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CAPITULO | © CAMPO DO CONHECIMENTO PEDAGOGICO E A IDENTIDADE PROFISSIONAL DO PEDAGOGO As quesi6es referentes ao campo de estudo da Pedagogia, da estrutura do conhecimento pedagégico, da identidade rofissional do pedagogo, do sistema de formacio de peda- gogos © professores, freqiientam o debate em todo o pais hd quase vinte anos nas varias organizagdes cientificas e profissionais de educadores. Entretanto, nfo s6 os resultados, desse movimento foram muito modestos, como tem sido dificil aos educadores obter um minimo de consenso sobre elas. Os problemas e dilemas continuam, persistem velhos preconceitos, mantém-se apego a teses ultrapassadas, &s vezes com o frdgil argumento de que so conquistas histéricas, E © que se pode ver por exemplo na insisténcia em temas como: a docéncia como base da identidade profissional de todo educador, a divisio do trabalho na escola, a separaga contetido-métodos, a escola como local de trabalho capitalista Junto a essas dificuldades, & visivel que a profissio de pedagogo, como a de professor, tem sido abalada por todos as lados: baixos salirios, deficiéncias de formagio, desva- lorizagdo profissional implicando baixo status social © pro- 17 fissional, falta de condigdes de trabalho, falta de profissio- nalismo etc. Esses fitores, por sua vez, rebatem na desqua lificagio académica da drea, fazendo com que docentes pesquisadores de outras dreas desconhegam a especificidade ‘da Pedagogia, embora a critiquem, Este livro pretende trazer uma parcela dessas questdes para o debate, especialmente tentando oferecer subsidios para a discussiio sobre o campo cientifico da Pedagogia e o exercicio profissional do peda- gogo Um conceito ampliado de educacio e de Pedagogia 5 Um dos fendmenos mais significativos dos processos 5 contempordneos 6 a ampliagiio do conceito de edu- cago. \Néo que isso nfo tivesse sido constatado antes por filésofos, socidlogos, antropdlogos e até pedagogos. Um deles, © antropélogo Carlos Brandio, expressou bem essa idéia quando escteveu em sen O que é educagao, em 1981 Ninguém escapa da educagio. Em casa, na rua, na igreja ou nna escola, de um modo ou de muitos, todos nds envolvemos pedagos da vida com cla: para aprender, part ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educagio. Com uma ou com varias: educagio? EducagSes. (..) NEo hi uma forma dnica nem um dinico medelo de edueacao; a escola 10 € © nico lugar em que cla acontece c talvez nem seja 0 melhor; © ensino escolar niio € a tiniea pritica, € © professor profissional nfo € seu nico praticante. Mas € evidente que as transformagdes contemporineas contribuiram para consolidar © entend como fendmeno plurifacetado, ocorrendo em muitos lugares, institucionalizado ou nio, sob varias modalidades, Os vérios capitulos deste livro se propdem a mostrar que essa ampliagio do conceito de educagio, decorrente da complexificagio da sociedade e da diversificagio das ativi- dades educativas, nfio poderia deixar de afetar a Pedagogia, 18 tomada como teoria ¢ pritica da educagio. Em vérias esferas da sociedade surge a necessidade de disseminagio e inter- nalizagio de saberes ¢ modos de ago (conhecimentos, conceitos, habilidades, hébitos, procedimentos, crengas, ati- *tudes), levando a préticas pedagégicas. Mesmo no émbito da vida privada, diversas priticas educativas levam inevita- velmente a atividades de cunho pedagdgico na cidade, na familia, nos pequenos grupos, nas relagdes de vizinhanga. Em resumo, estamos diante de uma sociedade genuinamente pedagégica (cf. Beillerot, 1985), * De fato, vem se acentuando o poder pedagégico de virios agentes educativos formais e nfio-formais. Ocorrem agdes pedagégicas nfo apenas na familia, na escola, mas também nos meios de comunicagio, nos movimentos sociais © outros grupos humanos organizados, em instituigées naio- escolares. Ha intervengao pedagégica na televisio, no rédio, nos jomais, nas revistas, nos quadrinhos, na produgio de ial informativo, tais como livros didaticos e paradidé- ticos, enciclopédias, guias de turismo, mapas, videos e, também, na criagiio € elaboragaio de jogos, brinquedos. A midia atua na modificagio de estados mentais ¢ afetivos das pessoas niio apenas pela propaganda, mas também seminando saberes ¢ modos de agir nos campos econémico, politico, moral, veiculando mensagens edu das com drogas, preservagio ambiental, satide, comporta- is etc. Nas empresas, hd atividades de supervisiio do trabalho, orientagdo de estagirios, formagiio profissional em servigo. Na esfera dos servigos piblicos estatais, disse- minam-se varias priticas pedagégicas de assistentes sociais, agentes de satide, agentes de promogio social nas comuni- dades etc. Ampliam-se programas sociais de medicina pre ventiva, informagao sanitéria, orientagio sexual, recreagio, cultivo do corpd, Ano a ano aumenta 0 niimero de congressos, simpésios, semihérios. Desenvolvem-sc em todo o lugar iniciativas de formacio continuada nas escolas, nas indtstrias. As empresas reconhecem a necessidade de formagao geral tivas, relaciona- 19 como requisito para enfien processo produtivo. damento da intelectualizagio do Con: economi jerando-se, ainda, os vinculos entre educagdo & . as mudancas recentes no capitalismo internacional colocam novas questées para a Pedagogia. © mundo assiste hoje a intensas transformagoes, como a internacionalizagio da economia, as inovagdes tecnolégicas em varios campos como a informética, a mictoeletrénica, a bioenergética. Essas tansformagées tecnolégicas ¢ cientificas levam A introdugio, no proceso produtivo, de novos sistemas de organizagio do trabatho, mudanga no perfil profissional e novas exigéncias de qualificagio dos trabalhadores, que acabam afetando os sistemas de ensino. Nao é casual que parcela do empresariado, surpreendentemente, esteja redescobrindo a escola bisica além do interesse por processos de requalificagdo profissional. De fato, com a “intelectualizagio” do processo produtivo, 0 trabalhador nao pode mais ser improvisado. Sao requeridas novas habilidades, mais capacidade de abstragio, de atencio, um comportamento profissional mais flexivel. Para tanto, repée-se a necessidade de formagdio geral, implicando rea valiagao dos processos de aprendizagem, familiarizagio com ‘os meios de comunicagdo e com a informdtica, desenvolvi- mento de competéncias comunicativas, de capacidades crin- tivas para anélise de situages novas € modificdveis, capa- cidade de pensar ¢ agit com horizontes mais amplos. Por mais que se reconhega que as transformagdes na educacio decorrem de necessidades e exigéncias geradas pela reorga- nizagio produtiva e pela competitividade no ambito das instituigées capitalistas, portanto, com um cardter economi- cista, tecnocritico e expoliador, 6 notério que nos encontramos diante de novas realidades em relagio ao conhecimento € & formacao. Verifica-se, pois, uma agio pedagégica miltipla na sociedade. O pedagégico perpassa toda a sociedade, extra- polando 0 Ambito escolar formal, abrangendo esferas mais amplas da educagio informal e nao-formal. Apesar disso, nio deixa de ser surpreendente que instituigdes ¢ profissionais 20 cuja atividade esta permeada de agdes pedagdgicas desco- nhegam a teoria pedagégica. | Com efeito, apesar dessa evidente redescoberta da Pedagogia como campo de estudos especificos relacionados com as préticas educativas, essa mesma Pedagogia esté em baixa entre intelectuais e profissionais do meio educacional, desde quando, em meados dos anos 80, 0 posicionamento de um segmento dos educadores identificando a Pedagogia com as “habilitag6es profissionais”, fez reduzir nas faculdades ‘Ue educaciio os estudos especificos de Pedagogia. Hoje em dia, muitos pedagogos parecem estar se escondendo de sua Profissio ou, ao menos, precisando justificar cotidianamente seu trabalho. Por razSes ainda muito pouco esclarecidas, boa parte dos socidlogos da educagio, psicélogos da educagio, fildsofos da educagdo que tém seus empregos e suas pesquisas em faculdades de educacio, mobilizam-se pela desativagao dos estudos especfficos da Pedagogia./Essa posigdo ainda persiste por conta dos vérios reducionismos de que é refém © campo do educativo, especialmente 0 sociologismo ¢ 0 psicologismo, sem que os pedagogos consigam ordenar seu prdprio discurso sua prOpria prética profissional para fazer © contraponto aos seus criticos. Nao se trata, de nenhum modo, de negar os aportes das ciéncias da educagio para 4 construgiio do objeto de estudo da Pedagogia, a prética Peducativa, que, por natureza, é pluridimensional. O que a teoria pedagégica faz é integrar num todo articulado os diferentes processos analiticos que correspondem aos abjetos espectficos (¢ parciais) de estudo de cada uma das ciéncias da educagdo\(Sarramona & Marques, 1985), conforme se buscaré comprovar ao longo deste livro. edagogia como teoria e pratie: da educagio “©. Hi uma idéia de senso comum, inclusive de muitos pedagogos, de que Pedagogia é 0 modo como se ensina, 0 modo de ensinar a matéria, 0 uso de técnicas de ensino. O pedagdgico ai diz tespeito ao metodolégico, aos procedi- mentos. Trata-se de uma idéia simplista e redu 21 ~ A meu ver, a Pedagogia ocupa-se, de fato, dos processos educativos, métodos, maneiras de ensinar, mas antes disso la tem um significado bem mais amplo, bem mais globa vante, Ela é um campo de conhecimentos sobre a proble- mitica educativa na sua (otalidade e historicidade e, a0 mesmo tempo, uma diretriz orientadora da agio educativa edagégico refere-se a finalidades da ago educativa, indo objetivos sociopoliticos a partir dos quais se estabelecemn formas organizativas ¢ metodolégicas da agao educativa.‘Nesse entendimento, 0 fenémeno educative apre- senta-se como, expressiio de interesses sociais em conflito na sociedade. I por isso que a Pedagogia expressa finalidades sociopoliticas, ou seja, uma diregdo explicita da asio edu- cativa. B devido a esse cardter sécio-histérico que 0 pedagogo polonés Suchodolski considera a Pedagogia uma ciéncia sobre a atividade transformadora da realidade educativa, O didata alemdo Schmied-Kowarzik chama a Pedagogia de ciéncia da e para a educaciio, teoria e pritica da educacio. Tem, portanto, um cariter explicativo, praxiolégico e nor- mativo da realidade educacional. Também’o pedagogo francés Jean Houssaye escreve que “a Pedagogia busca unir a teoria ea pritica a partir de sua propria ago. E nesta producio especifica da relacio teoria-pritica em educagio que a Pe- dagogia tem sua origem, se cria, se inventa © se renova" (4996). Pedagogia é, entéo, 0 campo do conhecimento que se ccupa do estudo sistemitico da educagio, isto é, do ato educativo, da prética educativa concreta que se realiza na sociedade como um dos ingredientes basicos da configura *da atividade humana. Nesse sentido, educagio & 0 conjunto das agdes, processos, influéncias, estruturas, que interven no desenvolvimento humano de individuos e grupos na sua relagao ativa com o meio natural e social, num determinado contexto de relagdes entre grupos e classes sociats.