico-social hegemonizadapela classe trabalhadora, parece
relevante evitar a cooptação pela definiçãb legal do conceito
burguês de crime: é útil definir, em forma operacional, um

49
BIBLIOTECA DE CIENCIA:) JUKlU~
A Criminologia &dical A Criminologia &dical e o Conceito de Crime

conceito proletário de crime como parâmetro de trabalho sociais subalternas. O duplo padrão do sistema de justiça cri-
teórico, enquanto a classe trabalhadora - aspecto secun- minal fundado no conceito burguês de crime é promovido
dário da contradição, na sociedade capitalista - não possui pela "cegueira ideológica" de juristas tradicionais, que se
poder político para definIr, em forma legal, um conceito satisfazem com a existência' formal de lei incriminadora,
socialista de crime. sem questionar o conteúdo da incriminação: quem é pre-
Um conceito proletário de crime, no período da judicado ou quem é beneficiado pela incriminação (Aniyar,
1980; Lyra Filho, 1972, p. 75-78).
sociedade capitalista, deve ser definido com base em uma
concepção socialista de direitos humanos, como proposto A Criminologia Radical- ao contrário da criminologia
pelos Schwendingers: o direito à segurança pessoal em relação tradicional, limitada à definição, julgamento e punição do
à vida, à integridade, à saúde, à liberdade etc., e o direito criminoso isolado, explicando o crime por relações psico-
à igualdade real, econômica, racial e sexual, são direitos bá- lógicas como vontade, intenções, motivação etc. - vincula
sicos, porque a violação desses direitos elimina ou limita as o fenômeno criminoso à estrutura de relações sociais, me-
possibilidades concretas de realização pessoal das vítimas, diante conexões diacrônicas entre cnminalidade e condições
em qualquer esfera da vida. A violação desses direitos por sociais necessárias e suficientes para sua existência. Como se vê,
indivíduos, empresas, instituições, relações sociais capitalis- muda o objeto de análise para o conjunto das relações sociais,
tas ou imperialistas constitui crime, porque nega o direito mostrando que, primariamente, são criminosos (e criminó-
à vida, à saúde, à liberdade e à dignidade de centenas de genos) os sistemas sociais que produzem, através de suas
milhões de seres humanos; porque submete a maioria da estruturas econômicas e instituições jurídicas e políticas
humanidade por sua condição de classe, de raça ou de sexo; do Estado, as condições necessárias e suficientes para a
porque explora o trabalho do povo, produz subnutrição, existência do comportamento criminoso - com a cum-
carências, deformações físicas e psíquicas e, especialmente, plicidade histórica de criminólogos e juristas tradicionais,
crimes (Schwendingers, 1980, p. 172). Nenhuma dessas que não questionam essas estruturas e seus mecanismos de
conseqüências pode ser autorizada pela garantia legal do instituição e de reprodução social (Schwendingers, 1980,
direito de propriedade, ou pela falta de definição legal de cri- p.171-72).
me: a forma legal burguesa de crime exclui a criminalidade O conceito proletário de crime fundado em direitos
"
estrutural absoluta das classes dominantes - os chamados humanos, esboçado e, depois, melhorado pelos próprios
','

',; "cnmes sistêmicos", em especial, a superexploração dos autores (Schwendingers, 1975, p. 113-46; 1977, p. 4-13),
povos e das riquezas naturais das áreas subdesenvolvidas provocou restrições (Mintz, 1974, p. 49) e críticas (Har-
e dependentes -, enquanto define e pune a criminalidade tjen, 1972): a mudança de foco da forma legal para relações
individual, violenta e fraudulenta, das classes e camadas sociais conteria ambigüidades abstratas e indeterminações

50 51
A CnlJJinolo,giaRadical
--------_._--------------------- A Criminologia lv/dical e o Conceito de Crime
--~---"------_. __ .._-------_._._--------_._-------~----_. __ ._---_.~.__ ..

históricas, indiretamente ligadas ao direito natural. Seja


como for, o defeito do conceito socialista de crime , con- pelas contradições objetivas entre o humanismo burguês e
sistente na ausência de definição legal, não é sanável no as tendências histót:Ícas do modo de produção capitalista
(Lyra Filho, 1972, p. 110-11).
capitalismo e, por essa razão, a definição operacional de
um conceito de crime fundado em direitos humanos pa- As contradições históricas das relações de classes
rece ser a alternativa radical à definição legal do conceito são o fundamento objetivo das contradições ideológi-
burguês de crime. Historicamente, o conceito de crime é cas, jurídicas e poJiticas da formação social - logo, assim
determinado pelas contradições de classe no Contexto das como a posição de classe da burguesia é a base objetiva do
relações de produção capitalistas: a ideologia burguesa é conceito burguês de crime, a posição de classe do proleta-
institucionalizada nas formas jurídicas e poJiticas do Estado riado é a base objetiva de um conceito socialista de crime
- que reproduzem as relações sociais -, mas a ideologia da (Schwendingers, 1977, p. 10-11). Assim, a antiga equação
classe trabalhadora, desenvolvida sob a ideologia burguesa, definição legal de cnme/ dano socia!, da criminologia tradicional,
somente pode adquirir formalização jurídica e poJitica no criminaliza condutas socialmente não-danosas - como gre-
socialismo. Entretanto, essa mediação histórica não exclui ves, dissidência poJitica etc. - e não criminaliza condutas
- ao contrário, pressupõe - a definição operacional (assim e relações socialmente danosas - como o imperialismo, a
como as definições anaJitica e real) dos conceitos de crime, exploração etc. (Lyra Filho, 1972, p. 75-78; 1980, p. 10). A
de Direito, de Estado etc., no projeto poJitico da classe
Criminologia Radical inverte a equação para relações sociais
trabalhadora, ainda sob o capitalismo: os parâmetros desse
danosas/ cnme, compreendendo a exploração imperialista,
projeto político são mais adequados para definir relações
a violação da autodeterminação dos povos, o direito dos
sociais danosas (crimes) e interesses gerais da humanidade
trabalhadores ao controle e à administração da mais-valia
(Direito, Política etc.), transcendendo o próprio subjeti-
produzida, os abusos de poder econômico e poJitico e todos
vismo de classe, que exprime oposições maniqueístas de
os danos sociais definidos como "crimes sistêmicos".
bem/ mal, direito/crime, certo/errado etc.
A definição de um conceito socialista de criine - as-
O projeto poJitico da classe trabalhadora é definido
sim como de um conceito socialista de Direito e de Esta-
por uma teoria geral das tendências do desenvolvimento
do - com base na posição de classe do proletariado é um
histórico, que identifica os interesses objetivos da huma-
avanço qualitativo da teoria radical sobre PoJitica, Direito
nidade com a socialização dos meios de produção, asse-
gurando a hegemonia dos trabalhadores no controle da e Crime, como categorias históricas construídas para a
natureza, da tecnologia (forças produtivas) e do conjunto crítica científica das superest~uturas de controle social da
das relações sociais econômicas, poJiticas e jurídicas do sociedade capitalista, uma tarefa necessária dentro de um
Estado, promovida no socialismo e excluída no capitalismo quadro político de transição demorada, em que a luta pela
hegemonia ideológica e poJitica da formação social é con-
52

53
A Cri1Jlin%~i!,iClRadica/ A CrilJlino/o.gicl Radica/ e o Conceito de Clime

dicionada pelos limites do conceito gramsciano de "guerra A definição legal de crime (em geral, ligada a Paul
de posição" (Gramsci, 1972, p. 67-75). Tappan) se desdobra em um critério legal-procedimental:
crime é definido pela lei criminal editada pelo Estado;
As variantes positi~.istas do conceito burguês de
criminoso é o indivíduo cC?ndenadopela justiça criminal
crime, sob as definições legal, sociológica, ética etc., da
em processo regular. As estatísticas criminais constituem
criminologia tradicional, pressupõem o mesmo esquema
amostras representativas da população total de criminosos
funcional da ordem social:estados "naturais" ou "normais",
- a "maior aproximação possível" da taxa de "criminali-
como "relações ótimas" para a vida associada, fundamen-
dade real" - e réus "condenados" constituem os únicos
tam normas de conduta instituídas como critérios de "norma-
indivíduos que podem ser considerados criminosos: nessa
lidade", ou "pré-requisitos funcionais" para a existência da
ótica, são criminosos réus condenados indevidamente, e
sociedade. A conduta ajustada aos parâmetros formalizados
é "normal" ou "natural" e a conduta desviante dos parâme- não são criminosos réus não julgados e autores de crimes
tros formalizados - que definem a "expectativa normativa" não identificados, ignorados etc. (LyraFilho, 1972, p. 75-78
- é "anormal" ou "antinatural", desencadeando o sistetna e 94-98; Schwendingers, 1980, p. 140.)
de recompensa/punição, como mecanismo de controle Definições sociológicas, desde Garófalo a Thorsten
das tendências "egoístas e anárquicas" da "natureza hu- Sellin, criticam a natureza "não científica" da definição
mana". Nesse esquema, o controle social promovido pela legal de crime, que pretende distinguir crime de outros
tecnocracia estatal realiza uma tarefa "neutra", mediante comportamentos e criminoso de outras pessoas, mas não
normas institucionalizadas como critérios do "normal" e indica "propriedades naturais" constitutivas da "natureza
do "patológico", legitimadas pelo "consenso normativo", intrínseca" da matéria. Essas propriedades "intrínsecas"
maximizando aspectos positivos pela recompensa e mini- ou "naturais" são indicadas pelo conceito de "normas de
mizando aspectos negativos pela punição. A ordem social é conduta", que definem "relações universais": transcendem
uma situação de "equilíbrio" dentro da qual o crime indica grupos sociais, não são limitadas pelo Estado, não estão
"conflito" e "desorganização": ao nível social, "conflito (necessariamente) incorporadas no Direito e fundamentam
cultural! desorganização social"; ao nível da personalida- um enfoque "livre-de-valor" comprometido, exclusivamen-
de, "conflito pessoal! desorganização da personalidade" te, com "metas científicas", mediante "critérios científicos"
(Schwendingers, 1980, p. 156-62). (Schwendingers,1980,p.136-37;Tayloretalii) 1973,p.14-19).
Na verdade, a querela positivista sobre conceito de Contudo, a fobia do método sociológico às "questões de
crime é uma disputa doméstica em torno da efetividade) da valor", pela impossibilidade de medição objetiva de suas
amplitude e da precisão do controle social, porque não trans- determinações, confunde objetos históricos com objetos
cende os limites da ideologia dominante. naturais, reduz fenômenos políticos e ideológicos a meras

54 55
A Criminolo.gia Radiml
._.... - ,-----~-_._---_ .._._--,_ ..- ._ ..__ ._~-_ .. - ._ .. - - .- ,._-----._. '-._-'---'-
A Criminologia 1"ZLI{/ical
e o Conceilo de Cri/llr
-------_._---~------ - --- ~- ----------------~,._-

"coisas" (como na física) e, enfim, destrói o objeto para finição legal é uma modalidade de definição nominal, como
adaptá-lo ao método. descrido
, das acões
, socialmente danosas e cominação de
Definições éticas propostas por Sutherland conjugam sanções; a definição analítica é constituída pelas categorias
critérios de "injúria social" (violação de interesses sociais jurídicas da tipicidade (adequação da conduta ao modelo
gerais) e de "sanção legal" (compreensiva das sanções cri- legal), da antijuridicidade (realização injustificada do tipo
minal e civil)para abranger práticas anti-sociais de homens- de proibição geral) e da culpabilidade (reprovação do autor
de-negócio, administradores de corporações, profissionais pela realização não permitida da conduta proibida, com o
liberais etc., que configuram a criminalidade "white-collar". poder concreto de agir de outro modo) - essas categorias
Entretanto, as boas intenções da proposta não transpõem da definição analítica funcionam como definição operacional
os limites da politica oficial que define "injúria social" e para o sistema de justiça criminal (conhecimento e punição
impõe "sanções legais": ao contrário, parecem úteis para das ações socialmente danosas); a definição real do conceito
legitimar a ideologia do controle social (Schwendingers, de crime é o objeto específico da criminologia tradicional:
1980, p. 137-39). "crime é um sintoma de desorganização social" (Sutherland
& Cressey, 1960, p. 23), ou "delinqüência é uma expressão
A metodologia científica contemporânea distingue
de agressão não-socializada" Oenkins & Hewitt, 1944, p.
várias definições de um conceito: a definição real compreende
84-94). Finalmente, as definições sociológicas são uma mis-
as determinações históricas de um fenômeno, nas suas
tura de definição real (relações universais) com definição
relações diacrônicas e sincrônicas; a definição nominal
operacional (propriedades intrínsecas), enquanto as definições
constitui simplificação formal da definição real; a definição
éticas são uma composição de definição real (injúria social)
analítica apreende os elementos internos da definição real; e com definição nominal (sanção legal).
a definição operacional indica os caracteres de identificação
concreta da definição real, como formalizada nominalmente Essas definições refinaram o instrumental teonco
e decomposta analiticamente: tipos, situações, registros de conhecimento do crime, mas sua aplicação é limitada
etc. A definição real é a base de todas as definições de um pelos compromissos de classe da criminologia tradicional,
conceito: as definições nominal e analítica são redeftnições da atrelada ao pólo dialético dominante da burguesia, na con-
definição real, porque exprimem relações já construídas, e tradição estrutural da sociedade capitalista. Por exemplo,
a definição operacional alinha "indicadores" identificáveis definições reais identificam relações contráriz...3ao sistema de
da definição real (Cirino, 1979, p. 17-19; Schwendingers, produção e reprodução sodal, definições nominais formali-
1980, p. 144-46). zam essas relações na superestrutura jurídica de controle,
definições analíticas decompõem seus elementos internos
O conceito de crime não foge desse esquema: a de- em categorias científicas e definições operacionais selecionam

56
57
A Crimil1olo,gia Radical A Crimil1olo,~icl r<..adictl!e o COl1ceito de Crill/e

caracteres visíveis para medir o crime e informar políticas ção e os sistemas jurídico-políticos de reprodução social:
criminais - mas todas correspondem ao conceito iJllrgllês situações de garantia de impunidade, pelo controle dos
de crime, que garante a hegemonia dOéapital no controle processos de criminalização, são condições suficientes para
das relações sociais. práticas anti-sociais (predatórias e fraudulentas) lucrativas,
Esse conceito exclui a criminalidade estrutural - a fundadas no controle dos processos de produção/ circu-
definição ética se limita aos abusos de classe, mas não com- lação da riqueza.
preende a estrutura do sistema de classes, por exemplo - e Como se pode ver, as determinações estruturais do
inclui os fundamentos da ordem social burguesa: crimina- conceito proletário de crime (definição real) podem ser
liza as ações contrárias à estrutura econômica, fundada na indicadas (a) por situações de marginalização, exploração,
propriedade privada dos meios de produção e do produto miséria, fome, doenças etc., ou (b) por situações de controle
do trabalho social, e as ações contrárias às superestruturas da produção/ circulação da riqueza e de garantia de impu-
jurídicas e políticas do Estado, representadas pela crimi- nidade - ambas explicações ligadas à divisão da sociedade
nalidade política. em classes sociais antagônicas, produzida pela separação
O conceito socialista de crime, fundado na posição trabalhador/meios de produção (definição analítica), que
de classe do proletariado - o pólo dialético subordinado violam direitos humanos socialistas (definição nominal).
da contradição estrutural-, situa a origem da crimiDalidade A distinção entre conceito proletário e conceito
nas condições estruturais do capitalismo, mas apresenta
burguês de crime não significa separação irredutível entre
explicações diferentes para a criminalidade individual e
concepções diametralmente opostas: o conceito prole-
para a criminalidade estrutural:
tário incorpora, critica e supera o conceito burguês de
a) a criminalidade individual - em certas condições, crime, como as formas políticas e jurídicas do socialismo
uma resposta necessária das classes e camadas sociais su- incorporam as conquistas democráticas do capitalismo e
balternas - é definida como resposta pessoal (portanto,
ampliam os limites de liberdade real do povo (Lyra Filho,
não política) de sujeitos em condições sociais adversas:
1972, p. 110-11).
em situação de desorganização política e de ausência de
consciência de classe, a criminalidade individual das classes A seqüência deste estudo pretende indicar como a
dominadas é resposta inevitável às condições estruturais Criminologia Radical coloca os problemas do crime e do
adversas da sociedade; controle social no contexto das relações de classes e das lu-
b) a criminalidade estrutural - em certas condições, tas políticas pela constituição e reprodução do poder social,
um estímulo suficiente para as classes dominantes - é ex- no período histórico da sociedade capitalista. Alguns dos
plicada pela articulação funcional entre a esfera de produ- avanços teóricos mais importantes dessa perspectiva são os

58 59
A Criminologia Radical
-----------------------------------,._------

trabalhos de Georg Rusche e Otto Kirchheimer, PUl7isl1Jet1t


and social structure (1968), de Michel Foucault, SUrl1ei//er et
IV A CRIMINOLOGIA RADICAL
punir (1975), de Evgeny B. Pasukanis, A teoria gera/ do direito E A POLÍTICA DO
e o marxismo (1972), o texto coletivo de Maurice Bourjol e
outros, Pour une critique du droit (1978) e a coletânea de Bob CONTROLE SOCIAL
Fine e outros, Capita/isl1J and the rufe rif lau) (1979).

o estudo de Rusche e Kirchheimer em Punishment


and social structure (1968) objetiva romper a relação abstrata
da criminologia tradicional entre mme epunição - interna à
superestrutura -, propondo uma relação histórica concreta
entre mercado de trabalho epunição, vinculando a base econô-
mica à superestrutura de controle da formação social. A
punição, definida normalmente como "epifenômeno" do
crime - o fenômeno que determina as formas e intensidade
daquela -, ou como reação oficial de retribuição e de preven-
ção do crime, é colocada em perspectiva nova: todo sistema
de produção descobre punições que correspondem às suas relações
produtivas (Rusche e Kirchheimer, 1968, p. 5).

