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INTRODUÇÃO AO DIREITO SEGUNDO O MÉTODO DO CASO

2016/2017
MARGARIDA DURÃO
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TEMAS:

I. ESTADO DE NECESSIDADE E DIREITO À VIDA (p.2):


 R. v. Dudley Stephens (1884)
 The case of the Speluncean Explorers (hipotético)
 Queensland v. Nolan (2002)
III) DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA RAÇA (p.14):
 Plessy v. Ferguson (1886)
 Brown v. Board of Education (1954)
V) DIREITO, MORAL E LIBERDADE (p.21):
 Bowers v. Hardwick (1986)
 Lawrence v. Texas (2003)
VI) A RESPONSABILIDADE CIVIL ENTRE A CULPA E O RISCO (p.33):
 Escola v. Coca Cola Bottling Co. (1944)
 Marshall v. Rahne (1974)
VII) O DIREITO ENTRE A LEI E A JUSTIÇA (p.38):
 Riggs v. Palmer (1889)
 Comandante Karl Neumann v. Navio-hospital “Dover Castle” (1921)
 The Attorney General vs. Adolf Eichmann (breve)
 Denunciante alemã (breve)
X) LIBERDADE DE EXPRESSÃO E TUTELA DA PERSONALIDADE (p.44):
 Democrata Coagido (1990)
 Negação do Holocausto (1994)
XI) CIDADANIA E REAGRUPAMENTO FAMILIAR (p.48):
 McCarthy and Others (2014)
 Kerry v. Din (2015)

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INTRODUÇÃO AO DIREITO SEGUNDO O MÉTODO DO CASO
2016/2017
MARGARIDA DURÃO
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TEMA I: ESTADO DE NECESSIDADE E DIREITO À VIDA

1º caso: The Queen vs Dudley Stephens

Factos:

 A caminho da Austrália, um veleiro naufraga no Cabo da Boa Esperança, no dia 5


de Julho de 1884. Iam a bordo quatro náufragos (o comandante Thomas Dudley, o
imediato Edward Stephens, o contramestre Ned Brooks e o jovem grumete
Richard Parker)

 Lançam-se no mar apenas com nabos, sendo que até ao 4º dia desde o naufrágio
(8 de Julho de 1884) vão-se alimentando desses nabos e vão-se hidratando com a
água da chuva.

 No 4º dia desde o naufrágio encontram uma tartaruga da qual se alimentam e


bebem a sua urina para se hidratarem, mas ao 12º dia já não tinham nada que se
alimentar nem que se hidratar. Este é o único alimento que encontram até ao 20º
dia (25 de Julho de 1884) – o dia em que o ato em questão neste caso foi
cometido.

 Ao 18º dia nestas condições têm a 1ª conversa sobre a morte.

 Ao 19º dia têm a 2ª conversa: Dudley propôs a Stephens e Brooks que se tirasse à
sorte uma vítima, que tivesse que morrer e que, assim, permitisse que os outros
continuassem vivos (prática habitual entre marinheiros em condições semelhantes
às deles). Brooks não aceitou inicialmente esta sugestão e Parker não foi
consultado pois estava inconsciente. Dudley e Stephens conversaram entre si
sobre o facto de terem responsabilidades familiares, ao contrário do jovem Parker
(o mais debilitado pela fome e desidratado por ter bebido água do mar). Dudley
sugeriu então que se na manhã seguinte não se avistasse nenhum navio, Parker
deveria ser morto.

 Ao 20º dia (25 de Julho de 1884), Dudley mata Parker com a concordância de
Stephens e a dissidência de Brooks.

 Nos quatro dias seguintes os três homens alimentaram-se do corpo de Parker, até
serem salvos por um navio alemão de passagem. Os três marinheiros estavam
vivos mas em condições físicas deploráveis.

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Questões suscitadas:

 A morte de Parker era mesmo necessária (ainda que não soubessem quando
seriam resgatados)?
 É admissível (ainda que Parker fosse o que tinha menos probabilidades de
sobreviver)?
 Há legítima defesa?
 Há Estado de necessidade?
 É legítimo matar, mesmo nestas circunstâncias?
 É homicídio?

Análise - considerações do tribunal:

Argumentos a favor:

1. Autopreservação = instinto primitivo da natureza humana; Instintivamente,


escolhemos a nossa vida em detrimento da de outrem.
a. Direito de auto preservação vs dever de sacrifício da vida: de acordo com o
princípio da auto preservação, quando necessariamente alguém tem de
morrer, os indivíduos salvam a própria vida em vez da de outrem. Por
outro lado, existe o dever de sacrifício da vida, em que se dá a própria vida
para salvar as restantes. Casos análogos (guerra, comandante do navio,
etc. – “man’s duty not to live but to die”)
2. Intenção ≠ matar Parker (a intenção era sobreviver).
3. Parker era o mais fraco; Tinha menos probabilidades de sobreviver que os outros
(mesmo que esperassem e não o matassem).
4. Não encontravam outro modo de sobreviverem.
a. Lucidez dos arguidos e alternativas à necessidade de matar por alimento:
no caso em questão, é importante analisar a lucidez dos arguidos, o motivo
da morte (necessidade de matar por alimento), bem como se existia ou
não uma outra alternativa. É relevante ainda a análise do consentimento
de Parker e se este tem precursões a nível jurídico. O que é então o
consentimento? É necessário vontade livre e esclarecida, sendo que Bem e
Direito devem estar asseguradas.
5. Não sabiam quando ou se seriam resgatados.
6. Teriam morrido todos.

Argumentos contra:

1. Parker não constituía uma ameaça para ninguém.


2. Mataram o mais fraco e indefeso.
3. Não se sabe se teria sobrevivido; Privaram-no de qualquer hipótese de
sobrevivência.
4. Não o consultaram sobre a decisão.

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Análise - decisão do tribunal:

o Moralmente → ato repugnante, reprovável.


o A tentação (de se salvarem) não é um argumento suficientemente forte.
o Os argumentos não apagam a crueldade do crime → tirar a vida a outra pessoa =
homicídio.
o Poderiam ter esperado pela morte de Parker, se estavam convencidos que ela
seria inevitável.
o Não há legítima defesa porque não há agressão ⬌ Parker não constituía uma
ameaça para a vida de ninguém.
o Necessidade vs Legítima Defesa
 Como meio de tutela jurídica poder-se-ia falar de um estado de
necessidade, que, de acordo com a defesa, justificaria os meios
utilizados pelos náufragos – o de matar por alimento. (ver art. 35º
do Código Penal português = determinada situação em que uma
pessoa é desculpada caso afaste um perigo atual e não removível
de outro modo que ameace a vida, etc.) Referência ao exemplo do
homem na prancha.
 No entanto, como meio de tutela jurídica poder-se-ia falar também
da legítima defesa - o que não acontece no caso em questão. Só em
casos de legítima defesa é que se justifica a morte de outrem. Mas
Parker não representava perigo para os outros, logo este princípio
não se aplica a este caso.
 Assim sendo, será que a necessidade era suficiente? O facto de não
haver legítima defesa leva-nos a perguntar qual o grau de
necessidade do ato praticado pelos arguidos.
o Nos sistemas de Common Law (Inglaterra), não se reconhece o Estado de
necessidade.
o Mataram Parker pressionados pela necessidade, pelo instinto. A essência
do homicídio é a intenção e a intenção dos marinheiros era preservar a sua
própria vida e como tal poder-se-ia falar aqui de uma defesa dos mesmos.
A “necessidade” que motivou este ato não é aquela que a lei reconhece
como tal nem a necessidade moral (sacrificar a vida em vez de a
preservar). Os factos não têm legitimidade moral, nem legal.
o Se aceitassem o argumento da necessidade, seria um mote para futuros crimes do
mesmo género.
o O júri considera-os culpados de homicídio e o tribunal condena-os à pena de
morte.
o De acordo com o positivismo jurídico:
 a lei é suficiente e deve ser seguida
 a fonte do Direito é a lei
 não se tem em conta as situações em que o direito é injusto ou a
ausência de casos regulados pelo mesmo
 há uma restrição do Estado – só atua de acordo com a lei

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 o Direito é um comando imposto pelo legislador


 tem de se ver se o caso se “subsume” na norma, se cabe na norma,
se é descrito por ela (método)
 o Direito é apenas lei, separando-se da moral, da ética e da
metafísica
 o juiz é o técnico que aplica a lei dedutivamente
o Considerações do Código Penal (Artigo 131º e 34º): quem matar outra
pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.
o Mas é importante a interpretação lógica, ou seja, em causa está a
apreciação da “ratio legis”, da razão de ser, do fim, do propósito, objetivo
prático que a lei se propõe a promover. Deve-se proceder a uma
ponderação de interesses e de valores que se jogam no caso em questão e
que a legislação pretende que se tenham em conta na definição da norma
do caso (e não na lei, que é fonte da mesma). É importante considerar o
Princípio da Proporcionalidade (relação dos meios e dos fins, sendo que os
fins devem-se levantar como um bem superior);

o Fazem um apelo à rainha, que lhes concede perdão.


o Apelo ao Soberano – prerrogativa da misericórdia - os arguidos foram
condenados à morte mas a pena foi anulada e os juízes recorreram à
rainha para que esta analisasse o caso de forma ética – o tribunal pede o
perdão real porém, considera o ato moralmente condenável.
o Diferente natureza da função jurisdicional e do Executivo.

 NOTA: Direito como instrumento de reforço moral nas situações de extrema


necessidade - o difícil juízo sobre o valor da vida
o O problema da injustiça da lei
As conceções morais podem ser:
o Deontológicas - Os juízos morais dizem respeito à conformidade ou
desconformidade da ação humana com determinadas regras, ditas morais
ou um código de conduta.
 Radicais - As regras morais ― a lei ou código de conduta ― são
absolutas, não comportando quaisquer exceções baseadas nas
consequências da respetiva observância.
 Moderadas - As regras comportam exceções em circunstâncias
limite ― e.g., estado de necessidade, legítima defesa, conflito de
deveres. No entanto, há limites deontológicos à delimitação dessas
exceções, de tal modo que não se pode reduzir a moralidade à
ponderação de consequências.
o Consequencialistas - O juízo moral diz respeito às consequências da ação
humana, mais precisamente ao saldo da conduta uma vez contabilizados
os ativos (e.g., dez vidas salvas) e os passivos (e.g., cinco vidas sacrificadas).

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 Utilitaristas - A contabilidade dos ativos e dos passivos baseia-se


numa escala única de valor ― a utilidade. Significa isto que o valor
das coisas se reduz à utilidade que proporcionam, sem considerar
quem delas desfruta ― um assassino ou um santo ― ou quais as
coisas desfrutadas ― literatura clássica ou pornografia infantil.
 Perfeccionistas - A ponderação das consequências baseia-se numa
escala complexa ou não-linear, em que se considera a natureza dos
bens em causa ― e.g., os «bens da alma» são superiores aos
«prazeres da carne» ― e a natureza do agente que deles desfruta
― e.g., a vida de um estadista vale mais do que a de um sem-
abrigo, a vida de um jovem vale mais do que a de um idoso.

o Conflitualistas - Não há critérios uniformes e coerentes de juízo moral,


sobretudo em circunstâncias dilemáticas. Os dilemas morais encerram o
conflito insuperável entre ordens de valor ― como a deontológica e a
consequencialista ― que reclamam a lealdade do agente.
 Fideístas - Há que acreditar numa força sobre-humana ― o Destino,
Deus ou o Cosmos ― que nos guia por entre os silvados e os
espinhos dos conflitos morais. A tranquilidade espiritual não resulta
da posse de um critério racional de bem e de mal, mas da fé na
providência.
 Decisionistas - Estamos condenados a decidir na ausência de um
critério definitivo de escolha. Esta liberdade é radical e
inconsolável: seja o que for que façamos, estamos condenados à
decisão solitária e a carregar o peso da culpa. Quem se refugia num
critério moral está de má-fé; resta-nos a «ética da
responsabilidade», que nos manda aceitar a tragédia da liberdade

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2º caso: The case of the Speluncean Explorers (hipotético)

Factos:

 Maio de 4299: 5 exploradores ficam presos devido a uma derrocada

 Durante 20 dias ocorrem as operações de salvamento e morrem 10 pessoas.