\ pratica social que atwa na configuragdo da existéncia humana individual © grupal, para realizar nos sujeitos humanos as caracteristicas de “ edade em que “ser humano”. Numa soci s relagGes sociais baseiam-se em relagdes de antagonismo, 22 em relagdes de exploracdo de uns sobre outros, a educagiio 86 pode ter cunho emancipatério, pois a humanizagio plena implica a transformagio dessas relagdes.! Sio esses processos formativos que constituem o objeto de estudo da Pedagogia. Mas, como ja se mencionou, o campo do educativo é bastante vasto, porque a educagio ocorre na familia, no trabalho, na rua, na ffbrica, nos meios de comunicagio, na politica. Com isso, cumpre distinguir ._sfiferentes manifestagdes © modalidades de prética educativa, “Yais como a educacio informal, néo-formal e formal. A educagao informal corresponderia a ages e influéncias exer- cidas pelo meio, pelo ambiente sociocultural, © que se desenvolve por meio das relagdes dos individuos e grupos ‘com seu ambiente humano, social, ecolégico, fisico e cultural, das quais resultam conhecimentos, experiéncias, priticas, mas que niio esto ligadas especificamente a uma instituigio, nem sio intencionais ¢ organizadas. A educagao ndo-formal seria a realizada em instituigdes educativas fora dos marcos institucionais, mas com certo grau de sistematizagiio © es- truturagiio. A educagdo formal compreenderia instincias de formagio, escolares ou no, onde ha objetivos educativos explicitos © uma ago intencional institucionalizada, estrutu- rada, sistemitica. Hi uma interpenetragio constante entre. essas trés modalidades que, embora distintas, nio podem ser consideradas isoladamente.? Se hi muitas préticas edu: cativas, em muitos lugares ¢ sob variadas modalidades, hi, 1. Caso nto tivesse esse vinculo com a prixis humana, implicands a erica essa pranis e uma conseigncia prisca, a Pedagogia perderia sua eapacidade de influit na privis e se wrnaria "uma cigncia prfissionsl pragmitica do. professor. mera transmissora de conbecimentos para 0 dominio das apiiddes técnicas stesanais da orientagio do ensino, submetda a objetivos deteeminsdos poitcamente” (Schmied-Kowarziky 1983), 2, Uma exposigio mais detalhada dessas modalidedes de educagio & feita no Capitulo IH. Esta discussio liga-se diieamente & awal civersifiesgio dos ‘agentes educativos para slém dos uadicionais (Kamila, escolt, comunidad), ex ppandindo-se para os melas de comuuicagio © informigio, 0 espago urano, os grupos humanos organizados, 05 movimentos socitis, de modo que se podetis falar também em sgéncias farmais ¢ oto-fortmais, 23 por conseqiiéncia, varias pedagogias: a pedagogia familiar, a pedagogia sindical, a pedagogia dos meios de comunicagao etc., © também a pedagogia escolar. Exsas consideragdes visam demonstrar que existe uma problemética educativa peculiar, um terreno de investigagio proprio da Pedagogia ¢ do qual nenhum outro campo do conhecimento se ocupa. Mas o que & esse educativa pro- priamente dito? Procurei mostrar anteriormente que o conceito ampliado de educacio caracteriza-a como pritica social, portanto enraizada no contexto geral da sociedade, ¢ inclui como agentes educativos miiltiplas instituigdes e préticas. Schmied-Kowarzik escreve: A educagio & uma fungio parcial integrante da produgio & reprodugio da vida social, que é determinada por meio da tarefa natural, e a0 mesmo tempo cunhada socialmente, da regeneraglio de sujeitos humanos, sem os quais 1 nenhuma praxis social. A histéria do progresso social & simul- faneamente também um desenvolvimento dos individuos em suas capacidades espirituais © corporais ¢ em. suas relagoes miituas. A sociedade depende tanto da formagio ¢ da evolusio Mlividvos que a constituem, quanto estes no podem se desenvolver fora das relagdes sociais (1983). existiria A educagao associa-se, pois, a processos de comunicagao © interagiio pelos quais os membros de uma sociedade assimilam saberes, habilidades, técnicas, atitudes, valores existentes no meio culturalmente organizado e, com isso, ganham © patamar necessdrio para produzir outros saberes, técnicas, valores etc. H intrinseco a0 ato educativo seu caréter de mediagio que favorece 0 desenvolvimento dos individuos na dindmica sociocultural de seu grupo, sendo que 0 contetido dessa mediagdo sdo os saberes ¢ modos de ago. B esta idéia-forga que explica as varias educagées, suas modalidades e instituicdes, entre elas a educagio escolar. ‘Também dai decorrem as varias projegdes do educative em projetos nacionais, regionais, locais, que expressam intengdes © agdes logo materializadas nos currfculos. A Pedagogia, mediante conhecimentos cientificos, filosdficos ¢ ténico- profissionais, investiga a realidade educacional em transfor- 24 magio, para explicitar objetivos © processos de intervengiio metodologica ¢ organizativa referentes & transmissdo/assimi lagio de saberes © modos de agio.? Ela visa ao entendimento, global e intencionalmente dirigido, dos problemas educativos © para isso, recorre aos aportes teéricos providos pelas “demais cigncias da educagdo. Por sua vez, pedagogo é 0 profissional que atua em varias instancias da pratica educativa, direta ou indiretamente ligadas a organizago e aos processos de transmissiio e assimilaclio de saberes e modos de ago, tendo em vista objetivos de formagéo humana previamente definidos em sua contextualizacio hist6rica. / ‘Vejamos mais de perto o sentido de trabalho pedago- gico. O que define algo — um conceito, uma agio, uma pratica — como sendo pedagégico? Mencionei, anteriormente, que hé prdticas de educagio informal, nao-formal e formal, caracterizando a educagdo informal com nao-intencional, isto 6, sem objetivos explicitos, sem o caréter de institucionalidade € estruturagdo, © as outras duas como intencionais. A Pe- dagogia ocupa-se da educagao intencional. (Como tal, investiga ‘0s fatores que contribuem para a construgiio do ser humano como membro de uma determinada sociedade, e os processos e meios dessa formagio. Os resultados obtidos dessa inves- saciio servem de orientagdo da agio educativa, determinam principios e formas de atuagio, ou seja, dio uma direcio de sentido a atividade de educar. © que acabo de afirmar leva a destacar duas caracte- risticas fundamentais do ato educativo intencional: primeira, precisamente a de ser uma atividade humana intencional; segunda, a de ser uma pritica social\No primeiro caso, sendo a educagdo uma relagdo de influéncias entre pessoas, 3. Beillerot (1985) apresenta uma detin prea, ou seja, um conjunto de comportamentar ¢ agdes coascientes © voluntirias {e transmissdo’ de saberes (..) par explcagdes que apelam & razio de uma oa mais pessoas, com a finalidade de: 1) modificar os eomportamentos, 05 aletos, a8 represeniagies dos ensinados...fapidio para s mudanga}; 2) fazer adguirie méiodes € regras fixas que permitam fazer face a sitagdes conhecidas que se Feproduzem com regularidade (aptdao para a resolugio do problemas dados}, fazer glo de apie pedagéien hd sempre uma intervencio voltada para fins dese} processo de formagio, conforme opgdes do educador quanto A concepgao de homem e sociedade; ou seja, existe sempre uma intencionalidade educativa, implicando escolhas, valores, compromissos éticos. No segundo caso, a educagio é um fen6meno social, ou melhor, uma pritica social que sé pode ser compreendida no quadro do funcionamento geral da sociedade da qual faz parte. Isto quer dizer que as préticas educativas nao se dio de forma isolada das relagdes sociais que caracterizam a estrutura econdmica e politica de uma sociedade, estando subordinadas a interesses sociais, econd micos, politicos ¢ ideolégicos de grupos e classes sociais. Sendo assim, ao investigar questées atinentes a formagio humana e priticas educativas corespondentes, a Pedagogia comega perguntando que interesses estio por detrés das propostas educacionais. Precisamente por isso, a ago peda- g6gica dé uma directo, um rumo as praticas educativas, conforme esses interesses. O processo educativo se viabiliza, portanto, como pritica social precisamente por ser dirigido pedagogicamente, Em outras palavras, & 0 cardter pedagdégico que introduz o elemento diferencial nos processos educativos que se manifestam em situagdes histéricas e sociais concretas. Sobretudo pelo fato de a prética educativa desenvolver-se no seio de relagdes entre grupos e classes sociais & que se ressalta a mediagio pedagégica para determinar finalidades sociopoliticas ¢ formas de intervencdo organizativa © meto- dolégica do ato educativo. Em sintese, dizer do cardter pedagégico da pritica educativa, é dizer que a Pedagogia, a par de sua caracterfstica de cuidar dos objetivos e formas metodolégicas e organi- zativas de transmissio de saberes e modos de agio em fungéo da construcio humana, refere-se, explicitamente, a objetivos éticos © a projetos politicos de gestio social E 0 campo do didético? Na linguagem comum & frequiente a identificagio entre 0 pedagdgico © 0 diditico, ou seja, fala-se indistintamente de ages pedagégicas ¢ agoes icas. A meu ver, ndo so termos sinénimos. O didético 26 rofere-se especificamente & teoria ¢ pritica do ensino ¢ aprendizagem, considerando-se 0 ensino como um tipo de pritica educativa, vale dizer, uma modalidade de trabalho pedagégico.[Dessa forma, 0 trabalho docente & pedagégico porque € uma atividade intencional, implicando uma diregio (embora nem todo trabalho pedagégico seja trabalho docente). © que significa dizer que todo ensino supde uma “pedago- gizacdo”, isto é, supde uma diregdo pedagégica (intencional, consciente, organizada), para converter as bases da ciéncia em matéria de ensino.