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Nem so de cidades e monumentos é formado o patriménio histdrico: quadros, livros ou mesmo fotografias que documentem a memoria e os costumes de uma época também fazem parte do acervo cultural e artistico. Devem ser preservados. Néo importa a forma: se através de colegées particulares, do mercado de arte ou da protegao de entidades governamentais. O necessario é preservar, ja que o que ndo é patriménio historico desaparece com o tempo. & brasiliense 010 TAIN 1°010510! 1- Carlos A. Cc. Lemos A OWE c TORICO woh (874466 | Carlos A. C. Lemos O QUEE PATRIMONIO HISTORICO Sociedade Unificada Paulista de Ensino Renovado Objetivo - SUPERO ibrasiliensé Ensino Renovado Objotid = BIBLIOTECA - Copyright © by Carlos A. C. Lemos ‘Nenhuma parte desta publicagdo pode ser gravada, armazenada em sistemas eletrénicos, fotocopiada, reproduzida por meios mecdnicos ou outros quaisquer Sem autorizagao prévia do editor. I edigao, 1981 S edigao, 1987 I" reimpressio, 2000 Capa: 123 (antigo 27) Artistas Gréficos Foto de capa: Carlos Amaro Revisdo: Newton T. L. Sodré e José E. Andrade Dados internacionais de Catalegapte na Publicagie (CIP) | | indices para catslogo siatendtico: editora brasiliense s. a. Rua Airi, 22 ~Tatuapé Cep 03310-010- Sao Paulo~ SP Fone / Fax: (011) 218-1488 E-mail: brasilienseedit@uol.com. br INDICE — Patriménio cultural . — Dosartefatos . — Por que preservar? . — O que preservar?... — Como preservar . PATRIMONIO CULTURAL Ultimamente, os jornais, as revistas e a propria televisdo estéo a dar énfase a um assunto até hé Pouco sem interesse maior ao povo, que é esse tema ligado as construgdes antigas e seus pertences, representativos de geragées passadas e que, englo- badamente, recebem o nome genérico de ‘‘Patri- ménio Historico’’, ao qual, as vezes, também 6 aposta a palavra ‘‘Artistico’’. Na verdade, essa expressdo usual, que é inclusive usada na identifi- cagéo da Secretaria do Patriménio Histérico e Artistico Nacional, abrange somente um segmento de um acervo maior, que é 0 chamado Patriménio Cultural de uma nado ou de um povo. Este texto, além das definicdes bdsicas, vai tratar precisamente da preservacdo daquele Patri- ménio arquitetdnico dito histérico, mas nao pode- mos deixar de tecer algumas considera¢des sobre todo o elenco de bens denominados “‘culturai porque, como veremos, entre todos eles, quaisquer que sejam os atributos que se thes der, existe forte travamento de relagdes estabelecidas. Foi 0 nosso mestre ocasional Hugues de Varine- Boham quem nos fez encarar a problematica do Patriménio Cultural de modo bastante abrangente, gracas as suas definigdes emanadas de observacées oportunissimas do homem de grande erudi¢gao aliada 4 necessdria praticidade ao enfrentar os problemas de seu mister de assessor internacional da UNESCO nos lugares mais diversificados, especialmente os do Terceiro Mundo. Sugere o professor francés que o Patriménio Cultural seja dividido em trés grandes categorias de elementos. Primeiramente, arrola os elementos pertencentes 4 natureza, ao meio ambiente. Séo os recursos naturais, que tornam o sitio habitavel. Nesta categoria estaéo, por exemplo, os rios, a 4gua desses rios, os seus peixes, a carne desses peixes, as suas cachoeiras e corredeiras transformaveis em forga motriz movendo rodas de moendas, acionan- do monjolos e fazendo girar incrivelmente rapidas as turbinas das usinas de eletricidade. O meio ambiente fornece-nos as drvores, suas frutas e sua madeira para as constru¢gées, para os barcos, Para as carrogas e para os dormentes de estradas de ferro. Fornece-nos a terra que recebe umida a semente do pao de cada dia e que, também, pode ser violentamente apiloada nos taipais mame- Carlos A. C. Lemos O que é Patriménio Histérico lucos da arquitetura paulista. Dé-nos o ar frio das serras, da Serra de Paranapiacaba, que isolou os paulistas do resto do mundo, serra que condi- cionou toda uma sociedade voltada para o sertdo, quando a lingua virou dialeto e os usos e costumes quase que se vernaculizaram em novos feitos tao diferentes daqueles d’além mar. O clima envolve e condiciona o comportamento das gentes. A paisagem orienta e esté plena de simbolos, de marcos, de pontos de referéncia, de encruzilhadas, que dirigem o viajante que passeia pela natureza estando sempre em casa — o Piabiru, 0 caminho geral dos indios, era o corredor que serpenteava entre os acidentes do terreno respeitando-os, aproveitando-os e tirando vantagem de cada obstaculo. O segundo grupo de elementos refere-se ao conhecimento, as técnicas, ao saber e ao saber fazer. SGo os elementos nao tangfveis do Patri- mé6nio Cultural. Compreende toda a capacidade de sobrevivéncia do homem no seu meio ambiente. Vai desde a perfcia no rastejamento de uma caca esquiva na floresta escura até as mais altas elocu- brag6es mateméticas apoiadas nos computadores de dltima geracado, que dirigem no espago césmico as naves interplanetdrias que estéo a ampliar o espago vital do homem. Saber polir uma pedra para com ela cortar arvores de grande porte. Saber esculpir no tronco duro de pitva o parafuso da Prensa de espremer o tipiti estufado de massa de Se ree RU BN 10 Carlos A. C, Lemos mandioca ralada para o fabrico de farinha. Saber desenhar a épura da geometria requintada pela qual sera cortada a pedra justa da igreja de todos. Saber construir, tecer 0 pano da coberta de cama, divertir-se com o jogo de cartas, rezar a Santa Barbara em noite de temporal, curtir a pele de veado para fazer a alpercata e o gibao. Saber trans- formar o bago vermetho do café em pé solivel na x{cara de porcelana. Tudo isso, por exemplo, vem formar o grande grupo dos elementos do saber. O terceiro grupo de elementos é o mais impor- tante de todos porque reine os chamados bens culturais que englobam toda sorte de coisas, obje- tos, artefatos e construgées obtidas a partir do meio ambiente e do saber fazer. Alids, a palavra artefato talvez devesse ser a inica a ser empregada no caso, tanto designando um machado de pedra Polida como um foguete interplanetdério ou uma igreja ou a propria cidade em volta dessa igreja. Pelo visto, esse terceiro grupo de elementos é que nos interessa neste texto, devendo os dois outros grupos ser tratados em livros a parte, mais dedi- cados aos recursos da natureza, a ecologia, 4 histé- tia do conhecimento, aos relatos sobre as in- vengGes, aos manuais de tecnologia etc. <«. “————— © BD «D DOS ARTEFATOS Agora, por nossa conta, podemos fazer algumas divagacgGes a respeito dessa classificagao de Varine- Boham e refletir sobre as categorias possiveis de artefatos e como eles mantém sua utilidade ao longo do tempo, ja que eles seréo mesmo o motivo de nossa preocupacéo maior. Numa primeira re- flexdo, j4 podemos verificar que sempre devemos prestar atencao as relagdes necessdrias que existem entre o meio ambiente, o saber e 0 artefato; entre 0 artefato e o homem; entre o homem e a natureza. Assim, um objeto isolado de seu contexto deve ser entendido como um fragmento, ou um seg- mento, de uma ampla urdidura de dependéncias e entrelagamentos de necessidades e interesses satisfeitos dentro das possibilidades locais da sociedade a que ele pertence ou pertenceu. Dai, a inoportunidade de algumas cole¢des ou museus 12 Carlos A. C. Lemos | nn. a ditos “pedagégicos”, que, isolando objetos diversi- ficados, nada elucidam e mais nos constrangem com sua inutilidade. Daf, também, a oportunidade dos chamados ecomuseus* integrados dentro de sistemas regionais, cujos acervos permanecem em seus “habitats” naturais, procurando sempre manter inteligfveis as relacdes originais que os propiciaram. Podemos ver também que é incomensuravel © numero total de bens que compéem o Patri- ménio Cultural de um povo, de uma nacado ou de um pequeno municfpio, mas vale a pena a gente perder mais um pouco de tempo com esse assunto antes de tratarmos do Patriménio oficial, isto 6, aquele que legalmente retine poucos e esco- Ihidos bens eleitos como preservaveis a posteridade. Podemos encarar os artefatos segundo a sua utilidade imediata ou segundo a sua durabilidade ou persisténcia. E jé também podemos ver que existem artefatos que geram outros. E o caso das ferramentas e das maquinas que produzem outros artefatos. Os artefatos também tém uma “vida Gtil” e 0 seu tempo de uso pode variar incrivel- mente. Ecomuseu seria a reuniéo de elementos © de bens culturais inter-relacionados, dispostos de variadas maneiras, em diversos lugares apropriados visitagdo e dentro do préprio “habitat” de uma determinada sociedade de modo que se possa apreender todo 0 seu processo evolutivo cultural. O que é Patriménio Histérico Uma comida elaborada na cozinha da gente é um artefato de consumo imediato, em cuja confeccao participaram conhecimentos acumulados durante geragdes e geragdes, relativos a0 uso dos ingre- dientes variados, de vasilhames apropriados, de equipamentos de preparagdo, de fogdes e até ao modo de obtenc¢o da energia térmica. Uma flecha perdida na tentativa de cagar uma arara em pleno vdo também foi um artefato de uso restrito a uma s6 vez. Artefatos outros, no entanto, tém vida demo- rada e uso prolongado, podendo até ter serventias diversificadas — ou melhor, ter trocados os seus fins utilitérios originais. Um prato de comer feito no Oriente e trazido pela Companhia das Indias, um dia, saiu da mesa de nossos avés e foi parar na parede de um colecionador rico, transformando- se em obra de arte preservada. Um velho motor de carro j4 desaparecido pode estar hoje acionando um gerador de eletricidade de uma longinqua fazenda do