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RA: 21045115
Data: 07/2016
mais a fundo a Crítica da Razão Pura de Kant, analisada no Grupo de Filosofia Alemã da UFABC,
onde pude entrar em contato direto com as ideias apresentadas pelo autor alemão, como
consequência, o grupo foi fundamental para a realização desse projeto. Além da bibliografia ser
basicamente a própria Crítica, também foram utilizados alguns comentadores. Esse relatório está
dividido seguindo a ordem de análise do livro, portanto o indicado entre parênteses em cada seção
1
‐Os juízos sintéticos a priori (Introdução)1
A primeira parte analisada foi a Introdução e dela pude retirar pontos relevantes para
conhecer a Crítica e, assim, para o presente estudo. Veremos primeiro a introdução e somente
depois os prefácios pois nessa ordem encontramos conceitos mais importantes para uma
compreensão inicial do propósito da obra. Quanto à disputa clássica entre empiristas e racionalistas,
Kant estabelece uma problematização da teoria empirista, que defende a origem do conhecimento
com isso, expressando que “todo o nosso conhecimento começa com a experiência”.2
A divergência surge quando se diz que o conhecimento teria origem apenas na experiência
sensível e não com outros meios, os quais seriam a priori, ou seja, independentes de toda e qualquer
experiência. Para Kant, estes últimos são igualmente constitutivos do conhecimento. A diferença
entre puro e a priori é de relevância e constitui uma questão de referência à experiência (a priori),
Além dessa divergência, Kant levanta a questão da universalidade empírica, ou seja, eventos
que ocorrem com grande frequência e que são dados, via indução, como verdades universais, apesar
de não poderem receber uma “prova universal”. Com isso, ficaria demonstrado que as ciências em
geral, que utilizam de experimentos para embasar suas teorias, não podem ter como fundamento a
própria experiência, sendo necessário buscar esse fundamento em outra parte, ou seja, em conceitos
a priori, que possibilitariam uma “base” para que essas experiências fossem consideradas válidas.
conhecimentos puros, dentre os quais se poderia mencionar, por exemplo, a reta como menor
distância entre dois pontos e as noções de espaço e tempo. Desse modo, o autor prepara o terreno
para explicar qual o papel da metafísica, ou seja, tratar das ideias puras e da aplicação de conceitos
a priori a experiências sensíveis, além de seguir tratando das velhas questões específicas da
questão da existência ou não de “Deus”. Aqui não se trata de uma discussão sobre a realidade desta
existência, pois, como veremos mais adiante no texto, não constituímos conhecimento com
preocupação com esse problema metafísico transpõe a sua mera reflexão, com o avanço dos
empiristas ingleses sobre o cristianismo, autores como Leibniz e Wolff se não totalmente, em
grande medida, sofreram duras críticas de uma maneira diferente de pensar, assimilada por Kant na
A oposição entre os empiristas (e.g. Hume) e os racionalistas (e.g. Leibniz e Wolff) é clara
quando se trata da origem do conhecimento, pois aqueles enfocam na experiência perceptiva como
meio único de conhecer e estes defenderiam uma certa “natureza humana” em que os
conhecimento real. Desta oposição surge a ideia de Kant como uma união entre ambas as correntes,
possibilitando a síntese entre a origem do conhecimento tanto nas percepções empíricas quanto no
entendimento e razão, garantindo assim, não apenas uma filosofia posterior, mas também a
como “Deus” e “alma”, tão valorizados na tradição cristã, da qual Kant fez parte.
analíticos são aqueles que explicam algo, sem que uma adição seja feita, apenas se esclarecendo o
que está nele contido por si só, como o juízo “o corpo é extenso”, em que a “extensão” já está
contida em “corpo” e que, portanto, não passa de uma descrição. Os juízos sintéticos ampliam nosso
conhecimento, já que novos conceitos são adicionados, uma síntese é efetuada e conceitos antes
separados, não encontráveis um no outro, são agora unidos, como no exemplo do juízo “o corpo é
pesado”, em que os conceitos de corpo e peso são unidos, gerando um juízo sintético.
