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Dados Internacionais de Catalogacio na Publicagao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Orlandi, Eni Puccinelli, 1942- InterpretagZo; autoria, leitura e efeitos do trabalho simbélico / Eni Puccinelli Orlandi. - Petropolis, RJ: Vozes, 1996 ISBN 85-326-1606-2 1. Anélise do discurso 2. Ciéncia Filosofia 3. Ciéncias| Sociais ~ Filosofia 4. Hermenéutica 5. Linguagem ~ Filoso-| fia |. Titulo. “95.5076 €DD-121.68 indices para catalogo sistematico: 1. Interpretag3o: Epistemologia: Filosofia 121.68, cage ab ss ENI PUCCINELLI ORLANDI INTERPRETACAO Autoria, leitura e efeitos do trabalho simbélico y mie leiras (e elas so muitas) so espécies naturais. Como os indios. A nogio de “dado”, como objeto encontrado natural- mente na lingua, se reforca cientificamente pela sustenta- ‘$0 em um quadro te6rico de referéncia - 0 do Naturalismo ~ que é universal mas que ganha contornos especificos na nossa hist6ria de pais colonizado. ‘So essas, em geral, as consideracdes que temos a fazer sobre a noco de dado. Como pudemos ver, essa nogao no tem um valor operatério positive, porque em andlise de discurso nao se trabalha com as evidéncias, mas com 0 processo de producao das evidéncias. O que, em dltima instancia, significa dizer que a nogao de dado 6, ela propria, um efeito ideol6gico do qual a analise de discurso procura desconstruir a evidéncia, explicitando seus modos de pro- ducao. Para tal, como vimos, é a propria nogao de real e a de interpretacdo que sdo colocadas em questo. Redefinindo a relagao do analista com o dado, com a interpretagio, com o real, com a realidade, a nocao de discurso promove confrontos teéricos que resultam na redefinigio do politico, do hist6rico, da ideologia, do social € do lingiiistico. E, finalmente, isso que define a necessidade de uma nova disciplina e a instituicdo de um novo objeto. Ea nogao de discurso, afinal, que vai tornar possivel, na andlise da linguagem, qualquer que seja sew dominio, as reflexes sobre 0 sujeito e a situacdo. Na abertura produzida pela anilise de discurso, e em especial pela reflexio de M. Pécheux, 0 discurso é uma nocio fundadora. 44 F 4, ORDEM B ORGANIZACAO NA LENGUA Hé uma diferenca necesséra entre ordem e organi co, quando se passa aum campo de estudos de linguagem que reconhece a contribuico especifica da nogio fe discutso. Essa ciferenca basicamente, separa ume tomada logicista ou sociologist da linguagem (ou, em outros tt mos, empiricista ou idealista) de uma perspectiva faa vva, Ou seja, aquela em que se reconhece a material da lingua e a da historia. : ; Comecariamos, entao, por dizer que'’a ordem)para ea no &0 ordenamentoimposto, nem a organizacdo enquany to tal, mas a forma material, Interessa ao analista néo ionamento. classificagao mas o fur Em nosso caso, especialmente, no estudo da semantica discursiva, 0 quenosinteressa a ordem da lingua, enduan- to sistema significante material, a da historia, enquanto materaidade simbélica. Reconhecemos, desse modo, uma relago entre da ordens: a da ingua tal como a enuncie: mos, ea do mundo para o homem, sob o modo da order institucional (social) tomiada pela hist6ria. O lugar de obser vacio é a ordem do discurso. : ~Parte-se do principio de que ha um real da lingua e um real da historia, e 0 trabalho do analista é justamente com- preender a relacdo entre essas duas ordens de real. Em nossos estudos, bem cedo nos ficou claro - na medida em que o analista de discurso tem uma postura 45 ere | crit i fica em rela¢ao a0 empirismo e a sua contraparte que 6 ok Et cman 5 Gus no era a organizacio de ngua que ressava (pensada na lingiist te tica sob 0 modo da oPosico ou da regra) mas a sua ordem: ordem simb: ordem do discurso. ica, Na andlis do & ac oe ae se, nfo éarelacio entre, por exerplo sjeto ae ( a SV) que é relevante, mas o que essa sintética pode nos fazer ¢ -ompreender dk mecai a se inismos de produc3o de sentidos (lingiisticohistori os) que af estéo funcionando em termos da ordem signi ani lo dem sig ne Nos instalarmos nesse campo da reflexiio, dois Sesocamentos se imp3em: a) 2 passagem para a forma material, b) a necessidade de se considerar lr 3c ue a lin significa porque a historia intervém, o he. a Pensar que o sentido é uma relaco determinada do sujeito t ter fa do sujeit ace © gesto de interpretacdo é o lugar em