A teoria do projeto (Rusche, 1931) afirma que o mer-


cado de trabalho é o determinante fundamental do sistema
de justiça criminal e, portanto, a categoria principal para
explicar o sistema penal. Esse conceito se desdobra em
duas hipóteses antagônicas: a) se a força de trabalho é insu-
jiciet1te para as necessidades d6 mercado, a punição assume
a forma de trabalho forçado, com finalidades produtivas e
preservativas da mão-de-obra; b) se a força de trabalho é
excedente das necessidades de mercado, a punição assume a
60
61
A Criminolo,gia Radical e a Polilica do Conlro!e Social

forma de penas corporais, com destruição ou exterrIlÍnio da superestruturais de controle proposta por Rusche e Kirch-
mão-de-obra: a abundância torna desnecessária a preserva- heimer, representa um avanço real da teoria crirninológica
ção (Rusche, 1977, p. 4). A teoria mostra como as relações radical: são as relações entre as classes sociais no mercado
de classes, na esfera do m~rcado, explicam as mudanças de trabalho que explicam a generalização da prisão como
superestruturais do sistema penal: introduza questão do método de controle e disciplina das relações de produção
crime e do controle social no contexto das relações eco- (fábrica) e de distribuição (mercado) da sociedade capita-
nômicas, que funcionam como base explicativa da política lista, com o objetivo de fort1)ar um novo tipo humano, a
penal e, inversamente, como objeto de esclarecimento pela força de trabalho necessária e adequada ao aparelho produtivo
política penal. Assim, o defeito das teorias psicológicas e (Melossi, 1978, p. 75).
psicanalíticas da criminologia dominante sobre a origem Em outra perspectiva, a contribuição radical de Fou-
individual do crime, ou as funções sócio-psicológicas da cault em S urveiller etpunir (1975) foi esboçar uma teoria ma-
punição etc., resultaria da ausência de uma teoria social terialista da ideologia da época capitalista, como disciplina
geral que situasse o fenômeno punitivo na estrutura das da força de trabalho (Melossi, 1979, p. 92-93) - na verdade,
relações econômicas, evitando as abstrações idealistas que um resultado inesperado de um teórico idealista. O obje-
absolutizam e petrificam as condições históricas vigentes tivo de reconstruir a história do poder de punir através da
OZusche,1977, p. 3). história da prisão subordina-se às seguintes coordenadas,
A verificação de que a criminalidade se concentra nas segundo Foucault: a) os sistemas punitivos devem ser es-
camadas sociais inferiores da sociedade (a posição de classe tudados em seus ifeitos positivos, que realizam uma função
inferior impede a satisfação de necessidades elementares), social complexa - e não em seus ifeitos negativos de sanção /
que monopolizam os processos de criminalização, permite repre~são; b) a função social dos mecanismos punitivos não
a formulação do célebre princípio de eficácia do sistema penal: é explicável pelas regras do Direito, mas como técnicas es-
a eficácia da prisão pressupõe condições de vida carcerária pecíficas relacionadas aos processos de produção material:
inferiores às da classe trabalhadora mais aniquilada. O prin- a tecnologia punitiva, como "tática política dos castigos",
cípio mostra a existência de limites objetivos às reformas constituiria um "investimento do corpo" por relações de
"humanistas" da p~isão, cuja base reside nas condições poder, cujas transformações estariam ligadas às mudanças
estruturais da sociedade: as prisões estarão cheias ou vazias nas relações de produção (Foucault, 1977, p. 26-27).
conforme sua posição em relação a esse limiar minimo O conceito de sistema punitivo como fenômeno so-
OZusche,1977,p. 3-4). cialligado aos sistemas de produção, nos quais realiza efei-
A história das transformações do sistema penal, na tos positivos, é extraído expressamente das investigações de
perspectiva da relação entre base econômica e mecanismos Rusche e Kirchheimer sobre a relação sistema penal/ mercado

62 63
A Criminologia Radical
•.._---_._------------_._-----_ .._----------_ .... _---_ .... _-----_.-. __ .. A Crilllil7olo..giaRLldical e" Poli/ic" do Con/role Sor/"I

de trabalho. O mérito de Foucault é mostrar a mediação política


capitaliJta do trabalho - a disciplina dos processos produ-
do sistema punitivo, como dominio das forças corporais
tivos no âmbito das relações de produção -, deixando,
para realizar o!:?jetivoseconômicos específicos, consistentes na ex-
assim, a disciplina como um princípio politico carente de
tração de utilidade das forças dominadas, sob a fórmula de
determinações históricas (Melossi, 1977, p. 75).
produção de «corpos dóceis e úteis". As práticas punitivas,
como relações de poder vinculadas às relações de produção,
representam um sistema de dominação para constituir um
poder sobre o poder do corpo: uma "anatomia politica" que 1. As Determinações Estruturais do
articula conhecimento e técnicas de controle para dominar Controle Social
as capacidades produtivas do corpo. O sistema penal re-
As investigações de Rusche e Kirchheimer contri-
presenta uma estratégia de poder, definida nas instituições
buíram para esclarecer as relações históricas do sistema
jurídico-políticas do Estado, explicável como política das
punitivo, como fenômeno jurídico e politico superestrutural
classes dominantes para produção permanente de uma
correspondente à estrutura econômica da sociedade - ou
"ideologia de submissão" em todos os vigiados, corrigidos
seja, ao conjunto das relações de produção -, na perspec-
e utilizados na produção material. O poder político e o saber
cientifico aparecem como fenômenos interligados: o poder tiva da tese fundamental de que "o modo de produção da
produz o saber adequado ao seu domínio (ideologia) e o vida material condiciona o desenvolvimento da vida social,
saber reproduz o poder que o produz, nas relações entre política e intelectual em geral" (Marx, 1973, p. 28).
classes e grupos sociais (Foucault, 1977, p. 27-31). Na baixa Idade Média, a população dispersa em terras
No trabalho de Foucault, o estudo das transforma- desocupadas, com uma economia agrária de subsistência
ções do poder de punir objetiva caracterizar a disciplina auto-suficiente, em que todos produzem seus meios de
como modalidade específica de controle social do capi- consumo, a criminalidade se limita a violências pessoais e
talismo, incorporada na estrutura panótica das relações sexuais: o sistema penal de multas e penitências da ideolo-
sociais e, desse modo, explicar a instituição carce;ária pela gia religiosa, complementado pela vingança privada - na
necessidade de produção e reprodução de uma 'ilegalidade verdade, o principal desestimulante do crime -, correspon-
fechada, separada e útil", que garante e reproduz as rela- de ao nível de desenvolvimento das relações sociais de
ções de poder e a estrutura de classes da sociedade. A falha produção. Na alta Idade Média, a economia agrária feudal
idealista do esquema de Foucault - que não invalida sua
separa ricos (senhores feudais, clero etc.) e pobres (cam-
contribuição teórica -, residiria na incapacidade de ligar o
poneses e artesãos), conhece os fenômenos das guerras
conceito de disciplina às necessidades materiais da administração
camponesas, dos bandos de desocupados sem meios de
64
65

e _
A Criminol'!?,i" R"dical (' {/ Política r/o COl7trole Social
A C,ilJlillolo.gia F."r/iml .. . .• . ~._. , ." .._.•__ •• _. " ..• __ . __ . __._ .•. ,_.__ o.,. ,•.. __ .••. ._.__ ~__ ._".,. __ _.__ , .

subsistência e da criminalidade generalizada, em especial excedente os custos de custódia são superiores ao valor
patrimonial: o sistema penal desse estágio de desenvol- produzido pelo trabalho do preso e, por isso, o trabalho
vimento das relações de prq.dução adota punições corporais forçado deixa de ser lucrativo (Rusche, 1977, p. 5-7).
atrozes (descritas com riqueza de detalhes por Foucault) e O estudo da prisão como modalidade punitiva ba-
extingue as inúteis penas de multa, porque os condenados
não têm como pagar. No mercantilismo do século XVII, a
produção manufatureira, baseada em funções especializa-
seada na privação de liberdade leva à discussão do conceito
burguês de tempo, como medida geral e abstrata do valor da
mercadoria, e à questão correlata da formalização prática

das, encontra escassa força de trabalho, em geral dizimada desse critério de valor na medida da pena de prisão, pro-
por pestes, guerras e punições, o que determina alterações porcional ao crime praticado. A relação entre prisão (troca
nas relações de mercado, com a elevação dos salários e do jurídica do crime medida pelo tempo) e mercadoria (valor
de uso dotado de valor de troca medido pelo tempo) foi
ruvel de vida dos trabalhadores: a política do sistema penal,
formulada originalmente por Pasukanis em 1924 - cujas
para ajustar-se às mudanças estruturais, adota o trabalho
análises, aliás, não são referidas por Rusche e Kirchheimer
forçado, extingue as penas corporais destruidoras da força
-, demonstrando que o pressuposto histórico-concreto da
de trabalho e introduz a prisão como principal modalidade
"predeterminação abstrata" da pena criminal em tempo
punitiva. de privação de liberdade reside na redução das formas
A revolução industrial do capitalismo no século concretas da riqueza social ao trabalho humano abstrato
XVIII produz nova inversão na situação do mercado de - a medida geral do valor - e conclui que são fenômenos
trabalho, porque a introdução da máquina reduz a necessi- da mesma época: o capitalismo industrial e a economia
dade de mão-de-obra e produz o trabalhador abstrato - o política de Ricardo, a declaração universal dos direitos do
assalariado permutável, disponível no mercado -, formando homem e o sistema de penas de prisão, medidas pelo tempo
um excedente de mão-de-obra em condições de absoluta (pasukanis, 1972, p. 202-03);
miserabilidade, mais tarde conhecido como exército indus- Os capítulos finais de Punishment and social structure
trial de reserva. E a prisão, institucionalizada como principal (escritos por K.irchheimer), sobre as mudanças na estrutura
modalidade punitiva, perde seu caráter intimidante porque social do capitalismo monopolista - por exemplo, o mo-
as condições de vi~a na prisão são superiores às do limiar vimento organizado da classe trabalhadora, a intervenção
inferior do desemprego e, para ajustar-se às necessidades do do Estado nas relações econômicas, a concentração dos
mercado, transforma-se em instrumento de terror: a prisão capitais produtivo, comercial e financeiro etc. -, o declínio
aplica a tortura, inventa o confinamento solitário e castiga com das taxas de prisão (de 1890 a 1940) e a política dos subs-
titutivos penais, não parecem inteiramente satisfatórios
o "trabalho inútil" - em condições de força de trabalho

67
66
A Crilllillolo..gia R£ldical
-----_._-_. __ .__ ..._------- ... - ..... _---._-_ ...._---------._._------_._----------
,

A CrimilloloRia R£ldical e a Poli/ira do Controle Social


--------------------------- ---- ---~---------

(Melossi, 1978,p. 73-85). Mas é rigorosamente característico


força de trabalho social: pela disciplina, pela força e pelo
das transformações superestruturais desse período histó-
extermínio.
rico o fenômeno da "fragmentação" do Direito, definido
em duas linhas principais: a) a substituição das leis gerais Projetos contemporâneos 0ankovic, 1977; Melossi e
e abstratas do capitalismo competitivo (as codificações) Pavarini, 1977) procuram validar e ampliar a hipótese geral
por regras administrativas e específicas do capitalismo de Rusche e Kirchheimer, esclarecendo a relação específica
monopolista (a troca da "generalidade" pela "especifici- entre sistema penal e estrutura social no capitalismo mo-
dade"); b) a introdução do método judicial da "intuição" nopolista, destacando a prisão como um capítulo particular
- uma inovação politica do direito penal fascista, fundada da história mais geral de produção e reprodução da classe
no "Volksgeist" e no "Führerprinzip" -, promovendo a trabalhadora (Melossi, 1978, p. 81).
dependência administrativa do judiciário e o domínio do
A produção de força de trabalho excedente não é
poder econômico sobre o sistema legal. O autoritarismo do
fenômeno novo no capitalismo: o desenvolvimento da
sistema penal fascista é um efeito particular da "racionali-
tecnologia, com aumento da produtividade e redução dos
zação" inconstitucional que adequou as superestruturas de
custos de produção, altera a composição orgânica do capital,
controle às exigências do capital monopolista - na verdade,
como relação entre capital constante (meios de produção ou
"racional" para as classes dominantes, um "taylorismo"
elementos objetivos) e capital variável (força de trabalho
de Estado, para "imediata eficácia da vontade do líder"
ou elemento subjetivo) do processo de produção (Marx,
(Melossi, 1978, p. 78-79).
1971, p. 234-35), eleva os níveis de valorização do capital
A predominância da especificidade sobre a generalidade e produz excedentes de força de trabalho, em ciclos suces-
da forma legal, através de leis emergenciais, casuísticas e sivos reiterados (desenvolvimento de tecnologia, força de
aUtoritárias,é parte essencial do processo de unifi::ação dos trabalho excedente, acumulação do capital, reinversão do
objetivos do capital monopolista com a política do Estado capital acumulado em novas áreas, emprego de mão-de-
fascista, para o domínio totalitário do poder econômico obra, novo desenvolvimento de tecnologia, nova força de
sobre as classes trabalhadoras - reduzidas à escravidão trabalho excedente etc.).
social -, mediante um controle social terrorista: os cam-
Na teoria de Rusche e Kirchheimer, a permanente
pos de concentração são a forma massificada da prisão e
produção de força de trabalhb excedente não é compatível
o genocídio (judeus, negros, e outras "raças inferiores") é
com a persistência da prisão no capitalismo monopolista,
a forma coletiva do extermínio. A ditadura terrorista do
porque a força de trabalho não precisa ser obrigada a tra-
capital monopolista existe como repressão massificada da
balhar, nem preservada de destruição e, conseqüentemen-
68
69
A Ctimin%gia Radiwl A Criminolox,ia Ri/dical e a Política do Controle Social

te, a prisão, como principal modalidade punitiva, parece f\ segunda hipótese supõe co-variação inversa entre
"irracional" . prisâo. (variável independente) e desemprego (variável de-
pendente), para testar a utilidade da prisão no controle do
Fundado na teoria de correspondência da punição
mercado de trabalho - hipótese utilitária, já enunciada, iro-
com as relações produtivas do sistema sócio-econômico,
nicamente, por Marx (1980, p. 383). O objetivo da hipótese
Ivan Jankovic (1977, p. 17-31) estuda a prisão, simultanea-
é estabelecer o efeito da política penal sobre a economia,
mente, como variável dependente e como variável independente
independente da motivação pessoal dos juízes Gankovic,
em relação ao mercado de trabalho, desenvolvendo duas
1977, p. 21).
hipóteses implícitas na teoria original: a) existe relação inversa
A amostra da pesquisa foi delimitada por índices
entre condições do mercado e prisão: se as condições do
estatísticos nacionais (de 1926 a 1974) e locais (Sunshine,
mercado deterioram, a prisão aumenta; se as condições do
de 1969 a 1976), nas dimensões de nível de desemprego e de
mercado melhoram, a prisão diminui; b) existe relação de
nível deprisões, nos EUA. Os resultados da pesquisa confir-
convergência entre forma de punição e situação do mercado:
maram a primeira hipótese: o crescimento do desemprego
se a força de trabalho é insuficiente, a economia e a punição
determinou crescimento do volume depresos (e da freqüência das
a preservam; se a força de trabalho é abundante, a economia
prisões), independente do volume de cnmes - com a refutação
e a punição a destroem Gankovic, 1977, p.19).
complementar da tese da redução das penas de prisão no
A primeira hipótese supõe co-variação direta entre capitalismo monopolista. A segunda hipótese, sobre a uti-
desemprego eprisão: o desemprego é a variável independente (ín- lidade da prisão no controle do mercado de trabalho, não
dice de situação na economia), determinando a freqüência foi confirmada, nem excluída Gankovic, 1977, p. 21-22).
de encarceramentos e, portanto, a população da prisão,
enquanto a prisão é a variável dependente (índice de rigor pu-
nitivo). A expectativa é de que situações de crise econômica 2. A Ideologia do Controle Social.
produzem maior desemprego, donde maior criminal idade e, por A transformação da prisão de instituição marginal ao
conseqüência, maior freqüência (e rigor) da prisão; mas o projeto sistema penal- ad continendos homines) non ad puniendos, ligada
refina a hipótese, controlando a variável intermediária (maior a ilegalidades e abusos políticos, insuscetível de controle e
criminalidade) para testar a relação direta desemprego/prisão, nociva à sociedade (custos elevados e ociosidade programa-
quebrando a relaçã.o abstrata crimel punição: supõe que a da) - em forma principal de castigo na sociedade capitalista,
prisão pode aumentar (com redução de crimes) ou diminuir estabelecendo o tempo como modulação do crime, em lugar
(com aumento de crimes), dependendo, exclusivamente, da do cadafalso do sistema medieval e do teatro punitivo do
a
situação do mercado ankovic, 1977, p. 20-21). projeto da reforma penal, começa nos modelos clássicos