sertao. Existem, também, importantes e historicos exemplos de construgdes que tiveram seus usos originais substitufdos, embora a fung&o abrigo propria do espaco arquiteténico continuasse sendo exercida. Como exemplo, podemos citar 0 caso das basilicas romanas, construgdes laicas, que tiveram suas dependéncias integralmente aprovei- tadas depois da liberacao do cristianismo para abrigar as novas fungdes religiosas da igreja de A a ———— 14 Carlos A. C, Lemos 0 que é Patrimonio Historico 15 Sao Pedro. O programa e as sucessivas alteragdes nos usos e costumes também exigem modificagdes nos artefatos de uso prolongado, como nas casas de morada, por exemplo. E sumamente interessante a gente acompanhar as adaptacSes que ocorrem a0 longo do tempo numa velha residéncia urbana qualquer. Com o progresso e as novas facilidades a sua “casinha” do quintal, que abrigava a latrina sobre a fossa negra, foi substitu(da pelo banheiro completo feito num puxado anexo a cozinha velha que, por sua vez, teve seu fogio a lenha substitu(do pelo aquecido a gés, e cada familia sucessiva que nela habita vai deixando sua marca nos agenciamentos internos; mas chega um tempo em que a construcdo realmente nao pode mais oferecer 0 conforto exigido pelas novas concep¢Ses de bem morar de uma determinada classe social e, entdo, vemos a construgao perder sua compostura antiga, sendo fracionada em habitdculos multi- familiares; e de degradagdo em degradagao chega ao seu dia de demolicdo para dar lugar a edificio concebido dentro das novas regras do conforto ambiental e dentro de outras condigdes financeiras. Esse exemplo didatico da grande residéncia burguesa transformada em corti¢go nos leva como- damente a continuar usando as constru¢ées hal tacionais como tema acerca dessa problematica das mutagdes ocorridas em bens culturais mercé de novas. solicitagdes advindas de alteragdes nos costumes @, de processos de aculturagao. Nas sociedades primitivas, ou isoladas em seu territorio confinado, as casas séo iguais entre si, todas decorrentes de mesmos materiais de cons- trug’io e mesma tecnologia, formando uma amos- tragem que chamamos de verndcula. Durante séculos esse quadro pode permanecer imutavel até o momento de contatos com outras culturas e novas influéncias. No nosso caso brasileiro, temos casos muito interessantes de apropriagdes e de empréstimos de solugdes. As primeiras habitagGes feitas pelos portugueses, por exemplo, nas suas novas feitorias, mostram que tiveram eles que recorrer a expe- riéncia indigena em suas construgdes. Vemos 0 sistema construtivo vernaéculo do indio caracte- rizado pela estrutura auténoma de madeira deter- minando espago abobadado de palha trangada ser usado para satisfazer programa de necessidades europeu cristo nada afeito a promiscuidade das familias aborigines. Desse empréstimo de solugdes técnicas e de materiais disponiveis vemos © surgimento de uma arquitetura sincrética até hoje representada pelos mucambos do nordeste. Aos poucos, a arquitetura portuguesa foi se adap- tando as condigdes locais e sabiamente foi deter- minando partidos compativeis aos materiais dispontveis e, principalmente, ao clima to diver- sificado em nosso pais de grandeza continental. principalmente, 16 Carlos A, C. Lemos ——_ No campo da arquitetura foi se consolidando, entao, uma série de exemplares ja definidos como brasileiros, préprios da firmagao cultural da colénia miscigenada e afastada onde o indio e o negro logo puderam deixar a sua marca no viver coti- diano. Nao sé a casa propriamente dita como todo seu equipamento mostram também as con- seqiiéncias da aculturagao havida sob o sol dos trépicos. Nada mais interessante que a andlise das gravuras de Debret, por exemplo, representando interiores de casas cariocas. Dentre elas, todas documentos do maior interesse ao nosso assunto, destaca-se aquela denominada de “‘interior de casa pobre’, onde podemos analisar, através de todo o equipa- mento ali desenhado, as superposigées de funcdes da habitacao. Ali vemos os instrumentos detra- balho de tecelagem rustica, a rede de dormir so- mente usada a noite e por isso suspensa por for- quilhas altas, 0 pote de dgua, o fogio no chao, e uma grande série de detalhes construtivos que nos indicam o estreito inter-relacionamento entre 0s objetos, cada um no seu lugar certo e, tam- bém, entre os personagens e toda aquela Para- ferndlia de artefatos rusticos. Somente assim equipada e vivida 6 que a casa tem personalidade ou autenticidade documental. Cada objeto dali retirado se esvazia de todo o seu significado basico advindo das relagdes que ali mantinha. E certo que esse cendrio, para fins diddticos, pode ser ee a O que é Patriménio Histérico eo ee eee recriado, como € normal em muitos museus do mundo. Mas, nessas reconstituicdes, sempre se percebe uma artificialidade fria e estdtica onde esté sempre ausente a marca inesperada da pre- senga humana. Esse exemplo que fala de interior de uma residéncia nos faz lembrar de que, na cidade de Sao Paulo, certa vez, tivemos a oportunidade rarfssima de admirar uma rica moradia a rua Floréncio de Abreu ostentando todo o seu equi- pamento original intocado e todo relacionado entre si do modo mais espontaneo possivel, porque auténtico e assim conservado gragas a circunstan- cias ligadas a sua dltima longeva proprietdria cultuadora da memoria de seu distante pai fale- cido no final do século passado. Ali, na semi- obscuridade dos coémodos silenciosos, estavam acumulados objetos preciosos de algumas gera¢oes, todos cotidianamente usados e que se compor- tavam como se participassem de uma fatia do tempo passado, mostrando ali o licoreiro com a sua velha bebida intocada como a deixara o proprietério morto de repente; acold o jornal da Primeira Republica; na parede, o telefone primi- tivo de manivela estaética esperando pela mao trémula que ndo mais se levanta; na cozinha o fogo frio com suas panelas vazias. Mas tudo isso com muito cheiro de So Paulo antigo porque Vagarosamente organizado segundo as necessida- des reais de uma familia que ali morou e ali parti- 18 Carlos A. C. Lemos O que é Patriménio Histérico 19 cipou de um processo cultural, de uma vida poli- tica intensa prépria daqueles tempos abolicionistas e pré-republicanos. Ali na casa parada estava milagrosamente guar- dado um segmento de nosso Patriménio Cultural ostentando os objetos tipicos de uma familia de classe média alta, mostrando os quadros prefe- ridos pela burguesia do tempo, os médveis com- prados para a inauguracado do sobrado neoclassico e Os outros herdados, as lougas e porcelanas, 0 piano de cauda, as comendas na vitrine francesa, as cortinas de damasco, o soalho lavado, os tapetes Persas, 0 pote de barro, o filtro dos Agores, as pa- nelas de ferro fundido, os quartos das empregadas, sempre as mesmas mulheres numa mesma linhagem de ex-escravas. Tudo mantendo as relacdes origi- nais. Tudo isso foi disperso pela indiferenca, incompreenséo e displicéncia de todos os envol- vidos direta ou indiretamente no inventdrio da Gltima moradora. E que para quase todos nao houve o minimo interesse na conservacao desses conjuntos originais que, de vez em quando, surgem & nossa frente, o que é compreensivel porque ainda nao 6 generalizada a preocupagdo com esse tema. Vimos, isso sim, uma corrida aos objetos finos do velho sobrado e assistimos ao leilao final, que fragmentou o remanescente do acervo, quando ficou mais uma vez configurado 0 culto ao objeto isolado que 6 encarado ou como obra de arte auté- noma e romanticamente evocativa ou como coisa Cc curiosa ou valiosa devido ao material com que foi executada. Assim, assistimos 4 saida de um artefato de seu meio original para comegar a parti- cipar de outro contexto com outras relagdes e quase sempre com outras funcées. No tempo da inauguracao desse referido sobra- dao do Ultimo quartel do século XIX, todos os seus prédios vizinhos também eram igualmente equipados e todos entre si também mantinham um relacionamento espacial, além de se irmanarem na mesma linguagem neocidssica trazida pelos imigrantes convocados pelo dinheiro do café. O ecletismo estava naquela rua substituindo as velhas casas térreas de taipa do tempo da pobre- Za e por af vemos que 0 artefato cidade também se renova sobre si mesmo. Ruas alargadas, quar- teirdes rasgados, vales ultrapassados por viadutos. Casas demolidas e refeitas; seus méveis caruncha- dos so substitu(dos, 0 resto do equipamento do- méstico trocado por novidades importadas e a Papelada da familia é queimada. Sempre o horror ao papel velho. Papéis de todo tipo, cartas de amor, escrituras, contratos, papéis impressos, Papéis selados com muitos selos pretendendo garantir exatiddes para todo o sempre. Assim, © sistema articulado de bens culturais dentro da cidade 6 permanentemente alterado. Com os tempos modernos, os objetos deixaram de ser feitos 4 mao. A indistria acelerou a sua Produgdo vomitando-os em idénticas faturas. 