* © desenvolvimento mais recente da teoria pedagégica tem acentuado de forma mais pontual 0 cunho pritico-tedrico da Pedagogia (Suchodolski, 1977, Schmied-Kowarzik, 1983, Houssaye, 1996, Contreras Domingo, 1997, Pimenta, 1997), Suchodolski utiliza os termos ciéncia prética e ciéneia tedrica, pretendendo superar as dicotomias entre a teoria e a pritica, de modo que a Pedagogia possa constituir-se como teoria prética © prética tedrica. Por sua vez, escreve Houssaye: Por defini¢ao, © pedagogo no pode ser nem um puro e simples pritico nem um puro e simples teGrico. le esti entre os dois. A ligagdo deve ser ao mesmo tempo permanente ¢ inedutivel, porque ndo pode existir um fosso entre a tearia e a pritica E esta abertura que permite a producto pedagégica. Em con- 4. "Pedagogizat™ a ciéncha a ser ensinada signtien submmeter os conte jemiticos a abjetivos explicitos de cuaho ético, flosélico, poli ima determinada direg3o (ntencionalidade) a0 trabalaa com a discplina e a formas anizadss do ensino. Nesse sentide, eonverter & ¢ de ensino € colocar parimetios pedagégice-didéticos na docéneia da dsciplina, ow sej jantar 0s elementos tégico-cientificos da discplina com os politico-ideolégion, e dlidéticos. Isso quer dizer asta ser um bom especialista em Mater professor sgregue © pedagégico-dilitic, ou soja: que conteddas dt Matenntiea cigncia devem constiuirse aa Matemétea-matéria de ensino visando & formagio dos. alunos? A que objelivas secicpolicas serve © conlgcimento escolar da ‘Matemtor? Que representagies, atitudes, convicydes so formadis em cima do conhecimento matemstico? Ou, que tabilidades, hibits, métodos, modos de agir, ligados « essa matézia, podem auxiliar os alunos & agirem praticemente dante de situapdes concretas di vida? Que seqUtneia de conleddos € mais sdequada & aprendizagem dos alunos, considerando sus idade, nivel de escolarizagan, canceitos Jf disponiveis dos slunos etc? a7 a, © pritico em si mesmo niio € um pedagogo, é mais ador de elementos, de idéias ou de sistemas pedagdgicos. ‘Mas 0 tedrico da educagio como tal no é também um pedapogo: considerado da fabricagio ica na educagio. Tat € a caldeira iea (Houssaye, 1996). Contrer: Ihante em relagdo A Diditica, acentuando o carter pratico Domingo (1997) raciocina de modo seme- dessa disciplina no sentido de que toma o conhecimento te6rico com intencao prética, isto 6, a servigo do conhecimento profissional do professor. O conhecimento provido pela didética € © que permite uma continua reelaboragiio da experiéncia profissional, de modo que o professor possa pensar sobre sua agio. Pimenta tem sugestivas contribuigées nessa finha, em trabalhos sucessivos que vem publicando desde 1994 a partir de posigdes de varios autores sobre a natureza da Pedagogia © da aglo pedagdgico-didética, Defende a Pedagogia como ciéncia da pritica da educagio, seu ponto de partida é a pratica e a ela se ditige. Sdo as demandas da pritica efetiva que irdo dar configuragiio aos saberes da docéncia: saberes da experiéncia, saberes cientificos saberes pedagégicos. A idéia que desenvolve é a de que 0 ensino ocorre em contextos especfficos, tais como as aulas, as escolas, os sistemas de ensino, as culturas e que é preciso conhecer essa pritica estabelecendo nexos ¢ relagbes entre esses contextos; para isso, a teoria torna-se indispensivel, ‘A nogiio de Pedagogia como ciéncia pritica ou ciéncia da ¢ para a educagio foi trabalhada sistematicamente por pedagogos marxistas. Hé mais de vinte anos, por exemplo, Schimied-Kowarzik (edigio alema, 1974, brasileira, 1983) situava a Pedagogia ao lado da Btica e da Politica como praticas, para as quais se exige uma teoria que nio tem seu objetivo em si mesma, mas na realizagio efetiva de uma atividade humana de sentido determinado e que, portanto, sio ciéncias da préxis para a prixis. Para esse autor, a Pedagogia dialética representa a exigéncia, ainda a 28 | | ' | | ser realizada, do auto-encontrar-se da Pedagogia como ciéncia da e para a préxis educacional, transformando-se por isso na detérminagio de objetivos pedagégicos a partir da ¢ para a praxis. Este entendimento permite afirmar que sio pedagogos lato sensu os professores de todos os niveis de ensino © os demais profissionais que se ocupam de dominios ¢ problemas da pratica educativa, especialmente no campo dos saberes © modos de aco, em suas varias manifestagdes ¢ modalidades; eles so, genuinamente, pedagogos. Certamente, € também legitimo identificar como pedagogos stricto sensu aqueles especialistas que, sem restringir sua atividade profissional a0 ensino, dedicam-se a atividades de pesquisa, documen tagdo, formagio profissional, gestiio de sistemas escolares & escolas, coordenagio pedagégica, animagfo sociocultural, for- magio continuada em empresas, escolas ¢ outras instituicdes. A Pedagogia e as ciéncias da educacio A Pedagogia nio é, certamente, a nica drea cientifica que tem a educag&io como objeto de estudo.\ Também a Sociologia, a Psicologia, a Economia, a Lingiifstica, podem ‘ocupar-se de problemas educativos, para além de seus proprios objetos de investigacdio c, nessa medida, os resultados de seus estudos siio imprescindiveis para a compreensio do educativo, Entretanto, cada uma dessas ciéneias aborda o fenémeno educativo sob a perspectiva de seus préprios “conceitos ¢ métodos de invéstigagio. Ea Pedagogia que pode postular 0 educativo propriamente, dito integradora dos aportes das demais dreas.|Isso significa que, embora niio ocupe lugar hicrarquicamente superior as outras cigncias da educagio, tem um lugar diferenciado.S ¢ ser ciéncia 5. Houssaye, neste pomto, tem posigdo incisive, conforme @ letura de Pimenta (1997). Primeico, arma que a Pedagogia no tem sta origem mas ciéncias dds educagio, porque estas no podem forpecer a prstica, indispensavel a elaboragzo Pedagégica, Tais cigncias tratam de saberes sobre a educaglo e a pedagosia, ¢ 29 A Pedagogia, com isso, € um campo de estudos com lentidade ¢ problematicas préprias. Seu campo compreende os elementos da ago educativa e sua contextualizagiio, tais como 9 aluno como sujeito do processo de socializagio e aprendizagem, os agentes de formacdo (inclusive a escola © © professor); as situages concretas em que se dio os processos formativos (entre eles o ensino); 0 saber como objeto de transmissdo/assimilagdo; 0 context socioinstitu- cional das instituigdes (entre elas as escolas e salas de aula). Resumidamente, © objetivo do pedagégico se configura na relaco entre os elementos da pritica educativa: 0 sujeito que se educa, 0 educador, o saber € Os comtextos em que ocorre. Nao € dificil constatar que nenhuma das chamadas cigncias da educagio trata especificamente desta problemética Quando um psicdlogo investiga ow atua no campo educa- cional, ele aplica af os conceitos e métodos da Psicologia € 05 resultados que obtém siio de ordem psicolégica (Estrel 1992). O mesmo corre com a Sociologia, Economia ete, A Pedagogia integra os enfoques parciais dessas diversas ciéncias em razio de uma aproximacao global e intencio- nalmente dirigida aos problemas educativos e, nese caso, os saberes dessas ciéncias convertem-se em saberes peda- gOgicos. Houssaye, citado por Pimenta (1997), diz que o retomo A Pedagogia ocorteré se as ciéncias da educagio deixarem de partir de diferentes saberes especfficos © co- megarem a tomar a prética dos formados como o ponto de partida © de chegada para seus objetos de estudo. A formagiio de pedagogos Finalmente, uma palayra sobre o sistema de formagiio de pedagogos. O curso de Pedagogia deve formar 0 pedagogo ilo de saberer pedagégicos, que sto constwwtdos partir da prética, Segundo, ‘que € a Pedagogia que pode constcuir esses saberes a partir de necessidades Dedugégicas postas polo rea, para além dos esquemas aproristicos das cin 4a erducagio, E se estas desejatero ocuparse da pritica pedagégica, que reeoram 2 pedagogia 30 stricto sensu, isto €, um profissional qualificado para atuar em vérios campos educativos para atender demandas socio- educativas de tipo formal e nao-formal e informal, decorrentes de novas realidades — novas tecnologias, novos atores sociais, ampliagdo das formas de lazer, mudangas nos ritmos de vida, presenga dos meios de comunicagio e informacio, mudangas profissionais, desenvolvimento sustentado, pre: vaciio ambiental — ndo apenas na_gestdo, supervisio ¢ coordenagiio pedagdgica de , como também na pes- quisa, na administragio"dos ‘s de ensino, no’ plane- jamento educacional, na definicio de politicas educacionais, tos movimentos sociais; nas empresas, nas varias instncias de educagio de adultos, nos servigos de psicopedagogia & orientago educacional, nos programas sociais, nos servigos para a terceira idade, nos servicos de lazer e animagio cultural, na televisio, no rédio, na produgio de videos, filmes, brinquedos, nas editoras, na requalifieacio profissional etc. A caracterizagio de pedagogo stricto sensu & necesséria para distingui-lo do profissional docente, j4 que todos os professores poderiam considerar-se, como jé mencionado, pedagogos lato sensu. Por isso mesmo, importa formalizar uma distingdo entre trabalho pedagégico (atuagio profissional em um amplo leque de praticas educativas) e trabalho docente (forma peculiar que o trabalho pedagégico assume a sala de aula), separando portanto, curso de Pedagogia (de estudos pedagégicos) e cursos de licenciatura (para formar professores do ensino fundamental ¢ médio). Caberia, também, entender que todo trabalho docente é trabalho pedagégico, mas nem todo trabalho pedagdgico é trabalho docente.\Esse entendimento implica total discordancia do mote do movimento de reformulagio dos cursos de formagio de educadores, hoje representado pela Anfope (Associagio Nacional pela Formacao dos Profissionais da Educagio), herdado dos pareceres elaborados por Valnir Chagas: “a base da identidade profissional do educador & a docéncia”. A argumentagio que se desenvolverd nos capitulos seguintes deste livro visa formular uma concepgio de educador em 31 que a base de sua identidade profissional seja a teoria e a pratica em toro de saberes pedagdgicos.\, Em recente resenha do fivro de Iria Brzezinski, Peda- gogia, pedagogos e formagao de professores — Busca e movimento (Libaneo, 1996), tomo posigio mais explicita em relago 40 movimento pela formacdo profissional de educa- dores. No entfrentamento dos dilemas que ainda persistem, a ANFOPE precisa dar seguimento a quesides inadidveis em termos de politicas e diretrizes de formagio de educadores, algumas delas 44 presemes em st 1) Reconhecimento da ampliagio ‘do conceito de priticas educativas © sun correspondéncia com uma diversidade de ages pedagdgicas no restritas A escola (enimacdo cultural, movimentos sociais, meios de comunicagio, piiblica, educagao popular, educagao ambiental, e ndical, empresas etc.), abrindo o campo de exerefcio profissional do pedagogo. 2) Revigoramento da pesquisa no ambito da iéncia pedagégica, aproximando-a mais das necessidades de intervengao te6rica e prética na formagiio de professores e de 3) Reavaliaglo da organi formal inicial de pedagogos ¢ docentes tendo coma exitério riticas pedagégicas reais © as necessidades de formagio jada. 4) Maior investimento na investigagio da profis- ide de professores ¢ especialistas, considerando as de- \das educacionais da realidade contempordnea. 5) Rea das possibilidades de consolidagao da Faculdade ou Institue ow Cento de Educagio para a formagio dos especialistas, dos Cientistas da educagao ¢ das docentes para o ensino fundantenta e médio, em nivel de graduagio (como primeira instincia), tendo como base as reas do conhecimento pedagégico. 