70 71
A Criminologia Radical
----------_._------------------------ A Criminologia Radical e a Política do Controle Social
--------------.---------------.------- __ •• _ •• _ • o .0_, ---

de prisão: o modelo de Gand (Holanda), em que o objetivo


penas criminais, como retribuição aflitiva de sujeitos lit}res,
de correção pelo trabalho justifica a duração da pena; o
e as medidas de segurança, como controle e readaptação
modelo de Glottcester(Inglaterra), de correção pelo trabalho,
de sujeitos determinados, constituem os sistemas de reação
complementada pelo isolamento; e o modelo de Filadélfia
anticriminal (cumulativos ou alternativos) da sociedade
(EUA), da prisão como aparelho de saber, com formação
moderna. A complicação do julgamento exige conheci-
de conhecimento individualizado sobre o condenado e
mentos especializados, com a divisão do trabal/)o de julgar: o
correção pelo trabalho sob rígida distribuição do tempo
concurso de «juízes paralelos", como psiquiatras, psicólo-
- todos originários do modelo de Rasphttis (Amsterdam),
gos e outros funcionários da "ortopedia moral", converte
fundado em 1596 (FoucauIt, 1977, p. 102-12).
o julgamento em "prescrição técnica" para "normalizar"
No trabalho de Foucault, a transformação histórica o sujeito, legitimada pelo discurso científico predominante
do poder de punir, explicável pelos processos subjacentes (Foucault, 1977, p. 21-25). Uma evolução não linear, com
à "micro física do poder", evolui do "suplicio do corpo", mediações e contradições ligadas às lutas históricas entre
como ritual de poder na sociedade medieval, para o "ar- classes e grupos sociais, alterando ou deslocando as rela-
quipélago carcerário", a rede de controles da "economia ções de poder, reacomodadas, transitoriamente, em novos
do poder" nas "cidades carcerárias" do capitalismo mo- esquemas de dominação.
derno. A transição do castigo do corpo no pelourinho, na
O sistema penal medieval é um ritual de poder: o
fogueira, na roda etc., para a supressão do tempo livre nos
objeto da vingança do soberano é o corpo do condenado,
mecanismos administrativos da moderna burocracia penal,
mas o objetivo do ritual é produzir um efeito social de
coloca o corpo do sujeito como intermediário da "alma"
terror. A execução penal quantifica o sofrimento do crimi-
do condenado, construída como "prisão do corpo". Essa
noso para reproduzir a atrocidade do crime: o desafio ao
metamorfose, em meados do século XIX, modificou o ob-
soberano, representado pelo crime, deve ser aniquilado pelo
jeto do juízo penal: o homem substitui o crime corrio objeto
castigo, expressão da vitória absoluta do soberano sobre
principal de julgamento (Foucault, 1977, p. 13-20) e, desse,_
o criminoso, numa politica de terror para intimidação do
modo, as questões clássicas da prova do fato, da determina-
povo, em que o poder se reproduz pela produção do medo
ção do autor e do conhecimento da lei são insuficientes. A
(Foucault, 1977, p. 33-61). As trans formações econômicas
lógica positivista, que considera o crime revelação da alma
da sociedade feudal, primeiro pela divisão do trabalho e es-
do criminoso, apresenta novas questões, como a natureza
peci?lização de funções na produção manufatureira, depois
do sujeito, as causas determinantes, o método corretivo ade-
pela industrialização e formhção da burguesia e do prole-
quado, com desdobramentos subjetivos (paixões, instintos,
tariado na produção capitalista, promovem o abandono da
anomalias, hereditariedade, ambiente etc.) e objetivos (cir-
"liturgia dos castigos", a forma punitiva correspondente às
cunstâncias de agravação e de atenuação da pena). Assim, as
relações de produção da sociedade feudal. Enfim, a refor-
72
73
A Criminologia Rodical e a Política do Controle Social
/:1 Criminologia F..£/dical ---_ .. _--_ _-_ _--_._-_. __ ---_ ... _- --------------
.. _-_._._._-~- .."-._---_._.- ... .. .....
-_._--------~._----_ ... _---_._-------------~-- .. --_ ... _------_._---_._-----_.-

ma penal humanista de lvlontesquieu, Rousseau, Beccaria castigos rigorosos; b) a burguesia, circulando nos espaços da
etc. reproduz, em teoria do controle social, a ideologia da lei, permeados de silêncios, omissões e tolerâncias, move-se
nova classe hegemônica: exige respeito à humanidade do no mundo protegido da "ilegalidade dos direitos", com-
criminoso, castigo sem suplício e coloca o homem como posto de fraudes, evasões fiscais, comércio irregular etc.
"medida do poder", ou seja, como limite ao despotismo. - na gênese histórica da futura criminalidade de "colarinho
branco" -, com os privilégios de tribunais especiais, mul-
As transformações sócio-econômicas do capitalismo
tas e transações que transformam essa criminalidade em
repercutem nas práticas ilegais: reduzem a criminalidade de
investimento lucrativo. Segundo Foucault, o sistema penal
sangue, representada pelo "ataque aos corpos", e aumentam
é erigido para "gerir diferencialmente" a criminalidade
a crinllnalidade patrimonial, constituída pela "ilegalidade
conforme a origem social do autor, mas sem suprimi-la.
dos bens". A conseqüência é o desequiHbrio na economia
A nova "tecnologia do poder" da sociedade capitalista
do poder punitivo, agravado pela multiplicidade de justiças
desloca o direito de punir, da vingança do soberano para a
(dos senhores, do rei e do clero) e pelo poder excessivo: o
"defesa social" - obviamente entendida como defesa das
poder da acusação, com todos os recursos contra a impo-
condições materiais e ideológicas da sociedade capitalista
tência dos acusados; o poder dos juízes, livres para escolher
-, com base na teoria do contrato social, segundo a qual a
a pena; e o poder do rei, capaz de substituir juízes e decisões.
A reforma humanista do Iluminismo objetiva mais eficá- condição de membro do corpo social implica aceitação das

cia, maior regularidade e menores custos da política penal, normas sociais, e a violação dessas normas, a aceitação da

adequada às mudanças "de uma sociedade de apropriação punição (Foucault, 1977, p. 69-76).
jurídico-política para uma sociedade de apropriação dos Na concepção de Foucault, a reorganização da "eco-
meios e produtos do trabalho" (Foucault, 1977, p. 80). nomia do castigo" e a generalização da função punitiva
Com o desenvolvimento dos portos, armazéns, oficinas assentam em duas variáveis: o crime como fato a estabelecer
de trabalho e de mercadorias a criminalidade patrimonial e o criminoso como indivíduo a conhecer, conforme critérios
torna-se intolerável para a burguesia: a eficácia do controle científicos. A "tecnologia" do poder de punir compreende
requer codificação das infrações e certeza da punição. algumas regras gerais: a) a regra da quantidade mínima) funda-
N a formação do capitalismo, a criminalidade é re- da no princípio hedonista: se o crime, representado como
estruturada a nível de prática criminal, de definição legal e vantagem, explica o comportamento criminoso, então a
de repressão penal, pela posição de classe do autor: a) as massas pena, representada como desvantagem maior, produz a
populares, especialmente lumpens, circunscritas à criminali- renúncia ao crime; b) a regra da idealidade suficiente, baseada
dade patrimonial, são submetidas a tribunais ordinários e na identificação do sifrimento com a sua representação: a pena

74 75
--,
!

A Criminologia Radiml
__ __
_. .._-_. ._----_._------------------- A Cn"minologia Radical e a Politica do Controle Social
------------_._------------------------------
é igual à idéia da pena, como temor de uma desvantagem
de sua "requalificação pessoal" como sujeitos de direito
maior representada; c) a regra da certeza peifeita, em que a
(Foucault, 1977, p. 94-102).
preponderância da idéia da pena em relação à idéia do cnme
depende da eficácia do sistema punitivo, subordinada à de- Entretanto, prevalece o aparelho carcerán'o, com suas
finição dos crimes e das penas (codificação), à publicidade técnicas de coerçãoe seu poder exclusivo de gestão da pena - e
das leis (conhecimento das proibições) e dos processos não o projeto da "cidade punitiva", com seus teatros de
criminais (conhecimento das razões da punição); d) a regra castigo: não é a requalificação do indivíduo como "sujeito
da verdade comum do modelo acusatório, demonstrada pelo de direitos", mas a reconstituição do "sujeito obediente"
método científico: a verdade do crime é "verdade completa" (às ordens, às regras, à autoridade) da instituição carcerária,
- e a presunção de inocência é a sua resultante; e) a regra que se institucionaliza na moderna sociedade capitalista.
da especificidade ideal, pela qual a individualização das penas, A transição da força do soberano, com a cerimônia do cas-
como modulação crime-punição, regula-se pela personalidade tigo e o inimigo vencido, não é para o corpo social, com a
representação e o sujeito requalificado, mas para o aparelho
do agente e por partitularid'ades do fato (Foucault, 1977,
p.76-93). administrativo, com a disciplina do corpo e a submissão total
do sistema carcerário (Foucault, 1977, p. 112-16).
No estudo de Foucault, a dinâmica da "representa-
Na verdade, é a necessidade de disciplina da força de
ção" funciona como mecanismo de poder: a pena, como
trabalho, sua formação e adequação aos processos produ-
"sinal transparente do crime", reduz a atração do crime; a
tivos, promovida pela especificidade do panótico, como dis-
modulação temporal da pena (o tempo como "operador"
positivo de disciplina e princípio da nova política do poder,
da pena), ajusta o castigo ao crime; enfim, a circulaçãp social
que explica a evolução da prisão, de aparelho marginal ao
da pena influi sobre todos os "culpados potenciais". Em
sistema penal para a posição de instituição central do controle
síntes'.:',a publicidade da pena promove a aprendizagem
social na sociedade capitalista. Os fundamentos materialis-
social, agindo como elemento de instrução capaz de inverter
tas da contribuição de Foucault, que apresenta a disciplina
a narrativa popular do criminoso herói para o criminoso inimigo como ideologia do controle social, são desenvolvidos por
sociaL A pesquisa de Foucault mostra como o projeto de Melossi (1979, p. 90-99), Melossi & Pavarini (1977, p. 67-
reforma idealiza a "cidade punitiva", um conjunto de teatros 76), Lea (1979, p. 76-89) e outros teóricos radicais, com base
de castigo nos jardins e praças, oficinas e encruzilhadas, com nas necessidàdes de organizaçqo dos processos produtivos e
placas, cartazes e textos: a eloqüência "visível" da pena re- de controle e reprodução da força de trabalho.
produz a lição do castigo na fala do povo, promovendo a
Na teoria de Foucault, o panótico é a base física do
"recodificação individual" dos criminosos potenciais, além
poder disciplinar, como sistema arquitetural constituído
76
77
A Cril7linolo.gia Radical A CrilJ/inolo.gia &tdical e (/ Política do Controle Social

de torre central (para controle visual) e anel periférico gia de dominação, em que relações de poder constituem
(em condições de visibilidade e separação), que atua como um tipo de saber adequado à sua existência e reprodução
dispositivo do poder disciplinar, caracterizado pelo "funcio- (Foucault, 1977, p. 153-71).
namento automático do pOder": a consciência de vigilância
.A política desses procedimentos disciplinares se apóia
gera a desnecessidade
sobre o comportamento
objetiva

- assim como sobre os movimentos


da vigilância,
do preso, o trabalho
com efeitos
do operário
de contra-poder (agi-
em táticas que dissociam a utilidade do corpo do poder pessoal
que o dirige: a alienação da vontade
de produção
individual é condição
do indivíduo "dócil e útil", como poder toma-

tações, revoltas etc.), a economia, a instrução, a ordenação
do para o poder e, assim, "normalizado". As táticas dessa
das multiplicidades humanas, a redução da força política e
política de dominação compreendem a distribuição e controle
o aumento da força útil da população controlada. Produto
da atividade, a organização das gêneses e a composição das forças.
da disciplina exigida pelas relações de produção econômica
e de reprodução política da sociedade, o panótico produz A arte das distribuições consiste no quadriculamento, com
efeitos negativos de exclusão e de repressão, mas especial- cada indivíduo em seu lugar e em cada lugar um indivíduo,
mente efeitos positivos de fiscalização e de controle, com e na localizaçãofuncional, mediante articulação das funções em
o objetivo de formar corpos "dóceis e úteis", através da aparelhos coordenados, formando quadros vivos. O controle
vigilância, da sanção e do exame (Foucault, 1977, p. 173-99). da atividade visa à construção de um "novo corpo", agora

A vigilância opera por dispositivos que obrigam pelo portador de "forças dirigidas", mediante a programação

olhar, com a completa visibilidade dos submetidos: nas temporal da atividade em ritmos estabelecidos (horário):

fábricas ou prisões, controla o processo de trabalho e o o objetivo é produzir a máxima adequação na correlação

comportamento dos homens, verifica o conhecimento, o gesto/ corpo e a maior eficácia nas articulações corpo-ob-
jeto-máquina. A organização das gêneses refere-se ao controle
esforço etc., através de fiscais, fiscalizados por outros fiscais.
útil do tempo, dividindo a atividade em seqüências de com-
A sanção pressupõe uma ordem artificial (leis, programas
plexidade crescente, finalizadas com provas. A composição
e regulamentos) com uma "micropenalidade" fundada no
dasforças é a articulação dos corpos em aparelhos eficientes,
tempo (atrasos, ausências etc.), na atividade (desatenção),
obedientes a um sistema de comando, com ordens claras e
na maneira de ser (desobediência ou grosseria) e na sensua-
breves (Foucault, 1977, p. 125-52).
lidade (indecência), visando reduzir os desvios mediante um
sistema duplo: de punição (degradação) e de recompensa Essa é a "tática da disciplina", segundo Foucault, a
(promoção). O exame conjuga técnicas de vigilância com técnica de construir aparelhos de eficácia ampliada, com
técnicas de sanção ~m um ritual de controle ou tecnolo- corpos localizados, atividades codificadas e aptidões for-

78 79
A Crimil1olo.gia £V/dical
--_._--_ .._._----_._----_._----_.,._--------------
~A Criminologia £V/dical e a Politica do Controle Soáal
------------------------------------ ..~,-_. "-_. -..

madas, agindo como a engrenagem subordinada de uma


máquina: a coerção permanente e o treinamento progressi- pelo livramento condicional, regimes prisionais, privilégios
vo produzem a doei/idade e a tttilidade das forças individuais. pessoais, a redução da pena nos sistemas de penas inde-
A disciplina das forças, pela coerção individual e coletiva terminadas etc., pressupõe a autonomia carcerária, sob
dos corpos, é o reverso técnico do pacto social: constitui o controle (relativo) do juiz das execuções: os "direitos da
poder disciplinar como "contra-direito", oposto à teoria do prisão" representam um desdobramento do julgamento,
contrato, que explica as relações de dominio/subordinação com o poder judiciário produzindo a retirada jurídica da
da sociedade capitalista (Foucault, 1977, p. 194-99). liberdade e o "poder penitenciário", indivíduos dóceis e
úteis (Foucault, 1977, p. 207-23).

A crítica científica à ineficácia dos princípios da ideolo-


3. Os Objetivos do Aparelho Penal gia punitiva (correção, trabalho, educação penitenciária, mo-
A função explícita da prisão é o exercício do poder de dulação da pena, controle técnico da correção etc.) costuma
punir, quantificando o valor de troca do tempo individual, a indicar que a prisão não reduz a crirnlnalidade, provoca a
"forma salário" da privação de liberdade: o tempo, equiva- reincidência, fabrica delinqüentes e favorece a organização
lente geral de troca do crime, é "mercadoria" de proprieda- de criminosos. De fato, a história do projeto "técnico-cor-
de geral (bem jurídico comum) e, portanto, critério "ideal" retivo" do sistema carcerário é a história simultânea de seu
de quantificação da peria. A prisão realiza, como aparelho fracasso: o "poder penitenciário" se caracteriza por uma
jurídico, a "contabilidade econômico-moral" do condenado,
"eficácia invertida", através da produção da reincidência
deduzindo a dívida do crime na moeda do tempo, e como
criminàl, e pelo "isomorfismo reformista", com a repro-
aparelho disciplinar, reproduz os mecanismos do corpo
posição do mesmo projeto fracassado em cada constatação
social para a transformação coativa do condenado.
histórica de seu fracasso (Foucault, 1977, p. 228-39).
O método geral de coação física da prisão é comple-
Dois séculos de fracasso do aparelho penal, indicado
tado pelas técnicas do isolamento, do trabalho e da modula-
pela manutenção da delinqüência, a indução da reincidência
ção da pena: o isolamento rompe as relações horizontais do
e a transformação do infrator ocasional em delinqüente
condenado, substituídas por relações verticais de controle
habitual, coexistem com dois séculos de manutenção do
e submissão total; o trabalho é mecanismo de disciplina
mesmo projeto fracassado. Neste ponto, a teoria de Fou-
para a produção de indivíduos adequados às condições
estruturais da sociedade capitalista; e a modulação da pena cault reencontra as grandes linhas da Criminologia Radical,
porque a explicação desse fenômeno está na distinção entre
80
81
A Criminologia Radical A Criminologia Radical e (J Politica do Controle 50áal

oo/etivos ideológicos (aparentes) e o~jetivos reais (ocultos) da pri- salariais, direitos de organização, protestos contra a repres-
são. Os objetivos ideológicos do aparelho penal se resumem são policial etc. - ampliados com a expansão da produção
nas metas de repressão da crim./nalidadee de controlei redução do e a concentração do controle privado da economia, multi-
crime. Os objetivos reais do aparelho penal consistem numa plicando as oportunidades e as modalidades de crimes.
dupla reprodução: reprodução da aiminalidade pelo recorte de A "gestão diferencial" da criminalidade decorre de
formas de criminalidade das classes e grupos sociais inferio- uma "dissociação política" da criminalidade: o recorte
rizados (com exclusão da criminalidade das classes e grupos jurídico das ilegalidades proibidas (tipicidade) produz a
sociais dominantes) e reprodução das relações sociais, porque a delinqüência convencional- e o delinqüente comum, como
repressão daquela criminalidade funciona como "tática de sujeito "patologizado" -, abrindo espaço para as ilegalida-
submissão ao poder" empregada pelas classes dominantes. des permitidas do poder econômico e político, excluídas
Assim, a explicação da justiça penal não reside nos obje- da estratégia de controle social. Essa perspectiva inverte a
tivos aparentes, de repressão da criminalidade e controle avaliação do resultado histórico da prisão: o aparente fra-
do crime, mas nos objetivos ocultos do sistema carcerário, casso do projeto "técnico-co~retivo" da prisão é a própria
de reprodução da criminalidade e reprodução das relações história de um êxito político real, como aparelho de poder
sociais, através do controle diferencial do crime. que garante e reproduz as relações sociais (Foucault, 1975,