20 Carlos A. C. Lemos E a produgdo em série. E a multiplicacao, e como as maquinas vdo a todos os lugares, os variados Patriménios Culturais de variados lugares vao tendendo a uma uniformizacao, a uma universa- lizagdo. E os meios de comunicag3o informam tudo, tudo ensinam, tudo exigem em condiciona- mentos mil. E 0 caminho da padronizacao. Os artefatos ainda'sugerem mais outras reflexdes quanto 4 sua classificagdo. Muitos deles sao parti- cipes de uma infinita série de bens repetidos 4 exaustdo. Nao, porém, repetidos gracgas as maqui- nas da industria vigente, mas sucessivamente feitos refeitos 4 mao em sociedades primitivas, e pobres, antigas ou contempordneas. Pessoas hd, também, que podem gerar outros tipos de objetos, nado mais estereotipados pela linguagem verndcula, mas emanados de situacdes dispares, saidos de maos criadoras que !hes dao uma excepcionalidade rara, criados por artistas invulgares ou produzidos para satisfazer fungdes pouco solicitadas. Podem ser os artefatos ricos de gente rica, da classe domi- nante, e, por isso, de pouco ou nula representa- tividade cultural. Muitas vezes, alguns daqueles objetos triviais de todo dia se diferenciam de seus iguais devido ao fato de terem participado de eventos que se convencionou chamar de histéricos. Passam a ter uma respeitabilidade que os demais nao possuem, E a sacralizagao do objeto. E um reverenciamento baseado na credibilidade, porque quase sempre O que é Patriménio Historico resultante de afirmacdes no acompanhadas de comprova¢ao; e assim muitos visitantes de museus se embevecem, contemplando a caneta que serviu @ assinatura de um ato pUblico qualquer, a espada usada por um herdi numa batatha qualquer, a pri- meira |ampada incandescente empregada na inaugu- racéo do sistema de iluminagéo publica de uma cidade qualquer, a caneca humilde com a qual um santo padre diariamente tomava o seu desjejum, 0 sapato usado por um politico importante ao ser assassinado, a pistola que matou esse politico, © exemplar raro do jornal que deu em primeira mio essa noticia e assim por diante. Temos, infe- lizmente, muitos museus somente baseados nesse tipo de acervo, onde a crendice popular evidente- mente pode ser explorada. Pelo que jd vimos até agora, o Patriménio Cultural de uma sociedade ou de uma regido ou de uma nacdo é bastante diversificado, sofrendo Ppermanentemente alteragdes, e nunca houve ao longo de toda a histéria da humanidade critérios @ interesses permanentes e abrangentes voltados A preservagdo de artefatos do povo, selecionados sob qualquer ética que fosse. Cremos que sempre se colecionou coisas “importantes”, como jéias, dinheiro, objetos valiosos, obras de arte. Existiram, como sabemos, os chamados ‘‘gabinetes de curio- sidades’’, guardando as coisas mais disparatadas. Essa guarda de bens em geral nunca se ateve, porém, a preocupacdo de registrar estagios cul- a ae 21 2 Carlos A. C, Lemos O que é Patriménio Historico 3B turais j4 ultrapassados de toda uma comunidade. Em geral, guardaram-se os objetos e as construgdes ricas da classe poderosa. Guardaram-se os artefatos de excecdo e perderam-se para todo o sempre os bens culturais usuais e corriqueiros do povo. Esses bens diferenciados preservados sempre podem levar a uma visdo distorcida da meméria coletiva, pois justamente por serem excepcionais nao tém representatividade. Somente agora, nos Ulti- mos dois séculos, é que a arqueologia se esforca por recolher, identificar e estudar os restos e vesti- gios de povos jé desaparecidos para tentar conhecé- los melhor no seu cotidiano prosaico, para vislum- brar seu pensamento, suas crencas, seus tabus. Velhas rufnas e vestigios soterrados séo exaus- tivamente analisados para que possamos compre- ender methor a vida desses povos remotos. En- quanto: isso, vamos aprendendo sobre o que guar- dar hoje para a boa salvaguarda de nossa meméria futura. Essa questéo da meméria social, tio dependente da preservagdo sistematica de segmentos do Patri- ménio Cultural, tem sido tratada com seriedade somente agora nos tempos recentes, a partir dos primeiros movimentos europeus da segunda metade do século XIX. Antes, sé manifestagdes isoladas de estudiosos e colecionadores que, aos poucos, foram envolvendo e interessando as comunidades e os seus proprios governos, levando-os a, oficial- mente, promover a preservagéo dos chamados + Patrimonios Historicos e bdsico destas linhas. Neste ponto, cremos devesse este livrinho de iniciagao ater-se a trés temas basicos: por que preservar, 0 que preservar e como preservar, levan- do-se em conta tao-somente o caso brasileiro, com suas peculiaridades, sem, contudo, descuidarmos das recomendagdes internacionais a que estamos sujeitos via acordos culturais regidos pela UNESCO. Artisticos, assunto POR QUE PRESERVAR? Esta pergunta esta intimamente ligada a outras indagacSes relativas a quem se deve preservar e a que interesses devem se ater as intervencdes preservadoras. Inclusive, devemos entender que © verbo preservar tem significado mais amplo do que parece a primeira vista, e é bom refletirmos sobre essa abrangéncia antes de entrarmos no assunto que verdadeiramente nos interessa. Preservar, diz o mestre Aurélio, é livrar de algum mal, manter livre de corrupgao, perigo ou dano, conservar, livrar, defender e resquardar. Todas essas providéncias, no nosso caso, estéo, ou deveriam estar, incidindo sobre uma amostragem represen- tativa da totalidade dos elementos que compdem 0 amplo PatrimGnio Cultural; sobre todos, porque havendo tal entrelagamento entre eles, como jd vimos, se um deles nao 6 guardado o conjunto se Nee I MM oe a iy O que é Patriménio Histérico de lesarmoniza e se desequilibra, 0 que no fundo nao é bem o que se queria, pois o escopo seria um fiel retrato de um estagio cultural. Se devemos preservar as caracteristicas de uma sociedade, teremos forcosamente que manter conservadas as suas condi¢des minimas de sobre- vivencia, todas elas implicitadas no meio ambiente e no seu saber. Acima, empregamos a expressao “devemos preservar’’ como sendo uma obrigacdo, © que é correto, jé que a todos s6 pode interessar a idéia ligada 4 salvaguarda de nossa identidade cultural. Assim, deveriam ter prioridade de atenc3o os elementos componentes dos recursos materiais e todos os outros nao tangiveis ligados ao conheci- mento, especialmente técnica. E facil entender que de uma determinada con- dicdo ambiental, e nao existem duas iguais no mun- do, e de um determinado povo, seja misturado da maneira como for, como o nosso, s6 pode resultar um processo cultural cuja evolucdo sempre percorre diretrizes identificadas por uma linha mestra do saber predominante. Do saber as coisas, do saber fazer, do modo de pensar prevalente. E a definic&o de uma nacionalidade, cuja meméria esta justamente alinhavada ao longo de sucessivas transformagdes e evolugdes havidas lentamente através dos tempos, devido tanto ao progresso tecnolégico e seus meios de comunicaco como ao aprimoramento intelectual e, também, aos facilitados contatos entre povos diferentes, estando 25 26 Carlos A. C. Lemos ——————————— nessa miscigenacdo o centro maior de interesse da compreensdo do que seja Patriménio Cultural de uma nacgao de populagées algo diferenciadas como ocorre no Brasil. Vimos em nossa imensiddo territorial a cultura dominante portuguesa defi- nindo a nacionalidade e vimos, também aqui e ali, os demais condicionantes e determinantes ambientais interagindo enquanto ocorreram, ou ainda ocorrem, também diversificadamente ali e aqui, contatos com outros povos via migracdes as mais variadas. Neste ponto, é bom nao con- fundirmos sincretismos culturais definitivamente incorporados ao quadro social com simples em- préstimos, as vezes tempordrios, de modismos alienigenas téo comuns hoje, via cinema e tele- visdo. Nossa aten¢ao tem que estar voltada somente as irreversiveis alteracdes psicossociais ou sécio- 6tnicas havidas nos variados segmentos do pano- rama cultural brasileiro ao longo de nossa histéria, provocadas por agentes de fora. Desse modo, percebemos que necessariamente © termo preservar deve ser aplicado com toda a amplitude de seu significado. E dever de patrio- tismo preservar os recursos materiais e as. condigdes ambientais em sua integridade, sendo exigidos métodos de intervenc3o capazes de respeitar o elenco de elementos componentes do Patriménio Cultural. E dever, também, de patriotismo pre- servar o saber brasileiro fazendo com que os conhecimentos de fora valorizem-no em vez de O que é Patriménio Historico Paulo Duarte, af 5 2 S x Ag. Folhas Mario de Andrade, 27 28 Carlos A. C, Lemos — anularem-no, 0 que esté cada vez mais dificil nesta era das empresas multinacionais coman- dando nossa economia. E claro que néo podemos enfrentar os cientistas internacionais que pes- quisam para a inddstria farmacéutica sem fron- teiras, por exemplo, com os conhecimentos domés- ticos de nossas avés acerca da medicina caseira, com suas ervas e benzeduras. Nao podemos ignorar a industria japonesa invadindo as cidades e os sertdes. E que agora também temos os artefatos da humanidade, as aspirinas da satide mundial. Temos a comunicacao de massa querendo que todos pensem igualmente e comprem as mesmas coisas. Um desatento olhar realmente nos faz cogitar duma tendéncia 4 uniformizagdo do pensamento, numa despersonalizagdo cultural dos povos. Cre- mos que tudo isso seja de todo impossivel devido justamente as articulagdes entre os elementos do meio ambiente e do conhecimento que, de um modo ou outro, acabam interferindo no processo porque sao irremoviveis em sua totalidade. Sempre haveré um pouco de Brasil em cada coisa, em cada artefato, em cada gesto. O radio japonés sempre transmitiré sua musiquinha sertaneja. Sempre daremos um jeitinho nosso as coisas de fora. Assim, seré mais facil a manutengdo de nossa identidade cultural se soubermos controlar os processos de evolugao que fatalmente se desen- Na et O que é Patriménio Histérico volvem mercé de alteragSes inevitéveis no campo do saber, especialmente do saber fazer. Nesse controle esté implfcito o registro dos varios esté- gios por que passamos. Aqui, registrar é sindnimo de preservar, de guardar para amanha informa- gdes ligadas a relacdes entre elementos culturais que nao tém garantias de permanéncia. Assim, preservar ndo é sé