3
Desses juízos sintéticos surge um problema: neles é necessário um auxílio da experiência
para que se possa formar, por exemplo, a proposição “o corpo é pesado”. Dessa forma, seria
impossível um juízo sintético a priori, ou seja, sem qualquer experiência. Porém, Kant demonstra
que existem esses juízos e proposições a priori, como “tudo o que acontece tem a sua causa”,
sendo, portanto, a função dos juízos sintéticos a priori a de embasar todo o nosso conhecimento.
No ponto V da Introdução (B 14 – p.53), Kant mostra que os juízos sintéticos a priori estão
na base de todas as ciências teóricas como a matemática e a física, que tiveram amplo sucesso por
essa razão. O exemplo clássico “5+7=12” é usado para indicar a realização de uma ciência como a
matemática e a física, ou seja, a união de dois conceitos antes separados, 5 e 7, que resultam num
terceiro não presente neles, o 12. Assim, ambas (a matemática e a física) seriam tomadas como
ciências de fato existentes e bem-sucedidas, condicionadas pelos juízos sintéticos a priori, não
apenas possíveis ciências que ainda não se afirmaram. A metafísica, por outro lado, em sua
constante análise própria, não continha tais juízos e assim se manteve estagnada, longe de atingir o
estatuto de ciência e mais do que isso, se manteve descreditada e mal sucedida, tudo devido a falta
Logo, meros juízos analíticos não conseguiriam fundamentar a metafísica como uma
verdadeira ciência, deixando esta apenas na aspiração pelo que as outras (matemática e física)
fizeram. A questão aqui é a síntese que fundamenta o juízo sintético a priori, que possibilitaria, se
encontrada nas bases da metafísica, a raiz central de uma frutífera ciência, tal qual aquelas citadas
anteriormente.
Após essa conclusão inicial, Kant estabelece a questão central de sua obra: como são
possíveis os juízos sintéticos a priori? Pois, solucionada esta questão, poderíamos encontrar a
configuração correta para a metafísica e finalmente colocá-la em seu lugar prestigiado de “rainha de
todas as ciências”.3 Além de solucionar essa questão, propõe-se uma formulação diferente do que
foi feito até o momento, negando as formas dogmáticas da metafísica, que só expõem conceitos,
3 KrV, A VIII.
4
denominada crítica da razão pura, que seria um órganon da razão pura, contendo conceitos a priori
e, portanto, servindo de base para a filosofia transcendental. Esta se ocuparia do estudo não
somente dos objetos, mas do modo como entendemos esses objetos em um sistema, a fim não de
uma compreensão completa de todos eles, mas sim da resolução do problema central dos juízos
sintéticos.
5
-O idealismo e a coisa em si (Prefácios)4
edições), de modo a entender melhor o contexto em que Kant publicou a obra, já com algum
conhecimento dos “problemas” que o autor tentaria resolver nela (contidos na introdução). A
primeira edição tem em seu prefácio uma análise do funcionamento da razão humana e diagnostica
um padrão: a razão tenderia ao erro a partir do momento em que se propõe questões que lhe são
naturais, como a questão da existência de uma causa do mundo, i.e. “Deus”. Porém estas exigem a
especulação e não se resolvem se tiverem por base apenas conhecimentos provindos da experiência
pois o contato com estes objetos seria impossível, ou seja, existiria uma impossibilidade da
experiência.
impossibilitando com isso uma base confiável para o conhecimento. Kant formula então a famosa
metáfora da metafísica como um campo de batalha, onde se apresentam dois lados principais,
dogmáticos e céticos, todos de certa forma “errados” por recair nesse problema da impossibilidade
da experiência.
Uma aporia é estabelecida, a razão mantém seu procedimento sem encontrar solução e recai
nos mesmos erros do passado, se mantendo numa guerra constante, onde nem mesmo os que tentam
“mudar” a forma de fazer filosofia conseguem escapar, já que caem na mesma armadilha natural da
razão, isto é, a inexistência de uma saída que não inclua experiências empíricas. Tentativas
O campo de batalha que a metafísica havia testemunhado seria marcado agora pelo
pensamento identificado com um grupo em especial, que, diferente dos céticos ou dogmáticos,
Seria um espírito comum à época, manifestando “um efeito não da negligência, mas da
amadurecida faculdade de julgar da época, que já não se deixa deter por um saber ilusório;”(A XI –
p.19). Isto apareceria na forma dos pensamentos e exigiria um tribunal da razão, o qual seria a
própria crítica da razão pura e teria como função livrar a razão das “suposições infundadas”,
mantendo-a sob suas “leis naturais e imutáveis”. Esse movimento comum estaria não somente
razão”.