Na construção de Foucault, as práticas punitivas se p.241-44).


inserem em um contexto político: a lei funciona como A prisão constitui a delinqüência como "ilegalidade
"instrumento de classe", produzida por uma classe para fechada, separada e útil", reprodl.lzidaern um "circuito de
ser aplicada contra outra, e o sistema de justiça criminal delinqüência" em que a reincidência aparece como efeito
da gerência das ilegalidades: a prisão produz e reproduz os
atua como mecanismo de dominação de classe, pela gestão
fenômenos que, segundo o discurso ideológico, objetiva
diferencial da criminalidade. As práticas criminais e a admi-
controlar ou reduzir. A constituição e reciclagem de uma
nistração diferencial da criminalidade se articulam em um
massa criminalizada apresenta várias utilidades: controla a
quadro histórico de lutas sociais estruturadas no regime população não-criminalizada - a força de trabalho integrada
de propriedade privada e de exploração legal do trabalho, nos processos produtivos; funciona como camuflagem da
desde a multiplicação das máquinas e o desenvolvimento da ilegalidade dos grupos dominantes; concentra a ilegali-
tecnologia, a redução dos salários e a aceleração do ritmo dade das classes dominadas em áreas sem conseqüências
de trabalho, até os movimentos pela limitação da jornada econômicas, como o lumpenproletariado e desempregados
de trabalho, melhoria das condições de trabalho, aumentos crônicos; possibilita controle social mais geral, pela infil-

82 83
A Criminologia &,dical
------------------------ ------------- A Criminologia &idical e ti Política do COl/lroll'Soá(/I

tração em grupos, a organização da delação, a constituição


disciplinares da "sociedade panótica" - e não nas margens
de uma massa-de-manobra do poder, a policia clandestina
extel;ores da sociedade, que marca o criminoso como "[ora-
etc.; finalmente, atua como centro controlador, porque a
da-lei". Nas "cidades carcerárias" do capitalismo moderno,
delinqüência é, ao mesmo tempo, '!feito do sistema e instru-
a prisão é o dispositivo central da estratégia do poder social,
mento de controle social.-a policia fornece infratores, a prisão
enquanto a rede de controles do arquipélago carcerário
reproduz a delinqüência e a massa criminalizada (objeto
é a forma politica do poder, cujas relações de saber são
de controle) atua como instrumento auxiliar de controle
social (Foucault, 1975, p. 244-77). constituídas para dominar (ou "docificar") e explorar (ou
"utilizar") a força de trabalho (o "corpo") nos processos
O objetivo real mais geral do sistema de justiça
produtivos do capitalismo (Foucault, 1975, p. 257-65).
criminal - além da aparência ideológica e da consciência
honesta de seus agentes - é a moralização da classe traba- Finalmente, o idealismo de Foucault aparece na ques-
lhadora, através da inculcação de uma "legalidade de base": tão das alternativas de restrição, modificação ou abolição
o aprendizado das regras da propriedade, a disciplina no da prisão - e por extensão, do controle social centrado
trabalho produtivo, a estabilidade no emprego, na família na prisão: indiferente à natureza punitiva ou corretiva da
etc. A utilidade complementar da constituição de uma prisão, ou ao exercício do controle por juízes, psiquiatras
"criminalidade de repressão", localizada nas camadas opri~ ou administradores, limita-se a constatar a necessidade de
midas da sociedade e objeto de reprodução ins~tucional, "constituir algo diferente", sem indicar uma estratégia ou
é camuflar a criminalidade dos opressores, de abuso do táticas de luta viáveis, apesar de reconhecer que a politica
poder politico e econômico, com a tolerância das leis, a do poder é decidida no "ronco surdo da batalha" (Foucault,
indulgência dos tribunais e a discrição da imprensa (Foucault, 1975, p. 268-69).
1975, p. 251-53).
A Criminologia Radical deve incorporar as signi-
A "rede de instituições carcerárias" da sociedade ficativas contribuições de Foucault sobre a ideologia do
moderna forma, na representação de Foucault, um 'arqui- controle social e completar seu quadro científico com as
pélago carcerário", com seus profissionais do controle _ os
teorias materialistas sobre a forma legal do controle social
"ortopedistas do indivíduo" -, que recruta o delinqüente
nas sociedades capitalistas, concluindo com um programa
dos setores marginalizados da sociedade e o incorpora nos
de politica criminal alternativa.
processos de criminogênese institucional: a fabricação do "

criminoso ocorre dentro da lei, em instituições de menores,


cadeias, prisões e colônias penitenciárias, por inserções mais
rigorosas, vigilânciasmais insistentes e acúmulo de coerções

84
85
v. A CRIMINOLOGIA RADICAL
E A FORMA LEGAL DO

CONTROLE SOCIAL

A distinção entre objetivos ideológicos e objetivos reais
do sistema punitivo é aquisição da teoria radical anterior
sobre Direito e crime: em 1924, Pasukanis define a ideologia
penal da "proteção da sociedade" como "alegoria jurídica"
que, na verdade, significa proteção das condições funda-
mentais da "sociedade de produtores de mercadorias". A
"alegoria jurídica" da proteção geral corresponde aos oijeti-
vos ideológicos do aparelho punitivo, que escondem os objetivos
reais de proteção de privilégios fundados na propriedade
privada dos meios de produção, de luta contra as classes
exploradas e oprimidas - os assalariados, na sociedade ca-
pitalista -, de garantia do dorrúnio de classe pela repressão
política legitimada sob a aparência de "correção pessoal"
(pasukanis, 1972, p. 185 e ss.).
A definição da pena como "forma salário" da priva-
ção de liberdade, baseada no "valor de troca" do tempo,
formulada por Foucault - e, antes dele, por Rusche e Kir-
chheimer -, aparece ainda mais claramente em Pasukanis,
ao indicar a "medida de tempo" como critério comum para
determinar o valor do trabalho na economia e a privação de
liberdade no Direito (1972, p. 202). A forma de equivalente

87
A CrillJil7%oic, rZ£ldica/
•..'-) --- --- ----- ----------- -----~--------- -- --- A CrillJil7o/(~gia &,diccrl f a Forma Lt;ga/ do CrJl7!ro/c Soti,,/

penal, ou seja, da pena como retribuição proporcional do Mas as contribuições mais significativas de Pasukanis
crime, está ligada ao critério geral de medida do valor da
sobre a ideologia do controle social estão na área da teoria
mercadoria, determinado pela quantidade de trabalho social
geral do Direito: define categorias e linhas de pesquisa que
necessário para sua produção: o "tempo médio" de dispên-
absorvem, atualmente, o mais criativo esforço de teóricos
dio de energia produtiva (Marx, 1971, p. 79 e ss.). Esse cri-
radicais para construir uma teoria materialista do Direito. Nes-
tério geral de medida, adequado objetivamente às relações
te ponto é útil lembrar que Marx, cuja teoria é fundamental
privadas entre proprietários de mercadorias na sociedade
para compreender a natureza de formas superestruturais
capitalista, é aplicado em outras áreas das relações sociais,
medidas como troca de mercadorias: no direito criminal, como o Direito e o Estado, não tomou as formas jurídicas
lesões de valores individuais ou sociais são medidas como e políticas como objeto específico de estudo, que aparecem
violações da propriedade (Fine, 1979, p. 45). dispersas no conjunto da obra, sem constituir uma teoria
do Direito ou do Estado. Razões históricas e metodológicas
N o trabalho de Pasukanis, essas questões são es-
contribuíram para isso: os problemas políticos do tempo
tudadas no contexto da transição histórica do "sujeito
de Marx eram abordados em forma filosófica, as institui-
zoológico" - luta pela existência protegida pela respon-
ções jurídicas e políticas do Estado explicavam-se "por si
sabilidade coletiva do gen ou da família, que responde por
atos dos membros, com a ofensa determinando a vingança mesmas", ou pelo "desenvolvimento da idéia" (Marx, 1973,
de sangue, que produz a vingança da vingança de sangue p. 28) e, por isso, a crítica à economia política, desenvol-
etc. - para o "sujeito jurídico" da reparação equivalente: vida em O Capital e outros trabalhos, colocava-se como
a troca "igual" exclui a vingança de sangue, primeiro pelo pressuposto do estudo posterior das formas jurídicas e
talião, mais tarde pela composição (reparação em dinheiro) políticas do Estado. Por exemplo, o conceito de mais-valia,
e, finalmente, pela pena proporcional ou equivalente ao descoberto na crítica à economia política, caracteriza o
crime, medida pelo tempo) o critério geral de medida do valor. capitalismo como modo deprodução de classes e fundamenta o
A origem da transição é identificada na forma mercantzi de desenvolvimento de uma ciência social sobre a divisão da
mediação das relações sociais: o fato do crime se configura sociedade em classes antagônicas, estruturadas na unida-
como modalidade de circulação social e a instituição jurídica de contraditória do modo de produção: a base matm.al (ou
da pena como ((equivalentegera!" de troca do crime - assim infra-estrutura), constituída pelo conjunto das relações de
como o dinheiro, equivalente geral de troca de mercado- produção, e a superestruttlra (cu sútema ideol~gico), constituída
rias -, proporcionável em tempo com a mesma justeza da especialmente pelas formas jurídicas e políticas do Estado,
divisibilidade da moeda (pasukanis, 1972, p. 107-39 e 183 são fundamentos gnosiológicos que permitem definir os
e ss).
conceitos de poder político, de dominação social, de exploração

88
89

A Crilllinolo.gialZLidicale " Forma L~f!,aldo Conlrole Soâül
/1. Crilllinologia &dical
_. __ .__ .~.._._-----_._._------_._---_._-------------------_ .... _.-

econômica, de opressão de classee outros, em perspectivas teórica classificadas emjó77JJalistas e sociológicas(Fine, 1979,p. 34-37).
e prática radicalmente novas (Bourjol et alii) 1978, p. 13-17; As teorias formalistas privilegiam a forma legal da norma
jurídica: definem o Direito como expressão/condição de
Lyra Filho, 1980 a, p. 13 e ss.).
\
qualquer ordem social e, portanto, a forma jurídica como
A crítica marxista do Direito, em que estão empenha-
dos teóricos radicais para elaborar uma teoria materialista da
forma jurídica de disciplina das relações sociais, é necessária
categoria supra-histórica, independente do conteúdo dessa
forma jurídica (dogmatismo). O mais autorizado repre-
sentante dessa posição é Durkbeim (1964), que concebe

para explicar, entre outras coisas: lei e punição como expressões da "consciência coletiva" da
a) por que, em certas condições históricas, a disciplina sociedade - ou pré-requisitos funcionais da ordem social:
das relações sociais reveste forma jurídica? - uma questão o Dirç:ito é idealizado como "poder público" da sociedade
básica da moderna teoria geral do Direito; e o crime representa violação da consciênciacoletiva, associada
b) por que o sistema de controle social, cuja instituição ao egoísmo e à anomia, como ausência de controle social
central é aprisão - e agentes principais são apolícia e ajustiça normativo. Ao contrário, as teorias sociológicasdirigem o foco
criminal-, esconde os oqjetivos reais de repressão política das para o conteúdo do Direito: um conceito não-contraditório
classes dominadas, sob a aparência ideológica de proteção de lei permite definir o Direito como "instrumento" da
geral, correção pessoal, prevenção e repressão de crimes? classe dominante, racionalmente ajustado à produção e
Na verdade, a "gestão diferencial" da criminalidade, que reprodução das relações sociais, em qualquer tipo de so-
promove o recorte jurídico e a repressão concreta de uma ciedade e, assim, ignorar os problemas da forma legal, em
"ilegalidade fechada, separada e útil", inculca uma "legali- um dogmatismo invertido. As teorias sociológicas sobre o
dade de base" nas classes trabalhadoras e, assim, assegura conteúdo da lei negligenciam a origem social da forma legal,
as condições materiais e político-jurídicas da sociedade os limites formais ao desenvolvimento do conteúdo e a lei
capitalista, permitindo ou tolerando a criminalidade eco- como forma concreta e historicamente específica de poder
nômica e política das classes dominantes. político: na base dessas teorias encontra-se a mesma atitude
conservadora, que idealiza a lei como forma supra-histórica
Esse é o terreno de edificação da Criminologia Ra-
e "fetichizada" do Direito, simultaneamente instrumento de
dical: o presente trabalho se dirige para essas questões,


dominação e conteúdo do poder, independente do tipo de
com O propósito de indicar as bases e as linhas gerais da
Criminologia Radical, sem pretender resolver ou esgotar a dominação e daforma do poder.
problemática implicada no tema. Por outro lado, do ponto de vista da relação entre
Assim, em um esquema sumário sobre a relação forma jurídica e estrutura social é possível distinguir as teorias
formal conteúdo do Direito, as teorias jurídicas podem ser da autonomia (absoluta e relativa) e da dependência da forma

91
90
A C,ilJlinoloJzja &,diCClI
••••••••••• _'_._, •• ,-~,-_._---- w. ••• ••• ._._. __ • __ ., ••••• ,-----.-- ••••••• _.H ,.._ __ . . A C,ilJJino!ozia &,dical e {/ Forma 42,al do COI7/role Social
-- ._---- ... _-------------~---_ .. _-----_._ .. _-----~.._-----------------~. --.-

legal (picciotto, 1979, 166-70). As teorias da autonomia abso-


classe sobre outra: as classes economicamente dominantes
luta da forma jurídica se fundamentam na separação entre a
utilizam o poder concentrado dos aparelhos coercitivos do
ordem jurídico-política da igualdade e da liberdade, por um
Estado (polícia, prisão e forças armadas) para garantir a
lado, e a estrutura econômica da sociedade, por outro, como
dominação política e a exploração econômica das classes
ocorre com a Sociologia do Direito, que separa relações
dominadas e, portanto, para controlar os antagonismos de
sociais (ordem jurídico-política) e relações de produção
classe nos limites da ordem social burguesa (Lênin, 1975,
(relação homens/ natureza, através da tecnologia), como faz
p.300-5).
R. M. Unger (1976), por exemplo. As teorias da autonomia
relativa da forma jurídica concebem as relações de produção O projeto político geral que informa a teoria marxista
como simples relações técnicas, determinantes somente "em afirma a impossibilidade de sobrevivência daforma do po-
última instância" da forma jurídica: as relarões de distribuição der burguês, expressa no sistema legal e nos aparelhos do
constituem e reproduzem a sociedade civil (esfera entre o Estado, no período histórico de construção do socialismo,
"econômico" e o "Estado") e as relações legais, abstração caracterizado por um conteúdo expressivo do poder prole-
externa às relações de produção - segundo a teoria regional tário - como a experiência da Comuna de Paris indicara
do Estado do marxismo estruturalista de Poulantzas (1978). e a história posterior parece confirmar. Por essa razão, a
Enfim, a teoria da dependência da forma legal define a lei revolução socialista coloca como objetivos imediatos des-
como "instrumento de classe" (ligada, em geral, à origem truir os aparelhos de poder burocrático-militare parlamentar do
social do legislador, do juiz etc.) ou como "mera máscara" Estado burguês (Marx, "Carta a Kugelman" de 12.04.1871)
do poder de classe: ignora as contradições da forma legal e socializar os meios de produção, centralizados no Estado
como fenômeno social capaz de portar conteúdos con- do proletariado organizado, em seu primeiro ato como
trátios aos interesses das classes dominantes - e, assim, representante de toda a sociedade e último ato como po-
exclui táticas políticas centradas na questão legal, além der independente dela (Marx, 1977; Engels, 1974; Lênin,
de confundir formas distintas do poder burguês, como a 1975). Os oijetivos mediatos da segunda fase da revolução
democracia liberal e o fascismo. socialista seriam a superação do Estado político e da de-
mocracia formal da burguesia, pelo desenvolvimento da
N a teoria de Marx e Engels, a perspectiva da revo-
sociedade comunista, caracterizada pela plena expansão
lução soci~listadefine a questão do poder político e legalcomo
das forças produtivas, o desaparecimento da divisão social
uma questão de mudança da forma e do conteúdo do poder
do trabalho (convertido em primeira necessidade vital - e
social. O Estado, produto do antagonismo irreconciliável de
não um simples meio de vida) e a criação de um direito
classes, representa uma força especial de repressão, ou a or-
novo, regido pelo princípio jurídico "de cada um segundo
ganização sistemática da violência, para a opressão de uma
sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades",
92
93
A CriJJ?il1olo,~úlF\.adtml A Crtmttlolo,gta 10f{/ir{{1 e (./Forma Legal do Controle Social

romperia os estreitos limites da.igualdade jurídica burguesa não é "mera máscara" ou "ilusão ideológica", mas produto e
(Marx, 1975, p. 277-43; Lênin, 1975, p. 372). A superação disciplina das relações sociais, o que significa que a extinção
da JOrma do poder burguês ocorreria em um processo de das formas jurídicas e políticas superestruturais pressupõe
transição de uma forma de 'poder alienado da sociedade para o desaparecimento das relações objetivas da produção
uma forma de poder exercido diretamente pelo povo - ou de mercadorias, origem e produto da forma legal. Mas a
seja, de um poder baseado em burocratas, forças armadas, forma jurídica de disciplina social do capitalismo - uma
polícia profissional, judiciário independente e debates sociedade fundada na troca geral de mercadorias, em que
parlamentares da democracia liberal para um poder no aJOrça de trabalho, como mercadoria fundamental, somen-
qual o povo (armado) é o poder repressivo geral, todos os te é trocada sob condição de produzir mais-valia, ou seja,
funcionários são eleitos, demissíveis a qualquer momento e valor superior ao seu preço de mercado - não é idêntica à
com salário igual ao dos trabalhadores da produção material forma jurídica de disciplina social do socialismo, em que as
(Fine, 1979, p. 37-38). únicàs mercadorias trocadas são trabalho e meios de consumo,
sem acréscimo ou decréscimo de mais-valia (Fine, 1979, p.
.', Na análise da relação entre conteúdo eforma do Direi-
.',
39-40 e 44) .
to (1975, p. 232 e ss.), Marx demonstra que o conteúdo do
Direito é desigual (como todo direito), porque Direito igual A base social o!?jetivado Direito é o fundamento his-
supõe homens iguais, mas em face de homens desiguai~ somente tórico das lutas políticas da classe trabalhadora, que o toma
um Direito desigual seria Direito iguaL' a forma igual significa, como objeto de reivindicações específicas sobre duração,
de fato, direito desigual para trabalho (duração e intensida- intensidade e remuneração do trabalho, defesa de direitos
de) e homens (capacidades e necessidades) desiguais, que adquiridos (reunião, associação, liberdade de imprensa etc.),
somente podem ser iguais com um direito desigual. A forma garantias legais constitucionais, processuais ou outras. O
igual do Direito nas sociedades de produção de mercado- método adequado de estudo do fenômeno jurídico deve
rias é inseparável de seu conteúdo desigual.- regula relações compreender aforma legal - do mesmo modo que a forma
entre stijeitos desiguais. Essa é a forma de sobrevivência do "mercadoria" - como "relação social objetiva", esclarecen-
Direito na fase de transição socialista, em que a distribuição do de que modo a norma (forma legal) se realiza na vida
se fundamenta (ainda) no princípio de troca da produção de social (conteúdo da lei). Desse ponto de vista, os funda-
mercadorias: cada indivíduo recebe o equivalente do que mentos objetivos do Direito como disciplina das relações
produz, menos os custos de reprodução. sociais são esclarecidos pela análise da origem histórica da
forma jurídica.
A explicação da forma igual do Direito pela produção
de mercadorias indica que a forma jurídica possui uma base Definindo os conceitos fundamentais da teoria do
social objetiva, como medida geral da troca de equivalentes: Direito em categorias como relação jurídica, norma jurí-