6) Total revisio das formas de articulagio das Faculdades de Educagao com as redes puiblicas de ensino, mediante esquemas de interligagao entre formagio inicial e formagiio continuada, Presentemente, ante novas realidades econdmicas ¢ sociais, especialmente os avangos tecnoljgicos na comunicagio e in formagao, novos sistemas produtivos © novos paradigmas do conhecimento, impdem-se novas exiggncias no debate sobre a qualidade da educagio ¢, por consequéncia, sobre a formagio de educadores. NiO cabe mais uma visio empobrecida dos dos pedagdgicos, restringindo-os aos ingredientes de for io de licenciados. Nao se trata de desvalorizagio da doci 32 mas de vuloizagio da atividade pedagdgien em sentido mais amplo, no-qual a docente esi inclulda, 36 cheya a ser um turaso'no Ambit das vias cldncias da educogdo desconhecet 2 ocledade pedagdgica que se instal heje no mundo Intel immperioso” que’ a escola se. incorpore. auras agencias cativaurbara, os vies de comunicagio, os movimento socal, as insttuigdes culturais e de lzer, 0s centos de difesto de Informagla de variada natureca, de modo a assur sua fungto de reordenadora ereesuturadora da cultura engendrada aaqueles vriogespagos socini Essa iia de escola Como “espago de sintese” implica, xo mesmo tempo, ainepragdo entre as edplas tgtncin educativas ew acento das prticas de aprendlzagem escolar. Quem quer que deseje continuar a ser chamado. de “edueador", nfo pode Tgnorar 1 imporinia hoje dos processos educttivos extraescolaws, especialmente os romuricecionai, os qutis est implicada de corpo intelro 2 pedagonia. im face disso, 6 surpreendent ‘itncing avails da educag esfignutizar 0 campo. da Invest na sociedade confemporinea sem refe-la 40 offeio colidano tducativas. A meu ver, «sade dos movimento e organ de educadores dep © de queer come a unnsposigfo de modelos tdricos de outros palses, a reserva de mereado de dreas de conhecimento, o preciosismo intelectual excludente, 0 distanciamento. das domandas reais de escolas © professores, a sociologiagto exacerbada dos problems educa. Elonais ete, questdes essts que tém levado a flgos argumentos contra a natueza epistemologin da Pedagogia e « Mentdade profisional do. pedagogo, que setores das chamadas persistam na campanba de Jo pedagdgica e diddtica ide de uma reavalia Referéncias bibliogriificas BEILLEROT, Jacky. A sociedade pedagégica. Porto, Rés Editora, 1985. BRANDAO, Carlos R. O que é erducacto. Si Paulo, Brasliense, 1981 BRZI JINSKI, Iria. Pedagogia, pedagogos e formacao de professores Busca e movimento. Campinas, Papirus, 1996. 33 CONTRERAS DOMINGO, José. Ensen, curricutun y profesorado. Madsid, Akal, 1990- —_. 1a atonomia det profesorado. Madd, Morata, 1997 ESTRELA, Albano. Pedagogi ow ciéncia da educagao? Porto, Porto itera, 1992, HOUSSAYE, Jean. Pédagogues contemporains. Ptis, Armand Colin, 1996. LIBANEO, fosé C. O sto pedayégico em questio: © que & preciso Saber. Revista Inter-Agao, U7 (1-2): 111-25, janedez. 1993 —— Recstruturaglo da Faculdade de Edueagio da UEG. Apon- tos exlcos sobre seu projeto curicular de formagt, de educadores e su estrutura Orginizacional. Cadernos de. Rat cago, Goitnia, n.1, 1994, ___.. Peagopia, pedagogos © formagio de professores — Tbusca € movimento. Edvcagao & Sociedade, n. Sifespecia, dee, 1996 Resenha, INTA, Selma G., Para uma re-significagdo da diditica — Cieacias da educagio, Pedagogia e didatica (uma revisio conccitual ¢ uma sintese provis6ria). In. PIMENTA, Selma G, (Org.). Didética @.Formagao de Professores —~ Percursos ¢.perspectivas no Brasil e em Portugal. $80 Paulo, Cortez, 1991 SARRAMONA, Jaime & MARQUES, Saloms. Qué es la Pedagogta? ‘Una respuesta actual. Barcelona, Ediciones CEAC, 1983 SCHMIED-KOWARZIK, W. Pedagogia dlalética. Sio Paulo, Tras Tense, 19 SUCHODOLSKI, Bogdan, La educacion humana del hombre. Bat- eelona, Lain, 1977, 34 CAPITULO II QUE DESTINO OS _ EDUCADORES DARAO A PEDAGOGIA? Em véri 10 superior, 0 curso de Pedagogia continua nas pautas de discussiio. Os estudos referentes 2 histéria desse curso, no Brasil, mostram uma sucessio de ambigilidades ¢ indefinigdes, com repercussdes no desenvolvimento teérico do seu campo de conhecimento € na formacdo intelectual e profissional do pedagogo. Os movimentos € organizagdes de educadores que vém susten- tando 0 debate sobre os cursos de Pedagogia e Licenciaturas, desde 0 inicio da década de 1980; exerceram papel signi ficativo na luta pela valorizagio' do profissional da educagao. Entretanto, conseguiram pouco em relagiio a medidas mais efetivas de cunho legislative e operacional; no geral, as mudangas ocorridas ficaram restritas tio-somente a alteragdes na grade curricular dos cursos, sem avangar em questdes mais de fundo, como a problemética epistemolégica da Pedagogia, o desenvolvimento da teoria educacional e a investigacao pedagégica. © presente texto faz consideragdes a respeito do de- senvolvimento dos estudos de Pedagogia no Brasil, retomando 35 a andlise da especificidade do conhecimento pedagégico da atuagio profissional do pedagogo, abrindo perspectivas de reconstrugio dos cursos de Pedagogia. Sua eluboragao foi motivada por uma proposta que apresentei no VI Encontro Nacional da Anfope (Associagdo Nacional pela Formagao dos Profissionais da Educacio), realizado em julho de 1992 em Belo Horizonte-MG. Naquela ocasifo, discutia-se o papel das Faculdades de Educagiio ¢ eu sugeria que elas deveriam oferecer dois cursos distintos: 0 de Pedagogia e o de Licenciatura para a formacdo de professores para todo o ensino fundamental e médio. A proposta foi discutida naquele encontro, mas niio votada, com a justificativa dos organi- zadores de que nao se ajustava aos principios historicamente definidos pelo movimento de reformulacio dos cursos de formagio de educadores. A proposta, em sfntese, foi a seguinte: 1) A Faculdade de Educagio teria dois cursos distintos: + um formaria 0 pedagogo © 0 outro os licenciados para docéneia no ensino fundamental e no 2° grau. O pedagogo obteria especializagdes através de habilitagdes, entre clas a de Pedagogia Escolar (desdobrando-se, coaforme o caso, nas i mais ou outras). O Hicenciado obte habilitagdes para: a) docéncia no curso de magisiério; b) docéncia das disciplinas de 5* A 8* série © 2° grau; c) docéncia nas séries iniciais do ensino fundamental. Os cursos de formagio de professores poderiam receber a denominagio de Centro ou Instituto de Formagao de Professores. 2) A estrutura curricular seria constituida de: a) uma base comum composta. de disciplinas referentes & teoria fundamentos da educagiio © & compreensiio © organizagio da escola e do ensino; 6) uma parte especifica referente a conhecimentos técnico-profissionais, conforme o ambito de (0 profissional (pedagogo, docente ou outra habilitagio). 3) Poder-se-ia prever na organizagiio curricular a pos- sibilidade de o pedagogo habilitar-se como docente e do docente habilitar-se como pedagogo, em alguma forma de organizagdo € sequéncia de estudos. a E é 36 4) © pedagogo. (escolar ou nifo), segundo esta proposta, considerado_um. profissional especializada_em. estudos @ ages relacionados com a ciéncia, pedagégica, pesquisa lagdgica problemética educativa, abordando 0 fendmeno educativo em sua multidimensionalidade. Nesse_ sentido, o de Pedagogia ofereceria formacio tedrica, cientifica e técnica para sua.atuago em diferentes setores de. atividades nos niveis. centrais © intermediérios do sistema de ensino (politicas pitblicas para a educagio, planificagio e gestio, pesquisa © supervisio do sistema de ensino); na (administragao, supervisio do ensino, assisténcia pedagégi co-diditica a professores e alunos, formagiio continuada, avaliagio); nas atividades extra-escola (priticas educativas paraescolares, servigos de satide € promocio social, meios de comunicagio, formagio profissional, produgiio de materiais didaticos de variada natureza etc.); nas atividades ligadas a formagio ¢ capacitago de pessoal nas empresas. Em razio das consideragdes que se seguem, convém firmar, de inicio, meu entendimenio de que um curso de licenciatura pata formar o professor das séries iniciais de IP grau e do curso de magistério no deveria substiwir 0 curso de Pedagogia. Ou seja, 0 curso de Pedagogia deve ser distinto do de Licenciatura, ainda que o pedagogo possa ser também um licenciado, no sentido de que se pode formar uum docente no pedagogo. Meu ponto de vista é de que o curso de Pedagogia 0 que forma 0 pedagogo stricio sensupe isto é, um_profissional nao diretamente..docente. que lida ‘com fatos, estruturas, processos, contextos, situacdes, refe- fentes & pritica educativa em suas virias modalidades ¢ manifestagdes. A caracterizagio do pedagogo stricio sensi torna-se necessdria, uma vez que, lato sensi, todos os professores siio pedagogos. Por isso mesmo, importa forma- lizar uma distingdo entre trabalho pedagégico, implicando atuagdo em um amplo leque de préticas ecucativas, trabalho docente, forma peculiar que o trabatho pedagégico assume na escola. 37 Breve referéncia histériea A primeira regulamentagio do curso de Pedagogia no Brasil, em 1939, prevé a formagio do bacharel em Pedagogia, conhecido como “técnico em educagao”. A legislagiio pos- terior, em atendimento & Lei n° 4.024/61 (LDB), mantém ‘© curso de bacharelado para formagiio do pedagogo (Parecer CFE, 251/62) © régulamenta as licenciaturas (Parecer CFE 292/62). O Parecer CFE 252/69 — a hima regulamentagao existente — abole a distingZo entre bacharelado e licenciatura, mas mantém a formagio de especialistas nas varias habili- lagdes, no mesmo espirito do Parecer CFE 251/62. Com suporte na idéia de “formar o especialista no professor”, a legislagio em vigor estabelece que o formado no curso de Pedagogia recebe 0 titulo de licenciado, Depois disso, as iniciativas de repensar ou reformular © curso de Pedagogia e as licenciaturas surgem na segunda metade da década de 1970, envolvendo organismos oficiais e entidades independentes de educadores. A partir dos anos o do movimento de reformulagio dos cursos de formagio do educador cuja atividade perdura até hoje na Anfope. Esse movimento manteve, nos documei tos que produziu, o espirito do Parecer CFE 252/69 de no diferenciar a formagio do professor ¢ do especialista, tendendo a esvaziar o prescrito nesse Parecer quanto as habilitagdes do curso. Também reafirmou a idéia de que..o-curso- de Pedagogia €,uma_licenciatura, contribuindo para descaracte- rizar a formagio do pedagogo stricto sensu. Em meados da década de 1980 algumas Faculdades de Educagio, por influéncia de pesquisas, debates em en- contros € indicagdes do movimento nacional pela formagdo } do educador, suspenderam ou suprimiram as habilita convencionais (administragio escolar, orientagio educacional, supervisio escolar etc.), para investir num curriculo centrado na formagio de professores para as séries iniciais do ensino fundamental e curso de magistério. A justificativa mai comum para essa medida foi e-tem sido o entendimento de! 38 que o Parecer CFE 252/69, ao instituir as habilitagbes, estari reproduzindo a ideologia implicita na