estabelecimento de uma “ordem” na filosofia, porém com uma abordagem diferente, que inclui
alguns exemplos do tipo de ação que o autor estaria propondo para a metafísica. Um deles seria o
seguinte: “…Copérnico, que, não conseguindo avançar muito na explicação dos movimentos
celestes sob a suposição de que toda a multidão de estrelas giraria em torno do espectador, verificou
se não daria mais certo fazer girar o espectador e, do outro lado, deixar as estrelas em repouso”. 5
Isso permite a Kant explicar o que pretende fazer, invertendo as posições do objeto e do espectador:
não é mais o objeto que regula os conhecimentos, mas sim o contrário: é a nossa intuição que regula
posteriormente, sendo só refutado posteriormente na obra (este problema terá sua explicação mais
abaixo).
Em sequência é exposta a distinção entre fenômeno e coisa em si, uma distinção que é
fundamental para a nossa pesquisa, pois, entre outras coisas, Kant não poderia, sem ela, tratar das
questões de Deus, alma e liberdade, uma vez que é impossível ter contato com estes na experiência
5 KrV, B XVII.
6 KrV, B 34.
7
afetou a capacidade de representação (sensibilidade), gerando assim uma sensação, através desta
temos uma intuição empírica, de tal maneira que somente com a sensibilidade um objeto pode ser-
nos dado, denominando-se este objeto fenômeno. Já a coisa em si mesma é aquilo que apenas
podemos pensar, mas com a qual de maneira alguma podemos ter contato empírico, podendo apenas
Como afirma Lebrun em seu artigo “A aporética da coisa em si”, “por coisa em si não se
conhecimento empírico possível”.7 A questão da coisa em si percorre a obra inteira e mantém esses
objetos distantes da experiência humana: não existe a possibilidade de termos contato empírico com
“Deus” e, portanto, não temos acesso a esse “objeto”. Neste passo aparece a referida aporia: se não
podemos ter contato com o “fenômeno” de Deus, i. e., com o objeto do conceito ou ideia de “Deus”,
como poderíamos ter certeza de que este existe enquanto coisa em si, já que nossa intuição sensível
Esta diferenciação entre a coisa em si e o fenômeno não pode ser restringida, porém, apenas
ao que é cada um deles, mas deve explicitar as suas funções no pensamento kantiano, com o intuito
momento em que diferenciamos aquilo que é representado mediante nossa faculdade de receber
impressões exteriores (a coisa como fenômeno) daquilo que as coisas são em si mesmas e
independentemente desta nossa maneira de apreendê-las (as coisas em si), deslocamos os problemas
distanciadas do pensamento metafísico, ou seja, os objetos empíricos podem assim ser inseridos
num contexto científico real, como na física, enquanto a metafísica lidaria apenas com o diverso de
Além desse fator de importância, devemos lembrar que a divisão decorre como resposta à
regulação do objeto em relação ao sujeito, i.e., enquanto o sujeito apenas recebe no primeiro “nível”
A consequência direta do exposto agora pode ser interpretada como um idealismo, ou seja, a
conhecimento apenas por ser percebido por este, unindo portanto forma e conteúdo no
entendimento humano. Esta foi uma das críticas que Kant sofreu em sua primeira edição da Crítica,
gerando mudanças consideráveis na segunda edição, na qual o argumento realista foi reforçado.
da existência do sujeito e do objeto não apenas no sujeito (e.g., cogito cartesiano), mas sim a partir
da conexão entre o que é percebido e o que percebe, como podemos ver na “Refutação do
idealismo” (B 274 – p.230): “só podemos perceber as determinações do tempo por meio da
mudança nas relações (o movimento) em relação ao permanente no espaço (…), mas também
porque não temos nada permanente, que pudéssemos colocar como intuição sob o conceito de uma
substância, a não ser a matéria; e mesmo esta permanência não é extraída da experiência externa,
mas pressuposta a priori como condição necessária de toda determinação do tempo, portanto
também como determinação do sentido interno em relação à nossa própria existência por meio da
constitui base fundamental no presente estudo, em dois sentidos. Primeiramente, porque o objeto
“Deus”, como imperceptível em nossa sensibilidade, embora não possa ser conhecido, pode ao
menos ser pensado nas estruturas a priori da razão. Em segundo lugar, e ao mesmo tempo, porque
esta “não percepção empírica” do objeto impossibilita a afirmação de sua existência pelo sujeito.