 Há pouca vida animal e vegetal, logo há falta de alimento e consequentemente


um receio de morte à fome.
 Ao 20º dia encontram uma máquina que proporcionava a comunicação com o
exterior. Colocam questões: tempo de salvamento, opinião médica quanto à
probabilidade de sobrevivência por mais 10 dias. Após um silêncio de 8 horas
colocam novas questões: possibilidade de sobrevivência à custa de carne humana,
método de seleção por sorteio. Não obtêm resposta.

 Whetmore morre ao 23º dia por via de um acordo proposto pela própria vítima.
Do 20º dia ao 32º dia não estabelecem nenhuma comunicação com o exterior e
no 32º dia (Junho de 4299) são salvos.

Decisões:

1- Juiz Foster

 Inocentes: devem ser absolvidos

 Inaplicabilidade ao caso de todas as leis e precedentes: caso concreto sujeito às


regras da “lei da natureza” (falha o pressuposto de aplicação das leis positivas –
coexistência entre os homens é possível)

 Os arguidos encontram-se num estado de natureza (por oposição a um estado de


sociedade civil)

 A lei que lhes é aplicada não é a da comunidade mas aquela que decorre dos
princípios próprios do estado de natureza (inocentes de qualquer crime)

 O direito positivo funda-se no pressuposto da possibilidade de convivência pacífica


entre os membros da comunidade

 Quando aquela condição desaparece a força do direito positivo desaparece:


Cessante ratione legis, cessante et ipsa lex

 As premissas fundamentais de toda a ordem jurídica perderam significado e força

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 Coexistência num determinado território: distância da jurisdição da


Commonwealth

 Na situação excecional em que se encontravam foi necessário redigir uma nova


constituição: fizeram-no por via de um acordo, proposto inicialmente pela própria
vítima R.Whetmore e regularam as regras por que se deveriam reger por via de
um contrato

 A ordem do Estado e da ordem jurídica pode mesmo ser tomada como fundada
num acordo ou num contrato estabelecido entre homens no exercício livre da sua
vontade

 Argumentação subsidiária: a violação da letra da lei não significa a violação do


propósito que a lei visa assegurar. Ex.: a atuação em legítima defesa não pode ser
compreendida olhando apenas para a letra da lei, mas apenas quando se tenha
em conta o seu espírito

 No futuro, em casos semelhantes, a decisão de viver ou morrer não deverá ser


avaliada à luz da (letra) do código penal

 Dever de obediência inteligente à lei (não ultrapassar a vontade do legislador mas


torna-la efetiva)

 JUIZ FOSTER EM SÍNTESE:


o Em certos casos, nem a lei nem as normas positivadas são aplicáveis.
o O caso em concreto remete-nos para o estado de natureza em que se
encontravam os arguidos por oposição a esse estado civil onde vigoram
essas normas legais. As normas que lhe são aplicáveis são as desse estado
de natureza, ou seja, não podem ser regidos pela lei.
o Quando desaparece a convicção da convivência pacífica entre os cidadãos,
desaparece o estado de sociedade e, como tal as normas legais que nele
vigoram.
o Os arguidos encontravam-se num estado excecional: nos termos em que se
reúnem para decidirem a morte de um deles para depois se alimentarem,
não está muito diferente dos termos em que se reúnem e formam o
estado de sociedade com as suas próprias regras. A quebra da lei não
significa de imediato a violação do propósito que a lei visa assegurar: é
importante ter em conta a ratio legis da lei, o espírito da mesma além da
letra.

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2- Juiz Tatting

 Emocionalmente perturbado; lamenta que tenham sido acusados; retira-se do


caso

 Não reconhece qualquer estado de natureza: “Quando começou?”; “Tribunal da


Natureza?”; “Código da Natureza” permitia acordar sobre o destino das vidas
humanas (com irrelevância do arrependimento); Eventual irrelevância da legítima
defesa de Whetmore

 Logo: as consequências da aceitação do consentimento e da sua aparente


irrevogabilidade seriam inaceitáveis

 Põe em causa a possibilidade de se contrariar a letra da lei em razão dos seus fins,
desde logo quando estes se revelam múltiplos e controversos

 Realça que os precedentes recusam a doutrina da necessidade

 Reconhece que o elemento do propósito de dissuasão da lei penal seria menor


neste caso

 JUIZ TATTING EM SÍNTESE:


o Não reconhece qualquer estado de natureza e aceitação do consentimento
de morte por parte dos arguidos seria inaceitável. No entanto, reconhece a
possibilidade de se contrariar a letra da lei quando esta ponha em causa os
fins que visa, principalmente quando estes se mostram controversos.

3- Juiz Keen

 Considera-os culpados: devem ser condenados

 Salienta a natureza do exercício da função judicial. Considera que cabe apenas ao


coletivo de juízes aplicar a lei

 Relembra a letra da lei: “Quem de modo intencional, retirar a vida de outrem será
punido com a pena de morte”, o que significa determinar se, de acordo com a lei
em vigor, os exploradores mataram, de modo intencional Whetmore

 Não cabe ao juiz retirar da lei senão aquilo que resulta da sua letra (separação de
poderes; supremacia parlamentar)

 Dificuldades na interpretação teleológica da lei: (i) identificação dos propósitos


subjacentes à norma; (ii) imputação ao legislador; (iii) resolução do caso

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 Considerar outras soluções resulta da confusão entre direito e moral e implica a


violação dos limites da função jurisdicional que corresponde à aplicação da lei tal
como aprovada pelos órgãos de soberania legitimados para o efeito, de acordo
com os procedimentos previstos para esse fim

 A aplicação da lei, nos termos em que foi aprovada pode mesmo ter um efeito
educativo lembrando à comunidade os efeitos reais resultantes da sua aplicação
(eventuais reformas legislativas)

 JUIZ KEEN EM SÍNTESE:


o Salienta que cabe aos juízes o exercício da função judicial e que estes, de
maneira alguma, podem contrariar a letra da lei, bem como a
intencionalidade do ato. Não se pode tirar outras conclusões para lá da
letra da lei uma vez que isso implicaria ir contra aquilo que foi estabelecido
pelos órgãos de soberania.

4- Juiz Handy

 Um dos casos mais fáceis de resolver; inocentes, pelo que devem ser absolvidos;
aplicação de princípios de senso comum

 Justiça humana – necessário ter em conta a sensibilidade da opinião pública e a


opinião da maioria, neste caso em particular, dado que não só é um caso que
suscitou um enorme interesse público como a sensibilidade da comunidade é
conhecida

Decisões:

 “The Supreme Court being equally divided, the conviction and sentence of the Court
of General Instances is affirmed. It is ordered that the execution of the sentence shall
occur at 6 AM, Friday, April 2, 4300, at which time the Public Prossecutor is directed
to proceed with all convenient dispatch to hang each of the defendants by the neck
until he is dead.”
 A decisão tomada é a de que vão ser condenados, sendo cada um dos réus
pendurados pelo pescoço até serem mortos.

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3º caso: Queensland vs Nolan

Factos:

 Neste caso está presente o nascimento de duas gémeas siamesas (juntas pela cabeça)
Alyssa e Bethany no ano de 2001.

 Alyssa tem um rim e Bethany não tem nenhum pelo que tem de usar o da sua irmã.

 Ambas compartilham a mesma drenagem sanguínea (Bethany vem demonstrado


sérios problemas cardíacos e pulmonares).

 Bethany piora, a sua insuficiência cardíaca ameaça gravemente a saúde da sua irmã, e
uma inuficiência renal por parte de Betany, agravada pela situação de não ser possível
a Alyssa realizar uma diálise piora a situação.

 Bethany desenvolve uma hipertrofia grave levando ao agravamento do problema


renal.

 É enviado um pedido de licença ao tribunal para efetuar uma cirurgia de separação


(com um risco de morte elevado para Alyssa, e certo para Bethany).
 O Hospital (Royal Children’s Hospital) consegue manter Bethany viva mas por pouco
tempo (24horas) - tempo que deve ser usado para separar as duas raparigas pois se
Bethany morrer enquanto junta à irmã, esta morrerá também em poucas horas.

 É realizada a cirurgia onde Bethany morre e tanto o médico como os pais das gémeas
(Mr. And Miss Nolan) são chamados (ao Supremo Tribunal) a fim de se perceber a
legalidade da cirurgia efetuada.

Questões suscitadas:

 No caso em questão, o problema jurídico levantado diz respeito à legitimidade do


homícidio de uma das gémeas. Vai a operação levar à morte de Bethany de forma
ilegal?
 É justo acelerar a morte de Bethany, ainda que ela esteja condenada a morrer?
 Quais os critérios de seleção entre uma vida e outra?
 Qual o superior interesse das crianças?
 É justo escolher a vida de Alyssa em detrimento da de Bethany? Isso significa dizer
que a vida de uma vale mais do que a da outra?

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Análise:

Considerações do tribunal

 O critério de decisão deve ser o superior interesse das crianças.


 Os pais das gémeas compreendiam os riscos e concordavam com a operação:
o Sabiam que Bethany iria inevitavelmente morrer;
o Queriam salvar Alyssa (que sem a operação morreria também).
 Tribunal = “progenitores supremos das crianças” → assume a função dos progenitores
e é, por isso, chamado a decidir → deve proteger o superior interesse das crianças.
 Tribunal requisitado para:
o Confirmar se a operação protege o superior interesse de Bethany e Alyssa;
o Obter uma opinião → será a operação um ato ilegal ou contrário à lei, visto
que resultará inevitavelmente na perda de uma vida humana?
 A operação:
o Permitiria salvar a vida de Alyssa: se não fizerem a operação, Alyssa
morrerá também.
o Não é vantajosa para Bethany: a morte de Bethany é inevitável (se não for
pela operação, será pelo edema pulmonar e pela falha cardíaca);
o Aceleraria a sua morte.
 A morte de Bethany não era o objetivo da operação, era a sua consequência
inevitável.  O objetivo da operação é salvar Alyssa.  Bethany morreria com ou sem
operação, mas esta aceleraria a sua morte.
 A vida de Bethany não tem menos valor do que a vida de Alyssa.
 Não há consenso sobre a aceitação da necessidade, porque nenhum sistema jurídico
pode aceitar totalmente a violação das leis.
 A morte de Bethany pela operação era necessária para evitar um mal maior (= a
morte de ambas).
 Os médicos têm uma função: salvar a vida humana.
 Esta situação impede que se salvem as duas:
o Não operar para evitar a morte prematura de Bethany levaria à morte de
Alyssa;
o Tentar salvar Alyssa pela operação, leva à morte prematura de Bethany.
 Os médicos devem ter o direito de escolher a opção menos lesiva.
 Devem decidir qual é o menor dos males!

Decisão do tribunal

 Alyssa = paciente (visto que Bethany estava condenada a morrer).