94 95
A Crillli17%,giaRLldira/
A Criminologia Radica/ c a Forma L(!!,a/ do Contro/e Socia/
-_._-_._--_ .._---,-~--_.~-_.... _-_ ...._.~ .._-,._--------_ .... _-----._---_ ..._-- '-"--

dica e sujeito jurídico, os mais abstratos (independência de


legal) como "medida de proporção" da troca nas relações
conteúdos concretos) e os mais simples (aplicáveis a todo o
jurídicas entre sujeitos/proprietários, o conjunto de nor-
Direito), Pasukanis (1972, p. 25 e ss.) destaca a relaçãojurídica
mas do Direito é a medida geral de circulação social, que
como a "célula do tecido jurídico" - ao contrário da teoria
realiza a comunicação entre sujeitos jurídicos "dissociados":
jurídica tradicional que rupo.stasia a norma jurídica, definindo
a unidade dos momentos jurídico e econômico existe
o Direito como "conjunto de normas" válidas. Admitindo
como "comunicação" econômica (troca de mercadorias)
que as normas jurídicas valem pelo significado concreto de
e jurídica (relação contratual) simultânea (pasukanis, 1972,
disciplina das relações sociais, conclui que a teoria jurídica p. 141-62).
deveria privilegiar a "eficácia prática" do Direito: as rela-
çõesjurídicas ligam stljeitos de direito, existentes como átomos O sujeito jurídico - e não a relação jurídica ou a
isolados, realizando normas jurídicas como medidas de troca ou norma jurídica - é a categoria explicativa da forma jurídica
equação de relações (pasukanis, 1972, p. 75 e ss.). A eficácia do como disciplina das relações sociais: a explicação da forma _
Direito aparece como "cadeia de relações jurídica's" entre jurídica vincula-se às condições rustóricas de aparecimento
sujeitos isolados, formando um "encadeamento de preten- do sujeito jurídico como "proprietário de mercadorias",
ou seja, as condições de formação da sociedade capitalista.

• sões recíprocas" representadas em mercadorias, trocadas


na proporção ou medida da norma jurídica, na "unidade
do momento jurídico-econômico" (Bourjol et alii) 1978,
Nessa formação social, a forma su!?jetiva do Direito, con-
sistente na apropriação privada de mercadorias, outrora
dependente do poder "pessoal" de proteção dos bens; é
p. 13-17).
garantida pela forma o!?jetivado Direito, definida pela ordem
Se o Direito - assim como o capital - deve ser jurídica do Estado, o poder da organização social de classe
compreendido como relação social, a questão consiste em que substituiu a violência pessoal do sujeito "zoológico": a
descobrir por que, nas condições históricas da sociedade proteção jurídica da apropriação privada de mercadorias é
capitalista, as relações sociais assumem forma jurídica, explicada pela necessidade de circulação social, que trans-
ocorrendo a circulação (troca) de mercadorias (coisas) entre forma o sujeito zoológico em sujeito jurídico e substitui
proprietários (sujeitos) em determinada medida (norma) o indivíduo armado pelos tribunais, na luta (litígio) pela
(pasukanis, 1972, p. 59-74). Como as relações sociais, para apropriação (pasukanis, 1972, p. 107-39).
serem relaçõesjuridicas, devem ser relações entre proprietá-
Mas a categoria stg'eitojurídico) base da forma jurídica,
rios de mercadorias trocadas na medida da norma, o St!J'eito
não é compreensível independente daforma mercadoria) que
jurídico seria a base explicativa daformajurídica, e o Direito,
explica não só o-sujeito jurídico como propn"e!án-o de merca-
como disciplina das relações sociais, seria a medida geral
dorias, mas a forma jurídica como medida de troca e a relação
de circulação social. Considerando a norma jurídica (forma
jurídica como cadeia de stg'eitos com pretensões materiais, ou
96
97
A CtilJJinolo~~ia&/{Iical A Criminologia Iv/{Iiwl e a Forma Lçgal do Controle Soúal

relação social objetiva. 1\ forma mercadoria, valor de uso diadas e reproduzidas por relações legais, ou por relações
com "valor de troca" medido pelo tempo (a quantidade de de circulação (Bourjol et alii, 1978, p. 21-29).
trabalho social necessário para sua produção) realiza, no As relações de circulação social - ou seja, relações
mercado social, a comunid.ção entre sujeitos proprietários legais -, como mediação da troca de equivalentes, não são
iguais (mesma medida de troca) e livres (podem dispor de "explicáveis por si mesmas", mas pelas relações de produ-
sua propriedade): a troca equivalente é o critério de "medida" ção, em que o capital produz mercadorias (valores de uso
provido pela norma jurídica, enquanto a forma sujeito jurí- dotados de valor de troca) e se reproduz de forma ampliada
dico é a categoria intermediária entre a forma mercadoria pela apropriação de mais-valia, consumindo a força de tra-
e a forma jurídica. Todavia, a base histórica explicativa da balho, que produz a mais-valia como excedente salarial. O
forma jurídica só aparece quando o SI !Jeitojurídico se funde modo de produção da vida material, unidade contraditória
com aforma mercadon.a - a categoria elementar da socieda- deforças produtivas- constituídas de sujeitos e de tecnologia
de capitalista -, constituindo a força de trabalho da relação - e de relaçõesdeprodução entre as classes sociais,é a categoria
capital/ trabalho assalariado: consumida por seu valor de troca histÓ'ricaexplicativa geral que permite compreender como
(salário)nos processos capitalistas de produção de mais-valia, a forma jurídica das relações de circulação, ao ligar sujeitos
aforça de trabalho determina o valor de todas as mercadorias livres e mercadorias iguais, escamoteia as relações de clas-
e funciona como medida social geral de valor. ses na forma "sujeito" e oculta a exploração de classe e a
No âmbito da teoria do Direito, a contribuição de Pa- desigualdade social na forma "livre" e "igual" do contrato
(Bourjol et alii, 1978, p. 21-29).
sukanis foi definir a categoria stijeitojurídico como fundamen-
to daforma jurídica e relacionar Direito e circulação. A teoria A acumulação do capital ocorre no processo de pro-
marxista posterior retoma a categoria sujeito jurídico, mas dução, estruturado pelas relações de produção, mas sob a
desloca a explicação do Direito das relações de circulação mediação do Direito, como lei do modo deprodução, que coloca
- que são as relações sociais sob forma de relações jurídicas o trabalhador "livre" na esfera de circulação (mercado),
- para as relações de produção, que constituem o Direito e onde ocorre a troca de "equivalentes", ou seja, de salário
se reproduzem pelo Direito - e pela circulação (Fine, 1979, por força de trabalho, entre sujeitos livres e iguais.O Direito
p. 42 e ss.). O Direito, como "medida jurídica" da circulação - ou a circulação - é intermediário necessário da produção
social, é o reverso da relação de troca, ou a forma social capitalista, no qual nada ocorre, mas pelo qual tudo ocorre:
da circulação de mercadorias, na unidade dos momentos a ideologia jurídica da proteção geral de sujeitos livres e iguais,
econômico e jurídico das relações sociais objetivas: Direito vigente na esfera do Direito-circulação-mercado, oculta a
e circulação constituem fenômenos idênticos, explicáveis desigualdade das relações coletivas de produção (relações de
pelos mesmos vínculos com as relações de produção - rne- classes), a coação das relações econômicas sobre o trabalha-

98 99
1---
A Cn"Jillologia Rodical
--~------ -----------._------ --- - - - - -------~--~ A Crillli17olo,~iaRodical e {f Forma Lr;!j,a/do Controle Social

dor e a explorarão do trabalho pela apropriação de mais-valia,


de emprego é o contra/o de trabalho (relações de circulação),
como trabaU10não-remunerado. Essa relação entre apare"ncia
explicando a natureza da relação de emprego (conteúdo e
(liberdade e igualdade da esfera do Direito-circulação) e
forma) pelas condições materiais da vida social (capitalismo)
realidade (coação e exploração das relações de produção)
e pela lei (formalização de uma ordem social de dominação).
explica as funções de mistificação (ou de representação
O método marxista, como indica Pasukanis, "considera as
ilusória) e de reprodução das relações sociais realizada pela
formas da vida social (e as condições materiais produtoras
ideologia: a aparência de igualdade e de liberdade do Direi-
das categorias formais) como produtos históricos" - por
to-circulação reproduz a realidade da coação e exploração
exemplo, o Direito como a forma social do capitalismo, so-
das relações de produção, que produzem aquela aparência
(Bourjol et ali~ 1978, p. 28). ciedade de produção de mercadorias. Desse ponto de vista,
as formas da vida humana são explicadas por sua natureza
O Direito, em forma legal e centralizada, realiza o de classe: a troca de mercadorias (mediação das relações
processo ideológico de reprodução das relações de produ- sociais) oculta uma relação de classes (fetichismo da mer-
ção e de mistificação das relações sociais, porque rede fine as :-:
cadoria); o lucro legal esconde a apropriação de produto '.
relações políticas, legitima o poder de classe e promove a excedente (trabalho não remunerado); a igualdade de troca
união abstrata de contradições sociais concretas (Bourjol e a liberdade de contrato existem como "modalidade feti-
et ali~ p. 17-21). Assim, a mediação do Direito-circulação chizadas" (aparência) da produção de mais-valia (realidade)
no processo total do capital existe como "ação de recobri- (picciotto, 1979, p. 168-70). A base dessa fetichização da
mento", impondo as relações de produção e disciplinando a realidade (aparência ilusória) é a separação entre as relações
sua reprodução: o Direito, como lei do modo de produção, de produção (estrutura econômica) e as formas jurídicas
reproduz as condições de produção pela imposição das
e políticas da formação social (superestrutura ideológica),
relações de produção e do tipo de dominação política - a
autonomizando o Direito e o Estado, como fazem as
democracia liberal- necessária à reprodução dessas relações teorias idealistas.
(Bourjol et aliz~ 1978, p. 30-32).
A origem histórica das formas jurídicas e políticas
Observando o método de Marx, que liga a análise
do Estado moderno situa-se no período da "acumulação
da forma mercadoria e da fórmula geral do capital (D-
primitiva" do capital mercantil (exploração não-capitalis-
M-D) aos seus conteúdos, ou seja, à força de trabalho e à
ta), com as relações sociais ainda dominadas pela coação
produção / reprodução do capital, Picciotto (1979, p. 170)
direta, privilégios e extorsão: o Estado é constituído como
descobre na relação de emprego um "microcosmo" das rela-
proteção da mediação entre produtor e consumidor, e a
ções sociais: o conteúdo da relação de emprego é o trabalho
forma jurídica funciona como medida das relações sociais,
assalan'ado (relações de produção), mas a forma da relação
ligada à transformação do sujeito econômico em sujeito
100
101
A Criminolo,gic, Rc,c/ica! e a ForlJ/tI L(~l!,aldo Controle S ocitll
A CrilJlinologia &,dicül

legal, portador de direitos e deveres (Holloway & Picciot- nação), com o objetivo de produzir mais-t'alia re/atit'a - ou
to, 1977). O desenvolvimento da forma jurídica ocorre no seja, maior produtividade pelo emprego de técnicas mais
contexto de lutas históricas progressivas e democratizantes: sofisticadas -, passando pelos períodos da manufatura, do
afinal, o Direito encapsulad6 na forma burguesa é melhor advento da máquina e da formação do proletariado indus-
que nenhum direito, assim como a delimitação pessoal da trial (trabalhador abstrato), Richard K.insey(1979, p. 46-54)
responsabilidade penal é superior à punição arbitrária. De reconstitui o despotismo da fábrica, descrito por Marx, para
demonstrar o despotismo da lega/idade do capitalismo mono-
fato, o Direito não é "mera ilusão" na sociedade capitalista,
polista, com sua "administração científica" do homem.
mas a forma em que as relações sociais são realmente repro-
duzidas: assim, o sujeito jurídico é o indivíduo portador de Na manufatura o trabalho especializado do artesão
direitos e deveres, pessoalmente responsável pela conduta, impõe limitações ao poder do capital: normalmente, não
em processo regido pelo contraditório e pela ampla defesa pode ser substituído; mas na indústria a máquina introduz
do modelo acusatório, como forma superior ao procedi- uma mudança qualitativa: produz o trabalhador abstrato
mento inquisitorial etc. (picciotto, 1979, p. 172-73). - o trabalhador per mutável, à disposição no mercado -,
determina o nível de intensidade do trabalho e reduz a ne-
A superioridade do capitalismo em relação às formas cessidade de mão-de-obra. O despotismo dafábrica determina
de disciplina social anteriores reside no primado do direito a criação da "massa de trabalhadores", a constituição do
abstrato, com sujeitos legais e processo judicial formal; mas trabalho abstrato, a transformação da força de trabalho em
a substância do liberalismo político que informa a ideologia mercadoria (trocada por seu preço de mercado) e a substi-
jurídica - a aparência de "liberdade" e de "igualdade" - deve tuição da coaçãofísica (ainda necessária na manufatura) pela
ser examinada no contexto da relação capital! trabalho fome como instrumento de controle, que pacifica o animal
assalariado: a troca de equivalentes (salário por força de mais feroz, ensina hábitos de decência, civilidade e obedi-
trabalho) na esfera de circulação exclui a coação física na ência, exercendo a pressão' mais silenciosa e mais eficaz.
esfera de produção, substituída pela "coação das relações Em poucas palavras, o controle do trabalho é produzido
econômicas". Assim, as relações de produção condicionam pela lei, que garante a propriedade, generaliza o contrato de
as relações de circulação, sob a forma do Direito "livre" e trabalho e disciplina o mercado, onde circula o trabalhador
"igual", produzindo, de modo crescente, desigualdades e abstrato, esse sujeito "livre" e "igual" da sociedade capita-
cr:ses sociais (picciotto, 1979, p. 173-74). lista (Kinsey, 1979, p. 54-57).

