You are on page 1of 22

Relatório Final PDPD (Edital 02/2015)

Título: “A questão da existência de Deus em Kant”

Aluno: Pedro Casalotti Farhat

RA: 21045115

Orientador: Bruno Nadai

Palavras-chave do projeto: Deus, antinomia, razão, Kant

Área de conhecimento do projeto: História da Filosofia Moderna

Data: 07/2016

Durante o projeto “Pesquisando Desde o Primeiro Dia”, tive a oportunidade de conhecer

mais a fundo a Crítica da Razão Pura de Kant, analisada no Grupo de Filosofia Alemã da UFABC,

onde pude entrar em contato direto com as ideias apresentadas pelo autor alemão, como

consequência, o grupo foi fundamental para a realização desse projeto. Além da bibliografia ser

basicamente a própria Crítica, também foram utilizados alguns comentadores. Esse relatório está

dividido seguindo a ordem de análise do livro, portanto o indicado entre parênteses em cada seção

corresponde aos títulos das partes do livro.

1
‐Os juízos sintéticos a priori (Introdução)1

A primeira parte analisada foi a Introdução e dela pude retirar pontos relevantes para

conhecer a Crítica e, assim, para o presente estudo. Veremos primeiro a introdução e somente

depois os prefácios pois nessa ordem encontramos conceitos mais importantes para uma

compreensão inicial do propósito da obra. Quanto à disputa clássica entre empiristas e racionalistas,

Kant estabelece uma problematização da teoria empirista, que defende a origem do conhecimento

na experiência sensível no sentido temporal e, portanto, anterior ao entendimento. Kant concorda

com isso, expressando que “todo o nosso conhecimento começa com a experiência”.2

A divergência surge quando se diz que o conhecimento teria origem apenas na experiência

sensível e não com outros meios, os quais seriam a priori, ou seja, independentes de toda e qualquer

experiência. Para Kant, estes últimos são igualmente constitutivos do conhecimento. A diferença

entre puro e a priori é de relevância e constitui uma questão de referência à experiência (a priori),

enquanto o puro seria aquele que não se refere a experiência.

Além dessa divergência, Kant levanta a questão da universalidade empírica, ou seja, eventos

que ocorrem com grande frequência e que são dados, via indução, como verdades universais, apesar

de não poderem receber uma “prova universal”. Com isso, ficaria demonstrado que as ciências em

geral, que utilizam de experimentos para embasar suas teorias, não podem ter como fundamento a

própria experiência, sendo necessário buscar esse fundamento em outra parte, ou seja, em conceitos

a priori, que possibilitariam uma “base” para que essas experiências fossem consideradas válidas.

A matemática e a física são apresentadas, na Crítica, como ciências que possuem

conhecimentos puros, dentre os quais se poderia mencionar, por exemplo, a reta como menor

distância entre dois pontos e as noções de espaço e tempo. Desse modo, o autor prepara o terreno

para explicar qual o papel da metafísica, ou seja, tratar das ideias puras e da aplicação de conceitos

a priori a experiências sensíveis, além de seguir tratando das velhas questões específicas da

metafísica, de ordem teológica, cosmológica e psicológica.

1 Crítica da Razão Pura (KrV), B 1.


2 Idem.
2
A questão central que tentaremos abordar da Crítica será a teológica, focando assim a

questão da existência ou não de “Deus”. Aqui não se trata de uma discussão sobre a realidade desta

existência, pois, como veremos mais adiante no texto, não constituímos conhecimento com

intuições sem estruturas conceituais ou pensamentos sem o que receber da experiência. A

preocupação com esse problema metafísico transpõe a sua mera reflexão, com o avanço dos

empiristas ingleses sobre o cristianismo, autores como Leibniz e Wolff se não totalmente, em

grande medida, sofreram duras críticas de uma maneira diferente de pensar, assimilada por Kant na

Crítica e assim possibilitando toda uma tradição filosófica posterior.

A oposição entre os empiristas (e.g. Hume) e os racionalistas (e.g. Leibniz e Wolff) é clara

quando se trata da origem do conhecimento, pois aqueles enfocam na experiência perceptiva como

meio único de conhecer e estes defenderiam uma certa “natureza humana” em que os

conhecimentos se originam, ou seja, os nossos sentidos falhos e imperfeitos não garantem

conhecimento real. Desta oposição surge a ideia de Kant como uma união entre ambas as correntes,

possibilitando a síntese entre a origem do conhecimento tanto nas percepções empíricas quanto no

entendimento e razão, garantindo assim, não apenas uma filosofia posterior, mas também a

resistência contra os violentos avanços empiristas sobre as discussões de consequências metafísicas

como “Deus” e “alma”, tão valorizados na tradição cristã, da qual Kant fez parte.

Seguindo a ordem do livro, somos apresentados aos conceitos que fundamentarão o

questionamento central da Crítica: os juízos analíticos ou de esclarecimento e os juízos sintéticos ou

de ampliação, que apresentam uma diferenciação muito importante no projeto kantiano. Os

analíticos são aqueles que explicam algo, sem que uma adição seja feita, apenas se esclarecendo o

que está nele contido por si só, como o juízo “o corpo é extenso”, em que a “extensão” já está

contida em “corpo” e que, portanto, não passa de uma descrição. Os juízos sintéticos ampliam nosso

conhecimento, já que novos conceitos são adicionados, uma síntese é efetuada e conceitos antes

separados, não encontráveis um no outro, são agora unidos, como no exemplo do juízo “o corpo é

pesado”, em que os conceitos de corpo e peso são unidos, gerando um juízo sintético.