Reforma Unive: de 68, ou seja, estaria introduzindo na escola a divi trabalho € 0 controle segundo © modelo a admtinistragao capitilista, levando a fragmentagio da pratica pedagdgica (Silva, 1988). A idéia seria a de formar um novo professor, capacitado inclusive para exercer fungdes de diregio, super- iso ete. Por outro lado, hd instituigdes de ensino superior que mantém o curso de Pedagogia com as caracteristicas do Parecer CFE 252/69, enquanto outras gostariam de fazer reformulagées para retomar a formagio do pedagogo stricto sensu ou a reconsideragio dos tipos de habilitagdes. Em outras, ainda se discute a conveniéneia de se atribuir ao curso de Pedagogia a tarefa especifica de formagio do professor para as séries iniciais do ensino fundamental em se deduzir, entretanto, com base em nivel superior. Pod alguns poucos estudos sobre inovagdes nas instituigées ¢ cursos de Pedagogia, que o saldo dessas iniciativas € modesto, enquanto persistam problemas crénicos, tais como o_inter- el questionamento. da identidade da Pedagogia_c_as ambigllidades_quanto & natureza do curso, sempre refletidos nos documentos legais. Sio, de fato, mais de 50 anos de controvérsias em torno da manutengio ou extingio do curso, da pertinéncia ou nfo de um campo de estudo proprio & Pedagogia, da formacio do professor primério em nivel superior, da formagio de especialistas ou técnicos em edu- cagiio etc. (cf. Chaves, 1986, Brzezinski, 1994), A hiistéria dos estudos pedagégicos, do curso de Pe- dagogia, da formagio do pedagogo e de sua identidade profissional esté demarcada por certas peculiaridades da histéria da educagdo brasileira desde o inicio do século. Até ‘0s anos 20, ndo.se_punha em qnestio.a.existéncia de uma ciéncia pedagégica, 4 época_fortemente influenciada pela Pedagogia catdlica ¢ Pedagogia herbartiana, com influéncia de pedagogos ‘alemies (Willmann, 1952). A idéia de. uma. cigneia unitéria, reunindo em torno de si as chamadas ciéncias da educagio, comega a perder espaco_com o surgimento, no Brasil, do. movimento da.educagao nova de 39 inspiragéo norte-americana, que vai tomando conta, nos anos 30, de uma elite intelectual de educadores brasileiros. A adogio da teoria educacional de J. Dewey provoca, em muitas instituigdes de formagio de educadores, o arrefeci- mento do micleo de estudos denominado “Pedagogia” ou Pedagogia geral. A concepgio imanentista de Dewey sobre os fins da educagio niio poderia combinar com uma nogio de Pedagogia de cunho normativo, razio pela qual ele trata de uma “ciéncia da educagdo” (Dewey, 1968). Nos anos 50 inicia-se a propagagio de novas teo lucacionais origi nadas. nos, FUA e rotuladas com a expressiio. “tecnicismo educacional”, que se intensifica nos anos 70. Difundem-se expresses como planejamento instrucional, modelos de en- sino, estratégias de ensino-aprendizagem. Acentua-se a idé do_gerenciamento dos sistemas escolares_e escolas, com fentativas de dar um cunho empresarial a administragiio escolar € A sala de aula para atender exigéncias de racio- nalidade cientffica e técnica da escola. Tanto 0 escolanovismo como o tecnicismo. tendem-a uma visio cientificista do educativo, 4 psicologizagio da ividade escolar, retirando da Pedagogia seu cardter ético- normativo e de disciplina integradora dos virios enfoques de andlise do fenémeno educativo. Em_conseqUéncia, ocorre um reducionismo dos termos “pedagogia” e “pedagégico”, que passam a ser empregados para indicar meramente os aspectos metodolégicos ¢ organizativos da escola. Nao é casual que nos pafses anglo-saxdes seja utilizada a expressio “Cigncia da Edueagio”, no singular, e se empregue o termo “Edu para designar 0 que, em outros lugares, se conhece como “Pedagogia”. Numa diregio diferente, seg- mentos de educadores brasileiros incorporam influéncias do escolanovismo francés por intermédio, principalmente, de Mialaret (1976), ¢ aderem & expressilo “‘ciéncias da educagio” (entre as quais nem sempre figura a Pedagogia), de resto bastante difundida em paises como Itélia, Espanha e Portugal, ‘onde, também, se busca demarcar o estatuto cientifico da Pedagogia (cf. Visalbergbi, 1983, Sarramona & Marques, 1985, Benedito, 1987, Estrela, 1992) 40 Em meados da década de 1970, boa parte dos educadores une-se em torno da teoria da reprodugao e das teorias criticas da sociedade, ambas dando suporte te6rico para se fazer a critica da educagio no capitalismo e, particularmente, da concepgio neopositivista de ciéncia e seus reflexos na edu- cago. Parte dos educadores que aderem a esse movimento também resiste fortemente 2 existéncia de uma ciéncia pedagégica, Segundo alguns representantes dessas teorias, a Pedagogia seria na sociedade de classes o préprio modo de ser da ideologia dominante, ja que a educagiio escolar atuaria ‘como reprodutora dos antagonismos de classes sociais, A teoria pedagégica é, entio, esvaziada para dar lugar a uma sociopolitica da educagdo. Essa orientagio passa a boa parte da producio dos intelectuais da drea, p: teori nutri n cipalmente filésofos © socidlogos da educagio, que se dis- puseram a contribuir na formulagio de propostas para os curriculos de formagao de educadores (cf. Libineo, 1990). © movimento pela revalorizagio da educagio publica, surgido por volta dos anos 80, busca safdas para a crise da escola brasileira, também a partir de um posicionamento critico em relagiio ao capitalismo. Esse movimento, inicial- mente sustentado pela Ande — Associagio Nacional de Educaciio — atua como contraponto aquele de cunho re- produtivista mencionado anteriormente, Posiciona-se pelo en tendimento da escola como lugar em que se reproduzem as contradigSes sociais, portanto, um lugar de luta hegeménica de classes, de resisténcia, de conquista da cultura e da ciéneia como instrumentos de luta contra as desigualdades sociais impostas pela organizagio capitalista da sociedade. Desenvolvem-se, nesse quadro, outras vertentes das teorias criticas da educagio e, entre elas, a Pedagogia critico-social dos contetidos © a concepsio histérico-critica da educag: que trouxeram contribuigdes substantivas para a reabilitagio da especificidade da Pedagogia (Libaneo, 1991). E neste contexto dos anos 80 — marcado pela critic: da educagao no capitalismo, por um lado, pela associagio entre andlise critica e formas de intervengio na prética 4 escolar, por outro —, que se retomam as discussdes sobre a sistemitica de formagao de educadores. Com esse propésito, realiza-se na Unicamp (Campinas-SP, 1978) 0 I Semind de Educagio Brasileira. Surgem os Comités Pré-Reformulacdo dos Cursos de Pedagogia (Goidnia-GO, 1980), depois a Comissdo Nacional dos Cursos de Formagiio do Educador (Belo Horizonte-MG, 1983), tansformada recentemente (1990) em Anfope. Nos encontros dessa entidade, como também nas Conferéncias Brasileiras de Educagio (CBE) ¢ outros eventos dos profissionais da educacdo, voltam ao debate temas como: especificidade do curso de Pedagogia e das Licenciaturas, formagio de especialistas niio-docentes, formagiio dos professores das séties iniciais do 1° grau em nivel superior, a base comum nacional de formagio dos educadores, a questiio da escola tinica de formacio de professores e outros. © movimento de reformulagao dos cursos de formagzo de educadores, representado hoje pela Anfope, produziu ao ongo destes anos documentos bastante expressivos do debate, tendo exercido efetiva influéncia na concepgito de formagiio do professor e na reformulagdo de curriculos em algumas Faculdades de Educagio. No entanto, € forgoso reconhecer que, por insuficiente base tedrica, por falta de propostas consensuais dos vérios grupos de intelectuais envolvidos, por dificuldades encontradas na prépria realidade ou, mesmo, por obsticulos legais, é ainda modesto o nivel de alcance de seus objetivos. Com efeito, mesmo as experiéncias con- sideradas inovadoras nfo resistem a uma andlise tedrica mais apurada, como nio conseguem escapar de reducionismos. Em faculdades que suprimiram as habilitagdes, disciplinas voltadas mais especificamente para formar 0 pedagogo stricto sensu foram retiradas do curriculo ou esvaziadas (por exem- plo, disciplinas relacionadas com administragiio escolar, su- perviséo, pesquisa c, em alguns lugares, a diditica). Os reducionismos prejudicaram, também, a qualidade da oferta de disciplinas nas Licenciaturas. O esfacelamento dos estudos no Ambito da ciéncia pedagégica com a conseqiiente sub- jungdo do especialista no docente, e a improcedente identi- 42 ficagio dos estudos pedagégicos a uma licenciatura, talvez sejam dois dos mais expressivos equfvocos tedricos e ope- racionais da legislagdo e do préprio movimento da refor- mulagio dos cursos de formagio do educador, no que se refere a formagiio do pedagogo. Embora seja justo reconhecer méritos nas propostas ¢ agdes do movimento mencionado, os impasses continuam e exigem persistir na busca de saidas. Nas consideragdes a seguir serio discutidos temas como: a especificidade do conhecimento pedagégico, a identidade profissional do pe- dagogo, a necessidade do pedagogo na escola ¢ a pertingncia das habilitagdes, Outras questées como a Licenciaiura, a base comum nacional de formagao, a natureza do trabalho escolar e a divisio do trabalho na escola, serio apenas tangenciados dentro do foco central do artigo: a Pedagogia @ a formagiio do pedagogo ndo dirctamente docente. A especificidade do conhecimento pedagégico Um dos resultados mais polémicos do movimento que estamos analisando & a difustio do conhecido mote: “A docéncia cons ase da identidade profissional de todo educador” (Encontro Nacional de Belo Horizonte-MG, 1983). Trata-se de um paradoxo que permeia os documentos pro- duzidos nos vérios encontros. Por um lado, partem de uma andlise global da educagao brasileira, acentuam uma formagao ampliada do educador insistindo fortemente na dimensio politica; por outro, incentivam curriculos e priticas que reduzeni a atuagiio do educador A docéncia, E quase undnime entre os estudiosos, hoje, o entendimento de que as priticas ‘educativas estendem-se As mais variadas instincias da vida social niio se restringindo, portanto, a escola e muito menos A docéncia, embora estas devam ser a referéncia da formacio do pedagogo escolar. Sendo assim, 0 campo de atuagio do profissional formado em Pedagogia é tio vasto quanto sio as priticus educativas na sociedade. Em todo lugar onde 43 houver uma pritica educat hé af uma pedagogia. com carter de intencionalidade, Sem descartar a necessidade da andlise epistemoldgica das ciéncias da educagio ou dos critérios de demarcagio do conceito de ciéncia, parto da idéia de que Pedagogia é uma érea de conhecimento que investiga a realidade educativa, no geral € no particular. Mediante conhecimentos cientificos, filoséficos e técnico-profissionais, ela busca a explicitagdio de objetivos © formas de intervengio metodolégica ¢ orga- nizativa em instincias da atividade educativa implicadas no processo de transmissdo/apropriagio ativa de saberes ¢ modos de acto. Pedagogo € 0 profissional que atua em varias instancias da pratica educativa, direta ou indiretamente ligadas a organizagio € aos processos de transmissdo ¢ assitnilagio ativa de saberes ¢ modos de aco, tendo em vista objetivos de formagio humana definidos em sua contextualizagdo 1. Alguns intelectais da edveagio sejeiam a expresso “wansmisso de sabores" camo jf se fer com outios termes do campo coaceitual dt irea como instrugao, tdonica, weinamento ete. Nao vejo razso sélida para essa rejelgio. A. apreisio pravesso de tranimissdo/apropriagao auiva (ow assinilacdo ativa, tre Allentemente wilizada nos tieus textes, deve ser entendida mum quadro conceitval ‘mais ampla. Na proposta pedapégica que detendo, 0 4) fra, transforma, em sua atividade séelo-histGriea, val constiuindo os saberes Xico-sistemaicos que formam o patriméaio cultural aeursslado ou, como dizem ‘uiros, aexperigocia humana eultralmenteorganizad, Os resultados dessa atividade sGcio-hisérica sfo objetividos ¢, df, eombnicados, transmitidos, como candig8o Ppa quo os sujitos postam “apionciar-se” deles e continnar produziedo saberes, triando novas forsas cultunis. Néo hi, pois, avloeducagdo sem 0 provimento de qualidades humanas, sem 2 wansmissio de sabetes © moos de ago (gostem bu mso os edueadores do term tvansmissdo), porque a oatureza humana m0 dada ao homer, els € constituds socialmente no processo da alividade s6eio-his térica, Taso nio desfuz 0 entendimento de que os individeos sio agentes aivos © sociocoustrutoes dos seus conbecimentos. A edueagéo intencionada, preefsamentc, rmobiliza © processo de transmissiofasimilasio ativa, mediante um conjunto de priticas socinis que auxiliam os individuos a assimilar © inconporar Ginternalizar) atividade sécio-histviea humana (expressa em saberes © moos © apio). que possibiiard a consizusio de novos conhecimentas © do si proprio. A assimilagio consciente © ativi é a contsparida da wansmissio, o que & 0 mesmo que dizer {que a apropriagso ava de conhecimentos é socialmente mediada. & uma apropriagto ‘tira, nio-passiva, implicando uma inlersgko cnire sujeto € objeto e um processo Imerno de elaboragao mental. A Pedagogia @ a cigncia que se ccupa do que & peculiar © pripria desse pracesso. 44 chistorica, Em outras palavras, pedagogo é um profissional que lida com fatos, estruturas, contextos, situagées, referentes @ pritica educativa em suas Varids modalidades e manifes- tages. A idéia subjacente a essas formulagdes é a de que 0 fendmeno educative € um aspecto da realidade social, dis- tinguindo-se de outros aspectos da realidade. Ou seja, é um fato da vida individual e social possivel de ser descrito, explicado, compreendido, em suas varias dimens6es, mediante métodos de investigagio © claboracio sistemdtica de resul- tados, em funciio de um corpo de conceitos e proposigées. A Pedagogia & a teoria, a reflexilo, sobre esse aspecto da Tealidade cm suas relagdes com outros aspectos, Constitui-se, ois, como campo de investigagao especifico cuja fonte é a prépria prética educativa e os aportes tedricos providos pelas demais ciéncias da educagdo © cuja tarefa € a com preensio, global ¢ intencionalmente dirigida, dos problemas educativos (Libaneo, 1993). F esse o entendimento de alguns autores estrangeiros. © pedagogo argentino Ricardo Nassif (1958: 67) escreve que a Pedagogia, embora no possua um contetido “intrin- secamente proprio”, tem um dominio préprio — a educagio —. € um enfogue préprio — 0 educacional —, que the assegura 0 caréter de disciplina auténoma diante de outras esferas do saber ¢ do fazer humanos. Diz que as fontes do contetido da Pedagogia so, em primeiro lugar, a propria prética educativa e, depois, para 0 conhecimento da pritica educativa, recebe ajuda de fontes secundérias, as ciéncias auxiliares, cujo. material forma o contetido da ciéncia pe- dagégica. O italiano Visalberghi (1983: 265) emprega o termo “pedagogia” para denotar 0 complexo de conhecimentos referentes ao fendmeno educative visando a uma “aproxi- magi global” dos problemas educativos, Embora reconheca a difusdo da expressiio “cigncias da educagao”, niio vé raziio para repudiar o termo “pedagogia”, inclusive para relembrar que “o educador © mesmo o pesquisador pedagégico, ne- cessitam no apenas de conhecimentos cientificos e filos6ficos 45 mas também de conhecimentos ¢ atitudes derivados direta- mente da experiéncia educativa conereta”. O espanhol Sar- ramona (1985: 56) escreve que “a dimensio polifacética do fendmeno educative nao pode eliminar sua unicidade como tal, sob 0 risco de perder sua justificagio como processo objeto de estudo cientifico”. Para esse autor, a Pedagogia pode dar coeréncia A multiplicidade de agdes parcializadas exalamente A medida que estabelece um corpo cientifico que toma como abjeto de estudo o fendmeno educativo em seu conjunto, Nesse caso, elabora uma sintese integradora dos diferentes processos analfticos que correspondem a cada uma das ciéncias da educagio. Entende-se, assim, que a ciéncia pedagégica pode pos- ular a si ramos de estudo préprios dedicados aos varios Ambitos da pritica educativa (teoria da educagio, teoria do ensino, organizagio do trabalho escolar, politica educacional), complementados com a contribuigdo das demais ciéneias da educagio. Esse complexo de conhecimentos funda-se no entendimento de que a Pedagogia é uma ciéncia inserida no conjunto das ciéncias da educagdo. Todavia, destaca-se delas para assegurar a unidade e dar sentido as contribuigées das demais ciéncias, jf que the cabe o enfoque globalizante unitério do fendmeno educativo. Obviamente, os conbi cimentos obtidos dessas ciéncias, a medida que estiio referidos a9 fendmeno educativo, convertem-se em conhecimentos pedagdgicos, ‘nica razio para que se constitua uma Sociologia da educagao, Psicologia da educagdo etc. Dentro desse entendimento, niio se estd postulando & Pedagogia uma exclusividade no tratamento cientifico da educagio. O fenémeno educativo requer, efetivamente, uma abordagem phuridisciplinar. O qu defende aqui é a peculiaridade da Pedagogia de responsabilizar-se pela reflexio problematizadora © unificadora dos problemas educativos, para além dos aportes parcializados das demais ciéncias da educagiio. Portanto, a multiplicidade dos enfoques € andlises que caracteriza o fendmeno educativo nao torna desnecesséria a Pedagogia, como querem alguns intelectuais; 20 contritio, 46 precisamente em razio disso, ela institui-se como campo préprio de investigagéo para possibilitar um tratamento glo- balizante ¢ intencionalmente dirigido dos problemas educa- tivos. Quanto mais der conta de explicitar seu dominio proprio de investigagio, mais poderé apropriar-se da contri- buigdo especifica das demais ciéncias (Libineo, 1992). A identidade profissional do pedagogo se reconhece, portanto, na identidade do campo de investigagio e na sua atuagaio dentro da variedade de atividades voltadas para o educacional € para o educative. O aspecto educacional diz respeito a atividades do sistema educacional, da politica educacional, da estrutura e gestiio da educagio em suas varias modalidades, das finalidades mais amplas da educagio ¢ de suas relages com a totalidade da vida social. O aspecto educativo diz. respeito & atividade de educar propriamente dita, & relagZo educativa entre os agentes, envolvendo ob- Jetivos © meios de educagio e instrugiio, em varias moda- lidades e instdncias. Desse modo, todos os profissionais que sé ocupam de domfnios ¢ problemas da pritica educativa em suas varias manifestagdes ¢ modalidades e onde haja um carter de intencionalidade so, genuinamente, pedagogos: pais, professores, supervisores de trabalho, agentes dos meios de comunicaco, autores de livros, orientadores € guias de turismo, agentes de educagio em movimentos sociais etc. Obviamente me refiro ao pedagogo em sentido amplo. Mas a argumentagio que venho trazendo permite-me afirmar que 0 trabalho pedagégico nfo se reduz ao trabalho escolar © docente, embora todo trabatho docente seja um trabalho pedagégico. Vai daf que a base comum de formagio do educador deva ser expressa num corpo de conhecimentos ligados & Pedagogia e nao a docéncia, uma vez que a natureza ¢ os contetidos da educagio nos remetem primeiro a conhecimentos pedagdgicos e sé depois ao ensino, como modalidade ‘peculiar de pritica educativa. Inverte-se, pois, 0 conhecido mote “a docéncia constitui a base da identidade profissional de todo. educador”. A base da. identidade pro- fissional do. educador € a agio. pedagégica, nfo a agio 47 docente. Com efeito, a Pedagogia comesponde aos objetivos © processos do educativo. Justamente em razio_do vinculo necessdrio entre a ado educativa intencional e a diniimica das relagdes.entre classes e grupos sociais, € que.cla 0 fatores que contribuem para a formagio humana em cada contexto hist6rico-social, pelo que vai constituindo e recriando seu objeto préprio de estudo € seu contetido — a educacio. Somente com esse entendimento é possivel formular uma concepgiio de formacio do educador, pois é a teoria peda- g6gica que pode, a partir da prética, formular diretrizes que dardio uma ditegio 2 agio educativa © mesmo raciocinio é elaborado pelo autor alemao Schmied-Kowarzik: a Pedagogia precisa pensar-se a si propria em sua relago com a prética na qual se enraiza ¢ a partir da qual © para a qual estabelece proposicies. Por isso ela iio € apenas “uma diretriz. no plano teérico da ciéncia da educagdo, mas a preocupagio teérico-cientifica da funda- mentacdo da Pedagogia como ciéncia que, enquanto pritica, no possui seu sentido em si mesma, mas na humanizagdo da praxis”. (1983: 15) ‘Com essas consideragdes, podemos retomar a discusstio idade do campo do conhecimento pedagégico. A anélise do desenvolvimento histérico da Pedagogia permite identificar, desde Coménio, Rousseau, Herbart, De- Wey, os elementos constitutivos da relaglio pedagégica: 0 aluno, os contetidos, os métodos, a sociedade, articulados pela agio do educador. Ainda que as priticas educativas hoje se encontrem bastante ampliadas, nao se reduzindo ao ensino, continua pertinente reconhecer nesses elementos cons- titutivos do pedagégico 0 niicleo de referéncia dos conhe- cimentos cientificos, filoséficos e técnico-profissionais que ‘compreendem a competéncia profissional do pedagogo. Tais elementos viio levando, ao longo da hist6ria, a uma progressiva diversificagio das ciéncias da educagao (Psicologia, Sociologia, Filosofia, Didética) © A constituigio das matérias de ensino a partir das ciéncias que lhes dio origem. Por certo, a ampliagio do campo de acio do 48 pedugogo, em correspondéncia com a amplitude cada vez maior das préticas educativas na sociedade, leva, também, a0 aparecimento