guardar uma coisa, um objeto, uma constru¢ao, um miolo histérico de uma grande cidade velha. Preservar também é gravar depoimentos, sons, misicas populares e eruditas. Preservar 6 manter vivos, mesmo que alterados, usos e costumes populares. E fazer, também, levantamentos, levantamentos de qual- quer natureza, de sitios variados, de cidades, de bairros, de quarteirdes significativos dentro do contexto urbano. E fazer levantamentos de cons- trugdes, especialmente aquelas sabidamente con- denadas ao desaparecimento decorrente da espe- culacao imobiliaria. Devemos, entdo, de qualquer maneira, garantir a compreenséo de nossa meméria social preser- vando 0 que for significativo dentro de nosso vasto repertério de elementos componentes do Patri- ménio Cultural. Essa a justificativa do “por que preservar’’. Mas a quem interessa essa preservacio, 6 a pergunta naturalmente formulada pelo leitor. Poucos, muito poucos, tém uma visio global do problema constitu/do pela defesa da meméria 29 2 Carlos A, C. Lemos O que é Patrim6nio Historico 3 oa e de seus bens representativos. A esses, natural- mente, aflige tanto o descaso impune que assiste @ destruig&o desnecessaria de elementos do Patri- ménio. A essas raras pessoas juntam-se outros grupos divididos segundo interesses variados. Nossa sociedade compartimentada em classes ja estd a sugerir fragmentacdes do grande Patriménio Cultural em varios “Patriménios Setoriais”. Cada classe social, cada grupo econémico, cada meio, cada preocupaco esté a selecionar elementos culturais de seu interesse para que sejam guardados como testemunhos de sua preocupacdo. Vejamos alguns exemplos. Tudo indica, e os interesses econdmicos estéo confirmando, que hoje preserva-se em atendimento as exigéncias do turismo, a grande industria mo- derna, que maneja quantias incriveis enquanto vai forjando nos sitios visitados imagens, as vezes ressuscitadas, definidoras de peculiaridades cul- turais regionais aptas a estar sempre despertando a curiosidade dos viajantes dvidos de novidades. O turismo nasceu em volta de bens culturais paisagisticos e arquiteténicos preservados, e hoje, cada vez mais, vai exigindo a criagéo de mais cendrios, de mais exotismos, provocando quadros artificiais, inclusive. Quadros inventados, ou recriados, que tentam matar dois coelhos com uma s6 cajadada: a administragdo local, com fins politicos, incrementa um nacionalismo cultural de conveniéncia enquanto agentes de viagens, ] 5 © comércio local e a arrecadacdo de impostos | passam a possuir justificativas de ricos fatura- mentos. A classe dominante, quase sempre, tem seu prestigio herdado e, por isso, gosta de preservar e recuperar os testemunhos materiais de seus antepassados numa demonstracao algo romantica ou saudosista, constituindo tudo isso manifestagdes de afirmagao elitista. Vive-se do passado, das glérias dos outros tempos. A preservacdo de bens culturais para ela constitui a obrigagio de manter viva a meméria dos avés. Os professores de engenharia, ou de arquitetura, por sua vez, podem preservar edificios antigos com fins diddticos, dispondo, assim, de amplo mostrudrio de técnicas que iro elucidar, ao vivo, os alunos atentos a evolugao da arte de construir. Os artistas, os arquitetos e os espiritos sensiveis podem preservar obras artisticas em gera!l para o seu proprio deleite e prazer espiritual. Os historiadores, os arquedlogos, os antropé- logos, os misicos, os intelectuais variados, sempre procuram preservar, de um jeito ou de outro, bens culturais ligados ao seu campo de acdo. Os filatelistas preservam selos e toda a histéria da correspondéncia epistolar com seus envelopes e carimbos. Os numismatas, suas medalhas e moedas. Os antiqudrios, toda a sorte de equipa- mentos fora de uso, mesmo 4s custas de desvirtua- mentos de usos ou fungGes e de sua remocdo do 32 Carlos A. C. Lemos: | 9 que é Patriménio Histérico 33 sitio de origem. Alias, sempre os objetos fora de uso despertam a curiosidade e sugerem sejam guardados em colegdes museolégicas. Para muita gente mesmo, artefatos ultrapassados, de qualquer natureza que sejam, 6 que verdadeiramente cons- tituem o Patriménio Histérico e Artistico, isto é, tudo aquilo que por no prestar mais pode ser guardado como testemunho. Os bens culturais em uso, aqueles do presente, ndo merecem nunca o olhar protetor. Os ecdlogos preservam, ou tentam preservar a dura penas, as relagdes que devem manter entre si os elementos dentro da natureza. Os naturalistas defendem, por exemplo, a fauna e af esté o Pan- tanal de Mato Grosso desafiando a consciéncia de todos. Os botanicos, a flora fadada 4 extingdo. Pelo visto, sio tantos os patriménios quantas sao as intimeras compartimentagdes da sociedade e seus interesses. — bom notar que nunca houve um movimento que conciliasse esses interesses visando 4 gesto de um Gnico Patriménio visto sob um enfoque global. De um modo geral, podemos dizer que foram os antiquarios colecionadores, os gabinetes de curiosidades, os variados museus ditos histéri- cos, etnograficos, de arqueologia e de antropologia, as galerias de arte, as pinacotecas, as gliptotecas, as hemerotecas, as colecdes de histéria natural etc., que, ao longo do tempo, conservaram artefatos varios para os estudiosos de hoje. Muitas cons- trugdes importantes, pela sua hist6ria ou pela ) sua beleza, também foram respeitosamente conser- vadas, pelo respeito dos mandados e pela vaidade dos mandantes e mandatédrios. Por motivos econémicos, muitas cidades se estagnaram e, Por isso, se conservaram a revelia dos que as abandonaram em busca de outros horizontes. Alias, podemos dizer que Belo Horizonte foi a responsdvel pela conservacdo de Ouro Preto, que ficou hibernada até chegar 0 momento da sua declaragdéo como “cidade monumento histérico’’. Pelo visto, nenhum pafs pode se vangloriar de possuir preservado o seu integral Patrimonio Cultural, representado de modo condigno por acervos museolégicos, arquivos, mostrudrios, cons- trugdes e urbanizagdes participes de ecomuseus que realmente sejam representagdes corretas de todo o seu desenvolvimento cultural. Qs varios pafses, inicialmente os europeus, foram aos poucos se conscientizando da neces- sidade de guardar seus bens culturais tendo em vista as solicitagdes de variada natureza, e resta- nos ver, entéo, como foi respondida entre nds a segunda indagagao atras formulada. LN O QUE PRESERVAR? No Brasil, a preocupago preservadora por parte do governo é relativamente nova, embora possamos sempre lembrar o pioneirismo do Conde de Galveias, nos meados do século XVIII, com sua manifestacdo que nos coloca a frente de muitos. De fato, aquele nobre portugués, em 5 de abril de 1742, escrevia ao governador de Pernambuco, Lufs Pereira Freire de Andrade, uma carta lamen- tando demais 0 projeto que transformou o Palacio das Duas Torres, construfdo pelo Conde de Nassau, em quartel de tropas locais, pois, segundo ele, seria imprescindivel a manutencado da integridade daquela obra holandesa, verdadeiro troféu de guerra a orgulhar © nosso povo, e com as adap- tagdes previstas estaria arruinada “uma memoria que mudamente estava recomendando a posteri- dade as ilustres e famosas acdes-que obraram os O que é Patriménio Historico Portugueses na Restauracdo dessa Capitania”.. . Dizia, ainda, que aquelas obras holandesas ‘’sdo livros que falam, sem que seja necessdrio {é-los’’. Depois desse desabafo fidalgo, que nao teve maiores conseqiiéncias, vém o siléncio total e até um beneplacito das autoridades brasileiras perante a lenta destruic¢ao de um patriménio portugués sempre a lembrar, principalmente logo depois da Independéncia, 0 jugo por que passamos no perfo- do da dominacao colonial. Sempre que alcancamos uma meta libertaria, a primeira coisa que se fez foi destruir as provas da opressao banida. Vestigios holandeses varridos. Cartelas herdldicas, escudos e bras6es arrancados violentamente dos pérticos nobres das construgées espanholas pelos portu- gueses da Reconquista e pelos brasileiros depois de 1822. Papéis comprometedores queimados, como aqueles relativos 4 escravidio negra, por ordem do abolicionista Rui Barbosa, j4 depois do 13 de maio da Princesa Isabel. Siléncio dos governos, inclusive no reinado de nossos imperadores. O segundo deles é claro que te- ve seus pendores intelectuais também voltados 4 guarda de obras de arte e também histéricas, mas nao Passou de mero mecenas de dois ou trés museus. A Repiiblica nova nao alterou o quadro de abandono geral e a protecéo de bens culturais arquiteténicos ndo passava pela cabeca de nenhum governante. Somente um ou outro particular, algum cole- cionador ou intelectual afeito as coisas historicas a. sa 35 36 Carlos A. C. Lemos Se é que se lembrava e solicitava fossem defendidos Os nossos monumentos arquiteténicos — monu- mentos no sentido gradiloqiiente porque do patrimdnio popular nunca ninguém se lembrou mesmo. Augusto de Lima, em Minas, foi um deles, Gustavo Barroso, outro, no Rio. Mas todos muito dogméticos nos seus interesses preserva- dores, selecionando o que conservar através de 6ticas nascidas de juizos criticos muito persona- listas. Tudo isso na década dos anos vinte, quando se popularizou o estilo neocolonial e chegamos a ver disparates como aquele de se reformar cons- trugdes autenticamente coloniais visando dar-lhes a feicaio estilistica em moda. Foi comum a “pre- servagao” caracterizada pela transposi¢ao de elementos de composi¢ao arquiteténica de uma construcdo abandonada para outra nova. O Ifder do movimento neocolonial no Rio, José Mariano Carneiro da Cunha Filho, por exemplo, compés seu célebre Solar de