3
Desses juízos sintéticos surge um problema: neles é necessário um auxílio da experiência

para que se possa formar, por exemplo, a proposição “o corpo é pesado”. Dessa forma, seria

impossível um juízo sintético a priori, ou seja, sem qualquer experiência. Porém, Kant demonstra

que existem esses juízos e proposições a priori, como “tudo o que acontece tem a sua causa”,

sendo, portanto, a função dos juízos sintéticos a priori a de embasar todo o nosso conhecimento.

No ponto V da Introdução (B 14 – p.53), Kant mostra que os juízos sintéticos a priori estão

na base de todas as ciências teóricas como a matemática e a física, que tiveram amplo sucesso por

essa razão. O exemplo clássico “5+7=12” é usado para indicar a realização de uma ciência como a

matemática e a física, ou seja, a união de dois conceitos antes separados, 5 e 7, que resultam num

terceiro não presente neles, o 12. Assim, ambas (a matemática e a física) seriam tomadas como

ciências de fato existentes e bem-sucedidas, condicionadas pelos juízos sintéticos a priori, não

apenas possíveis ciências que ainda não se afirmaram. A metafísica, por outro lado, em sua

constante análise própria, não continha tais juízos e assim se manteve estagnada, longe de atingir o

estatuto de ciência e mais do que isso, se manteve descreditada e mal sucedida, tudo devido a falta

dos juízos sintéticos a priori em sua formação.

Logo, meros juízos analíticos não conseguiriam fundamentar a metafísica como uma

verdadeira ciência, deixando esta apenas na aspiração pelo que as outras (matemática e física)

fizeram. A questão aqui é a síntese que fundamenta o juízo sintético a priori, que possibilitaria, se

encontrada nas bases da metafísica, a raiz central de uma frutífera ciência, tal qual aquelas citadas

anteriormente.

Após essa conclusão inicial, Kant estabelece a questão central de sua obra: como são

possíveis os juízos sintéticos a priori? Pois, solucionada esta questão, poderíamos encontrar a

configuração correta para a metafísica e finalmente colocá-la em seu lugar prestigiado de “rainha de

todas as ciências”.3 Além de solucionar essa questão, propõe-se uma formulação diferente do que

foi feito até o momento, negando as formas dogmáticas da metafísica, que só expõem conceitos,

explicando-os e obtendo conclusões equivocadas. É proposta então a criação de uma ciência

3 KrV, A VIII.
4
denominada crítica da razão pura, que seria um órganon da razão pura, contendo conceitos a priori

e, portanto, servindo de base para a filosofia transcendental. Esta se ocuparia do estudo não

somente dos objetos, mas do modo como entendemos esses objetos em um sistema, a fim não de

uma compreensão completa de todos eles, mas sim da resolução do problema central dos juízos

sintéticos.

5
-O idealismo e a coisa em si (Prefácios)4

Na seguinte fase de análise, tomamos os textos dos Prefácios (à primeira e à segunda

edições), de modo a entender melhor o contexto em que Kant publicou a obra, já com algum

conhecimento dos “problemas” que o autor tentaria resolver nela (contidos na introdução). A

primeira edição tem em seu prefácio uma análise do funcionamento da razão humana e diagnostica

um padrão: a razão tenderia ao erro a partir do momento em que se propõe questões que lhe são

naturais, como a questão da existência de uma causa do mundo, i.e. “Deus”. Porém estas exigem a

especulação e não se resolvem se tiverem por base apenas conhecimentos provindos da experiência

pois o contato com estes objetos seria impossível, ou seja, existiria uma impossibilidade da

experiência.

Esse erro consistiria em refugiar-se em princípios totalmente externos à experiência,

impossibilitando com isso uma base confiável para o conhecimento. Kant formula então a famosa

metáfora da metafísica como um campo de batalha, onde se apresentam dois lados principais,

dogmáticos e céticos, todos de certa forma “errados” por recair nesse problema da impossibilidade

da experiência.

Uma aporia é estabelecida, a razão mantém seu procedimento sem encontrar solução e recai

nos mesmos erros do passado, se mantendo numa guerra constante, onde nem mesmo os que tentam

“mudar” a forma de fazer filosofia conseguem escapar, já que caem na mesma armadilha natural da

razão, isto é, a inexistência de uma saída que não inclua experiências empíricas. Tentativas

frustradas como a de Leibniz, na qual as experiências não perceptivas se mostrariam possíveis

apesar de sua, ainda prematura, tentativa de obscurecer as “experiências” metafísicas.

O campo de batalha que a metafísica havia testemunhado seria marcado agora pelo

problema da “indiferença”, um sinal da forma de pensamento da época, segundo Kant, um tipo de

pensamento identificado com um grupo em especial, que, diferente dos céticos ou dogmáticos,

defenderia uma popularização da linguagem escolástica e assim mostraria também um caráter

indiferente às questões da metafísica, tão importantes quando se trata de entender as origens do


4 KrV, A VII, B VII.
6
conhecimento e o seu funcionamento interno, gerando não somente superficialidade mas também

um recaimento nas afirmações que estes indiferentistas se mostravam contrários.