 Dever dos médicos = salvar a vida dos pacientes.
 Não incorrem em responsabilidade criminal/civil porque agem de boa-fé e em
cuidado razoável (o seu objetivo não é matar uma pessoa, é salvar quem pode ser
salvo).

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 Há uma ponderação de interesses, sendo que uma vida não vale mais do que a outra.
 Critério de decisão médico = probabilidade de sobrevivência.
 Quem tem maior probabilidade de sobrevivência é Alyssa, pelo que devem tentar
salvá-la.
 É legítimo salvar Alyssa, ainda que Bethany morra mais cedo → evitar um mal maior.
 Tribunal permite a operação.  É legítimo escolher uma vida em detrimento de
outra, nestas situações.
 O Tribunal compreende esta ação como de boa-fé, não só devido às circunstâncias
enunciadas acima, mas devido à forma como se tentou recorrer à Justiça antes de
qualquer procedimento a tomar (section 282 of the code) – ex ante

Comparação entre o 1º caso (The Queen vs Dudley Stephens) e o 3º caso (Queensland


vs Nolan)

 No caso das gémeas, há intervenção de terceiros para retirar a vida, há um


conflito de deveres (dever do médico de salvar a vida é diferente da decisão do
tribunal).
 Médicos têm de salvar Alyssa (proteção de terceiros) ≠ Dudley e Stephens não
tinham o dever de se salvar (tutelam a proteção do interesse próprio)

 No caso das gémeas, a vítima (Bethany) representa um perigo para a vida da sua
irmã, o que não acontece relativamente ao caso que envolve Parker. Bethany era
um perigo para Alyssa ≠ Parker não era perigo para Dudley e Stephens (violam o
dever moral). Assim, no caso de Dudley and Stephens não se pode alegar a
legítima defesa como meio de tutela jurídica.

 No caso das gémeas o dever moral é justificado através do Princípio do “Mal


Menor”: como acabariam por morrer as duas, pelo menos salva-se uma. No caso
que envolve Parker, Dudley and Stephens não tinham o dever de se salvar.

 No caso das gémeas tentou-se recorrer à Justiça antes de qualquer procedimento


a tomar, contrariamente ao caso de Dudley and Stephens.

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TEMA III: DISCRIMINAÇÃO EM FUNÇÃO DA RAÇA

1º caso: Plessy vs Ferguson

Factos:

 Plessy era um sapateiro mestiço, cidadão norte-americano residente no estado de


Louisiana e de descendência mista (1/8 de descendência negra e 7/8 de
descendência branca), sem traços de origem negra na sua aparência física.

 Por ser de etnia negra mas de pele clara, consegue comprar um bilhete de
comboio de 1ª classe (à qual só os brancos tinham acesso) no estado de Louisiana.

 Adquiriu esse bilhete por ser aparentemente branco e embarcar pacificamente.


No entanto, apesar disso, fez questão de explicitar que não era branco (porque
queria marcar uma posição).

 Quando o revisor a ele se dirigiu, ordenou-lhe que se dirigisse para o seu devido
lugar (carruagem destinada aos negros, usualmente a de mercadorias).

 Como Plessy se recusa, fica preso durante um dia numa prisão local sob pena de
pagar uma caução (que vai contestar).

 É acusado de violar um ato da Assembleia Geral do Estado aprovada a 10 de Julho


de 1890. Esse ato determinava que todas as companhias que transportassem
passageiros no estado de Louisiana deviam providenciar acomodações idênticas,
mas separadas (“equal but separate accommodations”), ou seja, brancos e negros
eram iguais, mas deveriam permanecer separados.

 Plessy contestou a constitucionalidade da norma, alegando que feria a 13ª


emenda (abolição da escravatura) e a 14ª emenda (principio da igualdade, no
sentido de proibição do uso da legislação restritiva por parte dos Estados).

 Em New Orleans é todavia criada e aprovada uma lei local que determina a criação
de elétricos para negros (marcados com uma estrela) e para brancos. Remete para
a estrela de David (Nazi). Esta decisão não foi bem recebida por toda a
comunidade negra e iniciou protestos.

 Plessy é levado para uma avaliação preliminar e é-lhe instaurado um processo de


desrespeito da lei. Plessy afirma que esta é inconstitucional e, como tal, não tem
qualquer força obrigatória.

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 No entanto, o Tribunal não a considerou inconstitucional e disse que, caso se


decidisse que o procedimento tido com Plessy era proibido, este peticionário seria
preso.

 O STJ, dando origem a uma das decisões mais polémicas da sua história,
considerou que esta lei era constitucional e Plessy pede um mandato de erro ao
Tribunal. É institucionalizada a doutrina do “separate but equal”, gerando com
isso um precedente. O princípio “separados, mas iguais” seria compatível com a
cláusula de igualdade (equal protection).

 O STJ entende que não é escravatura pois o ato cometido apenas envolve um
dano civil. Isto é, o STJ considera que um estatuto que distingue as raças não tem
qualquer tendência para destruir a igualdade legal das mesmas ou reestabelecer
um estado de escravatura.

 A companhia de comboios foi acusada de violar o Estado do Mississipi mas a


verdadeira questão era a constitucionalidade da lei. O Estado tem ou não poder
de legislar estes limites?

Análise:

É pertinente contextualizar historicamente este caso:

 “Civil Rights movement” – movimento centrado na América do Sul (onde havia


mais desigualdade racial na educação, economia e política) para garantir a
igualdade no acesso a oportunidades de privilégios e direitos da cidadania dos
EUA aos Americanos africanos através de negociações, petições e manifestações
não violentas ➔Atingiu o seu pico em 1950 e 1960 ➔Influenciou os direitos das
mulheres e dos estudantes ➔ Principais áreas do movimento: educação,
segregação racial e direito de voto.

 Atos são deliberados para contestar medidas discriminatórias

 Discriminação nos transportes era geral mas mais acentuada nos comboios

 Tempos de escravatura = negros eram “coisas” e iam ao lado dos brancos

 Depois da Guerra Civil➔ começa a segregação por espaços

 Guerra Civil = 1861 – 1865➔ Norte e Sul entram em guerra por causa dos escravos
(entre outros motivos)

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 1863 = Declaração da emancipação (libertação) dos escravos

 No norte também havia segregação (os negros não podiam viver em qualquer sítio
pois havia zonas residenciais para negros)➔ Mas no Sul era diferente (as
residências dos negros eram do seu proprietário, i.e., eram escravos)

 Com este diploma legal, todos os sistemas de segregação racial do Estado foram
findados, era o fim da Era Jim Crow (Jim Crow = nome comum dado a qualquer
negro). Um nome importante para a promulgação dessa lei foi John F. Kennedy,
então presidente norte-americano.

 As leis Jim Crow asseguravam e perpetuavam a segregação dos negros nos


transportes, escolas, hospitais e até no Direito de voto (só votava quem tinha
propriedade, logo os negros estavam excluídos). Em New Orleans os negros só
podiam andar em certos elétricos. Esta disposição baseava-se numa lei aprovada e
promulgada, o que acabou por resultar em revoltas e protestos não pela
qualidade e funcionamento dos elétricos mas pela segregação em si.

Decisões:

 “Equal but separate”. A igualdade não é posta em causa.


 O problema jurídico que se levanta é o da dignidade social.

 O ato do estado de Louisiana, que defende o tema “separados mas iguais” é


inconstitucional relativamente à Constituição dos EUA, uma vez que as suas 13ª e
14ª emendas eliminam a escravidão e proíbem certas legislações restritas em
determinadas partes do país. A lei federal permite assim a separação mas não a
desigualdade. O ato e estatuto de Louisiana tem que preservar a paz pública e a
ordem - a separação das raças nos locais públicos não se revela despropositado no
entendimento do STJ.

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2º caso: Brown vs Board of Education

Factos:

 Na sequência da aplicação político-jurídica “Equal but Separate” observa-se a


segregação racial presente também no meio escolar, através da existência de
escolas para brancos e para negros, sem a mesma qualidade.

 A fim de garantir a igualdade de oportunidades entre o meio negro e o meio


branco mas sobretudo com o desejo da quebra do dogma “Equal but Separate”,
surge a NAAPC.

 É então que, sobre a iniciativa desta associação, alguns pais propositadamente vão
inscrever 20 filhos em escolas brancas com o fim de que o comité da NAAPC possa
desencadear um processo contra escolas como da Virginia e de Washigton D.C.

 Em causa, para efeitos de estudo, temos o caso Linda Brown: uma menina a quem
foi rejeitada a entrada numa escola de brancos que era a mais próxima de sua
casa.

 Assim sendo, os representantes legais da menina dirigem-se à Justiça a fim de


reclamar a inconstitucionalidade de tal lei por ir diretamente contra a XIV emenda
(equal protection) da Constituição Federal Americana.

Análise – decisões:

 Tribunal conclui que o que está presente não é a violação da 14ª Emenda
enquanto tal, mas deve ser um problema colocado à luz do ensino público,
promovido em igualdade de condições. A realidade é que aqui não falamos de
uma desigualdade material, pois até algumas escolas negras podem ter boas
instalações, mas de uma desigualdade que no fundo torna as crianças negras num
grupo minoritário e sem dignidade social face aos brancos, pelo que uma raça é
subalternizada a outra e a própria separação leva, portanto, a uma desigualdade
social, ainda que não expressa, mas vivida.

 Há portanto uma violação do Princípio da Igualdade não diretamente na


prevalência da lei (Todos são iguais perante a lei) mas na condição social em que a
discriminação no ensino já enunciada pode levar a restrições de condições de vida
como o acesso ao ensino.

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 É, portanto, uma discriminação arbitrária, não justificada, não proporcional entre


meios e fins. Vai contra os Princípios estruturais do Estado de Direito Democrático.

 Havendo uma falta de cumprimento do Princípio da Igualdade, sobretudo, na sua


vertente positiva, esta é uma situação de discriminação suspeita não proporcional,
e injustificada.

 Casos:

o Delaware – Supremo Tribunal deixou negro andar na escola de brancos


devido à inferioridade da sua antiga escola face à dos brancos;

o Briggs v. Eliott e David v. County School Board – Não juntaram os brancos e


os negros, mas reconheceram a inferioridade das escolas dos negros
ordenando que se igualassem com as dos brancos;

o Gebhart v. Belton – admitiram a entrada de negros na escola de brancos


devido à inferioridade das escolas dos negros.

 Para concluir: considerações gerais sobre o princípio da igualdade:

o Lei é diferente de Direito, que defende valores como a liberdade e a


igualdade para todos.

o Formalmente, não há discriminação na lei “separados mas iguais” mas há


uma realidade histórica que subjaz e tende a sobre valer.

o Por trás da lei, está um critério de dignidade social e direitos. A lei é igual e
cabe ao tribunal aplicá-la e não interpretá-la. Com a evolução do princípio
da igualdade, a avaliação é feita de forma diferente, tendo em conta a
situação histórica (supra: a ação de Plessy é contra a lei mas conforme ao
direito).

o A discriminação viola o princípio do arbítrio e da inviolabilidade de direitos


(supra: Brown e o acesso à escola para raça branca), devendo a lei
respeitar a igualdade real de oportunidades, e agir para que esta se
concretize.

o Imposição de generalidade e abstração da lei.

o Prevalência do poder legislativo sobre o poder executivo e judicial.