Em um esquema que compreende o processo de pro- No capitalismo monopolista, caracterizado pela alta
dução capitalista nas dimensões de organização do trabalho composição orgânica do capital, a ênfase é sobre produtividade,
(coordenação) e de controle da classe trabalhadora (subordi- desenvolvendo a tecnologia (capital constante) e multipli-

103
102
~ __9_ri_m_,'no_!o_~1_'a
!!:.adi_ca/____ . _

cando a eficiência do trabalhador (capital variável). O pro-


trabalha sozinha, necessitando do "homem certo para o
blema específico de controle do capitalismo monopolista
trabalho certo", capaz de realizar a "maior produtividade"
consiste em produzirmecarusmos de "autocontrole" no
com o "maior prazer" (Kinsey, 1979, p. 58-60).
trabalhador, capazes de transformar o processo de trabalho
em um sistema "auto-regulado" e de dotar o "trabalhador A queda tendencial da taxa de lucros nas economias
coletivo" do mesmo automatismo da máquina. O contrato industrializadas (a partir de 1890), com a elevação da com-
de trabalho, a forma legal dominante na ordem capitalista, posição orgânica e a concentração do capital - e o fenô-
que regula as condições de compra e venda e as modalidades meno conseqüente da socialização do trabalho -, forçou a
de aplicação da força de trabalho, é o instrumento dessa reestruturação do Estado, de liberal para intervencionista, com
transformação: seus pressupostos são a liberdade contratual o objetivo de restabelecer o "equilibrio" do mercado e reto-
e a igualdade formal entre capital e trabalho assalariado. Esse mar o ritmo de valorização do capital. Essa transformação
fenômeno, definido como "despotismo da legalidade" por do aparelho estatal inflacionou a ordem legal com leú de
Kinsey, é marcado pelas seguintes situações: a) remoção da emer;gênciae seus complementos burocráticos - o fenômeno
aparência de coerção do trabalhador, substituída pela ade- descrito como mudança da generalidade para especificidade das
são querida, o "comprometimento voluntário", o trabalho regras jurídicas -, especialmente pela "instrumentalização
"como direito" do trabalhador; b) administração científica política" do Direito em "planos de desenvolvimento" e
do homem, com detalhamento do tempo e do movimento, estratégias de "segurança nacional". A posição do Estado,
para formação do "gorila treinado", dócil e eficiente, mo- árbitro "imparcial e autônomo", subordinado aos represen-
vido pelo sistema de "estímulo-recompensa" da psicologia tantes do povo e ao Judiciário, no capitalismo liberal, trans-
behaviorista; c) o trabalhador como força de trabalho à forma-se na era do capitalismo monopolista: o Executivo
disposição integral do capital, no mercado e na fábrica, em subordinado aos monopólios, o Legislativo submetido ao
pensamentos e desejos, capaz de "produzir 47 toneladas Executivo e a crise nas "funções ideológicas" do Direito,
de aço por dia... e sentir-se feliz!" - como pretendia F.W com a abolição da separação dos poderes e a descrença no
Taylor (Kinsey, 1979, p. 58-59). "poder do Direito" como disciplina social (Bourjol et ali~
A condição primária desse desenvolvimento _ e 1978, p. 61-65). O desequilíbrio da economia do poder e
do capitalismo como modo de produção de classes _ é a a ineficácia da "tecnologia" do controle social explicam a
separação trabalhador/meios de produção, a base da liberdade psicose social da "violência criminal": o aumento da re-
de disposição da força de trabalho pelo capitalista e do seu pressão e das restrições à lib(!rdade, o reforço da ideologia
emprego para expandir o capital. Não obstante, subsiste o de "lei e ordem'-', a ampliação do poder de polícia, o maior
problema da subjetividade: a máquina mais sofisticada não rigor do judiciário etc. - especialmente úteis nos períodos
de crise econômica, com crescimento das desigualdades
104
105
.-
A Crimino!o,g,ia fu,diceJ! e a Forma Lega! do Controle SOrlal
."q CrimilJo!o.'Sia Radica! --- ..-- -_._-_.- .._---_._ .._----_ ..- .~.- .•_.
., .. _-.-_._--_.-._._._-_ - ..---------- -----_
,-_. __ .~.-, _--"'" .

no âmbito das classes e camadas sociais subalternas, a ex-


sociais, e de crise política, com aurnento de reivindicacões
pansão da organização política e do papel econômico da
operárias, de greves etc. (Bourjol, et a/ii, 1978, p. 63; Ci:ino,
classe trabalhadora, por um lado, e a formação crescente de
1980, p. 38-52).
contingentes de força de trabalho excedente, em situação
Neste ponto é importante dizer o seguinte: a con- de marginalização econômica, política e social, por outro;
cepção do Direito como fenômeno verdadeiramente "tra- no âmbito das classes e grupos sociais hegemônicos, a con-
balhado" pela luta de classes - e não "mero instrumento" centração crescente do poder econômico e político, com a
das classes dominantes, ou "reflexo" das relações econô- adoção paranóica de métodos tecnocráticos e repressivos
micas, ou "simples máscara" do poder classista -, com de controle social, capazes de prevenir temporariamente
funções essenciais de instituição, de mediação e de reprodução mudanças sociais democratizadoras - ou seja, de conter
das relações sociais de produção, em que realiza um papel o desenvolvimento das forças produtivas no âmbito das
ideológico aparente relacionado às questões da "neutrali- relações de produção dominantes -, mas incapazes de evi-
dade", da "proteção geral", da "igualdade legal" etc., e um tar a "onda de crimes" e de agitação social características
papel prático complexo de legitimação da exploração, de das fases de transformações revolucionárias da sociedade,
garantia da propriedade privada dos meios de produção e definidas erroneamente como épocas de "crise do Direito"
do produto do trabalho social etc., indica que a "crise" do
(Bourjol, ~978, p. 48-50).
capitalismo monopolista pode estar relacionada às funções
tradicionais do Direito e do Estado, mas não é determinada A Criminologia Radical trabalha com a hipótese de
pelos sistemas jurídicos e políticos formalizados. que a crise do Direito é determinada pela crise do capitalis-
mo como modo de produção de classes sociaisantagônicas:
Na verdade, são as contradições da estrutura econô-
as contradições internas do modo de produção rompem
mica das relações de produção e de circulação da riqueza
os limites das formas ideológicas da vida social, de modo
material que explicam as contradições da superestrutura
que o Direito esgota a capacidade de "fragmentação" da
jurídica e política do Estado, manifestadas na separação
solidariedade da classe trabalhadora e o Estado exaure o
dos oljetivos ideológicos (difusão de representações ilusórias
potencial de domínio político pelos aparelhos tradicionais
da realidade) e dos oljetivos práticos do Direito (instituição e
de controle social. Nessa fase, a estratégia das classes tra-
reprodução das relações sociais de produção): a proteção
balhadoras e dos grupos sociais subalternos consiste em
do trabalhador pela legislaçãotrabalhista representa limitacão
mobilizar lutas dentro da lei, em torno da lei e, mesmo, a des-
da exploração da força de trabalho (objetivo declarad~),
peito da lei (picciotto, 1979, p. 172-77) e, nessas condições,
mas, primariamente, constitui legitimação da expropriação/
a questão dasformas depoder que mediatizam o domínio do
apropriação capitalista de mais-valia (objetivo oculto). Não
capital assume a maior relevância: para as classes trabalha-
é difícil identificar os componentes concretos da crise:
107
106
~_~~~~~~~,!!~~:'::
f?L,dic~ . . _
A Crilllil7o/({~icl 1Z£ldim/ e {/ Forlll" Lr:I!,"/ do COII/ro/e Sori,,/
--- ---- -- - ~--- --- ------- - - ~-- --- -

doras e grupos sociais suba:lternos são muito diferentes as


Finalmente, a teoria radical do Direito admite gue a
condições da "democracia liberal" (garantia das liberdades
democráticas), do "bonapartismo" (destruição da legali- ruptura das relações de produção capitalistas, um fenôme-
dade, hipertrofia do executivo, parlamento desnaturado e no de luta de classes liberador de elementos já existentes
judiciário dependente) e do "fascismo" (governo da [orça na sociedade, é condição necessária, mas insuficiente para
bruta e do terror policial do capital monopolista). superar as formas legais do controle social: a sobrevivência

As mudanças de conteúdo e de forma do poder na da forma jurídica no socialismo vincula-se à subsistência


sociedade capitalista estão ligadas ao desenvolvimento con- da produção de mercadorias e à correspondente medida de
temporâneo da luta de classes: o conteúdo exprime a relação retribuição do trabalho (eguivalente por equivalente), com
concreta entre as classes nos processos produtivos (explo- as diferenças indicadas.
ração ou superexploração do trabalho) e aforma expressa a
correlação de poder no conjunto da sociedade (liberdades
formais, repressão "legalizada" ou ditadura terrorista).
A democracia liberai é condição necessária para o
projeto político das classes trabalhadoras integradas ou
excluídas do mercado de trabalho (garantia de organização
autônoma, de direitos políticos etc.), ao contrário da bur-
guesia monopolista, nacional e transnacional, para a qual
a democracia parece "supérflua" e, às vezes, francamente
incômoda (Young, 1979, p. 26 s.). Como se vê, é funda-
mental distinguir a regulação das relações sociais pela [orça
bruta (fascismo), por aparelhos burocrático-administrativos
(bonapartismo) ou por poderes independentes (democracia
liberal) - e qualquer negligência nessas questões desarma
os setores populares e democráticos diante do fascismo,
excluindo a tática da "frente popular", a forma histórica
de luta política contra a consolidação da ditadura terroris-
ta dos setores mais reacionários e retrógrados do capital
financeiro internacional (Fine, 1979, p. 32 e ss.; Dimitrov,
1978, p. 11 e ss.)

108
.109

VI. A CRIMINOLOGIA RADICAL
E ALTERNATIVAS DO
CONTROLE SOCIAL

A Criminologia Radical define as instituições de


controle social como instituições acessórias da formação so-
cial, situadas na esfera de circulação, o "éden dos direitos
humanos, da liberdade, da igualdade, da propriedade e de
Bentham" (Marx, 1972, p. 196). A instituição principal da
formação social está na esfera de produção: afábrica, onde
o trabalho se subordina à valorização do capital e a troca
de equivalentes se transforma em exploração de classe,
com o capitalista trocando dinheiro por trabalho vivo, e o
trabalhador, força de trabalho por salário. Na fábrica, a lei
da apropriação privada se transforma no seu oposto: sua
forma é a constante compra e venda da força de trabalho
(contrato); seu conteúdo é a constante apropriação de mais-
valia (exploração) (Marx, 1972, 196-97; Fine, 1979, p. 41 e ss.)..
Este é o ponto de incidência do controle social, a origem e o
centro de convergência da disciplina jurídica, o oijetivo real dos
mecanismos de dominação e a base concretado poder político,
na moderna sociedade capi~alista.
A contradição entre liberdade política (esfera de circu-
lação) e escravidão social (esfera de produção) é controlada e
reproduzida pelas instituições acessórias da formação social:

111

A CrúIJi~r:!~~I~a
Radi({~ . ..__. ._..
A CrilJlinologia Radical e Allema/ira.l do Controle Social
_------ ---..__ .__ .. _. __ ..•. -'- __ .
------_._---_ ..~---_.._-----._-_ -

a institt/irão penitenciária - principal instituição acessória


de trabalho: a dependência do salário decorre da necessida- ."
- garante a extração de mais-valia na estrutura econômica '.'
de de consumo individual, cuja constante renovação requer
e a reprodução das condições de produção capitalistas,
a constante venda da força de trabalho; a competição no
baseadas na separação trabalhador/meios de produção; as ou-
mercado de trabalho mantém o valor do salário no mínimo
tras instituições de controle social, como farnilia, escola,
indispensável para a reprodução da força de trabalho - e,
meios de comunicação etc., reproduzem a força de ~abalho
adequada às necessidades da produção. De um modo geral, portanto, no máximo possível para valorização do capital:
a custódia, a coação, a instrução etc., nas instituições de o exército de reserva - e sua pressão sobre o exército ativo
controle social, objetivam, primariamente, a formação da do trabalho, como uma barreira contra suas pretensões
massa de trabalhadores e, secundariamente, sua adequação salariais - é um aspecto essencial dessa competição (Lea,
1979, p. 78).
e disciplina como força de trabalho, com as condições de
docilidade e utilidade necessárias ao capital: essa a ligação As instituições de controle social são explicáveis
oculta entre fábrica, nas relações de produção, e prisão, como estruturas de autoridade e de disciplina da forma-
escola, farnilia etc., nas relações de circulação (MeIossi, ção social: a religião, na sociedade medieval; o mercado
1979, p. 90-92). - cujos fios invisíveis ligam o trabalhador à classe capitalista
A adequação do indivíduo à organização capitalista -, a prisão, a escola, a faml1iaetc., no capitalismo. Entre as
do trabalho requer a sua "redefinição" como trabalhador. funções das instituições acessón'as da fábrica está a "organi-
As técnicas dessa redefinição são as "táticas disciplinares" zação do consenso", aquela aparência "natural" assumida
reproduzidas pela ideologia dominante e aplicadas pelas pela ideologia na consciência do trabalhador, enquanto
instituições de controle social, produzindo e reproduzindo o reproduz como força de trabalho. A fanu1ia e a escola,
força de trabalho, o "capital variável" das relações de pro- por exemplo, bases sociais de organização do consenso,
dução (Melossi, 1979, p. 92-93). O controle social da força canalizam os "instintos conforme as necessidades sociais": .
de trabalho começa no mercado, onde a classe trabalhadora a socialização primária na farnilia e na escola está ligada à
existe como apêndice do capital, subordinada pelos "fios organização capitalista do trabalho, através da reprodução ..
,'.
invisíveis" da aparência de liberdade: a liberdade de trocar e adequação da força de trabalho, com o desenvolvimento '.

de empregador individual (aparência) é desfeita pela vincu- de habilidades, a aprendizagem de técnicas de trabalho, a
lação da força de trabalho ao conjunto da classe capitalista "constituição física da personalidade" etc., a base de refor-
(realidade). O mais importante "fio invisível" de subordina- ço posterior da socialização secundária da prisão (Melossi,
ção da classe trabalhadora é a separação trabalhador/meios de 1979, p. 93-94).
produção, base das relações de produção capitalistas, seguido
A concentração do capital (aumento do capital
pela dependência do salário e pela competição no mercado
constante e formação de monopólios) e a socialização
112
113

A Criminolo,gia RadiCClI A Cl7lJlillOloz,iaIv,dical e Alternati1Jas do Controle .social

do trabalho (generalização da dependência econôrrlÍca) outro lado, o abalo das "instituições totais" com as revoltas
produziram a "crise do controle social" do capitalismo nas prisões, o movimento da antipsiquiatria e a percepção
monopolista (Melossi, 1979, p. 94; Lea, 1979, p. 84 e ss.), (pelas massas populares) da convergência entre política
indicada por alguns fenôm~nos: na esfera de produção, a do controle social e organização capitalista do trabalho,
"racionalidade técnica" dos processos produtivos fundiu produziram efeitos de ruptura do papel tradicional da es-
a autoridade do capitalista com a tecnologia, enquanto a cola (reprodução da ideologia do controle) e estimularam
"organização científica" do trabalho subjugou instintos a coordenação do movimento de presos com as lutas das
naturais, criando hábitos de ordem e exatidão; na esfera de classes trabalhadoras (MeIossi, 1979, p. 95-99).
circulação, as decisões sobre preços, mercado, ideologia do N o quadro geral das lutas políticas e ideológicas da
consenso etc., subordinaram-se às exigências da esfera de segunda metade do século XX, a estratégia do capital pa-
produção, com a revitalização das instituições tradicionais rece definível em duas linhas principais: primeiro, defesa
de controle (prisão, polícia, família, escola, justiça etc.), a do nível de exploração do trabalho e de lucro; segundo,
criação de novos instrumentos de controle (meios de co- procura de formas "alternativas" de subordinação da classe
municação de massa, sistemas sofisticados de vigilância, trabalhadora - ou seja, de novas modalidades de controle
polícias particulares etc.) e a reconstrução da cidade como social. Em face disso, as linhas de pesquisa da Criminologia
fábrica, transformada em local de controle sob hegemonia Radical se inserem nas relações entre as esferas de produção
da fábrica (Melossi, 1979, p. 94-95). (fábrica) e de circulação (instituições de controle), com o
As transformações mais importantes do sistema objetivo de desenvolver estratégias capazes de conjugar-a
militância dos trabalhadores com outros movimentos de
punitivo no capitalismo monopolista foram as seguintes:
maSSílS(presos, estudantes, libertação da mulher etc.) e de
a) a política penal introduziu os substitutivos penais, como
coordenar a luta contra o uso capitalista do Estado e a luta
o sursis, o livramento condicional, as prisões abertas etc.
contra a organização capitalista do trabalho, incorporando e
- reduzindo a prisão mas ampliando o controle da popu-
instruindo as teses centrais dos partidos operários (Melossi,
lação criminalizada, ou seja, a redução da prisão estendeu
1979, p. 96-99).
o controle para a comunidade; b) a instituição carcerária,
enredada em contradições internas insolúveis, evoluiu para A discussão tradicional sobre alternativas à prisão
alternativas excludentes: ou aparelhoprodutivo modelado pela - normalmente, sobre custos relativos entre formas tradicio-
fábrica, com a perda do poder intimidante da pena, ou nais e novas formas de cont}:ole- proclama a necessidade
puro instrumento de terrotj abandonando a ideologia da resso- de métodos mais adequados que o encarceramento, com as
., cialização - aliás, a tendência dominante, pela exclusão do exceções costumeiras de criminosos violentos, psicopatas
..
,

tratamento compulsório (Fragoso et alii 1980, p. 37-38). Por


J
etc. A redefinição de estratégias de controle social passa

114 115
A CrinJil1o/~fl,iaRadical
. ".- - ._. - -". __ ..._- ... ~. -- ... __ ._--_."._._----------- --_.,-_.-._--------~--------_ .._--,----
A Crimil1olo,gia Radical e Allerl1a/ú'aJ rio COI1/rr;1tJocial
...----.--.- ..----.--- ..--- ..-.--. ---- ---.---- ..- ..---.-- .._. .-0_- .._ __. _' '_'.. "_ •__,...• _... _ __ o ., •

pelas medidas de descriminalização e despenalização para


se consumar em políticas de substitutivos penais, como trabalho, resultantes de aumento dos "encargos sociais" do
suspensão condicional da pena, livramento condicional, capital, da melhoria salarial, da política de pacificação da
formas não institucionalizadas de sanção penal etc., em classe trabalhadora etc., negligenciando completamente o
um movimento da prisão para a comunidade, definido na revigoramento do sistema punitivo, a partir de 1970, com
relação "desencarceramento/tratamento comunitário" sentenças mais longas, aumento da população das prisões,
(Mathews, 1979, p. 100-15). Argumentos humanitários (crí- recrudescimento das campanhas pela restauração da pena
tica científica aos inconvenientes da prisão), técnicos (uso de de morte etc. (Speiglman, 1979, p. 70.)
drogas psicoativas) e economicistas (crise fiscal) dos anos 70 A aparência liberalizante da estratégia de desinsti-
explicam o fenômeno como política do Estado de fecha- tucionalização esconde (e não por acaso) uma política de
mento de prisões, reformatórios e asilos, em um processo rifórço da prisão, legitimada como último recurso, necessária
de desinstitucionalização caracterizado pela "expulsão física para os "casos mais duros" e na qual podem ser converti-
dos internos", com a redução geral da população carcerária das todas as medidas alternativas, cuja eficácia pressupõe
por cortes orçamentários, reclassificação de detentos, des- a possibilidade e a legitimidade de sua conversibilidade
criminalização, ampliação do poder discricionário do juiz, em prisão. O controle se diversifica e se amplia, em uma
da polícia etc. (Scull, 1979) - cujo pressuposto material é gradação da forma menos rigorosa para a mais rigorosa,
a existência de uma infra-estrutura de assistência capaz de compondo o "arquipélago carcerário" de Foucault, com
permitir a implementação de programas alternativos de maior eficácia e com mais pessoas controladas. Conseqüen-
controle comunitário. temente, questões políticas como o "recorte jurídico" dos
tipos criminais, ou distorções classistas do sistema penal,
A tese de Scull, por exemplo, procura relacionar trans-
que incrimina, seletiva e desnecessariamente, indivíduos
formações do controle social com mudanças da economia
marginalizados, são deslocadas ou obscurecidas pela apa-
política, mostrando a contradição entre as funções de acu-
rência "liberal" das novas formas de controle (Mathews,
mulação do capital, com proteção da riqueza por medidas
1979, p. 112-13).
repressivas, e de legitimação do capital monopolista, pela ne-
cessidade de apoio político das classes trabalhadoras (Spei- As transformações contemporâneas da política de
glman, 1979, p. 67-68). A preocupação de desmistificar ex- controle social parecem seguir três direções básicas: a) de
plicações tradicionais do processo de desinstitucionalização e.'pansão para maior número de pessoas em relação com ou
(humanismo, progressos técnicos etc.) conduz ao exagero contidas no sistema formal d~ controle, especialmente jo-
oposto da "crise fiscal". A reversão da expansão da prisão, vens e primários; b) de aceleraçãoda "passagem" pelo sistema
na década de 60, residiria em mudanças no mercado de de controle social, com as técnicas de controle imitando as
técnicas de produção em série da indústria, processando
116