Seria um espírito comum à época, manifestando “um efeito não da negligência, mas da

amadurecida faculdade de julgar da época, que já não se deixa deter por um saber ilusório;”(A XI –

p.19). Isto apareceria na forma dos pensamentos e exigiria um tribunal da razão, o qual seria a

própria crítica da razão pura e teria como função livrar a razão das “suposições infundadas”,

mantendo-a sob suas “leis naturais e imutáveis”. Esse movimento comum estaria não somente

associado ao conhecimento científico, no âmbito da matemática e a da ciência da natureza, mas

também em campos como a religião e a “legislação”, constituindo um “autoconhecimento da

razão”.

Na segunda edição podemos encontrar um tema semelhante ao da primeira, isto é, o

estabelecimento de uma “ordem” na filosofia, porém com uma abordagem diferente, que inclui

alguns exemplos do tipo de ação que o autor estaria propondo para a metafísica. Um deles seria o

seguinte: “…Copérnico, que, não conseguindo avançar muito na explicação dos movimentos

celestes sob a suposição de que toda a multidão de estrelas giraria em torno do espectador, verificou

se não daria mais certo fazer girar o espectador e, do outro lado, deixar as estrelas em repouso”. 5

Isso permite a Kant explicar o que pretende fazer, invertendo as posições do objeto e do espectador:

não é mais o objeto que regula os conhecimentos, mas sim o contrário: é a nossa intuição que regula

os objetos, possibilitando o estudo a priori da mesma. Esse “idealismo” seria criticado

posteriormente, sendo só refutado posteriormente na obra (este problema terá sua explicação mais

abaixo).

Em sequência é exposta a distinção entre fenômeno e coisa em si, uma distinção que é

fundamental para a nossa pesquisa, pois, entre outras coisas, Kant não poderia, sem ela, tratar das

questões de Deus, alma e liberdade, uma vez que é impossível ter contato com estes na experiência

sensível. O fenômeno é “o objeto indeterminado de uma intuição empírica”6, ou seja, o objeto

5 KrV, B XVII.
6 KrV, B 34.
7
afetou a capacidade de representação (sensibilidade), gerando assim uma sensação, através desta

temos uma intuição empírica, de tal maneira que somente com a sensibilidade um objeto pode ser-

nos dado, denominando-se este objeto fenômeno. Já a coisa em si mesma é aquilo que apenas

podemos pensar, mas com a qual de maneira alguma podemos ter contato empírico, podendo apenas

especular sobre, jamais tendo certeza do que realmente é.

Como afirma Lebrun em seu artigo “A aporética da coisa em si”, “por coisa em si não se

deve entender nada além da coisa considerada independentemente de nossos sentidos e de um

conhecimento empírico possível”.7 A questão da coisa em si percorre a obra inteira e mantém esses

objetos distantes da experiência humana: não existe a possibilidade de termos contato empírico com

“Deus” e, portanto, não temos acesso a esse “objeto”. Neste passo aparece a referida aporia: se não

podemos ter contato com o “fenômeno” de Deus, i. e., com o objeto do conceito ou ideia de “Deus”,

como poderíamos ter certeza de que este existe enquanto coisa em si, já que nossa intuição sensível

é, para nós a única forma de entrar em contato com o objeto?

Esta diferenciação entre a coisa em si e o fenômeno não pode ser restringida, porém, apenas

ao que é cada um deles, mas deve explicitar as suas funções no pensamento kantiano, com o intuito

de “proteger” as ciências das metafísicas dogmáticas e, consequentemente, do ceticismo. A partir do

momento em que diferenciamos aquilo que é representado mediante nossa faculdade de receber

impressões exteriores (a coisa como fenômeno) daquilo que as coisas são em si mesmas e

independentemente desta nossa maneira de apreendê-las (as coisas em si), deslocamos os problemas

metafísicos para longe da área empírica, deixando as necessárias formulações científicas

distanciadas do pensamento metafísico, ou seja, os objetos empíricos podem assim ser inseridos

num contexto científico real, como na física, enquanto a metafísica lidaria apenas com o diverso de

uma intuição empírica e de uma matéria que não somente a fenomenológica.

Além desse fator de importância, devemos lembrar que a divisão decorre como resposta à

regulação do objeto em relação ao sujeito, i.e., enquanto o sujeito apenas recebe no primeiro “nível”

de subjetividade (externo e passivo) as representações, e assim “preenche” as estruturas internas do

7 Lebrun G., Sobre Kant, p. 54


8
conhecimento. Este mesmo sujeito contém tais estruturas no segundo “nível” (interno e ativo),

possibilitando portanto a análise de um diverso do entendimento e o funcionamento desta faculdade

interna previamente existente no indivíduo (i.e. a priori).8

A consequência direta do exposto agora pode ser interpretada como um idealismo, ou seja, a

dependência do objeto percebido com relação ao sujeito, aquele percorrendo o trajeto do

conhecimento apenas por ser percebido por este, unindo portanto forma e conteúdo no

entendimento humano. Esta foi uma das críticas que Kant sofreu em sua primeira edição da Crítica,

gerando mudanças consideráveis na segunda edição, na qual o argumento realista foi reforçado.