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o Importante será também a determinação da razão de ser pela qual se


procede à discriminação assim como o fim que subjaz à mesma (ex.: só um
licenciado em medicina pode ser médico)

o Nos casos em questão, o critério para a diferenciação é arbitrário,


desrazoável e coloca em causa a própria ideia de justiça. Nos casos está-se
a impor a diferenciação de algo que à partida é igual, e a diferenciação é
feita à base de um critério destituído de racionalidade e alheado de uma
consciência jurídica informada pela justiça. E o preconceito, que remonta a
razões históricas, vai levar a superação de uma raça por outra, sem
qualquer fundamento racional.

o A discriminação presente vai pôr em causa todos os aspetos fundamentais


associados ao livre desenvolvimento da personalidade (dignidade da
pessoa humana).

o A separação das raças, mesmo que fosse sujeita a iguais condições, não
representa a concretização de uma qualquer ideia de igualdade, nem
sequer de igualdade material porque mesmo separada a desigualdade de
facto, continuava a estar em causa a desigualdade e a falta de dignidade
social, reveladora da ausência de igualdade através e perante a lei.

o A discriminação pode ser usada como um meio para chegar a um fim que é
a igualdade, como é o caso da discriminação positiva.

o Problema jurídico: se as normas são de acordo ou não, com a Constituição?

Comparação entre o 1º caso (Plessy vs Ferguson) e o 2º caso (Brown vs Board of


Education)

 No caso de Plessy, o STJ entendeu que a segregação nos estados do sul não
violava a Constituição dos Estados Unidos (em particular a 14ª Emenda que
afirmava que todos os cidadãos eram iguais perante a lei).

 No caso de Brown, dado que os negros não têm acesso aos mesmos sítios que
os brancos, surge um novo problema: a desigualdade de tratamento e
oportunidade, ou seja, em causa está a dignidade social. O STJ, então, no caso
de Brown, considera que há uma violação do Princípio da Igualdade na
condição social em que a discriminação no ensino já enunciada pode levar a
restrições de condições de vida, como o acesso ao ensino. É, portanto, uma
discriminação arbitrária, não justificada, não proporcional entre meios e fins.
Vai contra os Princípios estruturais do Estado de Direito Democrático.

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 Em ambos os casos:

o A discriminação está omnipresente, condiciona todas as dimensões da


vida quotidiana e todos aspetos fundamentais associados ao livre
desenvolvimento de personalidade (acesso à educação elementar, à
formação superior, ao mercado de trabalho, à habitação e à escolha do
local para viver, à liberdade de movimentos, ao contacto social e
íntimo, ao acesso à justiça).

o Tem como base a raça e preconceitos culturalmente enraizados sem


qualquer fundamento racional ➔ Segregação racial sistemática,
omnipresente e irracional.

o Há uma exigência de generalidade e prevalência da lei mas o que existe


é uma ausência de igualdade na lei e através da lei.

o Há uma inspiração do racionalismo individualista dos séculos XVII e


XVIII: imposição de tratamento de cada homem, como ser racional, por
isso, de modo igual por força dessa qualidade de que todos beneficiam
na mesma medida e que nessa medida os equipara em igual dignidade.

o A opção tomada nas leis em causa é arbitrária? ➔O critério escolhido


para a diferenciação é desrazoável e coloca em causa a consciência
jurídica na perspetiva da justiça ➔Impõe-se um tratamento diferente
do que é igual e diferencia-se o que é igual à luz dum critério destituído
de racionalidade e alheado duma consciência jurídica informada pela
justiça.

o Os negros não tinham representação.

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TEMA V: DIREITO, MORAL E LIBERDADE

1º caso: Case Bowers v. Hardwick

Factos:

 Hardwick é apanhado pela polícia em “flagrante delito” a praticar um ato


sexual com outro homem na sua própria casa.

 São conduzidos à esquadra pois estavam a praticar um ato sexual proibido


pela lei – ato sexual anal ou oral.

 O Estatuto da Georgia proibe estes tipos de atos sexuais, independentemente


de serem praticados por casais homossexuais ou heterossexuais,
considerando-os como crime.

 A qualificação jurídica destes atos é a sodomia – qualquer ato que envolve os


órgãos sexuais de uma pessoa e o ânus e a boca de outrem. A sodomia pode
ser:

o sodomia simples - quando há consentimento de ambas as partes; a


pena pode ir de 1 a 20 anos de prisão

o sodomia agravada - quando não há consentimento de uma das partes


ou quando é praticada entre irmãos ou menores de 20 anos; a pena
pode ir de 10 a 30 anos de prisão ou até mesmo a prisão perpétua.

 No caso concreto, aplica-se a descrição da forma simples do caso, ou seja,


estamos perante um caso de sodomia simples.

 Da polícia o caso é enviado ao Ministério Público que abre um inquérito e


arquiva o processo decidindo não acusar Hardwick. (Porque será que o MP
decide não acusar? Especulação: 1) por a polícia ter entrado sem motivo nem
autorização na propriedade privada de Hardwick – legalidade de entrar em
casa de outrem; 2) por haver uma dificuldade na acusação por levantar
problemas de natureza moral – natureza da situação.)

 Mesmo não tendo sido acusado, o problema de Hardwick é que era praticante
homossexual e, por isso, decide atacar a lei para prevenir as suas situações
futuras. Neste sentido, Hardwick contesta a lei da Georgia ao tribunal de 1ª
instância.

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 O Procurador-Geral desiste do caso por não ter mais provas.

 Recorre ao “District Court” e o caso nem sequer é apreciado.

 Recorre então ao “Circuit Court” (2ª instância, Tribunal de Recurso Federal)


alegando que a norma ia contra o direito à associação privada e íntima,
expressa na Constituição Federal Americana e, sobretudo, que violava a 9.ª e a
14.ª Emendas.

o Viola a 9ª Emenda, pois invoca um conjunto de direitos atípicos


(aqueles que não estão enumerados na Constituição) que devem ser
reconhecidos, como por exemplo, a autodeterminação sexual.

o Viola a 14ª Emenda, pois são violadas as garantias “due process of


law”, isto é, as garantias de um Estado de Direito são violadas.

 O Circuit Court admite que possa haver uma violação da 9ª emenda (cláusula
de direitos fundamentais) e da 14ª emenda (igualdade). Declara, assim,
inconstitucional a lei da Geórgia sobre a prática de sodomia.

 O“Circuit Court” recorre ao argumento “Due Process Clause” ➔ cláusula da


juridicidade do poder público.

 Hardwick ganha o caso e o Circuit Court declara a tal lei da Geórgia


inconstitucional. Por ser íntima, está protegida das interferências do Estado.

 No entanto, o Estado da Geórgia, cujo seu representante legal é o Ministério


Público, recorre ao “Supreme Court”. Bowers, procurador geral do Estado da
Geórgia, pede então que a norma seja declarada não inconstitucional. O
“Supreme Court” opta por ouvir o caso por questões semelhantes originarem
diferentes posições – já tinham havido casos semelhantes.

Análise

Considerações do tribunal

o Aceitam que se questione se o estatuto da Geórgia sobre a criminalização da


sodomia viola os direitos fundamentais dos homossexuais
o A verdadeira questão é:
o A Constituição Federal confere um direito fundamental aos
homossexuais para poderem praticar sodomia?
o Se sim, pode invalidar as leis dos Estados federados?

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o NOTA: Não esquecer que os Estados federados têm autonomia de ação,


ainda que estejam subordinados ao Estado Federal e à sua Constituição.
o Não concordam com a decisão do Tribunal de Apelação
o Os outros casos que sentenciaram não são semelhantes a este, pois diziam
respeito a vida familiar e a crianças

o Não acham que haja um direito consagrado relativo à prática de sodomia entre
homossexuais
o As 5ª e 14ª Emendas referem-se a determinados assuntos mas este é um
daqueles que não está na alçada federal ou estatal (são questões que não são
reguladas nem prescritas pelo Estado Federal)
o O que são “direitos, liberdades e garantias”?
o “Valores sem os quais a liberdade e a justiça não existiriam, se fossem
sacrificados”
o “Liberdades profundamente enraizadas na história e tradição da Nação”
o Quando a Bill of Rights dos EUA foi elaborada, a sodomia era uma ofensa
criminal nos 13 Estados que a ratificaram --- logo, não são liberdades
profundamente enraizadas na história e na tradição da Nação; aliás,
historicamente, eram repudiadas
o Após a ratificação da 14ª Emenda e da Due Process Clause nela estabelecida
(1868), 32 Estados ainda tinham leis que incriminavam a prática da sodomia
o A 1ª Emenda fala sobre liberdade domiciliária
o No entanto, há crimes que não deixam de ser penalizados apenas por ocorrem
na privacidade do domicílio
o Deve haver um critério para esta lei, mas neste caso há apenas a crença de uma
maioria, que considera que a sodomia homossexual é imoral e inaceitável
o Razão inadequada para justificar a lei, MAS há mais leis que se baseiam em
valores morais. Por vezes, o Direito consagra certos valores morais por
acreditar que devem ser respeitados.

Decisão do tribunal (maioria)

o Não concordam que as leis sobre sodomia devam ser invalidadas com base em
representarem valores morais
o Revertem o julgamento do Tribunal de 2ª Instância (que acreditava haver violação
de preceitos da Constituição Federal)
o Hardwick é considerado culpado de sodomia, enquanto delito grave
o Não aceitam a inconstitucionalidade da lei da Geórgia nem consideram que viole
nenhum direito fundamental

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Juiz Powell

o Concorda com a decisão --- Não há nenhum direito fundamental a ser violado, já
que a Constituição Federal e as declarações não referem a sodomia como um
direito fundamental
o Há critério, há legitimidade
o Não há proporcionalidade --- A pena é excessiva
o No entanto, haveria um argumento válido que não foi referido por
Hardwick --- a 8ª Emenda --- Não devem ser atribuídas cauções excessivas,
nem impostas multas excessivas nem penas cruéis ou incomuns
o A sodomia é considerada um crime grave, punível com pena de prisão
entre 1 e 20 anos
o É excessivo; comparável com outros delitos graves, como ofensas corporais
agravadas, roubo e fogo posto

Voto de vencido – Juiz Blackmun (com os Juízes Brennan, Marshall e Stevens)

o Não se trata da violação de direitos fundamentais


o Trata-se do direito mais compreensível e valorizado pelos homens civilizados – o
direito de “ser deixado em paz” pelo Estado, já que nos referimos a práticas que
são consentidas, realizadas entre pessoas adultas e na privacidade do seu
domicílio
o Até que ponto pode o Estado interferir na esfera pessoal dos cidadãos, na sua vida
privada e íntima?
o A moralidade, o consenso da maioria e a tradição não justificam as restrições
o Não é por algo remontar à história de um país que deve continuar a ser
considerado correto  Deve analisar-se o caso à luz do direito constitucional à
privacidade
o A Geórgia não pode penalizar escolhas tão íntimas de forma tão leviana
o O conceito de privacidade reporta ao facto moral de que cada pessoa pertence a si
própria e não aos outros nem à sociedade no seu todo
o A Constituição protege a privacidade – inclui a possibilidade de fazer escolhas e de
conduzir relações íntimas na intimidade do domicílio --- desde que não prejudique
os outros, é legítimo
o O que o Tribunal realmente recusa não é reconhecer a sodomia como um direito
fundamental, mas sim que é um interesse fundamental de todos os indivíduos
poderem controlar a natureza das suas relações/associações íntimas com outros 
Há décadas que esta proibição não é aplicada.