Kant vai tratar da doutrina transcendental dos elementos. A palavra estética (Ästhetik, em alemão)
pode parecer estranha, para um leitor do século XXI, como nome desta seção do livro, já que hoje
essa palavra designa mais comumente o estudo filosófico das experiências com as artes e com “o
belo” em geral (sentido em que o próprio Kant a utilizaria na Crítica da faculdade de julgar).
Porém, o termo dizia respeito também ao conhecimento sensível e, assim, exatamente ao que Kant
pretendia analisar.
A estética começa com algumas distinções importantes: a intuição é o meio pelo qual temos
o contato direto com um objeto dado a nós, seres humanos, e a sensibilidade é a capacidade de
receber as experiências sensíveis (sensações). A intuição sensível, portanto, é obtida somente pelas
sensações, e estas fornecem somente as intuições. O pensar um objeto, porém, é feito através do
portanto, à sensibilidade em cada ser humano através de algumas “formas”, já que não há outro
A matéria de cada fenômeno nos é dada a posteriori, porém a sua forma existe previamente
na mente, ou seja, a priori. As representações puras, que não contêm nada da sensação, são a fonte
da intuição pura ou forma pura da sensibilidade, a qual se define sem aquilo que é próprio da
intuição empírica, retirando o que é próprio da sensação, chegamos à intuição pura, formato
(figura) e extensão, formas a priori na mente, que estão presentes antes mesmo da formação
as duas formas puras da intuição sensível: o espaço e o tempo. Estes contêm exposições metafísicas
e transcendentais que o autor procura esclarecer em sua busca pela questão central dos juízos
sintéticos a priori.
10 KrV, B 33.
10
Em um primeiro momento, Kant analisa o espaço em relação ao que ele afirmava: sua
constituição a priori. Para esse fim, apresenta-se como o espaço não pode ser relacionado ao
sentido interno, pois este só é possível em relação ao tempo, ao passo que o espaço estaria
relacionado ao sentido externo, que possibilita representar os objetos como fora de nós. A
concepção kantiana se distingue assim de outras concepções de espaço, já que não é uma relação
dos objetos externos e muito menos é independente do sujeito. O espaço seria uma representação a
priori, pois, sem esta representação, anterior à experiência sensível, não poderíamos entrar em
O espaço seria então independente dos objetos, pois é possível pensá-lo sem objeto algum,
portanto o espaço é uma condição dos fenômenos, que apenas podem ser intuídos através da
sensibilidade, o que prova o caráter a priori do espaço, presente em nossa mente como forma pura
da intuição sensível.
Kant tem, porém, a intenção não só de provar o caráter puro do espaço, mas também como
este é condição de possibilidade para juízos sintéticos puros, ou seja, transcendental. Para tanto, foi
proposto que o espaço torna possível a geometria, já que esta seria uma ciência que determina as
propriedades do espaço de maneira sintética e a priori. Apenas sendo possível isto se uma intuição
pura e inerente ao sujeito existisse, ou seja, já que a partir de um mero conceito de espaço não
poderíamos extrair novos conceitos, temos de conceder um valor de intuição, logo, de intuição
Por conseguinte, o espaço conteria dois lados distintos que coexistem: de um lado temos o
caráter real do espaço, sua validade para todas as intuições externas feitas pelo ser humano e, de
outro, o caráter ideal, que explicita o fato de o espaço não possibilitar entrar em contato com as
coisas em si mesmas, apenas ser uma forma da intuição externa pura, uma forma a priori da nossa
espaço é real por estar presente no sujeito sensível e ideal por ser apenas uma condição de
11
espaço (com relação a toda experiência externa possível), mas também a idealidade transcendental
do mesmo, i. e., que ele nada é tão logo abandonemos a condição de possibilidade de toda
Na segunda parte da estética analisa-se o tempo e, dessa forma, o sentido interno, já que o
tempo seria a forma das intuições de nossos estados internos, entendendo-se que tudo que faz parte
das determinações internas só corresponde às relações de tempo. O tempo é uma representação que
existiria anteriormente a todas as intuições – o tempo seria, nessa concepção, “superior” ao espaço,
pois abarcaria tanto a intuição interna quanto a externa, ao mesmo passo que nos é dada uma
representação no espaço, temos esta também no tempo e o contrário nem sempre é verdade, tal qual
um conjunto mais abrangente, o tempo inclui as intuições internas e externas – já que não podemos
retirar o tempo dos fenômenos, mas conseguimos conceber o tempo sem estes, donde provém ele
ser a priori.