A intervenção dessa relação mais realista reclama para si a responsabilidade de possibilidade

da existência do sujeito e do objeto não apenas no sujeito (e.g., cogito cartesiano), mas sim a partir

da conexão entre o que é percebido e o que percebe, como podemos ver na “Refutação do

idealismo” (B 274 – p.230): “só podemos perceber as determinações do tempo por meio da

mudança nas relações (o movimento) em relação ao permanente no espaço (…), mas também

porque não temos nada permanente, que pudéssemos colocar como intuição sob o conceito de uma

substância, a não ser a matéria; e mesmo esta permanência não é extraída da experiência externa,

mas pressuposta a priori como condição necessária de toda determinação do tempo, portanto

também como determinação do sentido interno em relação à nossa própria existência por meio da

existência das coisas externas.”.9

Por conseguinte, o estabelecimento da divisão entre o que é e o que temos percepção

constitui base fundamental no presente estudo, em dois sentidos. Primeiramente, porque o objeto

“Deus”, como imperceptível em nossa sensibilidade, embora não possa ser conhecido, pode ao

menos ser pensado nas estruturas a priori da razão. Em segundo lugar, e ao mesmo tempo, porque

esta “não percepção empírica” do objeto impossibilita a afirmação de sua existência pelo sujeito.

8 Mattos, F. C. Da teoria à liberdade: a questão da objetividade em Kant, p.77


9 KrV, B 278
9
‐Sobre o espaço e o tempo (Estética transcendental)10

A estética transcendental começa a Crítica propriamente dita, é a primeira parte em que

Kant vai tratar da doutrina transcendental dos elementos. A palavra estética (Ästhetik, em alemão)

pode parecer estranha, para um leitor do século XXI, como nome desta seção do livro, já que hoje

essa palavra designa mais comumente o estudo filosófico das experiências com as artes e com “o

belo” em geral (sentido em que o próprio Kant a utilizaria na Crítica da faculdade de julgar).

Porém, o termo dizia respeito também ao conhecimento sensível e, assim, exatamente ao que Kant

pretendia analisar.

A estética começa com algumas distinções importantes: a intuição é o meio pelo qual temos

o contato direto com um objeto dado a nós, seres humanos, e a sensibilidade é a capacidade de

receber as experiências sensíveis (sensações). A intuição sensível, portanto, é obtida somente pelas

sensações, e estas fornecem somente as intuições. O pensar um objeto, porém, é feito através do

entendimento, este resultando nos conceitos. Os pensamentos referem-se à intuição sensível e,

portanto, à sensibilidade em cada ser humano através de algumas “formas”, já que não há outro

modo de um objeto ser-nos dado. E este objeto da intuição é denominado fenômeno.

A matéria de cada fenômeno nos é dada a posteriori, porém a sua forma existe previamente

na mente, ou seja, a priori. As representações puras, que não contêm nada da sensação, são a fonte

da intuição pura ou forma pura da sensibilidade, a qual se define sem aquilo que é próprio da

sensibilidade e do entendimento empírico (i.e., da matéria). Ou seja, quando mudamos o foco da

intuição empírica, retirando o que é próprio da sensação, chegamos à intuição pura, formato

(figura) e extensão, formas a priori na mente, que estão presentes antes mesmo da formação

daquela intuição sensível.

Logo, a Estética transcendental é o estudo dos princípios da sensibilidade a priori e aborda

as duas formas puras da intuição sensível: o espaço e o tempo. Estes contêm exposições metafísicas

e transcendentais que o autor procura esclarecer em sua busca pela questão central dos juízos

sintéticos a priori.
10 KrV, B 33.
10
Em um primeiro momento, Kant analisa o espaço em relação ao que ele afirmava: sua

constituição a priori. Para esse fim, apresenta-se como o espaço não pode ser relacionado ao

sentido interno, pois este só é possível em relação ao tempo, ao passo que o espaço estaria

relacionado ao sentido externo, que possibilita representar os objetos como fora de nós. A

concepção kantiana se distingue assim de outras concepções de espaço, já que não é uma relação

dos objetos externos e muito menos é independente do sujeito. O espaço seria uma representação a

priori, pois, sem esta representação, anterior à experiência sensível, não poderíamos entrar em

contato com objetos fora de nós, possibilitando uma intuição empírica.

O espaço seria então independente dos objetos, pois é possível pensá-lo sem objeto algum,

portanto o espaço é uma condição dos fenômenos, que apenas podem ser intuídos através da

sensibilidade, o que prova o caráter a priori do espaço, presente em nossa mente como forma pura

da intuição sensível.

Kant tem, porém, a intenção não só de provar o caráter puro do espaço, mas também como

este é condição de possibilidade para juízos sintéticos puros, ou seja, transcendental. Para tanto, foi

proposto que o espaço torna possível a geometria, já que esta seria uma ciência que determina as

propriedades do espaço de maneira sintética e a priori. Apenas sendo possível isto se uma intuição

pura e inerente ao sujeito existisse, ou seja, já que a partir de um mero conceito de espaço não

poderíamos extrair novos conceitos, temos de conceder um valor de intuição, logo, de intuição

externa do sujeito, constituinte do modo como este é afetado por objetos.

Por conseguinte, o espaço conteria dois lados distintos que coexistem: de um lado temos o

caráter real do espaço, sua validade para todas as intuições externas feitas pelo ser humano e, de

outro, o caráter ideal, que explicita o fato de o espaço não possibilitar entrar em contato com as

coisas em si mesmas, apenas ser uma forma da intuição externa pura, uma forma a priori da nossa

intuição dos fenômenos e a condição subjetiva de nossa sensibilidade externa. Consequentemente, o

espaço é real por estar presente no sujeito sensível e ideal por ser apenas uma condição de

possibilidade da experiência, como no exposto: “Nós afirmamos, portanto, a realidade empírica do

11
espaço (com relação a toda experiência externa possível), mas também a idealidade transcendental

do mesmo, i. e., que ele nada é tão logo abandonemos a condição de possibilidade de toda

experiência e o tomemos como algo que serve às coisas em si mesmas.”.11

Na segunda parte da estética analisa-se o tempo e, dessa forma, o sentido interno, já que o

tempo seria a forma das intuições de nossos estados internos, entendendo-se que tudo que faz parte

das determinações internas só corresponde às relações de tempo. O tempo é uma representação que

existiria anteriormente a todas as intuições – o tempo seria, nessa concepção, “superior” ao espaço,

pois abarcaria tanto a intuição interna quanto a externa, ao mesmo passo que nos é dada uma

representação no espaço, temos esta também no tempo e o contrário nem sempre é verdade, tal qual

um conjunto mais abrangente, o tempo inclui as intuições internas e externas – já que não podemos

retirar o tempo dos fenômenos, mas conseguimos conceber o tempo sem estes, donde provém ele

ser a priori.