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Voto de vencido – Juiz Stevens (com os Juízes Brennan e Marshall)

o A questão não é se houve violação de um direito fundamental, porque a lei da


Geórgia penaliza a prática de sodomia entre pessoas do mesmo sexo e entre
pessoas de sexos opostos, casados ou não casados (é independente da sua
orientação sexual e do seu estado civil)
o A análise da constitucionalidade desta lei deveria incidir sobre duas questões:
1. Pode um Estado proibir totalmente a conduta descrita através de uma lei
neutra, aplicável sem exceção a todos os sujeitos da sua jurisdição?
a) O consenso da maioria sobre a imoralidade de um ato não é suficiente
para legitimar a sua proibição // A história e a tradição também não ----
com o evoluir do tempo as coisas mudam
b) A Due Process Clause da 14ª Emenda protege a liberdade que os casais
unidos pelo matrimónio têm de decidir individualmente sobre a
intimidade da sua relação física. Mais, esta proteção estende-se
também às pessoas que não são casadas
c) A forma como as pessoas se comportam na sua intimidade e no seu
domicílio é uma questão que apenas a elas diz respeito – e não ao
Estado
d) O Estado da Geórgia não pode proibir essas condutas categoricamente
2. Se não, pode o Estado manter a lei anunciando que apenas reforçará a lei
contra homossexuais?
a) Se não pode aplicar-se a lei como está escrita (está em causa uma
liberdade protegida da maioria da população), fazem uma aplicação
seletiva da lei
b) Não porque as pessoas tenham interesses diferentes na liberdade
c) Não há nenhum motivo através do qual se possa aplicar essa lei apenas
a certas pessoas

A lei seria inconstitucional para os heterossexuais. Se não é para os homossexuais, é


porque há discriminação

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2º caso: Case Lawrence v. Texas

Factos:

o A polícia responde a uma denúncia de distúrbios domésticos envolvendo armas,


na residência de Lawrence.
o Apanham Lawrence em pleno ato sexual com outro homem adulto, Garner.
o A Lei do Texas criminaliza práticas sexuais “desviadas” entre pessoas do mesmo
sexo (mesmo que seja entre adultos e consentido).
o Práticas sexuais “desviadas” = qualquer ato que envolva contacto entre os órgãos
genitais de uma pessoa e a boca ou o ânus de outra (sexo oral e anal).
o Contravenção = crime menor
o Foram presos e condenados a pagar uma multa --- coima máxima de 500 dólares
o Admitem que cometeram um crime à luz da lei da Geórgia, mas afirmam que esta
viola a Constituição Federal dos EUA.
o A prática da sodomia foi consentida por ambos, realizada entre duas pessoas
adultas e na privacidade do seu domicílio.

Considerações do tribunal

o A análise do caso deve basear-se em três questões:


1. A lei do Texas (que incrimina a prática de sodomia entre homossexuais,
mas não entre heterossexuais) viola a 14ª Emenda que garante igual
proteção da lei?
2. A penalização de uma atividade sexual consensual íntima na intimidade
do domicílio viola os interesses fundamentais na liberdade e na
privacidade protegidos pela Due Process Clause da 14ª Emenda?
3. A decisão do caso Bowers vs Hardwick deve ser anulada?
o A lei do Texas e da Geórgia não proíbe só uma determinada conduta sexual,
condena escolhas íntimas, condutas levadas a cabo na privacidade do domicílio e
relativas à esfera pessoal e mais privada da vida de cada um.
o A liberdade individual, consagrada na Constituição, dá o direito aos homossexuais
de fazerem as suas próprias escolhas no que toca à sua vida íntima.
o Historicamente não há condenação desta conduta apenas para os homossexuais --
- incriminava a prática de sodomia tanto para homossexuais como para
heterossexuais.
o O registo de condenações por casos de sodomia dizia respeito a circunstâncias
diferentes:
o Não consentido;
o Em resultado de uma agressão ou ataque;
o Com um menor;
o Historicamente, a lei foi criada para condenar casos de sodomia por
agressão, não consensual, pedofilia,…;

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o A homossexualidade era um tabu e era vista com maus olhos pela


sociedade.
o O caso não envolve pessoas que tenham sido lesadas ou coagidas nem pessoas
que estivessem em relações onde não se podiam recusar a dar consentimento.
Não envolve condutas públicas nem prostituição. Não está em questão o
reconhecimento formal de relações homossexuais (ex: permissão de casamento
ou de parcerias civis registadas).
o Envolve dois adultos que se envolveram em práticas comuns de um estilo de vida
homossexual, com consentimento de ambos. Os recorrentes têm direito ao
respeito pela sua vida privada. O Estado não pode diminuir a sua existência ou
controlar o seu destino tornando a sua conduta um crime.
o O seu direito à liberdade protegido pela Due Process Clause dá-lhes o direito de
direcionar a sua conduta sem intervenção do Governo. “Há uma promessa da
Constituição de haver um reino de liberdade pessoal na qual o Governo não pode
interferir.”
o Devemos ter em conta até que medida pode um Estado, em favor da “moralidade
pública “, interferir na vida privada dos cidadãos, pois devemos referir que a Moral
e o Direito são ordens normativas distintas:
o Deveres morais= imperativos mas sem consequência da violação da
mesma.
o Deveres jurídicos= imperativos com sanção aquando da violação dos
mesmos.
o Há violação da Constituição Federal --- a lei da Geórgia que incrimina a prática de
sodomia é inconstitucional
o Neste caso, na perspetiva do legislador, podemos identificar dois princípios:
o Moralismo = legislador tenta refletir o que a maioria da sociedade
considera correta na sua norma
o Paternalismo = legislador reflete as suas ideias na norma, mesmo que vão
contra a ideia da maioria, para corrigir os comportamentos da sociedade
que considera desadequados.
o Critérios de distinção:
o Fonte:
 Normas morais não têm fonte propriamente dita, assimilam-se pela
socialização
 Normas jurídicas têm fontes específicas de direito (são positivadas)
 podendo também ser conhecidas por socialização
o Fundamento da obediência:
 Moral = o que devo fazer?  consciência
 Direito = o que posso fazer?  regras
 O fundamento da obediência à moral não diz respeito apenas à
ação mas também à consciência interna, que não diz respeito ao
Direito. Mas quando se viola o Direito essa consciência não é
indiferente, só o é quando se vai de encontro ao Direito (supra.:
caso Dudley and Stephens e caso das gêmeas).

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o Intencionalidade:
 Normas jurídicas = procuram reger a sociedade e as suas condutas,
limita as liberdades
 Normas morais = procurar cumprir o dever da consciência, orientar
para o bem o Liberdade de pensamento
 Moral rege-a, condenando pensamentos que vão contra ela
 Direito não a rege, apenas trata ações que tenham repercussões no
exterior
o Limite de intervenção do direito = lesão ou perigo de lesão de liberdades de outras
pessoas- não é totalmente verdadeiro
o Muitas normas jurídicas têm valor moral (Ex: homicídio).
o Nos casos da Georgia e do Texas, tratam-se apenas valores morais e não outros
lesivos de terceiros- dificuldades na legitimidade da intervenção do Direito
(problema da junção do Direito e da Moral)
o O Direito intervém quando está em causa a lesão de terceiros.
o A promoção da sociedade tal como a conhecemos pode ser o critério utilizado
para restringir essa liberdade mas é necessária justifica-la. O argumento nos casos
é insuficiente. O Direito entra em áreas que não são da sua competência, mas
pode fazê-lo apresentando razões fortes e que preservem as decisões da maioria.

Semelhanças:

o Questões jurídicas: liberdade, igualdade e esfera de interferência do Estado;


o Igualdade – distinção baseada na orientação sexual: só serviria para o caso
do Texas e mesmo assim sempre se poderia falar em discriminação
indireta;
o Liberdade – precedência lógica; a igualdade pressupõe a aferição da
legitimidade do interesse prosseguido pela lei. Este teste de legitimidade
implica sempre o escrutínio das razões que militam a favor da restrição da
liberdade individual, nomeadamente a liberdade de escolha de certas
práticas sexuais;
o Atividade sexual = vida íntima, privada, da esfera pessoal de cada um. Até que
ponto pode o Estado interferir nela?
o Atos consentidos, praticados entre adultos e na privacidade do domicílio;
o Estigma social.

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Diferenças:

o História processual:
o Geórgia --- o Ministério Público arquivou o caso (consideraram que as
provas eram “irrelevantes” de serem julgadas – não esperavam que
houvesse uma perseguição efetiva em função da lei)
o Texas --- são formalmente acusados, depois de serem detidos, e são
condenados a pagar uma multa
o Delimitação do tipo:
o Geórgia ---- condena a sodomia entre pessoas do mesmo sexo e de sexos
opostos --- discriminação indireta --- os casais heterossexuais podem
praticar outros atos sexuais - casais homossexuais não têm outra opção
para terem relações sexuais sem ser as práticas orais ou anais,
contrariamente aos casais heterossexuais que têm vias.
o Texas ---- condena sodomia apenas entre pessoas do mesmo sexo ---
discriminação direta em função da orientação sexual
o Qualificação do delito:
o Felony – crime grave / Misdemeanour – contravenção / Infraction -
contraordenação
o Geórgia ---- delito (grave)
o Texas ---- contravenção (médio)
o Moldura penal:
o Geórgia ---- prisão entre 1 e 20 anos
o Texas ---- multa no máximo de 500 dólares

Notas gerais:

o Ordem moral ≠ ordem normativa


o Ordem normativa = exigibilidade (pode ser exigível de ser cumprida)
o Exigibilidade:
o Sancionatória = ameaça de consequência negativa se não cumprir)
o Executiva = obrigar a fazer
o Ordem normativa = punibilidade
o Punibilidade = sanção penal (mais grave)  pode afetar a liberdade
o Liberdade privacidade espacial
decisória
autonomia

o Lord Devlin era juiz de carreira = representante da Nação na Câmara dos Lordes e
juiz do Privy Council
o Devlin diz que se pode proibir homossexualidade e Heart diz que não

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INTRODUÇÃO AO DIREITO SEGUNDO O MÉTODO DO CASO
2016/2017
MARGARIDA DURÃO
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Lord Devlin and the Enforcement of Morals (Yale Law School Legal Scholarship
Repository)

Questão: se é aceitável que a comunidade proceda à criminalização de comportamentos


pelo facto de serem moralmente censuráveis (em particular, por ser esse o juízo mantido
pela maioria em relação aos comportamentos incriminados).

Lord Devlin – comentando o Maccabean Report encomendando pela British Academy, de


1958: haverá sempre um campo moral tido por privado na qual “(it’s) not the law`s
business” interferir (988)

No entanto, um domínio de moralidade existe que merece e, na verdade, impõe a


intervenção reguladora do Direito e a interferência em esferas de liberdade do indivíduo.
Com que argumentos? De forma muito sucinta e imperfeita:

 1º O direito da sociedade de preservar a sua existência;


 2º O direito da maioria seguir as suas convicções morais e da defesa de um
ambiente social em relação a mudanças que merecem a sua oposição
Critério de determinação daqueles comportamentos em relação aos quais a garantia de
“moral privada” não se vê aplicada:

 Aqueles reveladores de um vício tão abominável que a sua mera presença é


ofensiva.
 Logo: se esse é o sentimento genuíno na sociedade em que vivemos, então, não
pode ser negada à sociedade o direito de erradicar essa prática

1º O Direito da sociedade de preservar a sua existência

 Certos parâmetros morais são essenciais para a sobrevivência da comunidade.


 Tendo a sociedade o direito de preservar a sua existência tem, certamente, o
direito de insistir na conformação dos indivíduos a esses parâmetros.
 Pelo que tem o direito de estabelecer sanções pelo seu incumprimento.
 Boa parte dos comportamentos impõem tolerância, pois a sociedade está sujeita à
máxima tolerância da máxima liberdade coerente com a integridade da sociedade.
 Mas este princípio de restrição não se impõe em relação a comportamentos que
provocam um sentimento de repulsa elevado, persistente e permanente (989).
Nesse caso a sociedade tem o direito de erradicar a existência desses
comportamentos.