Monjope, inclusive, com materiais aproveitados de construgdes auténticas. No final da década de 20, o deputado historiador e amante das artes Wanderley Pinho, autor de obras sobre usos e costumes do Império, fez projeto de lei relativo 4 protegdo de nosso patri- ménio cultural arrolando entre os bens preser- vaveis “as cimalhas, os forros, arquitraves, portas, janelas, colunas, azulejos, tetos, obras de marce- naria, pinturas murais, e quaisquer ornatos (arqui- tetdnicos ou artisticos) que possam ser retirados sd ee LY O que é Patriménio Histérico tra a freqiiéncia desse uso naquele tempo. Esse projeto acima citado no foi o primeiro, pois anteriormente j4 0 deputado Luiz Cedro, em 1923, apresentara um projeto de lei destinado a salvar nosso Patriménio sugerindo a criagdo de uma “‘Inspetoria dos Monumentos Histéricos dos Estados Unidos do Brasil, para o fim de con- servar os iméveis publicos ou particulares, que no ponto de vista da historia ou da arte revistam um interesse nacional”. E, em 1925, a pedido do governador mineiro Presidente Mello Vianna, © jurista Jair Lins também tratou de defender os bens representativos de nosso passado, mas apresentando um progresso na elei¢go dos bens a serem guardados pelo seu projeto de lei: “os méveis ou iméveis, por natureza ou destino, cuja conservagao possa interessar 4 coletividade, devido a motivo de ordem histérica ou artistica, serao catalogados, total ou parcialmente, na forma desta lei e, sobre eles, a Unido ou os Estados passarao a ter direito de preferéncia”. Pela primeira vez alguém menciona “méveis”, isto é, objetos, dentre os bens a serem conservados. Wanderley Pinho também fala deles, onde inclui até “livros raros ou antigos, os incundbulos, cédices e manuscritos de valor litero-hist6rico ou art/stico”. Somente em 1936 é que realmente ganhamos um projeto digno de elogios, de autoria do escritor paulista Mario de Andrade, homem cuja_inteli- aa ie ltt 37 38 Carlos A, C. Lemos O que é Patrimonio Historico 39 géncia fora do normal levou-o a especulagdes de toda ordem, cuja sensibilidade levou-o a producao litera- ria de alto n{vel. Nesta hora, quem fala de Mario nao pode deixar de mencionar Paulo Duarte, 0 seu amigo fraternal de todos os momentos, mesmo quando ausente no ex(lio, mas presente nas cartas freqiien- tes. O projeto de Mdrio de Andrade tornou-se lei somente em novembro de 1937 e desse ano é a me- mordvel campanha de Paulo Duarte pelas paginas do jornal O Estado de S. Paulo, denominada ‘‘Con- tra o Vandalismo e o Exterm{nio”, quando aquele jornalista trouxe a publico o estado lastimavel e criminoso em que jazia © pouco que sobrou de nosso Patriménio Cultural Arquiteténico. No seu texto, definia Mario de Andrade: “Enten- de-se por Patriménio Artistico Nacional todas as obras de arte pura ou de arte aplicada, popular ou erudita, nacional ou estrangeira, pertencentes ao poderes piiblicos, e a organismos sociais e a particulares nacionais, a particulares estrangeiros, residentes no Brasil’. Note-se que, na verdade, Mario ja naquela época estava tentando resguardar a totalidade dos bens culturais de nosso Patrimonio Cultural, chamando-os simplesmente de “‘obras de arte” pura ou aplicada, popular ou erudita, nacio- nal ou estrangeira. A palavra “arte”, no caso, teria um significado bastante amplo, assumindo aqui e ali, ao longo do texto, conotacées diversi- ficadas; as vezes est4 ela designando a obra de interesse eminentemente estético, mas em grande parte do tempo esté ligada ao artesanato. Ele explica: “arte é uma palavra geral, que neste seu sentido geral significa a habilidade com que o engenho humano se utiliza da ciéncia, das coisas e dos fatos’’. No seu projeto, Mario de Andrade agrupava as obras de arte em oito categorias: Arte arqueolégica; 2. Arte amerindia; 3. Arte popular; 4. Arte historica; 5. Arte erudita nacional; 6. 2 % 8 . Artes aplicadas estrangeiras”. Dentre essas varias categorias, ele inciufa, entao, todo o nosso vasto elenco patrimonial. Dentre as obras de arte arqueolégicas e amerindias englo- bava toda sorte de objetos, como fetiches, instru- mentos de caca, de pesca, de agricultura, objetos de uso doméstico, vefculos, indumentéria, jazidas funerarias, sambaquis, igdes rupestres e, inclusive, elementos das paisagens, do meio am- biente. Nisso tudo, é claro, também estavam inclufdos os vocabuldrios, os cantos, as lendas, as magias, a medicina e a culinaria dos indios etc. Na arte popular, entre variados tipos de artefatos construgdes, como capelinhas de beira de estrada, do povo, inclui a arquitetura, falando de rete | Carlos A, C. Lemos O que é Patriménio Historico 41 de agrupamentos de mocambos do Nordeste. Continua tratando do folclore em geral e de tudo que interesse principalmente a etnografit No agrupamento da arte histérica arrola com bastante lucidez a variedade disponivel de bens culturais, “que de alguma forma refletem, contam, comemoram o Brasil e a sua evolugdo nacional”. Cita, inicialmente, “‘certas obras de arte arquite- tdnica, escultérica, pictérica que, sob 0 ponto de vista de arte pura no sdo dignas de admiracao, nao orgulham a um pais nem celebrizam o autor delas’’. Mas, ou porque fossem criadas para um determinado fim que se tornou histérico — o forte de Obidos, 0 dos Reis Magos —, ou porque se passaram nelas fatos significativos de nossa historia — a Ilha Fiscal, o Palacio dos Governadores em Ouro Preto —, ou ainda porque viveram nelas figuras ilustres da nacionalidade — a casa de Tira- dentes em Sao Jodo del Rei, a casa de Rui Barbo- sa —, devem ser conservadas tais como esto, ou recompostas na sua imagem “‘historica’’. Cita entdo rufnas, igrejas, fortes, solares etc., afir- mando, ainda, deverem ser conservados exemplares tipicos representativos das diversas escolas e estilos arquitetonicos que se refletiram no Brasil. Além das construgées ditas histéricas, detém-se, também, nos artefatos, na iconografia, tanto a nacional como a estrangeira alusiva a fatos brasi- leiros, como gravuras, mapas, porcelanas, livros, impressos etc., “referentes 4 entidade nacional ~ - qualquer dos seus aspectos, Histéria, Politica, costumes, Brasil, natureza etc.”’, Dentre as obras de arte erudita nacional ou estrangeira inclufa o autor “todas e quaisquer manifestagdes de arte’, de artistas nacionais ou estrangeiros, num amplo leque de abrangéncia. Nas artes aplicadas nacionais e estrangeiras estariam classificadas todas as manifestacdes ligadas ao mobilidrio, a talha, tapegaria, joalheria, decoragdes murais etc. Esse ligeiro apanhado do projeto de Mério de Andrade vem nos mostrar, antes de tudo, a clarividéncia daquele intelectual arrolando bens culturais dentro de uma sistematica somente hoje em nossos dias divulgada pelas entidades e@ recomendagées internacionais, que tratam modernamente do assunto. Mario inclufa tudo, queria “‘catalogar” todas as manifestagdes cul- turais do homem brasileiro, nao s6 seus artefatos, mas também registrar a sua musica, seus usos, costumes, assim como o seu “saber’’, o seu “saber fazer’. Chega a imaginar, inclusive, museus para isso também, que tratassem, por exemplo, do café, onde documentalmente estivessem mostrados “a replanta nova, a planta em flor, a planta em gro, a apanha da fruta; a lavagem e secagem, 0s aparelhos de beneficiamento, desmontados com explicagéo de todas as suas partes e funciona- mento; 0 saco, as diversas qualidades de café beneficiado, os processos especiais de exportacao, 42 Carlos A, C, Lemos a de torrefagéo e de manufatura mecanica (com mé&quinas igualmente desmontadas e explicadas) da bebida e enfim a xicara de café. Grandes dlbuns fotograficos com fazendas, cafezais, terreiros, colénias, os portos cafeeiros; graficos estatisticos, desenhos comparativos, geogréficos etc. etc. Tudo o que a gente criou sobre café, de cientifico, de técnico, de industrial, reunido numa sé sala. E o mesmo sobre algodao, acucar, laranja, extragao do ouro, do ferro, da carnauba, da borracha; o boi e suas indiistrias, a 1, 0 avido, a locomotiva, a imprensa etc. etc.”. Para aquela época e principalmente a vista dos planos antecedentes, o projeto de Mario de Andrade foi realmente inovador e tudo indica que tenha assustado as autoridades que o enco- mendaram, pois ainda nao havia uma estrutura administrativa e nem verbas para uma empreitada preservadora daquela abrangéncia. Por uma lei de janeiro de 1937 que reorganizou o Ministério da Educa¢éo, ento chefiado por Gustavo Capa- nema, foi criado o “’Servigo do Patriménio Histé- rico e Artistico Nacional” dando a perceber que © texto do escritor paulista nao fora, jé de inicio, seguido como deveria, porque no préprio nome da entidade destinada 4 defesa do “patriménio” se distinguiam bens “artisticos” dos “‘historicos” e sd. No fim daquele ano, depois do golpe politico de Getilio Vargas, veio 0 Decreto-lei n° 25, de 30 de novembro, que organizou entao o primitivo O que é Patriménio Histérico OO SPHAN, onde se define oficialmente o Patriménio Hist6rico e Artfstico Nacional como sendo “o conjunto dos bens méveis e imdéveis existentes no pais e cuja conservacao seja de interesse publi- co, quer por sua vinculagdo a fatos memoréveis da histéria do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueolégico ou etnografico, bibliografico ou artistico”. A simples comparagdo dessa definigéo com a original de Mario de Andrade mostra-nos a atuacao precavida e politica de Gustavo Capanema e de Rodrigo de Melo Franco de Andrade, o seu asses- sor, que, a partir dessa data, até morrer, se dedicou de corpo e alma a defesa de nossos bens culturais, sempre lutando com toda sorte de empecilhos, principalmente