Kant concebe a representação do tempo como a consciência de diferentes representações

que ocorrem de forma seguida, isto é, sucessivas, não sendo múltiplos tempos simultâneos, mas sim

partes de um único tempo, que abrange a todos. Esse ponto é importante porque assim esclarecemos

que o tempo não é um conceito universal, já que nunca poderíamos retirar de conceitos tais juízos

sintéticos, ou seja, da mesma forma como foi exposto anteriormente para o espaço, nenhum

conceito poderia reunir representações diferentes (contraditórias) em um mesmo objeto, apenas a

partir do tempo como uma forma de receber as seguidas representações poderíamos obter essa

reunião de sucessivas mas não simultâneas representações. Sendo assim, apenas uma forma pura da

intuição poderia supor tais proposições tais como uma reunião de múltiplas representações.

Neste ponto da análise sobre o tempo, as afirmações “metafísicas” se encontram de certa

maneira com as “transcendentais”. A afirmação da necessidade do tempo como pré-requisito da

percepção de fenômenos, seja imediatamente para com a minha intuição interna, seja com objetos

fora de mim, no espaço e através das representações internas que tenho deste objeto, demonstra a

maior abrangência do tempo. Logo, o tempo é uma forma que é estritamente necessária para o

11 KrV, B 44.
12
desenvolvimento de proposições sintéticas a priori e, diferentemente do espaço, inclui as

percepções internas, possibilitando esse maior plano de ação. Veremos posteriormente, em uma fase

avançada da pesquisa, o tempo se mostrará importante para adequação do das formas puras em

relação ao material empírico (retirar último trecho?)

Seguindo as exposições em relação ao tempo e ao espaço, Kant inclui uma “Elucidação”, a

qual contém em seu começo uma tentativa de iluminar os argumentos sobre as modificações. Neste

ponto o argumento é extremamente interessante, pois Kant realiza uma espécie de recuo, em que

“admite” a realidade proposta do tempo, mas admite o tempo como a forma real da nossa intuição

interna. Logo, este seria uma forma de ter uma representação interna de mim mesmo e assim deixa

de ser um objeto e passa a ser uma forma de representar a mim mesmo como objeto. A sensibilidade

teria caráter fundamental nesse processo, pois, sem esta, não seria possível a percepção do tempo e,

consequentemente de suas modificações.

Outro ponto de discussão seria a questão do tempo como algo absoluto. Pelo fato de a

representação empírica do tempo estar presente como condição de toda experiência, não seria ele

absoluto? A diferença reside novamente na essência do tempo: por ser uma forma de nossa intuição,

a sua presença não é ligada diretamente aos objetos, mas sim às suas representações, presentes

apenas no sujeito sensível. E, além disso, o tempo não é absoluto por estar em todo lugar, mas

“está” em todo lugar por ser a forma de nossa intuição interna e se apresentar como uma sequência

temporal, determinada pela nossa consciência segundo nosso sentido interno.

A diferenciação entre coisa em si e fenômeno tem importância fundamental na questão da

realidade absoluta do espaço: o conjunto intuição/sensibilidade mantém a coisa em si mesma longe

do sujeito, que apenas pode conhecer o fenômeno, tanto os objetos de nossos sentidos externos

quanto internos. Nesse ponto, o idealismo afirmado por questionadores da doutrina da idealidade do

espaço cai, já que o único objeto do qual, segundo eles, se teria uma “prova rigorosa”, i. e. os

objetos do sentido interno, também são, na realidade, fenômenos.

13
Os que defendiam a realidade absoluta do espaço e do tempo, por encontrarem obstáculos

quanto à possibilidade de conhecimentos a priori em suas teorias, perdem estes obstáculos na

exposição presente na Crítica. Alguns teriam o problema de admitir os conhecimentos a priori da

matemática, que não podem se refugiar na experiência e acabam assim se perdendo, e outros

perdem a vantagem de conseguir ultrapassar o obstáculo de representações a priori no espaço por

não incluir nestas a intuição, podendo discordar o que se apreende da experiência e estas

representações.

A seção 8 é a última da estética e é constituída das “observações gerais sobre a estética

transcendental”12. Logo no começo, o autor reforça as limitações de nosso aparato sensível face ao

conhecimento da coisa em si mesma, já que, sendo nossa intuição sensível a forma como

representamos o objeto, sempre que chegamos ao fundo do fenômeno chegamos ao fundo de nossa

maneira de intuir e permanecemos, assim, longe da coisa em si.