117

A CriJllino!o,gia JZL,dica!e A!lernalúlaJ do Contro!e S ocia!

rnaior quantidade de pessoas na rnesma unidade de tern- elasociedade capitalista, fundada na explicação da crimina-
po; c) de bifurcação do sistema de controle social: controle lidade pela posição social do autor: a) a criminalidade das
não-segregado de autores de crimes leves, de um lado, e classese categoriassociais subalternas, caracterizada pela violência
controle segregado mais rigoroso de autores de crimes pessoal, patrimonial e sexual, constituiria resposta individual
graves - que ocupam imediatamente as vagas daqueles -, inadequada de sujeitos em posição social desvantajosa;
com problemas adicionais de segurança e disciplina (Ma- b) a criminalidade das classes dominantes, caracterizada pela
thews, 1979, p. 107-9). fraude econômico-financeira e pela corrupção político-ad-
ministrativa, seria explicada pela articulação funcional da
A evolução da prisão, de instituição principal de controle
no capitalismo competitivo para último recursono capitalismo estrutura econômica (acumulação legal e ilegal do capital)
monopolista, assim como a transformação de suas relações com as superestruturas jurídicas e políticas do Estado, me-
com as outras instituições acessón'asda fábrica - família, escola, diante controle dos processos de incriminação legal e de
meios de comunicação de massa etc. -, completa o circuito criminalização processual (Baratta, 1978, p. 14-15; Cirino,
de integração "fábrica/sociedade", a base da nova ordem 1979, p. 29-31).
de controle social, que reforça e amplia o poder do capital A separação estrutural da criminalidade pela posição
(Melossi, 1979, p. 98). A crise geral do capitalismo, ligada de classe do autor explica a divergência programática da
às necessidades de acumulação do capital e aos problemas política penal do Estado, como estratégia das classes do-
de novas ofensivas contra a organização da classe traba- minantes, e da política criminal alternativa da Criminologia
lhadora, produziu uma ampliação do controle social, através Radical, como estratégia das classes e categorias sociais
de seu deslocamento de setores não-produtivos - a prisão, dominadas:
área de circulação - para setores produtivos - o mercado de
trabalho, área do tratamento comunitário. O movimento . a) política penal oficial, circunscrita às relações de
de deslocação da estratégia de controle, da prisão (prin- distribuição, é delimitada pelos processos de criminalização
cipal instituição acessón'a da fábrica) para a cidade (área de e de estigmatização penal, em que a definição de crimes,
reprodução da força de trabalho saudável, disciplinada e a aplicação da lei penal e a execução das penas e medidas
educada), trouxe consigo um controle mais generalizado e de segurança objetiva o controle das classes dominadas e
mais intenso, com maior vigilância e maior rigor punitivo a disciplina da força de trabalho - revigorada e ampliada
(Mathews, 1979, p. 105-15). pelas formas alternativas de controle social, como os subs-
titutivos penais;
A Criminologia Radical, erigindo sua teoria com
base no modo de produção da vida social, apresenta uma b) a política criminal radical, fundada nas relações de
alternativa democrática para o controle social no período produção, objetiva transformar a estrutura econômica e as

118 119
A Ctimil1olo,gia Radical
._ _ .. __ .....•. _._-_ ..- -_ ..- _--.-_ .. __ ._._.~_ _._----_ -._-_._~-~----------~---------
-------. __ .._---_.
A ..Crilllinolo,gia
--_._--_._------- Radical
---_._._--------- .•.. __ .- _._--
e AltcrJJcI/ilJr/.í
-"'-'- - - - --.-.. _.- ---
do Controle Social

superestruturas jurídicas e políticas do capitalismo, media-


tizada pela redução das desigualdades sociais na área do com detenção ou de ação penal privada, crimes políticos
sistema de justiça criminal, a ampliação da democracia nas e de opinião, drogas etc., com substituição de sanções
relações de poder político e a promoção do contrapoder estigmatizantes por não-estigmatizantes nos demais casos
(Baratta, 1978, p. 15-16; Cirino, 12979, p. 31).
proletário, pelo desenvolvimento da consciência de classe
e da organização política da classe trabalhadora: a política A estratégia da Criminologia Radical para o sistema
de substitutivos penais seria um desdobramento tático carcerário é, de fato, radical: abolição da prisão. As funções
imediato de uma estratégia geral radical (construção do reais do aparelho penal, de reprodução das condições de
socialismo), com um sentido humanista e liberalizante, por produção (separação trabalhador/meios de produção),
um lado, e o restabelecimento da funcionalidade precária de garantia da exploração capitalista (relações de produ-
das relações de dominação, por outro lado, que marcam ção), com as conseqüências de marginalização social e
o reformismo penal (Baratta, 1978, p. 15-16; Lyra Filho, de desarticulação política da força de trabalho excedente,
1980, p. 6-8; Cirino, 1979, p. 29). somado ao fracasso da ideologia penitenciária (controle
da criminalidade e correção do criminoso), justificam o
A política criminal alternativa da Criminologia Radi-
objetivo estratégico: a preservação da instituição carcerária
cal, como desenvolvimento prático de sua crítica teórica
só interessa às classes dominantes. Entretanto _ além da
e ideológica, tem por objeto o sistema de justiça criminal
(processo de criminalização e sistema carcerário) e a opi- descriminalização e da despenalização -, o objetivo estra-
tégico de abolição da prisão requer mediações políticas
nião pública, fonte de legitimação ideológica da política
táticas, como a extensão das medidas alternativas da pena
penal oficial. A proposta para o processo de criminalização,
comprometida com a redução das desigualdades de classe e a abertura do cárcere para a sociedade. As formas alter-
nativas da suspensão condicional da pena, do livramento
(variável determinante da criminalização), segue duas di-
condicional, dos regimes de liberdade e de semiliberdade
reções: a) uma política de criminalização e de penalização
da criminalidade das classes dominantes, como a crimina- etc., são plenamente justificadas como etapas de aproxima-
lidade econômico-financeira, o abuso de poder político, a ção do objetivo estratégico final. A abertura do cárcere para
a sociedade limita as conseqüências de marginalização e
corrupção administrativa, as práticas anti-sociais em áreas
desarticulação política promovidas pelo sistema carcerário,
da segurança do trabalho, da saúde pública, da ecologia,
possibilit?ndo a reintegração do condenado em sua classe
da economia popular e do patrimônio social e estatal; b)
- e, portanto, na sociedade d~ classes -, pela ação coorde-
uma política de descriminalização e despenalização da cri-
nada de associações de presos e de organizações dos tra-
minalidade das classes dominadas, mediante a contração
balhadores, como partidos políticos, sindicatos, comitês de
do sistema punitivo em crimes de bagatela, crimes punidos
fábrica, associações de bairros etc., transferindo o processo
120
121
A Criminologia Radical A CrilJlinolo/!,ia Radiml c AltcrnatilJCIS do Controle Social

de ressocialização da prisão (Estado) parti a comunidade. sentados pela ideologia de "lei e ordem", pelos "mitos"
Esse desdobramento é a alternativa radical ao "mito" da da igualdade legal e da proteção geral, pelos sentimentos
reeducação penal: se o crime é uma resposta pessoal (não de "unidade" na luta contra o "inimigo comum" (crime)
política) às condições estrutiIrais adversas, então a correção etc. Os processos psicológicos e ideológicos da opinião
do criminoso pressupõe o desenvolvimento da consciência pública, reproduzindo representações da criminalidade
de classe e sua (re)integração nas lutas coletivas econômicas subordinadas à ideologia da classe dominante, condicio-
e políticas da classe trabalhadora e do conjunto das camadas nam a tarefa da Criminologia Radical, nessa área: inverter
sociais inferiores (Baratta, 1978, p. 17). as relações de hegemonia ideológica, no sentido gramsciano
de dominação e direção, mediante a critica sistemática das
A ampliação do sistema punitivo na direção da crimi-
superestruturas de controle, a intensificação da produção
nalidade das elites de poder econômico e político não se
científica na perspectiva teórica e ideológica radical e a
confunde com "reformismo pan-penalista" (supervalori-
difusão de informações acessíveis ao consumo público,
zação do direito penal), assim como a contração do sistema
provendo bases para "discussões de massa" da questão
punitivo em face da criminalidade das classes e camadas
criminal e a superação definitiva do teoricismo criticista
sociais subalternas não significa abandono das garantias
de intelectuais progressistas através de uma prática social
legais do processo de criminalização, como os princípios
transformadora (Baratta, 1978, p. 18-19).
da legalidade, da culpabilidade, do contraditório processual
e da presunção de inocência, a garantia de sentença funda- Essas parecem ser, em linhas gerais, as bases atuais
mentada, de hipóteses estritas de prisão etc. e outras con- do questionamento teórico e do posicionamento prático
quistas democráticas incorporadas ao patrimônio histórico da Criminologia Radical. Sobre essas bases a Criminologia
da humanidade. A política criminal radical assimila e amplia Radical pretende se constituir, não como outra "crimino-
essas garantias formais na direção geral da democratização logia da repressão", mas como a única Criminologia da
do sistema de justiça criminal: respeito à integridade física e Libertação.
psíquica do preso, garantia dos direitos subsistentes do con- É na direção das teses centrais da Criminologia
denado (todos, exceto a liberdade), como trabalho, educação, Radiçal, com maior ou menor adequação científica e
alimentação, recreação, vida sexual regular, comunicação ideológica, que se desenvolve a mais criativa produção
etc. (Fragoso etalii, 1980, p. 31-42). científica contemporânea, na área do crime e do controle
Por outro lado, a legitimação da política penal oficial social. Hoje, a produção teórica radical não está limitada
perante a opinião pública compreende processos psicológicos às regiões desenvolvidas e industrializadas, com uma classe
representados pelas teorias vulgares da criminalidade, pelo trabalhadora forte e organizada, mas cresce, rapidamente,
estereótipo do criminoso etc. e processos ideológicos repre- nos países subdesenvolvidos e dependentes do Terceiro

122 123
...... _ ..__ .... _._-_ ... _-'-_ .... _._-----------------_.- .._. __ ._-~
Mundo, à medida em que se desenvolvem as contradições
com o imperialismo internacional e (no âmbito "interno) VII. CONCLUSÕES
entre capital e trabalho assalariado: por exemplo, Rosa
deI Olmo, Argenis Riera, Lola Aniyar, Emiro Sandoval,
Roberto Bergalli e Roberto Lyra Filho são algumas das
figuras mais representativas da proposta alternativa na
América Latina. As conclusões deste trabalho encontram-se dispersas
no texto, em geral cOrn9 arremate das discussões dos temas
O presente trabalho teve o propósito de contribuir
para uma compreensão mais adequada das bases científicas, estudados, mas podem ser assim resumidas:
dos compromissos ideológicos e do programa político geral 1. A Criminologia Radical se distingue de outras crimi-
da Criminologia Radical, relativamente desconhecidos no nologias pela natureza do objeto de estudo, pelo método
Brasil. Paralelamente, pode ser entendido como um acerto dialético de estudo desse objeto, pelas teorias gerais sobre
de contas com a ideologia da criminologia tradicional, o pres- sua existência e desenvolvimento, pela base social de seus
suposto crítico da formação de um quadro teórico capaz compromissos ideológicos, por seus objetivos políticos
de orientar uma prática social transformadora nos países
estratégicos e táticos e por seu programa alternativo de
subdesenvolvidos e dependentes da América Latina. política criminal.

2. A Criminologia Radical tem por objeto geral as relações


sociais de produção (estrutura de classes) e de reprodução
político-jurídica (superestruturas de controle) da formação
social, que produzem e reproduzem seu objeto específico
de conhecimento científico: o crime e o controle social.

As contradições de classes na formação social vincu-


lam o controle do crime às relações de produção na estru-
tura econômica, determinando a ligação da criminologia
com a economia, e de amb~s com a política, evitando a
distorção positivista que separa a estrutura econômica das
superestruturas jurídicas e políticas do Estado, mistificando
o conjunto das relações sociais.
124
125
A Criminologia Radica! Conclmões

o processo de criminalização, nos componentes de mo, indicando as desigualdades econômicas como determinantes
produção e de aplicação de normas penais, protege seleti- primários do comportamento criminoso, a posição de classe
vamente os interesses das cfasses dominantes, pré-seleciona como variável decisiva do processo de criminalização e a
os indivíduos estigmatizáveis distribuídos pelas classes e neceSJidade de sobrevivência animal em condições de privação
categorias sociais subalternas e, portanto, administra a pu- material como a origem da vinculação do trabalhador no
nição pela posição de classe do autor, a variável independente trabalho assalariado e do desempregado no crime.
que determina a imunidade das elites de poder econômico
4. A base social da Criminologia Radical é constituída pelas
e político e a repressão das massas miserabilizadas e sem
classes trabalhadoras e outras categorias sociais oprimidas,
poder das periferias urbanas, especialmente as camadas
o que explica (a) o compromisso de luta contra o imperialismo,
marginalizadas do mercado de trabalho, complementada
a exploração capitalista, o racismo e todas as formas de
pelas variáveis intervenientes da posição precária no mercado
discriminação e de opressão social, (b) o objetivo estratégico
de trabalho e da sub socialização - fenômeno definido como
de construção do socialismo e (c) a tarifa científica de ela-
administração diferencial da criminalidade.
boração de uma teoria materialista do Direito e do crime,
O processo de execução penal representado pelo na sociedade capitalista.
sistema carcerário garante a matriz das desigualdades sociais
O objetivo estratégico da Criminologia Radical postu-
- a separação trabalhador/meios de produção - e reproduz a
la a socialização dos meios de produção como pré-condição
marginalização social, como qualificação negativa pela posi-
da abolição das desigualdades econômicas e políticas e do
ção eStruturaljõra do mercado de trabalho e pela imposição
superestrutural de sanções dentro do aparelho punitivo. controle, redução e eliminação gradativa da criminalidade
estrutural e individual.
3. A abordagem teórica do autor (sujeito livre na crimi-
nologia clássica, ou sujeito determinado no positivismo O trabalho científico da Criminologia Radical tem por
biológico), do ambiente do autor (limitações e condicionamen- base (a) o conceito de Direito como lei do modo de produção
tos familiares, econômicos, culturais etc., do positivismo da vida material, que institui e reproduz as relações sociais
sociológico) e das percepções e atitudes do autor (interações, de classes e (b) o. conceito de Estado como organização
reações e rotulações sociais, das fenomenologias do crime) é política do poder das classes hegemônicas, que controla as
transposta pela Criminologia Radical para as relações de classes relações sociais nos limites do modo de produção domi-
na estrutura econômica e nas superestruturas jurídicas e nante na formação social - fenômenos jurídico-políticos
políticas de poder da formação social: o método dialético superestruturais condicionados pelas relações de produção
adotado estuda o crime e o controle social no contexto da e hegemonizados pelas classes que dominam essas relações,
base material e das superestruturas ideológicas do capitalis- como o aspecto principal da contradição social.