que se a relagao do sujeito com a lingua. Esta € a marca da “subjetivacao", o tr “ac ir Tletvasao" 0 waco da relagzo da lingua com a exter. do cog 00580 extra nos pert anspor lnir de conteudsmo ela ndo nos basta pos nos faz estacionar eee ee, de arranjo, de combinatéria. Breciso uma outa noGo, Esta nocio, a de matralidade, nos leva ds fronteras da lingua e nos faz chegar 3 consid. [gee da ordem simbolca,inclindo nea shina e'a ai sem divida, a critica feita a0 conteudismo - en Perspectiva te6rica (floséfica) : : : que mantinha, a sar do estruturalismo (ou justamente por ele) a sepavacao = que nos abriu 2 possibi- ae ) Ee um lado, transpor a nocao sociologista de gia e, b) pensar ndo a oposi¢io entre forma e con- 46 teGido, mas trabalhar com a nocao de forma material que se distingue da forma abstrata e considera, ao mesmo tempo, forma e contetido enquanto materialidade. Em termos analiticos, isso resulta em dizer que a instan- cia de constituigio da linguagem precede a da formulacao, a dos processos de producao determina a dos produtos, 0 fato de linguagem preside a consideracio dos dados. Mais do que isso, a relagao entre estrutura e aconteci- mento, colocando a interpretacdo como parte irrecusavel da relagdo do homem com a lingua e com a historia (M. P&cheux, 1983), nao a inscreve no entanto no campo da manipulacio, da intencao, da mera vontade. Algo que esta aquém e além do homem, essa relacao nao se da no ambito de seu controle. Essa é uma relacdo que 0 constitui enquan- to tal ‘Ao dizer que o inconsciente e a ideologia esto mate- rialmente ligados, M. Pecheux (1975) coloca a necessidade de uma nogio - 0 discurso - em que isto possa ser considerado, instituindo ao mesmo tempo a especificidade do campo te6rico estabelecido pela nocdo de materialida- de. Se em Milner (1976) a materialidade da lingua é a garantia de se ter acesso & sua ordem, Pécheux mostraré a insuficiéncia desta postura se nao se tiver em.conta a materialidade da hist6ria - para Milner apenas um efeito leolégico. Assim procedendo, Pécheux abre um espaco entre o formalismo e 0 sociologismo, duas reduces, ameu ver, que incidem sobre a lingua, sobre a sociedade e, conseqiientemente, sobre o sujeito e 0 sentido. Ultrapas- sando desse modo a organizacdo (regra e sistematicidade), podemos chegar & ordem (funcionamento, falha) da lingua da histéria (equivoco, interpretago), a0 mesmo tempo ‘em que nao pensamos a unidade em relacio a variedade (organizacao) mas como referida 4 posicao do. sujeito (des- centramento), Se algo pode nos esclarecer esta postura, 47 ; Ee dizermos que, ao contrério da completude do sistema abstrato), a ordem significante & capaz de equivoco, de deslize, de falha, sem perder seu carter de unidade, de de unidade, A ideologia, aqui, néo se define como conjunto de Tepresentagdes, nem muito menos como ocultacdo d: realidade. Ela & uma préticasignificativa. Necessiade da interpretacdo, a ideologia nao é consciente: ela é efeito de relacdo do sujeito com a lingua e com a histéria em era relagdo necesséria, para que se signifique. O sujeito, por sua vez, é lugar historicamente (interdiscurso) consti i | urso) constituido doa aso com 0 inconsciente € una das cimensbes re que ‘Constituem o sujeito, sua contraparte esta em que 0 equivoco que toca ahistria (a necessdade de inerpretacio) €o que consi aideologia,Oacesoa esse lo do equivoco ~ que é a ideo vo logia ~ pode ser traba- TRado pela nocdo deinterpslacio, constutva do sujeito Faz parte do mecanismo elementar da ideologia, que & a interpelaco do individuo em sujeito, o apagamento dessa Ceete que é a inscricao da lingua na historia para que la signifique:osujeito tem de inserr seu dizer no repetivel interdiscurso, meméria discursiva) in 50, me para que seja interpre- vel Ete também um dos aspect incorpletlae 6 ertura do simbélico: esse dizer que é : que € uma coisa aberta, mas dentro a hstéria, No efeito da vansparénci, ‘entido aparece como estando I, evidente i as Nesse dominio discursivo, ndo se est no sujeito psico- 'gico empiricamente coincidente consigo mesmo. O su- isito€ uma ‘posgio" entre ouras. O modo pelo qual ele itui em sujeito, ou seja, 0 modo pel Somes ome efeito ideol6gico elementar. Comrelatamente, a linguagem também nao é transparente, nem o sentido evidente. 