de operadores do processo educative para além do educador escolar. Com isso, aqueles elementos constitutivos da relagdo pedagégica vio adquirindo outras acepgées de aluno e educador. O educador nao é mais apenas 0 docente, so os miltiplos agentes educativos con- forme as insténcias em que operem (familia, escola, meios de comunicagao, fébrica, movimentos soc apenas © aluno na escola, mas 0 adulto, os pais, o teles- pectador, © leitor, o trabalhador, © morador, 0 consumidor etc. Os contetidos ¢ métodos também sofrem outras modu- lagdes conforme a variedade de situagdes pedagépicas. Pode- se dimensionar, por meio desse raciocinio, outras reas do conhecimento que nfio devem ficar ausentes da formagio do educador, tais como a informatica, as teorias da comu- nicagio, as ciéncias da linguagem etc. Como se vé, por mais que se considere o progresso das ciéncias, no se modificam, em esséncia, as categorias do pedagégico, nfo havendo raziio para inventar uma nova base comum de disciplinas para a formagio profissional. Trata-se, sim, de reconceitué-las, de submeté-las a0 crivo de seus determinantes sociais, econ6micos, politicos, mediante a abordagem critica da realidade educativa em suas mani festages concretas. Em outras palavras, a reflexiio vai peneirando os campos da realidade educativa historicamente constituidos, reconcebendo os objetivos, os contetidos ¢ as categorias bésicas da andlise pedagégica, em fungio de necessidades concretas da vida social. Suchodolski (1977: 19) desenvolve esta idéia da seguinte forma: Este é 0 método de toda ciéncia moderna: conhecer a realidade através da construgio de uma nova realidade. (..) A definigio de’ pedagogia que aqui propomos assume precisamente esse cardter, Trata-se do conhecimento da realidade educativa me- dinnte a part ddas formas mais adequadas necessidades da civilizagio em desenvolvimento e as tarefas que a humanidade deve solucionar nestas condigdes. Ao con- siderar a pedagogia como uma ciéncia sobre a atividade trans- 49 formadora da realidade edueativa, temos a possibilidade de uma nova determinacao dos objetivas da educagio e de suas eateg: Em termos priticos, percorrido esse processo de refle- xio, nada impede que se formule um néicleo de disciplinas contemplando uma base comum de formago do educador, naturalmente sempre submetida a uma andlise metodolégica critico-social. Em sintese, 0 campo do conhecimento pedagégico corresponde ao estudo cientifico e filoséfico da educagiio e aos conhecimentos tedricos ¢ priticos de sua aplicagio, Mais especificamente, podem ser agrupados em trés areas: a) Conhecimentos cientificos ¢ filosSficos da educagio, abrangendo os elementos constitutivos da relagio peda- g6gica jd mencionados, dentro da multiplicidade de ané- lises do fenémeno educativo. As disciplinas desta érea formam uma parte do niicleo bisico de formagio, Por exemplo: Filosofia da Educagao, Psicologia da Educacio, Sociologia da Educagio, Psicolingiifstica, Teorias da Co- municagdo, Histéria da Educagio, Teoria do Conhecimento ete. b) Conhecimentos especificos da atividade propriamente pe- dagégica e que constituem a referéncia bésica do trata- mento do fendmeno educativo. Formam a outra parte do niicleo bésico de formagdo do pedagogo. No caso particular da Pedagogia escolar refere-se a conhecimentos tedricos © préticos que proporcionam compreensio de conjunto da escola e do ensino © as bases teérico-préticas de atuagio profissional. Por exemplo: teoria da educagio, didatica, organizagio escolar, politica educacional, estru- tura e funcionamento do ensino etc. ©) Conhecimentos técnico-profissionais especificos conforme © Ambito da atuacio profissional. Por exemplo: principios © priticas de administragio escolar, supervistéo escolar, orientagdo educacional, avatiagdo, curriculo etc. 50 Areas de atuagio profissional de pedagogo Hi uma diversidade de priticas educativas na sociedade ec, em todas elas, desde que se configurem como intencionais, estd presente a agdo pedagégica. A contemporaneidade mostra uma “sociedade pedagégica” (Beillerot, 1985), revelando amplos campos de atuacio pedagégica. A partir de indicagSes desse autor, podem-se definir para 0 pedagogo duas esferas de agiio educativa: escolar ¢ extra-escolar. No campo da ago pedagégica escolar distinguem-se trés tipos de atividades: a) a de professores do ensino piblico € privado, de todos os niveis de ensino e dos que exercem atividades correlatas fora da escola convencional; b) a de especialistas da ago educativa escolar operando nos niveis centrais, intermedifrios e locais dos sistemas de ensino (supervisores pedagégicos, gestores, administrado- res escolares, planejadores, coordenadores, orientadores educacionais ete.); ©) especialistas em atividades pedagégicas paraescolares atuando em érgios ptiblicos, privados e piblicos nio-e tatais, envolvendo associagdes populares, educagio de adultos, elfnicas de orientagio pedagégica/psicol6gica, en- tidades de recuperagio de deficientes etc. (instrutores, écnicos, animadores, consultores, orientadores, clfnicos, psicopedagogos etc.) No campo da ago pedagégica extra-escolar distinguem- se profissionais que exercem sistematicamente atividades pedagégicas € os que ocupam apenas parte de seu tempo nestas atividad a) formadores, animadores, instratores, organizadores, téc- nicos, consultores, orientadores, que desenvolvem ati- vidades pedagégicas (no-escolares) em érgdos puiblicos privados © piblicos néo-estatais, ligadas as empre A cultura, aos servigos de satide, alimentagdo, promogio social ete.; 51 ) formadores ocasionais que ocupam parte de seu tempo em atividades pedagégicas em drgiios piblicos estatais niio-estatais e empresas referentes 2 transmissio de saberes € téenicas ligados a outra atividade profissional especia- lizada. Trata-se, por exemplo, de engenheiros, supervisores de trabalho, técnicos etc., que dedicam boa parte de seu tempo a supervisionar ou ensinar trabalhadores no local de trabalho, orientar estagidrios ete. Nesta categoria incluem-se trabalhadores sociais, mo- nitores ¢ instrutores de recreagio e educagio fisica, bem como profissionais das mais diversas reas profissionais onde ocorre algum tipo de atividade pedagdgica, tais como: ad- ministradores de pessoal, redatores de jornais e revistas, comunicadores sociais € apresentadores de programas de nidio © TV, criadores de programas de TV, de videos educativos, de jogos e brinquedos, elaboradores de guias urbanos ¢ turisticos, mapas, folhetos informativos, agentes de difusio cultural e cientifica etc. © campo da atividade pedagégica extra-escolar é ex- tenso, Poder-se-ia incluir no item da educagio extra-escolar toda a gama de agentes pedagégicos que atuam no fmbito da vida privada ¢ social: pais, parentes, trabalhadores vo- luntérios em partidos politicos, sindicatos, associagdes, centros de lazer etc, Obviamente, néio cabe imaginar que um curso de Pe- dagogia venha a incluir a formagio de todos os profissionais mencionados, Por exemplo, varias categorias de profissionais do segundo grupo sio pedagogos apenas em sentido amplo (pode-se dizer que realizam uma atividade de cunho peda- g6gico). Em todo caso, poder-se-ia prever para esses “for madores ocasionais” formas também ocasionais de suprimento de capacitagio profissional, tais como cursos de aperfeigon- mento ou atualizagio dentro, talvez, de atividades de extensio universitéria. © mesmo se pode dizer em relagéio 2 formagao de agentes pedagdgicos que atuam na vida privada e social (cursos para pais, cursos de costura, culindria, linguas ete.). 52 Por que o pedagogo especialista ou pedagogo escolar E notério © crescimento e a complexidade cada vez maior do sistema escolar (federal, estadual, municipal), em face da amplitude que vio assumindo as diversas modalidades de pritica educativa na sociedade. Sio especialmente per- manentes e crescentes as necessidades de atendimento escolar & populacto jovem. Com isso, obviamente, vai sendo re- querida uma variedade maior de agentes do processo edu- cacional: 0s que se dedicam & docéncia, aqueles ocupados com © planejamento, gestio e administragao dos sistemas escolares € escolas, assim como supervisio e assisténcia pedagdgico-didética ao sistema e as escolas, os profissionais que atuam em atividades paraescolares, extra-escolares ¢ em atividades teérico-cientificas (pesquisa, elaboragio) consensual que na base dos sistemas de ensino e das escolas esté a relagio direta professor-alunos, para a qual devem convergir todas as agies. Todavia, comprovada @ amplitude dos sistemas educacionais, hi que se admitir, também, tarefas educativas especializadas, tais como as que se realizam nos nfveis centrais e intermediétios da adminis- trago © gestio dos sistemas, nas escolas, nas atividades extra-escolares, na atividade tedrico-cientifica (pesquisa) exis- tente nas Secretarias de Educagio, Universidades © outras instituigoes, Considerando-se a variedade de niveis de atuacao pr fissional do pedagogo, ha que se convir que os problemas, 08 modos de atuagio e os requisitos de exercicio profissional nesses nfveis nfio sio necessariamente da mesma natureza, ainda que todos sejam modalidades de pritica pedagégica. De fato, os focos de atuagio e as realidades com que lidam, embora se unifiquem em toro das questdes do ensino, siio diferenciados, 0 que justifica a necessidade de formagio de profissionais da educagio nao diretamente docentes. Ou seja, niveis distintos de prética pedagégica requerem uma variedade de agentes pedagégicos e requisitos especfficos de exercicio 53 profissional que um sistema de formagio de educadores nao pode ji x) _A_atuagio. do, pedagogo escolar é imprescindtvel_na_ ‘ajuda aos professores no aprimoramento do seu desempenho na sala de aula (contetidos, métodos, técnicas, formas de organizagio da classe), na anélise e compreensiio das situagoes de ensino com base nos conhecimentos teéricos, ou. séji, na vinculagdo entre as areas do conhecimento pedagégico © © trabalho dé sala de aula. E fato que o nimero de escolas esté sempre aumentando. Ha uma tendéncia de construgiio de escolas cada vez maior, com conseqiiéncias na organizagio do espaco fisico e dos recursos materiais, na gestio do processo organizativo, na organizagio admi- nistrativa e curricular, na coordenagio das atividades peda- g6gico-diditicas dos professores. Sao tarefas complexas que requerem habilidades e conhecitietitos especializados, tanto quanto se requer por parte do professor conhecimento es- pecializado da matéria que leciona, norar. BE certo que o professor deve ser um profissional competente € compromissado com seu trabalho, com visio de conjunto do processo de trabalho escolar, Deseja-se um profissional capaz de pensar, planejar e executar o seu trabalho © nfo apenas um sujeito habilidoso para executar © que outros concebem. Todavia, mesmo admitindo-se