Esta reafirmação se faz necessária não por acaso, mas porque Kant pretende assim criticar

diretamente a “filosofia leibniz-wolffiana”13, que julgava a origem dos conhecimentos sobre os

objetos como potencialmente obscura, ou seja, os nossos intelectos conseguiriam, de algum modo,

conhecer as coisas em si mesmas, mas não em sua totalidade. Dessa forma, Kant assume a crítica

feita aos racionalistas de sua época, introduzindo a impossibilidade se conhecimento das coisas em

si mesmas, melhorando também o que Locke e Hume fizeram, no sentido de não apenas considerar

essa impossibilidade como falha dos racionalistas, mas sim como um meio de analisar o modo com

mo conhecemos, expondo sua origem a posteriori em conjunto da origem a priori.

Esta questão, mais que puramente lógica, seria uma diferenciação daquilo que conhecemos

(fenômenos) do que jamais, pelas nossas limitações sensíveis, poderíamos conhecer (coisas em si

mesmas), jogando a investigação dos autores referidos no âmbito do equivocado. Porém, assim

como exposto acima, devemos ver a filosofia kantiana como a síntese de ideias provindas de uma

12 KrV, B 59.
13 KrV, B 62.
14
tradição racionalista e da crítica empirista, notavelmente as duas doutrinas filosóficas destacadas à

época.

O trato dado ao que temos como inerente a intuição em fenômenos presentes no sentido

humano em geral muitas vezes é confundido com o conhecimento da coisa em si, sendo isso um

engano grave, já que esta intuição não passa de uma intuição empírica, do mesmo modo como

outras formas do fenômeno, somente as primeiras sendo inerentes a intuição e as outras,

contingentes, mudando conforme o caso.

Em um segundo momento, Kant quer afirmar a certeza da validade da estética

transcendental, para isso procura o caso do espaço como condição de possibilidade do

conhecimento das coisas em si, argumentando que, somente através de conceitos não se poderiam

ter proposições sintéticas, mas apenas analíticas. Para “comprovar” a estabilidade teórica da

estética, foi utilizado um argumento por absurdo estruturado no sentido de, se os conhecimentos da

geometria são absolutamente necessários e universais, então estes tem sua origem a priori.

Isto se dá pois, somente através da análise conceitual não conseguimos gerar conhecimentos,

ou seja, se o ser humano não tivesse o aparato intuitivo que tem (pelo qual percebemos apenas

fenômenos), e pudesse entrar em contato com a coisa em si mesma, isto eliminaria nossa

subjetividade da equação que fornece o conhecimento, pelo fato de esta ser nosso “obstáculo” para

conhecer as coisas mesmas, condicionando estas em torno do fenômeno. Consequentemente, não há

modo de conhecer que exclua a intuição empírica e não padeça de matéria para preencher as formas

puras da intuição sensível (tempo e espaço).

O tempo e o espaço poderiam ser ilusões? Pelo fato de jamais entrarmos em contato com a

coisa em si, não seria este fenômeno apenas uma possibilidade de entendimento da coisa em si e,

portanto, apenas um modo de se intuir os objetos? A ilusão para Kant, neste caso, não consiste de

algo que tomamos como verdadeiro (fenômeno), mas de algo que tem em sua constituição outra

configuração. A ilusão não é o fenômeno apenas pelo fato de este ser o resultado de nossa intuição

da coisa em si, mas sim a aplicação de características em algo em si mesmo.

15
Kant percebe o problema na tentativa de esclarecer essa questão e diz: “Os predicados do

fenômeno podem ser atribuídos ao próprio objeto em sua relação ao nosso sentido, como por

exemplo a cor vermelha ou o cheiro à rosa; a ilusão, porém, não pode jamais ser atribuída como

predicado ao objeto, justamente porque ela atribui ao objeto em si aquilo que lhe pertence apenas na

relação aos sentidos ou ao sujeito em geral, como por exemplo os dois anéis que se atribuíram

inicialmente a Saturno. Aquilo que é encontrável não no objeto em si mesmo, mas sempre nas

relações deste ao sujeito, e inseparável da representação do último, é o fenômeno, de modo que os

predicados do espaço e do tempo são atribuídos com razão aos objetos dos sentidos, e não há aqui

qualquer ilusão”14 A aplicação de predicados às coisas em si mesmas caracteriza assim, a ilusão, já

que assim ignoramos a relação dos objetos ao sujeito, diferente dos predicados do espaço e do

tempo, que são as formas puras da intuição sensível.

A questão de um ser superior, o qual não temos contato empírico e portanto não podemos ter

uma intuição, é abordada brevemente no fim da estética com o objetivo de melhorar algumas

explicações. O sujeito tem em sua constituição o modo de intuir, o qual, mesmo que se retire o

objeto, continuaria existindo no sujeito, porém, se retirássemos o sujeito, logo deixamos de ter esta

intuição e portanto o fenômeno, mesmo que o objeto se mantenha. Deus estaria neste ponto em que

não temos uma intuição sensível, pois não nos aparece um objeto (fenômeno) pelo qual podemos

buscar tal intuição sensível.

Neste último parágrafo, Kant parece ensaiar a exposição sobre um ser superior que conteria

a intuição originária, da qual retiramos os “moldes” para nossa própria intuição, sendo a primeira

uma intuição que permitisse ter por meio desta mesma a prova da existência de um certo objeto,

diferente da nossa própria, que depende de nossa sensibilidade limitada para derivar suas

representações.