que ocorrem de forma seguida, isto é, sucessivas, não sendo múltiplos tempos simultâneos, mas sim
partes de um único tempo, que abrange a todos. Esse ponto é importante porque assim esclarecemos
que o tempo não é um conceito universal, já que nunca poderíamos retirar de conceitos tais juízos
sintéticos, ou seja, da mesma forma como foi exposto anteriormente para o espaço, nenhum
partir do tempo como uma forma de receber as seguidas representações poderíamos obter essa
reunião de sucessivas mas não simultâneas representações. Sendo assim, apenas uma forma pura da
intuição poderia supor tais proposições tais como uma reunião de múltiplas representações.
percepção de fenômenos, seja imediatamente para com a minha intuição interna, seja com objetos
fora de mim, no espaço e através das representações internas que tenho deste objeto, demonstra a
maior abrangência do tempo. Logo, o tempo é uma forma que é estritamente necessária para o
11 KrV, B 44.
12
desenvolvimento de proposições sintéticas a priori e, diferentemente do espaço, inclui as
percepções internas, possibilitando esse maior plano de ação. Veremos posteriormente, em uma fase
avançada da pesquisa, o tempo se mostrará importante para adequação do das formas puras em
qual contém em seu começo uma tentativa de iluminar os argumentos sobre as modificações. Neste
ponto o argumento é extremamente interessante, pois Kant realiza uma espécie de recuo, em que
“admite” a realidade proposta do tempo, mas admite o tempo como a forma real da nossa intuição
interna. Logo, este seria uma forma de ter uma representação interna de mim mesmo e assim deixa
de ser um objeto e passa a ser uma forma de representar a mim mesmo como objeto. A sensibilidade
teria caráter fundamental nesse processo, pois, sem esta, não seria possível a percepção do tempo e,
Outro ponto de discussão seria a questão do tempo como algo absoluto. Pelo fato de a
representação empírica do tempo estar presente como condição de toda experiência, não seria ele
absoluto? A diferença reside novamente na essência do tempo: por ser uma forma de nossa intuição,
a sua presença não é ligada diretamente aos objetos, mas sim às suas representações, presentes
apenas no sujeito sensível. E, além disso, o tempo não é absoluto por estar em todo lugar, mas
“está” em todo lugar por ser a forma de nossa intuição interna e se apresentar como uma sequência
do sujeito, que apenas pode conhecer o fenômeno, tanto os objetos de nossos sentidos externos
quanto internos. Nesse ponto, o idealismo afirmado por questionadores da doutrina da idealidade do
espaço cai, já que o único objeto do qual, segundo eles, se teria uma “prova rigorosa”, i. e. os
13
Os que defendiam a realidade absoluta do espaço e do tempo, por encontrarem obstáculos
matemática, que não podem se refugiar na experiência e acabam assim se perdendo, e outros
não incluir nestas a intuição, podendo discordar o que se apreende da experiência e estas
representações.