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INTRODUÇÃO AO DIREITO SEGUNDO O MÉTODO DO CASO
2016/2017
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1º O Direito da sociedade de preservar a sua existência: crítica

 Não existe aqui qualquer argumento no sentido de que esse sentimento


comunitário é correto.
 Nada nesse sentimento permite sustentar que a existência da sociedade está em
perigo.
 Logo, a sua supressão e o próprio juízo de perigo da sociedade dependem apenas
e só da reação emocional prevalecente na sociedade.
 A dependência do juízo sobre a legitimidade de intervenção penal de uma reação
emocional de repugnância retira qualquer possibilidade de apreciação crítica da
proibição e incriminação da sodomia e da própria consideração da sua correção,
assim como de relevância jurídica a conferir àquela reação.
 O ódio da comunidade será suficiente para a consideração de existência de risco
quanto à existência da sociedade e a indignação e repulsa serão fundamentos
bastantes para a interferência do Direito na esfera de liberdade individual, neste
caso na esfera de privacidade, assim como para a incriminação do comportamento
gerador dessa reação emocional.

2º O direito da maioria de seguir as suas convicções morais e de preservar um ambiente


social em relação a mudanças que merecem a sua oposição

 A fruição livre de comportamentos homossexuais levaria a que a sociedade


mudasse, com possibilidade de colocação em causa da posição da família; o
padrão de comportamentos de terceiros condiciona e molda ao ambiente em que
as crianças devem crescer.
 O legislador tem de decidir quais os valores fundamentais a prosseguir mesmo
que com custo da liberdade individual.
 O critério de decisão passa pela consideração de um consenso que, por força da
inevitável oposição de minorias, é assegurado por uma maioria.
 A comunidade não pode se não actuar “on its own lights”, de acordo com a fé
moral dos seus membros (993).
 Será válido este critério – o entendimento da maioria será suficiente para a
qualificação de comportamentos, não apenas como imorais, mas ainda cuja
imoralidade será de tal modo grave que justifica a interferência pelo legislador?

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INTRODUÇÃO AO DIREITO SEGUNDO O MÉTODO DO CASO
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Dworkin:

 Conceitos como convicção moral e posição moral funcionam como termos de


justificação e crítica no seio da nossa moralidade convencional.
 Quando a questão moral necessita de clarificação ou é disputada – como esta – a
um uso dos termos convicção moral e posição moral corresponde a apresentação
de justificações/razões para uma posição que defende um juízo como moral ou
imoral.
 A validade da argumentação moral depende da possibilidade de demonstrar que
determinados comportamentos são imorais in an of themselves.
 Seja porque e dando como exemplos:
o Correspondem à quebra de um dever ou de uma obrigação;
o Lesam um terceiro ou o próprio autor;
o Violam uma regra prescrita por uma organização religiosa;
o É ilegal (?) (este argumento parece-nos ser circular).
 Os fundamentos últimos da imoralidade estão limitados por um conjunto muito
restrito de parâmetros muito gerais.
 A falta de uma razão, e em particular de uma razão resultante do elenco muito
restrito de fundamentos generalizáveis, tornará a condenação de um
comportamento como imoral à condição de um juízo de arbitrariedade.
 A justificação só é válida quando evita desvios habituais a esta exigência: como o
preconceito, a reação emocional, a racionalização ou o papaguear.
 Ora, Devlin fundamenta a sua posição mediante o recurso a uma posição moral
que defende num sentido antropológico – na reação que um homem comum teria
em relação à sodomia. Todavia, é possível que a posição do homem comum seja
uma amálgama de preconceito, racionalização e de aversão pessoal.
 O apelo a um consenso comunitário para legislar impõe a verificação das
credenciais desse consenso, não servindo a sua invocação como fundamento em
si suficiente para legislar.
 What is shocking and wrong is not his idea that the community`s morality counts,
but his idea of what counts as the community`s morality (1001).

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TEMA VI: A RESPONSABILIDADE CIVIL ENTRE A CULPA E O RISCO

Considerações gerais:

Princípio da responsabilidade civil --- O dano é suportado por quem o sofre, em princípio.

Pressupostos do princípio da responsabilidade civil (têm de se verificar cumulativamente


para se poder culpar outrem – já que em princípio o dano é suportado pelo lesado, por
quem o sofre)

1. Dano ---- prejuízo para o lesado


a. O dano pode ser real vs patrimonial:
 Real: lesão que efetivamente ocorreu (1ºcaso: laceração da mão; 2º
caso: ferida da mão)
 Patrimonial: implicações patrimoniais, custos, projeção pecuniária
do dano real
b. O dano pode ser moral vs patrimonial:
 Moral: prejuízo emocional do dano sofrido (art.496 CC)
2. Comportamento ---- ativo ou omisso (por se praticar ou não uma ação)
a. Acontecimento que é controlável pelo terceiro
3. Causalidade ---- relação causa-efeito/ comportamento-dano (conceito jurídico e
não naturalístico)
4. Ilicitude ---- só se o comportamento que causou o dano for ilícito é que se verifica
a responsabilidade civil, dado que foi contra a lei
5. Fator X:
a. Culpa – exigibilidade de um comportamento diferente daquele que foi
adotado. Tem um pressuposto abstrato e outro concreto (art.487 CC):
 Pressuposto abstrato ---- imputabilidade --- a pessoa tem de poder
ser responsabilizada, o crime pode ser-lhe imputado (art.488 CC)
 Pressuposto concreto ---- censurabilidade --- a ação é censurável ---
se naquelas circunstâncias era exigível que o agente se
comportasse diferentemente (art.483 CC)
 Dolo = intenção
 Negligência = descuido, falta de cuidado **

** O nível de precaução ou cuidado que se exige, razoavelmente ---


- exigibilidade
b. Risco
 Quem aproveita um bem ou uma atividade, deve responder pelos
riscos inerentes à mesma
 Se eu gozo de um bem devo pagar a fatura que pode decorrer da
materialização dos perigos que daí advêm
 Reciprocidade ---- Quando o risco é igual de ambas as partes
 Assimetria ---- Quando o risco é maior de uma das partes

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1º caso: Escola v. Coca Cola Bottling Co.

Factos:

 Uma empregada de mesa ficou ferida depois de uma garrafa de Coca-Cola ter
rebentado na sua mão
 Pretende processar a companhia de engarrafamento para obter uma
indemnização: ação contra a empresa de engarrafamento e distribuição de Coca-
Cola (réu)
 Acusa de venderem uma garrafa com defeito --- “garrafas contendo bebidas com
uma pressão excessiva de gás ou que, por uma razão de defeito na garrafa, eram
perigosas ou podiam explodir”
 O motorista, que trabalhava por conta da emprega, entregou várias caixas com
garrafas
 Colocou-as no chão, umas em cima das outras, debaixo e atrás do balcão, onde
permaneceram cerca de 36 horas
 A queixosa pegou na caixa de cima e colocou-a próxima de uma arca de gelados e
de um frigorífico
 Retirou as garrafas, uma de cada vez, com a mão direita, e colocou-as no
frigorífico
 A 4ª garrafa explodiu-lhe na mão
 Partiu-se em 2 bocados --- som parecido com o de uma lâmpada a rebentar
 Infligiu-lhe um corte profundo na mão, de cerca de 12 cm, que lhe afetou os
nervos e os tecidos do polegar e da palma da mão
 O patrão e o colega confirmam --- a garrafa não embateu contra nada, que
pudesse justificar o sucedido
 Res ipse loguitur --- a coisa fala por ela mesma, não foi demonstrada, mas foi
presumida – art.493/3 CC
 Um motorista do réu é chamado a testemunhar pela queixosa ---- já tinha visto
outras garrafas a explodir e tinha visto algumas partidas no armazém MAS não
sabia o motivo

Considerações do tribunal (maioria)

 O tribunal presume a culpa na produção da garrafa - a culpa está na própria coisa -


a coisa fala por si: "RES IPSE LOQUITOR". Assim, o dano tem determinada natureza
que presume-se que houve culpa, ainda que não demonstrada, a garrafa não
explodiria por si mesma.
 Porque se presume a culpa:
o 1º: Há um controlo da atividade de engarrafamento por parte da empresa;
o 2º: A garrafa poderá apresentar defeitos.
 Tudo cabia à empresa - controlo exclusivo da atividade.

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 Presume-se negligência visto que a empresa tem controlo exclusivo sobre a


atividade de engarrafamento. Aliás, se o sistema de inspeção é excelente, o
problema deriva do mau empregue desse mesmo sistema.

Declaração de voto – Juiz Traynor:

 Defende responsabilidade pelo risco, resultado acaba por ser bastante semelhante
ao voto da maioria, concordando com a decisão e não com a fundamentação
usada.
 A empresa desenvolve uma atividade arriscada (risco); tem uma posição
estratégica e incomparável em termos controlo; é a empresa que escolhe quem
faz parte da cadeia. É expectável a garantia do risco.

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2º caso: Marshall v. Rahne Co.

Factos:

 O queixoso foi mordido pelo porco do seu vizinho. Eram proprietários de prédios
rurais subordinantes. Há anos que o ameaçava a ele e à sua mulher, tendo
chegado a atingi-la algumas vezes. Um dia é atingido pelo animal, enquanto se
está a dirigir à sua carrinha. Morde-lhe a mão, causando um ferimento.
 A única testemunha é o queixoso.
 Tanto o queixoso como o réu tinham quintas e criavam porcos --- à data, o
queixoso tinha 200 na sua quinta.
 No dia da agressão, já tinha visto o porco (que tinha fugido uns tempos antes da
quinta do seu dono).
 Voltou a sua casa para mudar de roupa. Quando saiu, não viu o animal.
 Dirigiu-se à sua carrinha para se ir embora. Ouviu um barulho, voltou-se, e o porco
investiu contra ele e mordeu-lhe a mão, causando um ferimento
 Apesar de já constituir uma ameaça há algum tempo e apesar de possuir armas,
nunca disparou contra o animal.
 No dia do ferimento tinha escrito um bilhete para o seu vizinho a alertá-lo para o
perigo que o seu animal constituía para os outros (o comportamento do animal
era descontrolado e imprevisível, pelo que deveria ser abatido)
 Tanto o réu como o queixoso foram negligentes: o Réu --- deveria saber desse
perigo, no exercício do seu cuidado / permitiu que o porco fugisse, sabendo da sua
propensão para por em perigo a segurança dos outros o Queixoso --- sabia desse
perigo ainda antes do ataque / expôs-se voluntariamente ao risco de ser atacado
pelo animal / o facto de não se ter defendido antes (tiro) é considerado
negligência / não tinha nenhuma vedação que o impedisse de passar.

Questão jurídica: Quem responde pelo dano/ prejuízo? A regra geral é que o dano é
atribuído a quem o sofre. Mas para que o dano seja atribuído a quem o cometeu e não a
quem o sofre, têm de se verificar certos pressupostos.

Se o tribunal declara e ainda assim o réu não devolve, o tribunal executa.

Garantias sancionatórias:

 Compensatórias (Ex.: indemnização)


 Punitivas (Ex.: pena de prisão)
 Compulsórias (Ex.: direito de retenção)

Nestes casos, pretendem uma indemnização (garantia sancionatória compensatória).