aqueles financeiros. O recém- instituido SPHAN nao poderia mesmo abrir imenso campo de obrigagGes preservadoras, sendo oportuna uma restri¢do ligada ao “interesse publi- co” nas suas atribuigdes funcionais, principalmente & vista das graves implicagdes juridicas que fatal- mente surgiriam no tocante ao direito de proprie- dade relativo a bens méveis que, com certeza, iriam sobrepujar sobremaneira em quantidade os bens iméveis. Nao sé problemas jurfdicos mas também de fiscalizagao, de conservacao, de guarda, de documentacao, de classificagao, que hoje ainda nao sabemos como resolver com corregdo admi- nistrativa e éxito garantido. E bom lembrar que um paragrafo do artigo 19, o da defini¢ao acima 43 “ Carlos A. C, Lemos a transcrita, inclufa também na lista dos bens preser- vaveis os “monumentos naturais” e os “sitios e Paisagens que importe conservar e proteger pela feigao notdvel com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indtstria humana’. Enquanto Mério de Andrade arrolava na sua definigao “todas as obras de arte”, a lei promul- gada prudentemente apelava a um restritivo “interesse piblico” sem, contudo, defini-lo em sua extensao. E verdade que, em ambos os textos, um bem cultural, na pratica, s6 estaria inclufdo no Patriménio depois de inscrito no respectivo livro de tombo, mas 0 espirito da “‘abertura’” do Projeto paulista certamente iria exigir do servico responsdvel pela preservacdo um félego nao com- pativel com as possibilidades praticas. A mode- ragéo foi a nota marcante do érgdo dirigido por Rodrigo de Melo Franco, e com isso, ao longo do tempo, toda aquela miltipla gama de enfoques do projeto de Mario de Andrade foi sendo esque- cida, de modo especial as manifestagdes populares — nao s6 a arquitetura, mas também os elementos relativos aos usos, costumes, ao ‘“‘saber fazer’’, cujos artefatos méveis aos poucos foram se per- dendo, ao lado da misica, dos cantos, das repre- sentagdes e das histérias do povo pertencentes 4 era anterior ao rédio e a televisdo, principal- mente. Mario, no seu projeto, no falou explicitamente em cidades como bens culturais em sua integridade, (ee ey O que é Patriménio Historico oo “a mas ndo se esqueceu dos problemas de urbaniza- 40. Quando se refere a paisagens, fala dos ‘‘lugares agenciados de forma definitiva pela industria popular, como vilejos lacustres vivos da Amazénia, tal morro do Rio de Janeiro* tal agrupamento de mocambos no Recife’ etc. Esse desejo do escritor paulista constou na lei federal de modo muito vago, quando se empregou parte de sua expressio no fim daquele ja referido paragrafo do artigo 1 .. “agenciados pela industria huma- na’. Quem nao leu o projeto é quase certo que néo vai atinar com a primeira intengdo, aquela de preservar, também, aglomerados urbanizados, isto é, cidades. S6 recentemente, em meados da década dos anos 70, é que esse assunto ligado a preservacdo de bens culturais vistos em conjunto dentro de centros urbanos tem sido discutido entre nds, trazendo consigo a expressdo “Patrimonio Am- biental Urbano”, cujo significado nem sempre 6 bem compreendido. Realmente, como veremos, esse palpitante assunto encerra questées nada faceis de ser contornadas, se 6 que hd um jeito de satisfazer a todos os interesses envolvidos. A primeira cidade a ser preservada no Brasil * Morro do Rio de Janeiro, “‘agenciado de forma definitiva’ 36 pode ser morro urbanizado e talvez Mério estivesse se 1 rindo a favelas. 45 46 Carlos A, C. Lemos O que é Patriménio Histérico >) foi Ouro Preto, mediante um decreto de 1933 do entdo Governo Provisério federal que assim veio atender a uma série de solicitagdes partidas prin- cipalmente de intelectuais mineiros. Augusto de Lima Junior foi um deles, a cujos esforcos, por volta de 1928, somaram-se os trabalhos de Gustavo Barroso, a quem o presidente do estado Anténio Carlos encarregou de proceder a obras de conser- vacio em alguns monumentos daquela cidade: Ouro Preto, é interessante a gente perceber isto, nao foi tombada verdadeiramente como uma cidade possuidora de caracter{sticas especiais no campo do urbanismo decorrentes da conurbacado de arraiais de garimpeiros. Ouro Preto foi preser- vada porque se desejou proteger seus monumentos maiores, cada um visto de per si, e 0 ato legal visou 4 protecdo de um “‘pacote” de construcGes, cujas éreas envoltérias acabaram abrangendo a cidade toda. Naquele decreto nao se cogitou do fendmeno urbanizagao em si mesmo, como uma manifestacao cultural de preciso interesse social, fato evidente- mente nao analisado na justificativa que lembrava ter sido a antiga Vila Rica, apenas, “‘teatro de acontecimentos de alto relevo histérico na for- magdo de nossa nacionalidade”’, além de possuidora de verdadeiras “‘obras d’arte” arquitet6nicas. Agora, modernamente, a viséo protetora de conjuntos de bens culturais urbanos tem uma abrangéncia maior, procurando, antes de tudo, ~ fa as interpretagdes de carter social através de tod: as indagacGes possiveis atinentes & antropologia cultural, & histéria, 4 politica, 4 economia, a geomorfologia, 4 arquitetura etc. A cidade tem que ser encarada como um artefato, como um bem cultural qualquer de um povo. Mas um arte- fato que pulsa, que vive, que permanentemente se transforma, se autodevora e expande em novos tecidos recriados para atender a outras demandas sucessivas de programas em permanente renovacao. O niicleo urbano 6 um bem cultural composto de mil e um artefatos relacionados entre si, que vao desde aqueles de uso individual, passando por outros de utilidade familiar, a comegar pelas mora- dias, até aos demais de interesse coletivo. Assim, vemos que um conglomerado urbano se resume num local onde se desenrolam concomitantemente infinitas atividades exercidas através de infinitos artefatos dispostos no espago segundo suas fungdes ou atribuicdes, e interessam 4 compreensdo do que seja “Patrimonio Ambiental Urbano’ somente Os bens ou as coisas, méveis ou iméveis, que carac- terizam ou permitam o bom desempenho do gregarismo ali existente. Pelo visto, o enfoque preservador de uma cidade n&o pode deter-se num artefato urbano isolado. Ha de se perceber fundamentalmente as relagées, algumas até necessdrias, mantidas entre os bens culturais. Mormente as rela¢Ges espaciais. Um aglomerado urbano de pescadores do litoral 48 Carlos A. C. Lemos ta paulista, por exemplo, quando se instala nas encostas do vale de um ribeiréo, em cuja foz se pode ter bom atracadouro de seus barcos, tem suas construcées dispostas em fun¢do das curvas de niveis, onde, organicamente, vao se adaptando as asperezas do perfil topografico. Ali os caminhos sio tdo-somente para pedestres subindo e descendo ladeiras {ngremes, que se desviam aqui e ali de grandes pedras e que ali e acolé se transformam em escadas para melhor vencer os desniveis. A pedestrianizagéo € a nota basica. O respeito ‘os acidentes topograficos, outra ocorréncia caracterizadora. As construgdes sempre pequenas vao subindo 0 morro respeitando os rochedos e as grandes drvores de sombra acothedora. La de cima, ‘as mulheres e as criancas enxergam o mar alto e ficam sabendo quando os homens esto voitando de seu trabalho, e assistem 4 passagem dos indife- rentes transatlanticos e petroleiros que, de vez em quando, mandam a sua mensagem civilizada na forma de dleo preto boiando na espuma das ‘ondas. Picinguaba, perto de Ubatuba, foi uma aldeia assim, mas depois que foi descoberta pelo homem rico da cidade grande passou a sofrer transformaces. Passou a conhecer o automével que tenta a viva forga rasgar 0 seu tecido espon- taneo por meio de cortes e aterros. Como ela, muitas outras aldeias de pescadores sofreram a pressio do turismo predador, que em pouco tempo destroi justamente aquilo que Ihe chamara sical” O que é Patriménio Histérico 49 ee a a atencéo como atrativo maior. A deseducacao, a indiferenca, 0 ego(smo e tantos outros compor- tamentos concomitantes e ndo controlados séo os responsdveis pela desfigura¢éo do nosso litoral e de suas cidades velhas e nao s6 de suas aldeias. Trata-se de um fendmeno relativamente novo entre nés: a invasdo de uma drea por uma popu- lagado adventicia em busca de lazer. Um programa substituindo outro, com a troca de ocupagdo dos moradores originais que, de um jeito ou outro, passam a depender dos visitantes intermitentes que, inclusive, se apropriam de seus bens particu- lares alterando-Ihes usos, fungdes e destinos, as vezes, promovendo verdadeiras recriagdes de mau gosto, além de desonestas. Voltaremos a esse assunto quando tratarmos de Parati, Ouro Preto e Santana do Parnaiba no capitulo destinado a discutir o ‘como preservar’. O que desejamos agora é sO mostrar como um artefato de uso coletivo de uma sociedade, a cidade, pode sofrer permanentes injungdes transformadoras de variada natureza. Naturalmente, surge, ento, a pergunta: o que preservar ali na cidade do homem? A nosso ver, essa pergunta é extremamente dificil de ser respondida de modo genérico e pratico, principalmente porque temos que encarar © problema a partir de agora, j4 que a preocupacdo é recente e nossas cidades se transformaram a von- tade e ao sabor da indiferenca de todos, de todos ee Carlos A. C. Lemos O que é Patriménio Histérico 51 justamente empenhados em alterd-las_visando “melhor qualidade de vida’ a partir de novas expectativas advindas de novos programas de necessidades decorrentes do progresso. Ha uma frase feita que diz que cada caso é um caso, mas que é sempre repetida porque sabia ou prudente, servindo sempre de escudo protetor nas inquirigdes inesperadas. Cada cidade configura a probleméatica a sua