14 KrV, B70.
16
‐Conhecimento, Entendimento e Antinomias (Lógica Transcendental)15

Nesta seção contaremos com a análise da segunda parte da doutrina transcendental dos

elementos, que trataria, em sequência da estética (sensibilidade), a lógica do funcionamento de

nosso entendimento. Dessa forma, é explicado no começo desta seção a diferença entre a lógica

geral e a lógica transcendental. A primeira não trata com os ditos objetos pois ela tem sua concepção

pura, apenas aplicando-se aos objetos em sua concepção aplicada (in concreto), enquanto a segunda

trata, da mesma maneira que a lógica geral, das formas do entendimento, com a diferença da lógica

transcendental se referir aos objetos como fenômenos (providos pela estética) para analisar assim a

origem do conhecimento, não abstraindo completamente das intuições empíricas (como faz a lógica

geral), mantendo um diverso da intuição empírica.

A diferença entre as lógicas deriva do estabelecimento de um “sistema do conhecimento”,

no qual Kant explicita a origem deste: “Nosso conhecimento surge de duas fontes fundamentais

(…), a primeira das quais é a de receber representações (a receptividade das impressões), e a

segunda, a faculdade de conhecer um objeto por meio dessas representações (espontaneidade dos

conceitos); por meio da primeira nos é dado um objeto, por meio da segunda ele é pensado em

relação àquela representação (como mera determinação da mente).”16

Poderíamos indagar os motivos dessa derivação e da necessidade de uma “nova lógica” e as

respostas são recebidas na própria Crítica. A lógica transcendental, assim como consta em sua

definição, abstrai todo material empírico do conhecimento, com exceção da referência ao diverso do

entendimento, tendo como princípio de ação investigar as origens do conhecimento nas estruturas

do entendimento. Logo, é de fundamental importância a definição de conhecimento, como

originário na união entre as intuições (originadas na sensibilidade) e os conceitos (originados no

entendimento): “Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são cegas.”17

15 KrV, B 74.
16 Idem.
17KrV, B 75.
17
Como resposta a necessidade de uma lógica transcendental, devemos perceber a necessidade

de análise da faculdade do entendimento, não apenas para entender seus princípios puros, mas

também utilizando da referência ao diverso da intuição para assim obtermos os esperados juízos

sintéticos a priori que fundamentariam a nova metafísica, logo, precisaríamos desta análise para

entendermos não somente o funcionamento do entendimento, mas também a origem dos

conhecimentos.

Dentro da divisão da Crítica, encontramos, como já exposto, uma estética e uma lógica,

dentro desta última encontramos novamente uma divisão: a Analítica transcendental e a Dialética

transcendental. Na Analítica transcorre a análise da origem (princípios) da qual os objetos podem

ser derivados, pretendendo estabelecer o entendimento como objeto de análise em suas diversas

manifestações: “Vamos perquirir os conceitos puros, portanto, até suas primeiras raízes e princípios

no entendimento humano, onde se encontram preparados, e até que finalmente se desenvolvam por

ocasião da experiência e, por meio do mesmo entendimento que os liberta das condições empíricas

a eles inerentes, sejam apresentados em sua pureza.”18

Já no início da Analítica, é demonstrado como os conceitos se referem a outros conceitos ou

às intuições nos juízos, sendo esses o “princípio” da investigação do entendimento. Como Kant

expressaria: “Todos os juízos são, assim, funções da unidade de nossas representações, de tal modo

que, em vez de empregar uma representação imediata para o conhecimento do objeto, empregamos

uma mais elevada19, que abarca sob si tanto aquela como outas, e assim reunimos muitos

conhecimentos possíveis sob um único. Nós podemos, contudo, reduzir todas as ações do

entendimento a juízos e, assim, representar o entendimento em geral como uma faculdade de julgar.

(…) As funções do entendimento podem ser todas elas encontradas, pois, caso se possa representar,

de maneira completa, as funções da unidade nos juízos.”20

Os seguintes parágrafos expõem o limite dom presente projeto, devido à dificuldade

encontrada na realização de uma análise detalhada da Crítica em poucos meses, procurando

18 KrV, B 91.
19 Mais geral, nota nossa.
20 KrV, B 94.
18
encontrar as minúcias da questão de Deus, acabamos pecando na abrangência da devida análise e

por isso, vamos expor apenas uma breve explicação do que futuramente desejamos enfrentar na

continuação deste trabalho de análise, enfocando nas possíveis discussões que podem aparecer.

Na sequência da leitura, Kant nos apresenta à tábua dos juízos, a qual tomaria por completo

a totalidade da mera forma do entendimento. Essa tábua contém quatro títulos com três momentos

sob si e nela poderíamos, assim, encontrar todos os “tipos” de juízo. A completude dessa tábua terá

relevância para a formação de uma seguinte tábua, a tábua das categorias, onde poderíamos

encontrar os conceitos puros do entendimento, estes com referência ao conteúdo transcendental que

Kant deseja tratar.

Entre B 102 e B 109, Kant tenta expor como ocorre a síntese de um diverso da intuição, que

deve ser “percorrido, incorporado e conectado, para somente assim produzir-se

conhecimento.”21Essa ação, é movida pelo que o autor chamaria de “imaginação”, algo que, para

um leitor iniciante em Kant, pode parecer contraditório, mas que em nossa análise devemos

considerar como algo que não funciona conscientemente, ou seja, que se dá de forma a reunir,

primeiramente um conhecimento ainda rústico e cru. Mas que logo analisado o procedimento da

síntese, poderia nos fornecer a origem do nosso conhecimento.