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Nota: sanção compensatória ≠ sanção punitiva

 Sanção compensatória:
o responsabilidade civil
o na verdade, o que ela gostaria em vez de uma indemnização era a
recriação da realidade – a restituição natural – mas quando não é possível,
há que recorrer a uma alternativa que compense o dano causado, por
exemplo dinheiro (sucedâneo)
o são invocados os danos/ o prejuízo causado para que as pessoas tenham
ganhos no futuro
 ganhos emergentes
 lucros cessantes
 sanção punitiva:
o responsabilidade criminal e disciplinar
o está em causa castigar, pelo que o valor calculado é prosseguir com uma
finalidade diferente – assegurar que tal não se repete (fim preventivo)

Decisão do Tribunal:

 O tribunal verifica os pressupostos de responsabilidade e conclui que o risco


associado à criação de porcos decorre do réu responder perante o dano que
causou.

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TEMA VII: O DIREITO ENTRE LEI E JUSTIÇA

1º caso: Riggs v. Palmer

Factos:

 Francis Palmer, a 13 de Agosto de 1880 celebra o seu último testamento, no qual


entrega pequenos legados às suas 2 filhas (Mrs. Riggs e Mrs. Preston), bem como
os frutos da sua quinta – o restante – ao seu neto Elmer, com a obrigação de
sustentar a sua mãe (nora de Francis = de cuius, o que significa, “dito cujo”, o
morto, o testador).

 Testamento= ato jurídico que tem forma necessariamente escrita no qual o


testador dispõe do seu património e determina o seu destino após a sua morte.

 Em 1882, Francis volta a casar com Mrs. Bresee, sendo que no acordo anti-nupcial
fica acordado que, em caso de morte de Francis, Bresee continua a ser sustentada
pelos frutos da quinta.

 Francis, antes da sua morte, manifestou-se ao seu neto Elmer (16 anos) o desejo
de alterar o testamento (direito de fazer uso fruto – direito sobre um dado bem,
mais restrito do que o de propriedade privada da quinta, do rendimento da
quinta).

 Deste modo, Elmer, proprietário caso o avô e a respetiva mulher morressem, mata
o avô (por envenenamento) como forma de obter imediatamente a propriedade
que lhe estava destinada, de acordo com o testamento de Francis.

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Considerações do tribunal:

 Elmer reclama propriedade da herança e abertura do testamento, invocando os


seguintes argumentos:
 O avô já estava morto - o testador morreu, logo o testamentário deve poder
receber o seu testamento;
 Tem que se cumprir a letra da lei - a forma adotada é correta - o testamento
cumpre as formas de solenidade necessárias.
 Diz que a letra da lei foi cumprida:
o O testamento tem de ser a vontade livre e esclarecida do testador;
o Cumpriu todos os trâmites - forma escrita, testemunhas e perante um
notário.

Decisão do tribunal:

 A questão não se prende com Elmer ser ou não punido com o crime. Prende-se
sim com o facto de poder ou não herdar - legitimidade / dignidade de herdar;
 O regime de sucessão é a sucessão testamentária:
o O destino da herança depende da vontade do "de cuius" e não da vontade
do legislador - assenta na vontade do testador, é ele que decide o destino
do seu património.
 1ª hipótese - Se Elmer fosse declarado incapaz, as tias receberiam a herança
(situação prevista pelo "de cuius" no caso de Elmer morrer solteiro e sem
herdeiros). PROBLEMA: Não se sabe se seria esta a vontade do testador - num
regime de sucessão testamentária, o que importa é satisfazer a vontade do
testador. Ele não previu esta situação - logo, não se sabe qual a sua vontade em
tal situação.
 2ª hipótese - O juiz coloca-se na pele do testador e pensa o que ele quereria numa
situação desta.
 PROBLEMA: Seria uma vontade hipotética /conjetural - num regime de sucessão
testamentária só se aceita a vontade real do testador
 Por via da interpretação declarativa, Elmer receberia a herança;
 O testamento foi cumprido - deve ser executado (interpretação declarativa) -
adstrita à da letra da lei.
 MAS não se satisfazem com a interpretação declarativa
 A intenção do legislador não poderia ter sido que os herdeiros matem
intencionalmente o seu testador e que, ainda assim, recebam a herança.
o Ex. Proibição de derramamento de sangue nas ruas de Bolonha. Intenção:
Proibir duelos.
 Hipótese: Um homem que ficou com a perna presa numa carroça e um cirurgião
tem de lhe amputar a perna para evitar que gangrene e que se espalhe a infeção
pelo corpo. A letra da lei não o permite.

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 Mas pode?
o Interpretação corretiva - se o intérprete se colocar no lugar do legislador,
como decidiria?
o Por vezes não é aceitável - a função do intérprete é interpretar e não criar
normas;
o Estamos, assim, perante uma lacuna = caso omisso -> Integração de
lacunas;
o Tem relevância jurídica // tutelado pelo Direito - pretensão de conformar a
vida em sociedade // finalidades = justiça, segurança e bem-estar;
o O juiz não pode recusar-se a julgar, seja porque motivo for - proibição de
"non liquet";
o Neste caso, há uma solução, mas não é a melhor, tendo em conta as
circunstâncias do caso - quer-se substituir uma solução legal por uma
solução judicial;
o Lacuna inautêntica - incompletude do sistema jurídico que contraria
objetivamente o plano deste. Inautêntica porque há regulação, mas não é
a melhor;
o Conflito entre a solução legal e a Justiça

 Posição jusnaturalista = a lei não deve ser aplicada - Elmer não recebe a herança
o Juiz Earl
 Concorda com a maioria;
 Jusnaturalismo radical - se a lei é injusta, não deve ser aplicada =
"lex iniusta non est lex" - A lei só vincula se é justa.
o Voto vencido do Juiz Gray
 Positivismo radical - a lei vincula e, por isso, tem de ser sempre
cumprida ="Dura Lex, Sed Lex";
 A solução pode não ser a melhor, mas tem de ser cumprida a letra
da lei.

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2º caso: Comandante Karl Neumann v. Navio-hospital “Dover Castle”

Factos:

 Ocorre durante a 1ª Guerra Mundial - Em 1917, mas só é julgado após o fim da


Guerra;
 O comandante estava no submarino; as condições climatéricas eram favoráveis -
viu 4 navios: dois "steamers", a vapor e dois "destroyers", fragatas;
 Avista símbolos no exterior dos "steamers", indicando que eram navios-hospital -
dedicados ao transporte de doentes e feridos da Guerra;
 Aproxima-se e vê que fazem uma rota em ziguezague;
 O navio não tinha avisado da sua passagem nem estava a cumpri a rota que
deveria;
 Lança um 1º torpedo - não afunda, mas morrem 6 tripulantes;
 Deixa evacuar os doentes durante uma hora até lançar o 2º torpedo - afunda o
navio, mas não morre ninguém;
 Só depois percebe qual era o navio;
 A Alemanha começa a aperceber-se que usam os navios-hospital para fins
militares - ajuda militar e armas. O Almirantado Alemão determina uma nova
regra: só não atacam navios se avisarem 6 semanas antes da sua presença e se
mantiverem numa determinada rota fixa. Caso contrário, eram considerados
perigosos e beligerantes. Não cumpriram - atacados;
 O CC Alemão diz que se for na obediência a um superior hierárquico, não é
considerado responsável;
 Só seria culpado ou condenado se soubesse que estava a cometer um crime. Diz
que não sabia e que, por isso, não devia ser condenado.

Considerações do tribunal:

 Princípio militar:
o Obediência hierárquica:
 O subordinado está vinculado às ordens do seu superior;
 O dever de obediência é essencial em matéria criminal;
 Num caso de ofensa a uma lei criminal apenas o superior é
considerado responsável.
 Seria acusado de cúmplice se soubesse que se tratava de um navio-hospital e,
como tal, de um crime ou ofensa militar;
 O corpo do Almirantado era a autoridade máxima em relação ao acusado;
 Obedeceu a uma ordem - estava livre de responsabilidade criminal;
 Poderia ser responsabilizado se fosse além das ordens que lhe foram dadas ou se
soubesse que a ordem do seu superior se tratava de um crime militar ou civil;
 O subordinado não sabia que se tratava de um navio-hospital. Nunca o teria feito
se soubesse que a execução das ordens eram ilegais.

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Decisão do tribunal:

 O réu é absolvido;
 Exige-se à pessoa singular, mais do que um mero conhecimento da lei vigente e
concreta, um juízo ético - deveres que a lei estabelece e princípios da
Humanidade. (Ex. há leis que são imediatamente inválidas por violarem esses
princípios de direito - ideias fundamentais do ordenamento jurídico - mesmo que
esquecidos pelo sistema em vigor e que põem em causa essa obediência à lei
(referência ao Direito Natural);
 No caso alemão, a estatuição pode ser posta em causa quanto à sua validade -
pena de morte põe em causa a dignidade da pessoa humana, nomeadamente o
direito à vida. Por sua vez, a lei da época não representa a vontade geral e não é
aprovada por um órgão estadual competente - validade formal. Deste modo, não
se trata de uma lei, é inválida
 Austin defendeu que quando as leis humanas entram em conflito com princípios
fundamentais da moralidade elas cessam e passam a ser chamadas de "absurdo
gritante". Aquando de um certo grau de iniquidade, obrigação moral, poder-se-á
falar de uma resistência à própria lei e uma retenção à obediência;
 Positivismo - a lei como é e não como deve ser. São válidas tendo em conta as
regras do sistema, mas não os princípios básicos de moralidade;
 A lei de facto não é moralidade, mas a moral entra quando se trata da influência
no exterior e em terceiros - parte da moral que é a justiça;
 No texto do Professor Lon L. Fuller, este considera que o que foi lei,
nomeadamente no regime nazi, não pode ser hoje considerado como se nunca
tivesse sido lei. As palavras têm um efeito poderoso nas atividades humanas;
 Encontramos aqui um paradoxo: uma ordem imoral chamada lei, que cria um
dever moral que deve ser obedecido ou um dever moral que se pensa ser certo e
decente e quando confrontados com um mau estatuto, é necessário escolher
entre os dois deveres;
 Os próprios princípios que saíram do julgamento de Nuremberga afirma que a
escolha moral pode implicar a desobediência à lei, que a lei penal, se retroativa,
perderia a abstração e até a generalidade.
 Quando as leis traem a justiça e a igualdade, não são leis

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3º caso: The Attorney General vs. Adolf Eichmann (breve nota)

 Foi responsável pelo transporte para os campos de trabalho e extermínio.


Desapareceu após após a II Guerra e foi julgado por crimes de guerra;
 Neste julgamento, existe mais uma vez o confronto entre seguir as leis ou olhar ao
Direito Natural;
 Eichmann diz que apenas cumpriu a lei, embora não estivesse de acordo com ela;
 A questão é que ele foi condenado, mesmo utilizando este argumento, sendo que
a base para tal foi o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, mais
especificamente o ART. 33º/2

4º caso: Denunciante alemã (breve nota)

 Um homem, em casa em licença, afirmou à mulher que seria melhor que Hitler
tivesse morrido no atentado da Toca do Lobo.
 A mulher, para poder ficar com o outro parceiro, denuncia o marido. O marido foi
condenado à morte, pena comultada para que fosse combater na primeira linha
de batalha na frente russa. A mulher foi julgada por sequestro, já que privou o
marido da sua liberdade. Em sua defesa, afirmou que estava apenas a cumprir a
lei.