48 Se, de um lado, na lingua, temse 2 forma empitica (“pata”), a forma abstrata (p/b) e a forma material lingistico- historica, ou seja,discursiva), em relagio 20 sujeito tem-se, em contrapartida, 0 sujeito empirico (sociol6gico), o sujeito abs- trato (ideal) € o que chamamos de a “posicao” sujeito. ‘Ao se passar da instancia da organizacao para a da ordem, se passa da oposicdo empirico/abstrato para a instincia da forma material em que o sentido nao é con- tetido, a historia no € contexto € 0 sujeito nao é origem de si. Expliquemo-nos: 0 ue interessa 20 analista de discur- 50 nao € a organizagdo (forma empirica ou abstrata) mas a ‘ordem do discurso (forma material) em que 0 sujeito se define pela sua relacio com um sistema significante inves- tido de sentidos, sua corporeidade, sua espessura material, sua historicidade. € 0 sujeito significante, o sujeito histérico (material. Esse sujeito que se define como “posicdo” é um sujeito que se produz entre diferentes discursos, numa relagdo regrada com a meméria do dizer (0 interdiscurso), definindo-se em fungio de uma formagio discursiva na relagdo com as demais. Nessa perspectiva, 0 analista de discurso vai entéo trabalhar com os movimentos (gestos) de interpretacao do sujeito (sua posi¢ao),na determinacao da hist6ria, tomando © discurso como efeito de sentidos entre locutores. S40, ‘como dissemos, duas ordens que Ihe interessam: a da lingua e a da hist6ria, em sua relacao. Que constituem, em seu conjunto e funcionamenty, + ordem do discurso. Em sua materialidade. Para ilustrar essa relagdo entre organizacao e ordem, € ‘© que isto acarreta para a consideracéo do sujeito face 3 linguagem, vamos tomar avargumentagao)) ‘Comegariamos por dizer que argumentacao, em andl se de discurso, é vista no processo hist6rico em que as posicdes dos sujeitos séo constituidas. Desse modo, 49 instdncia da formulacdo - em que entram as inteng6es ~ j est4 determinada pelo jogo das diferentes posicoes do sujeito em relacdo as formagGes discursivas, jogo a0 qual ele nao tem acesso direto. Ou seja, as filiacdes ideoldgicas Jd esto definidas e 0 jogo da argumentagao nao afeta as posic&es dos sujeitos, Em outros termos, podemos dizer que, no nivel da formulagao, 0 sujeito jé tem sua posicao determinada e ele J estd sob 0 efeito da ilusio subjetiva, funcionando ao nivel imaginario, afetado pela vontade da verdade, pelas suas intengSes, pelas evidéncias do sentido e pela ilusao refe- rencial (a da literalidade). Além disso, também os argumentos (por exemply, falar a favor dos pobres) séo produzidos pelos discursos vigen- tes, em suas relacdes historicamente (politicamente, ideo- logicamente) determinadas. Os argumentos derivam das relacées de discursos. As intengdes do sujeito nio mudam nada em relagio a isso. Elas terdo, no entanto, um papel determinante a nivel da formulacao, que funciona pelas projegdes imaginarias. Em suma, nesse nivel, o analista trabalha com a organi- za¢ao. Para atingir 0 que constitui a ordem significante, ele tem que considerar 0 que esta organizaco indica em relagio ao real, seja da lingua seja da historia. S6 assim atravessaré a instancia do imagindrio para apreender, no funcionamento discursivo, o modo de constituigo do sujeito e dos sentidos, Esta passagem da organizacao para a ordem nem é direta, nem automatic e se faz a partir de principios te6ricos fundamentals, como a da dispersao (do sujeito), 0 dando evidéncia (dos sentidos). Dai nossa proposta de se trabalhar com os gestos de interpretacdo. A questdo seria entdo a de compreender que relaces de sentidos esto determinando a necessidade desses ges- 50 a ivas estio at tos de interpretagao? Que formacées discursivas eres em jogo? Mesmo sem o saber, porque 0 sueito imprime exta e nao aquela diregao 4 argumentacio? De que reza sdo seus argumentos? a ssas questBes podem constituir um percurso para a andise tomandose eno a orarizaco de gus 3 ds Jo ¢ Jo, como lugar de passag crigdo dessa organizacao, st vel para explictar mecanismos de funconamento dscushos {que nos levam a compreende fatos da ordem do discurso.. Nas andlises que apresentaremios mais pcb fea mais clara essa disingdo entre ordem e organizaczo. De todo modo, 6 pela consideraio da forma material em que o simbalco o hstrico se articulam, os sentids se produzindo com ou sem o controle do sujeito - pode atingir a ordem do discurso. 51

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