transcendental”12. Logo no começo, o autor reforça as limitações de nosso aparato sensível face ao
conhecimento da coisa em si mesma, já que, sendo nossa intuição sensível a forma como
representamos o objeto, sempre que chegamos ao fundo do fenômeno chegamos ao fundo de nossa
Esta reafirmação se faz necessária não por acaso, mas porque Kant pretende assim criticar
objetos como potencialmente obscura, ou seja, os nossos intelectos conseguiriam, de algum modo,
conhecer as coisas em si mesmas, mas não em sua totalidade. Dessa forma, Kant assume a crítica
feita aos racionalistas de sua época, introduzindo a impossibilidade se conhecimento das coisas em
si mesmas, melhorando também o que Locke e Hume fizeram, no sentido de não apenas considerar
essa impossibilidade como falha dos racionalistas, mas sim como um meio de analisar o modo com
Esta questão, mais que puramente lógica, seria uma diferenciação daquilo que conhecemos
(fenômenos) do que jamais, pelas nossas limitações sensíveis, poderíamos conhecer (coisas em si
mesmas), jogando a investigação dos autores referidos no âmbito do equivocado. Porém, assim
como exposto acima, devemos ver a filosofia kantiana como a síntese de ideias provindas de uma
12 KrV, B 59.
13 KrV, B 62.
14
tradição racionalista e da crítica empirista, notavelmente as duas doutrinas filosóficas destacadas à
época.
O trato dado ao que temos como inerente a intuição em fenômenos presentes no sentido
humano em geral muitas vezes é confundido com o conhecimento da coisa em si, sendo isso um
engano grave, já que esta intuição não passa de uma intuição empírica, do mesmo modo como
conhecimento das coisas em si, argumentando que, somente através de conceitos não se poderiam
ter proposições sintéticas, mas apenas analíticas. Para “comprovar” a estabilidade teórica da
estética, foi utilizado um argumento por absurdo estruturado no sentido de, se os conhecimentos da
geometria são absolutamente necessários e universais, então estes tem sua origem a priori.
Isto se dá pois, somente através da análise conceitual não conseguimos gerar conhecimentos,
ou seja, se o ser humano não tivesse o aparato intuitivo que tem (pelo qual percebemos apenas
fenômenos), e pudesse entrar em contato com a coisa em si mesma, isto eliminaria nossa
subjetividade da equação que fornece o conhecimento, pelo fato de esta ser nosso “obstáculo” para
modo de conhecer que exclua a intuição empírica e não padeça de matéria para preencher as formas
O tempo e o espaço poderiam ser ilusões? Pelo fato de jamais entrarmos em contato com a
coisa em si, não seria este fenômeno apenas uma possibilidade de entendimento da coisa em si e,
portanto, apenas um modo de se intuir os objetos? A ilusão para Kant, neste caso, não consiste de
algo que tomamos como verdadeiro (fenômeno), mas de algo que tem em sua constituição outra
configuração. A ilusão não é o fenômeno apenas pelo fato de este ser o resultado de nossa intuição
15
Kant percebe o problema na tentativa de esclarecer essa questão e diz: “Os predicados do
fenômeno podem ser atribuídos ao próprio objeto em sua relação ao nosso sentido, como por
exemplo a cor vermelha ou o cheiro à rosa; a ilusão, porém, não pode jamais ser atribuída como
predicado ao objeto, justamente porque ela atribui ao objeto em si aquilo que lhe pertence apenas na
relação aos sentidos ou ao sujeito em geral, como por exemplo os dois anéis que se atribuíram
inicialmente a Saturno. Aquilo que é encontrável não no objeto em si mesmo, mas sempre nas
predicados do espaço e do tempo são atribuídos com razão aos objetos dos sentidos, e não há aqui
que assim ignoramos a relação dos objetos ao sujeito, diferente dos predicados do espaço e do
A questão de um ser superior, o qual não temos contato empírico e portanto não podemos ter
uma intuição, é abordada brevemente no fim da estética com o objetivo de melhorar algumas
explicações. O sujeito tem em sua constituição o modo de intuir, o qual, mesmo que se retire o
objeto, continuaria existindo no sujeito, porém, se retirássemos o sujeito, logo deixamos de ter esta
intuição e portanto o fenômeno, mesmo que o objeto se mantenha. Deus estaria neste ponto em que
não temos uma intuição sensível, pois não nos aparece um objeto (fenômeno) pelo qual podemos
Neste último parágrafo, Kant parece ensaiar a exposição sobre um ser superior que conteria
a intuição originária, da qual retiramos os “moldes” para nossa própria intuição, sendo a primeira
uma intuição que permitisse ter por meio desta mesma a prova da existência de um certo objeto,
diferente da nossa própria, que depende de nossa sensibilidade limitada para derivar suas
representações.