126 127
j~J CtillliJ7o/o.gia Radim/
.. - - _._--_ ... _.- - --- ._._'----_._----------_._-_._-~-------------------
COllcluJoeJ
._._-~-_._.~._---------
--------------._- .. _--_._-----_ ... _._ ..... __ ..._-

A Criminologia Radical, com base nas contradições


categoria explicativa do sistema punitivo, mostrando que
de classes da sociedade, distingue (a) um conceito burgues de
em situação de força de trabalho insuficiente os sistemas
crime, correspondente à posição de classe da burguesia na
econômico e punitivo a preservam; ao contrário, em situa-
formação social capitalista, representado pela definição legal
ção de força de trabalho excedente os sistemas econômico
de crime, em que predominam ações contrárias às relações
e punitivo a destroem.
de produção capitalistas e (b) um conceito proletán'o de cri-
me, correspondente à posição de classe dos trabalhadores 6. A Criminologia Radical estuda aforma legal de disciplina
assalariados na formação social capitalista, representado por social a partir de sua base histórica objetiva: a forma igual
definições reais de relações sociais danosas, em que predo- do Direito se fundamenta na troca de equivalentes da socie-
minam ações contrárias à segurança pessoal e à igualdade dade de produção de mercadorias e a forma livre do sujeito
social, econômica e politica das camadas sociais inferiori- tem origem no consumo produtivo da força de trabalho,
zadas, mudando o foco da forma legal para as condições que funde a forma sujeito, definido como livre e igual na
estruturais, necessárias e suficientes, do crime. esfera de circulação, com a forma mercadoria, expressão
5. A Criminologia Radical distingue 0o/divos ideológicosaparen- de coação e desigualdade na esfera de produção.
tes do sistema punitivo (repressão da criminalidade, controle A categoria geral explicativa do Direito, capaz de es-
e redução do crime e ressocialização do criminoso) e 0o/divos clarecer as relações entre a aparência e a realidade de suas
reais ocultos do sistema punitivo (reprodução das relações funções, é o conceito de modo de produção da vida material:
de produção e da massa criminalizada), demonstrando que a proteção da liberdade e da igualdade na eifera de circulação
o fracasso histórico do sistema penal limita-se aos oijetivos esconde a dominação politica e a exploração econômica de
ideológicos aparentes, porque os oo/etivos reais ocultos do siste- classe na eifera de produção. O Direito, como relação social
ma punitivo representam êxito histórico absoluto desse objetiva, realiza funções ideológicas aparentes de proteção da
aparelho de reprodução do poder econômico e politico da
igualdade e da liberdade e funções reais ocultas de instituição
sociedade capitalista.
e reprodução das relações sociais de produção: a desigual-
A inserção metodológica da politica de controle do dade das relações de classes (exploração) e a coação das
crime nas relações estruturais da formação social permite relações econômicas (dominação) é o conteúdo instituído
erigir as seguintes hipóteses radicais de trabalho teórico: a) e reproduzido pela forma livre e igual do Direito.
todo stStema deprodução adota o sistema depunição que corres- "
A Criminologia Radical explica as crises do Direito
ponde às suas relações produtivas, ou inversamente, todo
no capitalismo monopolista como expressão de desajustes
sistema punitivo se enraíza no sistema deprodução da estrutura
entre o sistema normativo e as relações sociais históricas
econômica da sociedade; b) o mercado de trabalho é a principal
concretas, determinadas pela concentração do poder eco-
128
129
Conclusões
A Criminologia NJdiral
-------- -------~----_._--------------

nômico e político do capital financeiro, reproduzido por e de sua adequação às necessidades materiais e intelectuais
leis opressivas e métodos repressivos, e pela expansão da dos processos produtivos.
organização política e do p~pel econômico da classe traba- As transformações contemporâneas do sistema de
lhadora, com a formação paralela de excedentes progres- controle social são o resultado de contradições internas
sivos de mão-de-obra excluídos do mercado de trabalho e
da sociedade de consumo, rompendo os limites das formas
jurídicas e políticas de controle social.
entre o sistema punitivo e a estrutura de classes da socie-
dade: por um lado, a prisão parece abandonar a ideologia

do tratamento, constituindo-se menos como aparelho
7. A concepção de sociedade como formação econômi- produtivo e mais como instrumento de terror; por outro
co-social erigida sobre uma base estrutural constituída pelas lado, a convergência entre a ideologia do controle social e
relações de classes nos processos produtivos e regida por a organização capitalista do trabalho engendrou a política
sistemas ideológicos superestruturais jurídicos e políticos dos substitutivos penais: o "arquipélago carcerário" se
do Estado é o fundamento da definição da fábrica como ampliou de setores não-produtivos (a prisão, instrumento
instituição principal da sociedade capitalista, e da definição da de terror) para setores produtivos da sociedade (o mercado
prisão e do conjunto dos sistemas de controle social como de trabalho, área dos substitutivos penais).
instituições acessórias da fábrica.
8. A política criminal alternativa da Criminologia Radi-
A fábrica, instituição das relações de produção" realiza
cal, como meio de reduzir as desigualdades de classes no
um conteúdo de permanente expropriação de mais-valia
processo de criminalização e de limitar as conseqüências
(exploração), sob a forma de constante compra e venda
de marginalização social do processo de execução penal,
da força de trabalho (contrato): as relações de classes nos
distingue a criminalidade das classes dominantes, entendida
processos produtivos são o ponto de incidência, o centro
como articulação funcional da estrutura econôlnica com as
de convergência e o objetivo real das instituições e meca-
superestruturas jurídico-políticas da sociedade, de um lado,
nismos de controle social.
e a criminalidade das classes dominadas, definida como
O sistema punitivo constituído pela polícia, justiça e resposta individual inadequada de sujeitos em posição social
prisão, como o mais importante aparelho de controle social, desvantajosa, de outro lado, propondo o seguinte:
garante os fundamentos e reproduz as condições de pro-
dução da fábrica, baseadas na separação trabalhador/ meios a) no processo de criminalização, (1) a penalização da cri-
de produção - enquanto a família, a escola, os meios de min.alidade econômica e política das classes dominantes,
comunicação e outras instituições complementares de con- com ampliação do sistema punitivo e (2) a despenalização da
trole social cuidam da formação da massa de trabalhadores criminalidade típica das classes e categorias sociais subal-

130 131
< ti. ,,~.,.'
.~,.."."-,,,
.. ,.

A Cnminologia Radical

ternas, com contração do sistema punitivo e substituição


de sanções estigmatizantes por não-estigmatizantes; BIBLIOGRAFIA

b) no processo de execução penal, mediatizada pela mais


ampla extensão das medidas alternativas da pena e pela
abertura do cárcere para a sociedade, a abolição da prisão:
se o crime é resposta pessoal de sujeitos em condições 1. Aniyar de c., L. - C,iminologia de la reacción sociaL Maracaibo: Uni-
versidad de! Zulia, 1977.
sociais adversas, a correção do criminoso - e a prevenção
2. - Sistema penal e sistema social: criminalização
do crime - depende do desenvolvimento da consciência de e descriminalização como funções do mesmo processo. Revista de
classe e da reintegração do condenado nas lutas econômicas Direito Penal, 1981, 30.
e políticas de classe. 3. Baratta, A. - Criminologia crítica e política criminal alternativa.
Revista de Direito PenaL 1978, 23, p. 7-21.
São tarefas complementares da política criminal alter-
4. - Crimilogia liberale e ideologia della difesa
nativa da Criminologia Radical (a) conjugar os movimentos sociale. La Questione Criminal e, 1975, 1.
de presos com as lutas dos trabalhadores, (b) inverter a 5. Basaglia, F. e Basaglia, F. - Violência en la marginalidad (el hombre
direção ideológica dos processos de formação da opinião en la picota). In Los rostros de la violência. Maracaibo: Universidad
deI Zulia, 1976.
pública pela intensificação da produção científica radical e a
6. Becker, H. - Outsiders: studies in the sociology 0/ deviance. New York:
difusão de informações sobre a ideologia do controle social, Free Press, 1963.
Cc) coordenar as lutas contra o uso capitalista do Estado e 7. Bourjol, M.; Dujardin, Ph.; Gleizal, J.J.; Jeammaud, A.;Jeantin, M.;
a organização capitalista do trabalho e Cd) desenvolver o Mialle, M. e Michel,]. - Pour une critique dudroit.Grenoble: François
contrapoder proletário. Maspero, 1978.

8. Bustamante, ]. A. - The wetback as deviam: an application of


labeling theory. In E. Rubington e M. S. Weinberg (Ed.) The stutjy
0/ socialproblem,r. New York: Oxford University Press, 1977.
9. Chambliss, W]. - A economia política do crime: um estudo com-
parativo da Nigéria e dos Estados Unidos. In I Taylor, P. Walton
e]' Young (Ed), Criminologia Çrítica.
, Rio: Graal, 1980.
10. Chapman, n - Sociology and the stereotype 0/ the mminaL Londres:
Tavistock Publications, 1968.

11. Cirino dos Santos, ]. - A Cnminologia da repre.r,rão.Rio: Forense,


1979.
132
133

Bibliografia
I_~~~~/~___
A_C_n_"l~_'no_log_i{'_1 ~ . ._ ---------------_._------ -----"----_._._.-

12. - Defesa social e desenvolvimento. Rel)i.rta de 28. Herbermas, J. - Towards a racional society. Londres: Heinemann,
Direito Pellal, 1979,26, p. 19-32. 1971.

13. _ . - Violência institucional. REl}iJta de Direito Penal, 29. Hartjen, C. - Legalism and humanism: a reply to me Sch\vendingers.
1980, 28, p. 38-52. Issues in Crirninology, 1977, 2, p. 76-101.

14. Davis, A. - Political prisoners, prisons and black liberation. In A.Y 30. Holloway,]. e Picciotto, S. - Capital, crisis and the state. Capital and
DaVis (Ed.) If thE!)'come in the morning. New York: The New American C/ass, 1977, 2, p. 76-10 1.
Library, Inc., 1971. 31. J ackson, G. - Towards the united frone In A. Y Davis (Ed.) If thE!)'
15. Dirnitrov, G. - A unidade operária contra ofascismo. Contagem (MG): come in the morning. New York: The New American Library, Inc.,
Editora História, 1978. 1971.

16. Durkheim, E. - The division of labourin socie!)'.New York: Free Press, 32. Jankovic, r. - Labor market and imprisonmene Cnme and Social
1964. justice, 1977, 8, p. 17-31.

17. Engels, F. - A origem da família, da propriedade privada e do estado. São 33. Jenkins, R. L. e Hewitth, L. - Types of personality structure encoun-
Paulo: Civilização Brasileira, 1974. tered in child guidance clinics. American journal of Orlhopsychiat1J',
de 14-01-44.
18. Fine, B.; Kinsey, R.; Lea,].; Picciotto, S. e Young,]. (Ed.) - Capitalism
and the rule of Iam Londres: Hutchinson, 1979. 34. I<.insey,R. - Despotism and legality. In B. Fine et alli Ed.) Capitalism
and the rule of Iam Londres: Hutchinson, 1979.
19. Fine, B. - Law and class. In B. Fine et alli (Ed.), Capitalism and the
!
1
ruie of Iam Londres: Hutchinson, 1979. 35. Laing, R. - The divided se!! Londres: Tavistock Publications, 1959.
!
! 20. . The birth of burgeois punishmene Crime and 36. Lea, J. - Discipline and capitalist development. In B. Fine et alii
social justice, 1980, 13, p. 19-26. (Ed.) , Capitalism and the rule of Iam Londres: Hutchinson, 1979.

21. Foucault, M. - Vigiar epunir. Petrópolis: Vozes, 1977. 37. Lemert, E. - Human deviance, social problems and social control. New
York: Free Press, 1964.
22. Fragoso, H.; Catão, Y e Sussekind, E. - Direitos dos presos. Rio:
Foresne, 1980. 38. Lenin, V r. - EI etado y la revolucion. In Obras escogidas. Madrid:
Akal Editor, 1975.
23. Garofalo,]' - Radical crirninology and criminal justice: poims of
divergence and contact. Crime and Social justice, 1978, 10, p. 18-22. 39. Lyra Filho, R. - Criminologia dialética. Rio: Borsoi, 1972.

24. Goffman, E. - Asylums. New York: Penguin Books, 1970. 40. . - Carta aberta a um jovem crimilólogo: teoria,
práxis e táticas atuais. Revista de Direito Penal, 1980, 28, p. 5-25.
25. Gouldner. A. - The coming crisis of western sociology. Londres: Heine-
mann,1971 41. . O direito que se ensina errado. Brasília: Centro
acadêmico de Direito da UNB, 1980.
26. Gramsci, A. - l\!f.aquiavef, a política e o estado moderno. Rio: Civilização
Brasileira, 1972. 42. Marx, K. - O Capital. Rio: Civilização Brasileira. 1971.

27. European Group for the Study of Deviance and Social Control. 43. . - Contribuição para a critica da economia política
- Manifesto. Crime and social justice, 1972, 7, p. 59-60. (prefácio). Lisboa: Editorial Estampa, 1973.

134 135
, 'I' .. t,"'~"'"
.,..,~~'.{.;..'.",,, '. ,I /., " "o -

A Criminologia TZt',diml
-- - ~- -
-------------------
------------------_._-----_._-------- ,-------'"

44. . - Teoria.rda maú-l'Olia. Rio: Civilização Brasileira,


59. Rubingon E. e Weinberg, M. S. - Thl' sttld]' 0/ social probleJJJs. New
1980.
York: Oxford University Press, 1977.
45. . - O 18 de brumário de Luís Bonaparte. In textos,
60. Rusche, G. - Labor market and penal sanction: thoughts on the
r. São Paulo: Edições Sociais, 1975.
sociology of criminal justice. Crime ànd social justice, 1978, 10, p.
46. . - Ctitica ao programa de Cotha. In Textos. r. São 2-8.
Paulo: Edições Sociais, 1975.
61. Rusche, G. e Kirchheimer, O. - Punúhment and social structtlre. New
47. Marzotto, M.; Platt, T. e Snare, A. - A reply to Turk. Crime and Social York: Russel and Russel, 1968.
justice, 1975,4, p. 43-45.
62. Schur, E. - Cnmes without victims: deviant behavior and public poli(J'. New
48. Matza, D. - Becoming deviant. New York: Prentice-Hal!, 1969. Jersey: Prentice-Hall Inc. 1965,
49. Mead, G. - Mind, se!! and society. Chicago: University Press, 1934. 63. Schutz, A. - Colllected papers I: the problem of social reality, In
50. Melossi, D. - Institutions of social control and capitalist organiza- M. Natanson (Ed.) The Hague: Martinus Nijhoff, 1962,
tion of work. In B. Fine et ahi (Ed.), Capitalúm and the rule oi law.
64. Schwendinger, H. e]. - Defensores da ordem ou guardiães dos
Londres: Hutchinson. 1979.
direitos humanos? In I. Taylor et alii (Ed), Criminologia ctitica. Rio:
51. Mintz, R. - Interviewwith Ian Taylor, Paul Walton andJock Young. Grall, 1980.
Issues in Criminology, 1974,9, p. 33-53.
65. . - Social class and the dennition of crime. Crime
52. Newton, H. - Prison, where is thy victory? In A. Y. Davis (Ed.) and social justice, 1977, 7, p. 4-13.
If they come in the moming. New York : The New American Library.
66. Scull, A. - Decarceration. New Jersey: Prentice-Hall Inc., 1977.
Inc,1971.
67. Seale, B. (e Huggins, E.). - A message from Prison. In A.Y. Davis
53. (deI) Olmo, R. - EI grupo europeu para e1estudio de la desviación
(Ed.), If they come in the moming. New York: The New American
ye1 control social. Relación Criminológica, 1976, 16, p. 51-73.
Library, Inc., 1971.
54. Pasukanis, E. - A teoriageral do direito e o marxismo. Lisboa: Perspectiva
Jurídica, 1972. 68. Speiglman, R. - Andrew Scull: Decarcation. Crime and Social justice,
1979,11, p. 67-70.
55. Pearson, G. - A sociologia do desajuste e a politica da socialização.
In r. Taylos, P. Walton eJ,Young. (Ed.), Criminologia ctitica. Rio: Graal, 69. Sutherland, E. e Cressey, D. - PrincipIes of crirninology. New York:
1980. Lippincott, 1960.

56. Picciotto, S. - The theory of t~e state, class struggle and the rule 70. Szasz. T. - The myth oi mental illness. St. Albans: Paladin, 1975.
of law. In B. Fine et aliz'(Ed.) Capitalúm and the rule oi law. Londres: 71. Taylor, r.; Walton, P. e Young,]. - A criminologia crítica na Ingla-
Hutchinson, 1979.
terra: retrospecto e perspectiva. In r. Taylo_ et ai/i (Ed), Criminologia
57. Platt, T. - Perspectivas para uma criminologia radical nos EUA. In ctitica. Rio: Graal, 1980. \,
r. Taylor et aliz' (Ed.), Cn'minologia ctitica. Rio: Graal. 1980. 72. . - The new mminology. Londres: Routledge &
58. Poulantzas, N. - S tate,power and socialúm. Londres: New Left Brooks, Kengan Paul, 1973.
1978.
73. Unger, R. M. - LaUJ in modern societ)'. New York: Free Press, 1976.

136
137
A Criminologia IZLldical
-- -- --~--- ----------
,
74. Versele, S. C. - A cifra dourada da delinqüência. Revista de Direito INDICE DA MATÉRIA
Pena/, 1980, 27, p. 5-20.

75. Young, J. - Left idealism, ref~nnism and beyond: fram new crimi-
nology to marxismo I B. Fine et alii (Ed.), Capita/ism and the m/e of
/aw. Londres: Hutchinson, 1979.
76. . - A criminologia da classe trabalhadora. In r. SuMÁRIo ••..•••.•••.••...•.•...•.•...•••.•..•••...•..•.•...•.•..••.....•.•.........•••..•..... xi
Taylor et alii (Ed.) Criminologia critica. Rio: Graal, 1980.
I. INTRODUÇÃO •.•••••..•••.•..••.•••••••.•.•..•.•.•••••••••••..•.•••••.••.••.••...•.•.•.•.••• 1
1. As Teorias Tradicionais 2
2. A Formação das Teorias Radicais em Criminologia 5
3. A Crítica às Teorias Tradicionais 10
4. Tendências Críticas e Radicais 17

11. A CRIMINOLOGIA RADICAL •••••••••••••••••••••••••.•..•.•••••••••••.••••••••••••35

lU. A CRIMINOLOGIA RADICAL E O CONCEITO DE CRIME •..•••••.•••••• .49

IV. A CRIMINOLOGIA RADICAL E A POLÍTICA DO


61
CONTROLE SOCIAL ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••.•.•••••••••••.•
1. As Determinações Estruturais do Controle Social... 65
2. A Ideologia do Controle Social 71
3. Os Objetivos do Aparelho Penal... 80

V. A CRIMINOLOGIA RADICAL E A FORMA LEGAL DO


CONTROLE SOCIAL•.•.•....•••.•••••••••••••..••••••••••••••.••••.••.••••••••••••••••• 87

VI. A CRIMINOLOGIA RADICAL E ALTERNATIVASDO


CONTROLE SOCIAL••.•..••••••••••.•.••••••••••.•.•.•.•••..••...•...•.•.•••••••••.• 111

VII. 125
CONCLUSÕES••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••.••••••••••••••••

BIBLIOGRAFIA .•••.•.••..••.••....•••...•••....••..•..••••.•.•.•.••.•...••.•.••••.•.••••..• 133

138 139

You might also like