maneira. Porém, acreditamos que certos parametros constantes podem ser defi- nidos para servir de guias iniciais na abordagem do tema em qualquer circunstancia que seja. Inicialmente, pensamos que devem ser identi- ficados os tipos de relagdes mantidas entre o tragado urbano e o sitio original, de implantacao, fazendo da geomorfologia uma preocupacio Pprevalente. Temos aldeias de pescadores na encos- ta fngreme ou no vale medandrico das baixadas aluvionares; temos cidades litoraneas em terrenos planos entre morros, como !guape e Cananéia; temos cidades a beira-mar em cima da encosta e ao pé dela. Temos cidades beira-rio e cidades em acrépole. Cada uma com a sua histéria e seus critérios de apropriagio do espaco. Cada uma teve a sua funcdo peculiar ou principal orientadora de seu desenvolvimento. Muitas tiveram um cresci- mento muito vagaroso, porém constante e firme. Outras morreram criangas. Varias nasceram aqui e cresceram ali; a mudanca de sitio demonstrando escolha de local mais apropriado foi uma cons- tante. O que interessa é como as cidades se adap- taram ao sitio de estabelecimento e nesse ‘‘como’’ esto implicitos todos os componentes culturais que podemos imaginar. Ao preservador de hoje resta a ver o que ainda existe como testemunho das primeiras adaptagdes espaciais, dos primeiros critérios de instalagdo e¢ de apropriagéo do solo. Sao Paulo, Santana do Parnaiba e mais meia duzia de estabelecimentos urbanos dos dois pri- meiros séculos, por exemplo, sao cidades do Planalto, em sitios de relevo movimentado, que tiveram sua trama de ruas condicionada & tecno- logia de suas construgdes. Poucas cidades do mundo tém téo bem caracterizada a interferéncia da técnica construtiva na légica da implantacdo urbana. Técnica construtiva Gnica de uma socie- dade segregada serra acima. Técnica advinda de uma selecdo natural de materiais, a técnica da terra socada, a taipa de pildo. As grossas paredes de taipa resistem muito 4 compressio e sdo eternas quando protegidas da 4gua que Ihe abate facil- mente a dureza pétrea. Daf, o horror as enxurradas, @ dgua que lambe e corréi e a erosio ameacadora sempre era evitada pelos profundos beirais e pelos assentamentos planos. O paulista sempre artificia- lizou 0 solo para construir, ao contrario do mineiro que, com suas estruturas auténomas, respeitava © terreno sempre movimentado. O paulista, antes de contruir, aplainava o chao, fazia terraplenos e terraceamentos. Dai a conveniéncia de suas ruas 52 Carlos A. C. Lemos (ae oe Eee? NY serem sempre planas, ao longo das curvas de niveis. Daf a planta da cidade de Sdo Paulo dos primeiros tempos, s6 composta de ruas adaptadas ao terreno de modo a nao apresentarem inclinages perigosas. A Séo Paulo de taipa nao teve ladeiras construfdas — a primeira e talvez Unica, a de So Francisco, a primeira também a ser calgada. Ladei- ras construfdas de ambos os lados, s6 em meados do século XIX, j4 com a vigéncia da cal nas alve- narias, principalmente nas de tijolos introduzidas popularmente pelos imigrantes, mas ai j4 temos novos dados culturais de nova sociedade deter- minando novas soluges urbanisticas. Em Santana do Parnafba, suas trés ruas iniciais plantaram-se paralelas entre si a meia encosta e a localizacio de terreiro da igreja Gnica teve ter sido grave problema a ser resolvido, pois ele haveria de ser bem implantado e acessivel as vias expontanea- mente surgidas. Seria um terreiro afrontando as curvas de niveis, 0 que seria intolerével dado o desnivel acentuado e a questéo praticamente nunca foi resolvida, surgindo arrimos interruptores de uma desejdvel continuidade de pisos. Mais tarde os beneditinos, no fundo do Vale, 6 que conseguiram um adro mais folgado e plano. Tudo isso deve ser compreendido no exame do Patri- ménio Ambiental Urbano daquela cidade e respei- tadas todas as intervengdes ao longo do tempo tendentes a adequar a cidade a técnica construtiva das suas casas. ce O que é Patriménio Historico 53 _—_— Outras cidades, no entanto, jé tiveram o seu nascimento controlado por determinages eruditas ligadas a uma conveniéncia estética de um cordea- mento de ruas que se cruzam em 4ngulos retos indiferentemente a movimentagdo do perfil do terreno, como ordenavam as Leyes Generales de Las Indias, que desde o Cédigo Filipino até as recomendagdes do Morgado de Mateus, em S3o Paulo, na segunda metade do século XVIII, foram vigentes nos regulamentos urban/sticos inspirados diretamente pelo governo. No entanto, vernos sempre esse desejo controlador da regula- ridade e da simetria nos visuais nascido no Renas- cimento ser abandonado ao menor descuido das autoridades dada a total indiferenca popular ao xadrez das ruas retas. Veja-se esse descaso em Iguape, surgida nao se sabe quando, mas oficial- mente reconhecida como aglomerado urbano com foros de vila em 1638, que, instalada numa planicie, teve seu tragado feito a esmo com raros alinhamentos paralelos ou retos. O terreiro da igreja velha, hoje demolida, era triangular, de alinhamentos convergentes em direcdo ao Mar Pequeno. Era o “Funil de Baixo”. O “Funil de Cima”, ali ao lado, ajudava a configurar quar- teirdes trapezoidais donde partiam becos e atalhos que levavam a grandes drea livres destinadas aos acampamentos dos milhares de romeiros devotos do famosfssimo Senhor Bom Jesus, que trazia para as suas festas de agosto viajantes de todo 5S 8 é 3 = g : g < & 3 s § ‘iundes uid ap oso ou 2 25 owo> ‘openayes pf ojuounuow 0 noi “ou!x2 oP B04 2p 3 ap soue O29 9 vies “aynag OPs wa ‘2129 ap otdjaqumu OU ‘voUPIIY BsiJapu0g opBnd}suaD S PU BAY OP 904 aud fod 2P BD 2P BT Ma opunite ZIRT wou = 8 8 * Carlos A, C. Lemos O que é Patriménio Historico 57 0 sul desde Santa Catarina. A partir do dinheiro do arroz, que Ihe trouxe certa abastanga no século XIX, a sua Camara de Vereadores tratou de “‘civi- lizar” a cidade e passamos a ver novas ruas surgi- rem tragadas agora em esquadro com quarteirdes regulares, praticamente o inverso do que aconteceu com as velhas cidades esbogadas pelos antigos engenheiros militares, como Frias de Mesquita, no norte do Brasil, cujos planos iniciais estavam concordes com as determinages reguladoras dos tracados em xadrez, mas que ao longo do tempo foram sendo abandonados devido ao pouco rigor da fiscalizagéo ou por causa de intransponiveis obstaculos naturais do perfil do solo, como foi o caso de Salvador, com suas cidades, a Alta e a Baixa, a dos padres e a dos pescadores e exporta- dores de acicar. Nao s6 as cidades dos primeiros séculos tiveram seus regulamentos desobedecidos ou desviados mas também nas modernas, como Belo Horizonte e Brasilia, vemos as intengdes urbanfsticas originais serem contrariadas sob alegag&es as mais diversas. A verdade 6 que nunca se controlou um desenvolvimento urbano com o rigor desejavel pelos planos ou leis, resultando disso solugSes espontaneas decorrentes do engenho e interesses da populacdo. Interesses ou desinte- resses os mais variados. Assim, 0 tracado urbano, independentemente das construcées ali apostas, deve ser a preocupacado primeira do preservador envolvido com a probl > — matica do Patriménio Ambiental Urbano. A nosso ver, depois de identificados os agencia- mentos urbanos originais, principalmente ruas e, pracas, dever-se-ia procurar ali as construgdes suas contempordneas, e poderiamos, entdo, ana- lisar as relacdes espaciais primitivas ali mantidas. Cremos sejam essas relacdes prioritdrias na defi- nigéio daquilo a ser preservado, em conjunto, pois af j4 pode estar configurada uma identidade cultural. Pelo exposto, dentre nossas cidades, sejam de que idade for, muito poucas ainda podem nos mostrar tais relagGes originais entre espacos livres e construgdes de mesma época. Espacos livres publicos, ou logradouros, espagos livres internos, ou quintais. Evidentemente, essas relagdes sao decorrentes de variadas expectativas culturais, como ja vimos, e, entao, elas tém que ser enten- didas téo-somente como uma parte remanescente de outras articulagdes mais amplas e hoje desapro- priadas e irrecuperdveis se, inclusive, estivermos cogitando de cidades ditas historicas. Talvez um exemplo ilustre melhor essa questdo da irreversi- bilidade de situagdes primitivas. Lembremo-nos, entao, da Praga da Sé da cidade de So Paulo. Antigamente, ela era diminuta e de feitio irregular, onde desembocavam trés ou quatro ruas, sendo as principais a Direita e a atual Quinze de Novembro. A partir de 1862 foi foto- grafada por Militaéo de Azevedo, que nos legou SIN issn cnsieeeniaieebctbesinebiinapeseebeigtanimaneteccrieatitade 58 Carlos A. C. Lemos O que é Patriménio Historico 59 preciosos registros daquele espago nobre da cidade, ainda humilde e incapaz de antever em toda a sua magnitude as profundas alteragdes que a estrada de ferro e o dinheiro do café e da inddstria iriam trazer. As sucessivas fotos hist6ricas nos mostram ali uma arquitetura serena de taipa, guaraando as construgées referéncias entre si e com 0 terreiro, caracterizadoras de um estdgio cultural de progra- mas de necessidades estdveis através de varias e varias geragdes. A primeira das fotos nos apresenta a praga quase que vazia, com pessoas estdticas naquele cendrio que pouco se alterara em quase trezentos anos, mostrando os sobrados somente algumas modernizagdes em seus arremates de envasaduras, num ou noutro beiral alterado com tdébuas de forro a esconder os cachorros dos telha- dos antigos. Vinte e tantos anos depois, j4 na vigéncia do ecletismo, vemos a mesma igreja na mesma praca, mas agora em nova companhia de recentes edificios de tijolos e abrigando dezenas de tflburis guiados por cocheiros italianos