Comparando esta questão ao ponto central de nosso projeto, percebemos a necessidade de

entender duas das categorias (conceitos puros do entendimento) como explicitamente ligadas ao

funcionamento de nosso entendimento quando trata da existência de “Deus”. Essas categorias

seriam “de causalidade e dependência” e “existência – não existência” 22, ideias, que serão mais

desenvolvidas na continuação da analítica e que esperamos analisar para o projeto futuro.

A partir desse ponto desejamos olhar mais a frente na obra, perscrutando necessárias

análises à serem feitas. No atendimento a demanda da análise dos princípios do entendimento,

temos um resultado como a tábua do conceito de nada, que inclui a “Intuição vazia sem objeto (ens

21 KrV, B 102-104.
22 KrV, B 106.
19
rationis)” e “Conceito vazio sem objeto (ens imaginarium)” 23, que nos mostra uma das

possibilidades de análise para o que projetamos nesta pesquisa.

Em sequência, na Dialética transcendental, inclui-se a demonstração do mau uso da análise

do entendimento, para propostas que fogem da intuição empírica, como “Deus”, “alma” e

“liberdade”, o que se for observado, contém discussões que tangem precisamente a proposta centra

desta pesquisa. Logo são expostos os paralogismos, em que Kant tratará da ideia de “alma” e as

antinomias, que devem tratar da questão de “Deus”, nessa seção, incluímos como necessário nos

próximos passos deste projeto, a análise da quarta antinomia24, que constitui a discussão sobre uma

causa do mundo e, portanto, de “Deus”, incluindo os argumentos do que seriam as exposições

contra e à favor a existência desta causa. Neste ponto será necessário pleno entendimento das

categorias puras do entendimento que explicitamos como importantes anteriormente.

No decorrer do texto encontramos a exposição do ideal transcendental25, que inclui

discussões explicitamente ligadas ao que pretendemos tratar aqui, mais precisamente sobre a

estipulação da possibilidade26 de determinação de algo. Bem como pretendemos analisar o exposto

por Kant nas seções sobre um ser supremo (i.e., Deus)27, que argumentam sobre a impossibilidade

de uma afirmação da existência deste “Deus” (da mesma forma que a inexistência também não pode

ser provada) e suas consequentes exposições.

Ainda seguem as críticas que Kant faria “a toda teologia baseada em princípios

especulativos da razão”28, de onde tiraríamos uma questão fundamental para a projeção da pesquisa,

incluindo questões ainda não tratadas na Crítica da razão pura, mas que nos apontam o caminho

sobre a análise de textos posteriores do autor, tais como a Crítica da razão prática e A religião nos

limites da simples razão, e que indubitavelmente inclui discussões que devemos tratar.

23 KrV, B 348
24 KrV, B 480.
25 KrV, B 599.
26 KrV, B 600-601.
27 KrV, B 606-607/611/618/620/631/648.
28 KrV, B 659.
20
‐Conclusão

Nesta última seção dedicaremos o enfoque em reunir e concluir as discussões sobre a

existência de “Deus” em Kant. Devemos lembrar que este estudo preliminar e superficial conta

apenas com a análise da Crítica da Razão Pura, de tal forma que esperamos desenvolver mais

extensamente em futuros estudos a questão em outras obras de Kant relevantes. De qualquer

maneira, com a exposição acima, esperamos que a importância deste assunto na obra kantiana tenha

ficado clara, pois este objeto “não empírico” não compete às análises da sensibilidade, apenas

gerando frutíferas discussões e reflexões no âmbito do uso da razão.

Já no início da obra encontramos a dificuldade em que a metafísica e a filosofia em geral se

encontrava para tratar de algumas questões, dentre elas, a de “Deus”. Quando se tratavam de

intuições empíricas, i. e., com objeto que possibilite ter representações, o desenvolvimento e

reflexão são fecundos e muito frutíferos, porém, como estas não se apresentam historicamente como

as principais problemáticas da filosofia, logo percebemos a enrascada lógica que nos encontramos.

De um dos lados, uma tese dogmática, que defende: “Ao mundo pertence algo que, seja

como sua parte ou sua causa, é um ser absolutamente necessário.” 29 Do outro, uma tese igualmente

dogmática, mas inversamente propositada: “Não existe em parte alguma, nem no mundo, nem fora

dele, um ser absolutamente necessário como sua causa.” 30 Na esperança de resolução de questões

insolúveis como essa, Kant constrói sua Filosofia, em certo sentido, uma nova metafísica, e com

certeza, uma nova forma de encarar a produção filosófica, de maneira que nenhum autor mais

poderia se deixar levar por teses dogmáticas sem assim recair na crítica.

29KrV, B 480.
30 Idem.
21
‐ Bibliografia

KANT, Immanuel. “Crítica da Razão Pura”. Tradução: Fernando Costa Mattos. Rio de Janeiro:

Editora Vozes, 2012;

WARBURTON, Nigel. “O básico da filosofia”. Tradução: Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro:

Editora José Olympio, 2008;

WOOD, Allen W. “Kant”. Tradução: Delamar José Volpato Dutra. Porto Alegre: Artmed, 2008;

LEBRUN, Gérard. “Sobre Kant”. Organização: Rubens Rodrigues Torres Filho. Tradução: José

Oscar Almeida Marques, Maria Regina Avelar Coelho da Rocha, Rubens Rodrigues Torres Filho.

São Paulo: Iluminuras, 2010;

MATTOS, Fernando Costa. “Da teoria à liberdade: a questão da objetividade em Kant”. São Paulo:

AM Produções Gráficas, 2009;

22

You might also like