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TEMA X: LIBERDADE DE EXPRESSÃO E TUTELA DA PERSONALIDADE

1º caso: Democrata coagido

Factos:

 Giordano era autor de livros políticos (em especial sobre época nazi)
 Foi convidado para dar uma entrevista à revista Stern devido à morte do antigo
braço direito de Hitler (Rudolph Hess)
 Vai chamar nesta entrevista “democrata coagido” a Strauss
 Diz que há vários políticos deste tipo e que este problema permanece na
Alemanha, sendo Strauss um deles
 Diz que o povo alemão permite que isto aconteça pela falta de um chefe a quem
prestar culto

Considerações do tribunal:

 A decisão deste caso prende-se em dois aspetos:


o Liberdade de expressão (no interesse particular)
o Liberdade de expressão pública (no interesse público)
 Nem tudo o que é público interessa para a formação da opinião pública
 Tribunal chega à conclusão que as afirmações feitas são importantes porque
contribuem para o debate público
 Presunção a favor da liberdade de expressão = na dúvida, favorece-se a liberdade
de expressão
o Quem invoca a liberdade de expressão não tem de invocar mais nada ≠
quem está contra essa liberdade de expressão tem de apresentar provas
razoáveis para afastar essa presunção
o Em caso de dúvida favorece-se a liberdade de expressão
 É um caso de conflito de interesses\direitos (direito da liberdade de expressão
para interesse público vs. Direito de personalidade, honra e dignidade)
 Deve fazer-se uma interpretação em que a liberdade de expressão seja menos
lesada  aquela em que a interpretação é mais “leve”
 Tribunal diz que se admite tudo menos insulto  insulto é limite
 Insulto = magoar, atingir, atacar a pessoa propositadamente, “fora do assunto”
 Não se considera insulto quando uma pessoa é atingida indiretamente pelo
“argumento” pertinente para a opinião pública
 Neste caso não se considera ataque porque o objetivo é mostrar a preocupação
com a preservação da democracia
 Presunção da liberdade = presumimos que tem sempre em vista um objetivo de
interesse público
 Ganham Giordano e a revista Stern contra o Strauss

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 As razões aspresentadas pelos tribunais de instâncias anteriores não


suficientemente fundamentadas. Deste modo, a proibição da publicação deverá
ser revertida

Nota:

 Até que ponto é que esta liberdade é protegida?


 Caso Miguel Sousa Tavares (chama “Palhaço” a Cavaco Silva) = ofensa à pessoa e à
dignidade do cargo político  não é sancionado
 Caso caricatura de Maomé = ofensa à religião, blasfémia (porque não pode ser
retratado daquela forma)
 Caso João Paulo II (em relação aos métodos contracetivos) = desrespeito e ofensa
 símbolo da religião
 Liberdade de expressão e liberdade de opinião = importantes para o
desenvolvimento da pessoa
 Convenção dos Direitos Europeus = condena opiniões que choquem ou perturbem
 Caso New York vs. Sullivan (1960) = espaço de publicidade no NY Times reservado
para cartaz de movimento dos direitos civis  contra chefe da polícia que
praticou atos racistas:
 Inicialmente o cartaz é aceite, mas depois verificam-se factos falsos
 Factos não são verdadeiros  fora da liberdade de expressão
 Afirmações de facto são sempre protegidas, mesmo sendo falsas
 Só não são protegidas quando são produzidas com malícia
 Juízos de opinião não se podem aferir como verdadeiros ou falsos = são sempre
protegidos
 Relativamente a figuras públicas a proteção é ainda maior, permitindo os
extremos
 Liberdade individual = pode pôr em causa outras liberdades
 É quase tudo admitido no âmbito do discurso público  “não há limites” para não
provocar a autocensura (para não fazer as pessoas questionarem-se sobre a
possibilidade ou não de se expressarem, porque em caso de dúvida não dizem
nada”)
 Quanto mais “outrageous” (escandaloso, absurdo) for o caso, ainda mais
protegido ele é
 “fighting word” = a sua mera expressão pretende apenas atingir as pessoas ou
quebrar a paz  não são protegidas pela liberdade de expressão (em Portugal
também há esta lei)

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2º caso: Negação do Holocausto

Factos:

 Convite por parte de um partido a participar numa conferência;


 Lei define que não se pode negar o holocausto;
 Distrital do partido neonazi foi alvo de medidas para evitar a negação do
holocausto numa das suas reuniões (os quais dizem que os seus direitos foram
violados);
 Este ato tem medidas específicas como avisar previamente que não podiam fazer
essas alegações, interromper ou mesmo terminar a reunião se necessário;
 Abrem então processo contra essas medidas

Decisão:

 O tribunal começa por distinguir duas coisas:


o Opinião;
o Afirmações de facto.
 Tribunal tem de ver se as afirmações de Irving se tratam de um ou de outro;
 Tribunal afirma que as alegações vão contra a dignidade dos judeus e que vão
perpetuar a sua discriminação;
 Liberdade de expressão vs. Dignidade dos judeus;
 Tribunal salienta a falsidade das afirmações de Irving;
 E nota ainda o insulto aos judeus (as suas afirmações vão nitidamente contra
eles);
 Opiniões insultuosas sobre pessoas ou grupos
o Insulto vs opinião abusiva: insulto= magoar o visado com vontade de
ofender; opinião abusiva= não tem intenção de magoar/ofender o visado
 Perde o Partido Neonazi:
o Reversão parcial mas continua a dar mais razão ao Strauss (insultaram-no)
– ST – e a liberdade de expressão não permite o insulto
o Jordan que foi condenado e chega-se a um ponto – queixa constitucional
o Afirmação de facto é diferente de opinião; vai afirmar uma realidade de
facto que é falsa mas a partir dela pretende exprimir uma opinião
o As afirmações de facto têm de ser toleradas a menos que sejam
insultuosas.
o Decisão: não é inconstitucional
o O insulto não está protegido.
o A negação ao holocausto, para além de falsa, só poderá ser proferida como
forma de ofender a comunidade judaica e por isso não deverá ser
protegida pela liberdade de expressão consagrada na Constituição.

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Nota:

 Fundamento da restrição da liberdade de expressão (do outro prato da balança o


que está?)
o 1º caso – tutela de direito à personalidade (individual, o bom nome de
Strauss)
o 2º caso – tutela de direto à personalidade da comunidade judaica (coletiva
e individual). A tutela desses valores é um argumento com tutela
constitucional? Sim.

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TEMA XI: CIDADANIA E REAGRUPAMENTO FAMILIAR

1º caso: Mc Carthy and others

Factos:

 Mr.McCarthy (nacionalidade britânica e irlandesa) é casado com a


Ms.McCarthy (nacionalidade colombiana) e têm uma filha.

 Vivem em Marbella (Espanha) e viajam com regularidade para Inglaterra, onde


têm casa.

 Ms.McCarthy tem um cartão de residência em Marbella, mas para viajar para


Inglaterra precisa de um título EEA que tem de renovar de 6 em 6 meses,
tendo de se sujeitar a ir a Madrid ao UK Diplomatic Mission.

 Algumas companhias aéreas recusam o embarque de quem não tem o título


EEA por imposições do Secretary, nomeadamente de Ms.McCarthy.

 Essas imposições são justificadas pela sistemática falsificação e fraude de


documentação. No entanto, não havia nada que associasse Ms.McCarthy a
questões dessa matéria.

 É instaurada uma ação contra o UK que declara que está a violar as suas
obrigações europeias (acórdão do tribunal de justiça da EU). A questão foi
colocada num tribunal britânico e pede por via do tribunal de justiça da EU
para saber como aplicar. É recusado pois invoca uma Lei da Diretiva (art.35º)
que prevê que os Estados limitem a livre circulação.

o Nota: Exemplos de direitos que decorrem do estatuto complementar


de cidadania nacional/ europeia: eleger e ser eleito pelo Parlamento
Europeu, proteção diplomática, livre circulação, etc.

 Direito processual (não quer ter de se submeter ao procedimento de se


deslocar de Marbella para Madrid) vs Direito substantivo (há uma pretensão
subjetiva, a invocação da liberdade de acompanhar o marido).

 Este Tribunal diz o que pensa sobre o caso e vincula a decisão dos outros
tribunais - Mecanismo pré-judicial

 O que está em causa é um problema de cidadania europeia, relativamente aos


direitos do cidadão europeu (livre-circulação e permanência/representação
diplomática no estrangeiro)

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Decisão:

 Aparentemente unânime (28 juízes)

 Para que o direito do Sr. McCarthy seja tido em conta há que considerar a
família dele quanto às condições de liberdade e de dignidade

 Decisão final - a Sra. McCarthy não deve estar sujeita a visto ou algo
semelhante

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2º caso: Kerry v. Din

Factos:

 Miss Din entrou nos EUA como refugiada e adquiriu nacionalidade Americana.

 Casou com Berashk (cidadão afegão) e quer que ele se junte a ela.

 Para o conseguir tem que iniciar um procedimento administrativo para que ele
seja incluído na categoria “immediate relative” (na verdade ele é “immediate
relative”, pois são casados, mas é preciso a emissão de um visto de entrada
nos EUA).

 Berashk vai ao Consulado Americano no Afeganistão para ser entrevistado e


perceber se é ilegível para imigrar e se não representa nenhum perigo para a
segurança dos EUA (condição obrigatória para obter o visto).

 O visto é recusado nos termos e para os efeitos do artigo 1182 secção A)3b) do
Immigration Acts.

 Miss Din inicia um processo diretamente no tribunal federal (1ª instância) pois
quer que não a privem do seu direito de viver conjuntamente com o seu
marido (direito esse que está presente na Constituição).

 Miss Din contesta a recusa pois não lhe são dadas explicações nem há
qualquer fundamentação (violação due processo of law).

 Perde na 1ª instância e recorre para a 2ª instância do tribunal federal, que


concorda com ela.

 O Estado, representado pelo Secretary of State – Herry -, insatisfeito, faz uma


petition para contestar ao STJ.

Decisão:

 Tomada por maioria (9 juízes - 5 a favor e 4 contra)

 Dos juízes que votaram a favor, 3 subscreveram a decisão e a fundamentação


e 2 não subscreveram a fundamentação apresentada

 A Sra. Din refere a V e XIV Emendas (Vida, Propriedade e Liberdade)

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 Tribunal afirma que não existe uma liberdade constitucionalmente exigida

 Então, a Sra. Din invoca o direito a viver conjuntamente com o seu marido ao
que o Tribunal diz que o direito a casar e a residir não foram postos em causa

 Não existe nenhum elemento que fale sobre essa liberdade. Assim, não há
necessidade de explicação visto não haver nenhuma garantia de due process
of law

 Basicamente, pode dizer-se que o Direito substantivo existe, mas não pode ser
verdadeiramente exercido, porque não há direito processual

Semelhanças dos casos:

 Ambos são relativos a marido e mulher


 Casamento com alguém de um Estado onde querem entrar ou viver

Diferenças dos casos:

 1º caso: a Sra. McCarthy já está em território da UE (livre-circulação)


 2º caso: o Sr. Berashk ainda não está na Federação (Entrada nos EUA)

Direito material vs. Direito processual:

 Caso McCarthy:
o A Sra. McCarthy pede para ser dispensada de pedir o EEA (pedido
processual)
o O objetivo é que ela possa circular livremente na UE (pedido substantivo)
 Kerry vs. Din:
o Din deseja que a embaixada explique de forma clara a decisão que tomou
(pedido processual)
o Poder viver com o seu marido nos EUA (Direito substantivo)
 Normas processuais (forma de reivindicar o direito) instrumentos, ou seja, como
atuar no âmbito daquele problema
 Normas substantivas (direito que se tem), objetivo, isto é, o ponto de chegada

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