que a formagio do professor deva incluir conhecimentos mais amplos de Sociologia, Psicologia, organizagdo escolar etc., € impossivel um curso abarcar toda a gama de conhecimentos expecializados aplicados”“a-educaedo escolar, Obviamente, ‘do docente pode servi bom administrador escolar, um bom supervisor de ensino, desde que tenha © dominio’ de conhecimentos especializados nessa érea. ‘Tanto a adminis- trago escolar como a-supervisio e outros campos de trabalho contém peculiaridades (céricas © préticas que requerem co- nhecimentos ¢ habilidades especificas. As teorias da apren- dizagem © do desenvolvimento humano, do curriculo, do processo de conhecimento, da linguagem, a didética, implica niveis de aprofundamento te6rico que 0 curriculo de uma 34 Licenciatura no comporta, Se ndo bastarem esses argumentos, vale lemibrar que desenvolvimento das ciéncias, 0 apare- cimento de novos condicionantes do rendimento escolar dos alunos ¢ a busca de uma escola mais compativel com as earacteristicas de nossa época implicam a formacio conti- nuada do professor. A presenga do pedagogo escolar tomna-se, pois, uma ia dos sisteivias “de ensino e da realidade escolar, do em vista melhorar a qualidade da oferta de ensino para a populagio. Quando se atribuem ao pedagogo as tarefas de coordenar ¢ prestar assisténcia pedagdgico-didatica 40 professor, néo est se supondo que ele deva ter dominio dos contetidos-métodos de todas as matérias, Sua contribuigo vem dos campos do conhecimento implicados no proceso educativo-docente, operando uma intersecgio entre a teoria pedagégica e os contetidos-métodos especificos de cada matéria de ensino, entre 0 conhecimento pedagégico ¢ a sala de aula. O pedagogo entra naquelas situacées em que lade docente extrapola 0 Ambito especifico da matéria de etisino: na definigdo de objetivos educativos, nas impli cages ‘psicoldgicas, socidis, culturais no ensino, nas pecu- liaridades do processo de ensino e aprendizagem, na detecgao de problemas de aprendizagem entre os alunos, na avaliagi6, no uso de técnicas © recursos de ensino etc. O pedagogo entra, também, na coordenacao do plano pedagégico e planos de ensino, da articulagio’ horizontal € vérti¢al dos conteddos, da composigio de turmas, das reunides de estudo, conselho de classe ote. Sobre isso escreve Pimenta (1988: 67): ‘A escola (...) requer 0 concurso de varios profissionais. (..) Compreender a natureza do trabalho coletive na escola (..) aponta para a necessidade de que a nova organizagio escolar se dé a partir da constatagdo de que © trabalho de educa escolar assenta-se numa pritica social coletiva de vérios pro- fissionais que possuem diferentes especialidades (..) A organi zagio da escola compete aos profissionais docentes © nio-do- ccentes. Setia ingénuo advogar que o professor de sala de aula devesse suprir todas as fungdes que esto fora da sala de aula mas que interferem no trabalho docente. 55 Convém acentuar que tais tarefas so diretamente co- nectadas &s metodologias especificas das matérias que, por suposto, sio da competéncia do professor. Nao se trata, obviamente, de submeter 0 trabalho do professor ao controle do pedagogo. Ao contriio, so especialistas que se respeitam, sem imposigao de métodos e sem romper drasticamente com 0s modos usuais de agir. Ou seja, pedagogos e docentes tém suas atividades mutuamente fecundadas por conta da especialidade de cada um, da experiéncia profissional, do trato cotidiano das questdes de ensino © aprendizagem das matérias, dos encontros de trabalho em que o geral ¢ © espectfico do ensino vio se interpenetrando. Quem é contra a Pedagogin’? Pretendi mostrar, até aqui, a diversidade de priticas educativas na sociedade e a ocorréncia de agdes pedagdgicas em todas as priticas educativas que se configuram como intencionais. A partir daf, procurei distinguir o lugar da Pedagogia entre as ciéncias da educagdo, bem como as reas de atuagiio do pedagogo (atividades escolares, paraescolares © extra-escolares). Pedagogos seriam, pois, os professores de todos os graus de ensino, especialistas vinculados a0 sistema de ensino e as escolas, especialistas que atuam em agGes pedagdgicas paraescolares ou extra-escolares em érgiios do setor piblico, privado © piiblico nio-estatal (animadores, instrutores, consultores, organizadores, trabalhadores sociais, formadores de opinido, especialistas em comunicacio, cria- dores de videos, livros diditicos, agentes de difusto cultural eic.). Ou seja, procurou-se até aqui reconhecer no trabalho pedagégico uma atividade real, um campo de atuagio definido © uma rea de estudos com identidade propria. Entretamto, na sltima década da educagdo brasileira veio ocorrendo um paradoxo. A sociedade foi se tormando cada vez mais “pedagégica”, enquanto a quantidade e qua- Tidade profissional dos pedagogos foram diminuindo. O movimento de reformulagiio dos cursos de formagio de 56 educadores preocupou-se mais com 0 “curso” e menos com as bases tesricas da Pedagogia. A énfase na formacio do docente reduziu o peso da formagio pedagégica tedrica mais aprofundada, Por sua vez, os pedagogos que participaram desse movimento ou cederam ao discurso ora sociologizante, ora psicologizante, ou sua participacio foi tio pequena que seu discurso tedrico quase foi silenciado. Hoje nossas Fa- culdades de Educago esto repletas de filsofos, socislogos © psicdlogos da educagio e esvaziadas de pedagogos, mesmo Porque aqueles raramente se reconhecem como pedagogos. Juntando esses ingredientes, acentuou-se a tendéncia que vinha se delineando desde os anos 20 com o movimento escolanovista de empobrecimento dos estudos especificos de teoria pedagégica. A critica & Pedagogia tem aumentado: ela ndo cobriria os requisitos de “cientificidide”; seria uma tarefa voltada Para a pritica, estando mais no campo da intuigio ¢ da arte do que no campo cientifico; nto teria objeto de estudo Préprio porque o fenémeno educativo é pluridimensional, assim como niio disporia de um sistema claro e coerente de conceitos. Em primeiro lugar, algumas dessas limitagdes sio atribufveis as Ciéncias Sociais em geral. Segundo, os criticos da Pedagogia nio percebem que a ocorréncia dessas dificuldades epistemolégicas nfo constituem razio suficiente para se ignorar a atividade prética correspondente ao campo de conhecimento pedagégico. Tal atividade, definida espe- cificamente como formacio humana, envolve dimensées da teoria cientifica © da prética, reflexdo e agio. Nesse sentido, a insisténcia na redugio do trabalho pedagégico ao trabalho docente — presente nos pareceres e resolugdes do Conselho Federal de Educagio, do movimento de reformulagio dos cursos de Pedagogia ¢, por conseqliéncia, do curriculo de Faculdades de Educagio — foi e tem sido um obstéculo a0 desenvolvimento dos estudos propriamente pedagégicos. Com efeito, a negagio da existéncia de conhecimentos te6ricos e priticos préprios da ciéncia pedagégica (em co- nexio com as demais ciéncias da educagfo) e a recusa de admitir-se um campo de atuagio profissional mais amplo 357 a0 pedagogo abriram flancos a toda sorte de reducionismos, 8 intransigéncia e intolerancia das posig6es estabelecidas nos campos do conhecimento, resultando no empobrecimento da investigagao pedagégica especifica, no vazio te6rico da for- magio profissional, na desvalorizagio da formagio pedagé- gico-didética dos licenciandos. Onde estaria a raiz desta intolerdncia 4 Pedagogia como ci€ncia ou, ao menos, como um campo espectfico de co- nhecimentos e prdticas? & uma pergunta dificil de responder. ver nela um carter dogmitico, excessivamente voltado para postulados ético-normativos num mundo propicio & relativizagio de valores? Ou, por outro lado, um cariter racionalista ou mesmo tecnicista, no sentido de que toda ciéncia seria domesticadora, erigindo-se acima da sociedade? Ou a imtolerancia seria decorrente da subestimagio dos objetivos e processos pedagégico-diditicos em favor da tese de que, para uma boa aprendizagem, os conteiidos/métodos de cada matéria se bastam? Se for isso, onde o docente buscard critérios de escolha de objetivos sociopoliticos e selegdio de contetidos cientificos ¢ métodos, para traduzi-los em escolhas concretas de modos de instrugio e formagio? Para essa tarefa bastaria a Filosofia, a Sociologia, a Psicologia, ou, mesmo, os préprios contetidos/métodos de cada matéria? Mas para onde esses conhecimentos convergem, se nto houver um campo de conhecimentos orientado intencional- mente para a pritica educativa? Além disso tudo, conviria analisar mais a fundo a hipétese de que o desprestigio académico dos estudos em Pedagogia se explicaria como reflexo direto da desvalorizagio social e profissional do educador escolar. Seja como for, entendo que retirar da prética docente seus fundamentos pedagégicos (onde estiio necessariamente implicados objetivos sociopoliticos da pritica educativa) sig- nifica recusar a diregio de sentido do ensino diante de uma sociedade marcada por antagonismos de classes e grupos sociais. Isto leva a reduzir 0 ensino a sua dimensao cientifica © técnica, desprezando-se sua dimensio valorativa, intencio- 58 nal. O proceso docente € pedagégico precisamente porque € intencional, porque tem objetivos explicitos em face do quadro de interesses antagOnicos existente na sociedade; é por isso que se justifica a mediagdo pedagégica e didética Como escreve Manacorda: “decidir o que e como ensinar significa decidir que homem se pretende formar, que modelo de homem se tem em mente” (In: Maragliano et al., 1986: 8). No meu ponto de vista, é isto basicamente 0 que justifica uma_pedagogia. Uma visiio verdadeiramente critica do ensino, do ponto de vista histérico-social, no pode simplesmente suprimir a Pedagogia, sob pena de afirmar-se a recusa A formulagto de objetivos sociopoliticos ¢ formativos e ’ abordagem eritica dos contetidos culturais. Todos os educadores seriamente interessados nas ciéncias da educagio, entre elas a Pedagogia, precisam concentrar esforgos em propostas de intervencdo pedagégica nas varias esferas do educativo para enfrentamento dos desafios colocados pelas novas realidades do mundo contemnporiineo. Referéneias bibliogréficas ANFOPE. Documentos finais dos Encontros 1990-1994. BEILLEROT, Jacky. A sociedade pedagégica. Porto, Rés Editora, 1985. BENEDITO, Vicente. Inroducciéa a la Didéctica. Barcel ‘canova, 1987, Bar- BRZEZINSKI, Iria. Formagio de professores: dilemas e perspectivas ‘Contradigdes e ambiglidades no curso de Pedagogia: do professor primério ao professor primario. Anais do Vi Encontro Nacional de Diddtica e Prética de Ensino. Goidnia, 1994, CADERNOS CEDES. 0 profissional do ensino — debates sobre sua formagdo. Campinas, Cortez/CEDES, n. 17, 1986. CHAVES, Eduardo O. C. O curso de Pedagogia. Cadernos CEDES. Sio Paulo, (2): 47-69, 1986. 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