14 KrV, B70.
16
‐Conhecimento, Entendimento e Antinomias (Lógica Transcendental)15
Nesta seção contaremos com a análise da segunda parte da doutrina transcendental dos
nosso entendimento. Dessa forma, é explicado no começo desta seção a diferença entre a lógica
geral e a lógica transcendental. A primeira não trata com os ditos objetos pois ela tem sua concepção
pura, apenas aplicando-se aos objetos em sua concepção aplicada (in concreto), enquanto a segunda
trata, da mesma maneira que a lógica geral, das formas do entendimento, com a diferença da lógica
transcendental se referir aos objetos como fenômenos (providos pela estética) para analisar assim a
origem do conhecimento, não abstraindo completamente das intuições empíricas (como faz a lógica
no qual Kant explicita a origem deste: “Nosso conhecimento surge de duas fontes fundamentais
segunda, a faculdade de conhecer um objeto por meio dessas representações (espontaneidade dos
conceitos); por meio da primeira nos é dado um objeto, por meio da segunda ele é pensado em
respostas são recebidas na própria Crítica. A lógica transcendental, assim como consta em sua
definição, abstrai todo material empírico do conhecimento, com exceção da referência ao diverso do
entendimento, tendo como princípio de ação investigar as origens do conhecimento nas estruturas
entendimento): “Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são cegas.”17
15 KrV, B 74.
16 Idem.
17KrV, B 75.
17
Como resposta a necessidade de uma lógica transcendental, devemos perceber a necessidade
de análise da faculdade do entendimento, não apenas para entender seus princípios puros, mas
também utilizando da referência ao diverso da intuição para assim obtermos os esperados juízos
sintéticos a priori que fundamentariam a nova metafísica, logo, precisaríamos desta análise para
conhecimentos.
Dentro da divisão da Crítica, encontramos, como já exposto, uma estética e uma lógica,
dentro desta última encontramos novamente uma divisão: a Analítica transcendental e a Dialética
ser derivados, pretendendo estabelecer o entendimento como objeto de análise em suas diversas
manifestações: “Vamos perquirir os conceitos puros, portanto, até suas primeiras raízes e princípios
no entendimento humano, onde se encontram preparados, e até que finalmente se desenvolvam por
ocasião da experiência e, por meio do mesmo entendimento que os liberta das condições empíricas
às intuições nos juízos, sendo esses o “princípio” da investigação do entendimento. Como Kant
expressaria: “Todos os juízos são, assim, funções da unidade de nossas representações, de tal modo
que, em vez de empregar uma representação imediata para o conhecimento do objeto, empregamos
uma mais elevada19, que abarca sob si tanto aquela como outas, e assim reunimos muitos
conhecimentos possíveis sob um único. Nós podemos, contudo, reduzir todas as ações do
entendimento a juízos e, assim, representar o entendimento em geral como uma faculdade de julgar.
(…) As funções do entendimento podem ser todas elas encontradas, pois, caso se possa representar,
18 KrV, B 91.
19 Mais geral, nota nossa.
20 KrV, B 94.
18
encontrar as minúcias da questão de Deus, acabamos pecando na abrangência da devida análise e
por isso, vamos expor apenas uma breve explicação do que futuramente desejamos enfrentar na
continuação deste trabalho de análise, enfocando nas possíveis discussões que podem aparecer.
Na sequência da leitura, Kant nos apresenta à tábua dos juízos, a qual tomaria por completo
a totalidade da mera forma do entendimento. Essa tábua contém quatro títulos com três momentos
sob si e nela poderíamos, assim, encontrar todos os “tipos” de juízo. A completude dessa tábua terá
relevância para a formação de uma seguinte tábua, a tábua das categorias, onde poderíamos
encontrar os conceitos puros do entendimento, estes com referência ao conteúdo transcendental que
Entre B 102 e B 109, Kant tenta expor como ocorre a síntese de um diverso da intuição, que
conhecimento.”21Essa ação, é movida pelo que o autor chamaria de “imaginação”, algo que, para
um leitor iniciante em Kant, pode parecer contraditório, mas que em nossa análise devemos
considerar como algo que não funciona conscientemente, ou seja, que se dá de forma a reunir,
primeiramente um conhecimento ainda rústico e cru. Mas que logo analisado o procedimento da
entender duas das categorias (conceitos puros do entendimento) como explicitamente ligadas ao
seriam “de causalidade e dependência” e “existência – não existência” 22, ideias, que serão mais
A partir desse ponto desejamos olhar mais a frente na obra, perscrutando necessárias
temos um resultado como a tábua do conceito de nada, que inclui a “Intuição vazia sem objeto (ens
21 KrV, B 102-104.
22 KrV, B 106.
19
rationis)” e “Conceito vazio sem objeto (ens imaginarium)” 23, que nos mostra uma das
do entendimento, para propostas que fogem da intuição empírica, como “Deus”, “alma” e
“liberdade”, o que se for observado, contém discussões que tangem precisamente a proposta centra
desta pesquisa. Logo são expostos os paralogismos, em que Kant tratará da ideia de “alma” e as
antinomias, que devem tratar da questão de “Deus”, nessa seção, incluímos como necessário nos
próximos passos deste projeto, a análise da quarta antinomia24, que constitui a discussão sobre uma
contra e à favor a existência desta causa. Neste ponto será necessário pleno entendimento das
discussões explicitamente ligadas ao que pretendemos tratar aqui, mais precisamente sobre a
por Kant nas seções sobre um ser supremo (i.e., Deus)27, que argumentam sobre a impossibilidade
de uma afirmação da existência deste “Deus” (da mesma forma que a inexistência também não pode
Ainda seguem as críticas que Kant faria “a toda teologia baseada em princípios
especulativos da razão”28, de onde tiraríamos uma questão fundamental para a projeção da pesquisa,
incluindo questões ainda não tratadas na Crítica da razão pura, mas que nos apontam o caminho
sobre a análise de textos posteriores do autor, tais como a Crítica da razão prática e A religião nos
limites da simples razão, e que indubitavelmente inclui discussões que devemos tratar.
23 KrV, B 348
24 KrV, B 480.
25 KrV, B 599.
26 KrV, B 600-601.
27 KrV, B 606-607/611/618/620/631/648.
28 KrV, B 659.
20
‐Conclusão
existência de “Deus” em Kant. Devemos lembrar que este estudo preliminar e superficial conta
apenas com a análise da Crítica da Razão Pura, de tal forma que esperamos desenvolver mais
maneira, com a exposição acima, esperamos que a importância deste assunto na obra kantiana tenha
ficado clara, pois este objeto “não empírico” não compete às análises da sensibilidade, apenas
encontrava para tratar de algumas questões, dentre elas, a de “Deus”. Quando se tratavam de
intuições empíricas, i. e., com objeto que possibilite ter representações, o desenvolvimento e
reflexão são fecundos e muito frutíferos, porém, como estas não se apresentam historicamente como
as principais problemáticas da filosofia, logo percebemos a enrascada lógica que nos encontramos.
De um dos lados, uma tese dogmática, que defende: “Ao mundo pertence algo que, seja
como sua parte ou sua causa, é um ser absolutamente necessário.” 29 Do outro, uma tese igualmente
dogmática, mas inversamente propositada: “Não existe em parte alguma, nem no mundo, nem fora
dele, um ser absolutamente necessário como sua causa.” 30 Na esperança de resolução de questões
insolúveis como essa, Kant constrói sua Filosofia, em certo sentido, uma nova metafísica, e com
certeza, uma nova forma de encarar a produção filosófica, de maneira que nenhum autor mais
poderia se deixar levar por teses dogmáticas sem assim recair na crítica.
29KrV, B 480.
30 Idem.
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‐ Bibliografia
KANT, Immanuel. “Crítica da Razão Pura”. Tradução: Fernando Costa Mattos. Rio de Janeiro:
WARBURTON, Nigel. “O básico da filosofia”. Tradução: Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro:
WOOD, Allen W. “Kant”. Tradução: Delamar José Volpato Dutra. Porto Alegre: Artmed, 2008;
LEBRUN, Gérard. “Sobre Kant”. Organização: Rubens Rodrigues Torres Filho. Tradução: José
Oscar Almeida Marques, Maria Regina Avelar Coelho da Rocha, Rubens Rodrigues Torres Filho.
MATTOS, Fernando Costa. “Da teoria à liberdade: a questão da objetividade em Kant”. São Paulo:
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