de grandes bigodes. Novos dados no espaco urbano primitivo, ainda capaz de guardar os carros surgi- dos com o aperfeigoamento dos meios de transpor- te. A cidade pedestrianizada aos poucos ia co- nhecendo veiculos de tra¢do animal modernos e importados, logo os bondes puxados a burros marcavam o chao das ruas com seus trilhos ingleses. A fisionomia urbana ainda guardava as relagdes antigas, mas o uso da cidade ja era outro. Os agen- >) ciamentos primitivos estavam come¢ando a co- nhecer novos artefatos surgidos com a nova socie- dade que se formava a custa dos imigrantes, prin- cipalmente italianos, que, na passagem do século, chegaram a compor cerca de 40% da populagdo urbana. E natural, entéo, que o tradicional patio da Sé sofresse solicitagdes inesperadas e apresen- tasse aspectos novos. O velho, silencioso, deserto e escuro largo, em cujas imediagdes, nos primeiros anos, houve um assassinato envolvendo as duas principais familias, os Pires e os Camargos, agora no fim do oitocentos era iluminado a gas e tinha os vdos de seus paralelepipedos do calg¢amento recente encharcados de urina das dezenas de cavalos das viaturas estacionadas, urina parada no chao plano, que fermentava e cujo cheiro dava agora. ao local uma caracter(stica nova. Tudo isso fazia parte do Patriménio Ambiental daquele tempo e mesmo que, por um milagre, aquele cendrio arquitet6nico tivesse sido conser- vado nao terjamos mais os trilhos dos bondes puxados a burros, os lampides a gds, o estrépido das ferraduras nas pedras de calgamento, o vozerio dos cocheiros conversando alto, o odor do estrume, os antincios e gritos dos caixeiros das lojas atraindo a freguesia ressabiada e as mulheres sempre de preto, que andavam olhando para baixo em diregado aos degraus da Sé velha. Depois de 1912, comecaram a catederal gética na frente de vasta drea conseguida com a demoli¢ao 3 60 Carlos A, C. Lemos O que é Patriménio Historico 61 Ka SS en ee ery de dois quarteirdes atrés da Sé, de taipa também derrubada, e surgiram entéo novos edificios de varios andares que olhavam 14 embaixo os bondes jA elétricos e os taxis aguardando passageiros. Foi esse largo sem igrejas 0 cendrio da reuniao dos grevistas de 1917. Na nova praga, novas relagées, novos artefatos. Quem nao se lembra do Edificio Santa Helena, corm seus pintores modernistas? E depois ainda outras desapropriagdes, mais es- pacos vazios para a estacao do Metr6. Hoje aquele imenso’espago livre 6 de uso miltiplo. A cidade se alterou e nado guardamos nada dos tempos antigos ali no coragéo da cidade, a ndo ser meia dizia de fotografias. Isso foi muito natural na cidade em processo de metropolizacao fadada 4 desmemoria. Com isso, percebemos que a probleméatica da conservagdo do Patriménio Ambiental Urbano apresenta intimeras facetas que variam conforme a historia do desenvolvimento das cidades, que vio desde a metrépole cadtica até as cidades que Monteiro Lobato chamou de mortas porque esva- ziadas de recursos econdmicos, como as do Vale do Parafba, devido ao declinio da produgao cafeeira na regido. Cidades mortas, estagnadas e de casas desertas. Mas, em qualquer uma dessas cidades, é impossivel a recuperacao, em sua totalidade, do que tivesse sido o seu original conjunto articulado de bens culturais, porque a sociedade hoje nao é a mesma e esta a fim de usar outros artefatos em a outros programas. No fundo, restam-nos a conser- var cendrios compostos de fachadas de casas velhas, como tem sido feito. Sim, conservamos alguns cenérios, mas eles nos io da maior importancia porque foi o pouco que nos restou, ja que nunca soubemos preservar outros documentos de nossas antigas populagdes urbanizadas, enquanto, aos poucos, fomos des- truindo nossos elementos da natureza envoitoria, cujos recursos, aos poucos, foram escasseando e sendo esquecidos, e também distraidamente fomos olvidando os conhecimentos populares e os modos de ‘fazer’, que até ha pouco tempo nos ajudavam a sobreviver. A preservacdo dessas visuais cénicas sio de suma importancia, porque, antes de tudo, nos reve- lam, nas relagdes espaciais, até intengdes plasticas nem sempre compromissadas com a estética ofi- cial das ordenagdes; nos revelam solugdes de uma arquitetura as vezes uniforme e decorrente de uma mesma técnica construtiva, e outras vezes diversi- ficada, como no ecletismo, interessando, entdo, aos estetas, aos estudiosos de questdes arquitet6nicas ‘ou de engenharia, aos antropdlogos, aos socidlogos e aos turistas. Os significativos espacos abertos, os viadutos, as pontes, os grandes edificios, as torres, os parques e os jardins, além de acidentes naturais, como o Pao de Agticar, no Rio, ou o espigio da Avenida Paulista, em Séo Paulo, tudo isso, isoladamente ou em conjunto, sdo também 62 Carlos A. C, Lemos O que é Patriménio Histérico 63 0s pontos referenciais ligados a inteligibilidade dos espacos urbanos, a “leitura’ da cidade’’ Sdo bens culturais cuja permanéncia 6 necessdria a perfeita fruigdo da populagdo urbana. Finalmente, temos que nos lembrar, entdo, que existem hoje trés hipéteses de situacdes urbanas, onde os bens culturais tangiveis compa- recem sugerindo providéncias diversificadas dos preservadores. A primeira 6 aquela que retine um tragado urbano qualquer acompanhado de construgdes originais que podemos chamar de primérias, suas contemporaneas como jé vimos. E aquela que encontramos em Brasilia, Ouro Preto, em Parati, em Areias, no vale do Paraiba e em certos trechos de Iguape e de tantas outras cidades velhas que, por um motivo ou outro, guardaram seus edificios antigos formando verdadeiras ‘‘manchas’’, cujos relacionamentos primitivos com as 4reas livres originais ainda estao conservados. A segunda hipdétese 6 aquela que mostra tragados urbanos quaisquer cujas construgdes lindeiras n&o so mais as originais devido, principalmente, a sucessivas solicitagGes de programas sempre renovados. E 0 caso das antigas ruas centrais de So Paulo, que formam o folclérico “’Triangulo’’. A rua Direita, por exemplo, jé foi estritamente residencial, quando, no primeiro e segundo séculos, a rua da Quitanda se resumia na “zona comercial’’ da cidade humilde. Hoje ela sé abriga lojas em (? ediffcios de variadas idades completamente envo!- vidos por espalhafatosos aparatos publicitdrios, com suas novas visuais caracterizadoras de uma outra situagdo. Neste caso da segunda hipétese, o que hd a preservar prioritariamente 6 s6 a trama urbana desacompanhada, conforme o caso, de suas construgdes adjacentes. Foi o que aconteceu, por exemplo, com Cananéia, cujo tombamento incluiu a rua Tristéo Lobo, muito parca em cons- trugdes antigas originais. A terceira hipétese é aquela que apresenta conjuntos de construgdes antigas situadas em logradouros ptiblicos alterados devido a inter- vengdes modernas em tragados primitivos. A avenida Getdlio Vargas, no Rio, por exemplo, surgida a partir da demoligo de sucessivos quar- teirdes, deixou a mostra séries de pequenos sobra- dos do século XIX antes relacionados a ruas e becos estreitos desaparecidos com as desapro- Priagdes. Verificamos que os casos nunca se repetem identicamente, embora entre muitos deles haja Possibilidades de influéncias encadeadas nas determinacdes de reformulagdo de velhos espacos urbanos. € claro, por exemplo, que podemos visiumbrar remotamente o comportamento e influéncia de Hausmann, via Buenos Aires, nas providéncias de Rodrigo Alves e Pereira Passos no Rio, na abertura da avenida Central, hoje Rio Branco. ua) Carlos A. C. Lemos Enfim, a salvaguarda do chamado Patriménio Ambiental Urbano depende de uma série incrivel de fatores, os principais de ordem econémico- social, que mais tarde iremos abordar e de que por ora basta-nos a nogao de sua complexidade. Por tudo o que vimos, é imprescindivel ordenar ou classificar todos os bens que compdem um Patrimdnio Cultural e, portanto, estabelecer regras de como e onde preserva-los em sua totalidade ou selecionando elementos realmente representativos. Vimos 0 esforco de Mario de Andrade querendo abranger tudo que interessasse a antropologia cultural, Vemos constantemente particulares cui- dando de bens de seus interesses de classe e 0 surgimento de Patriménios Culturais Setoriais as vezes preservados até com certo rigor cientifico. Mas, 0 que nos interessa 6 0 mal definido Patri- ménio Histérico e Artistico que entidades gover- namentais, desde o SPHAN de 1937, estdo a gerir e tentando preservar apesar dos entraves politicos e financeiros acrescidos do desinteresse popular e da falta de pessoal habilitado. Até o final da década dos anos setenta, tais repartic¢des ptiblicas, municipais, estaduais ou federais, tratavam de preservar, principalmente, bens arquiteténicos, quase todos de excegio. Mas, através da atuacao pioneira do Centro Nacio- ee a ee aS O que é Patrim6nio Histérico 65 nal de Referéncia Cultural, 6rgao imaginado oportunamente pelo Ministro de Industria e Comércio Severo Gomes e instalado por Alofsio Magalhaes na Secretaria da Educagao de Brasilia em convénio com a Universidade local, é que uma visio mais abrangente foi se definindo e se passou a cuidar e registrar indistintamente atividades peculiares do homem brasileiro, como jé havia antecipado 0 projeto de Mario de Andrade. Hoje, acreditamos que todos guiados pela Fundacao Pré-Meméria, da Secretaria de Cultura, do Minis- tério da Educagdo e Cultura, j4 estejam aptos a encarar a problematica constituida pela preser- vagdéo de nosso Patriménio Histérico e Artistico com olhos modernos, selecionando, apoiados na sapiéncia devida, o que preservar e procurando organizar o grande cadastro documentado de nosso elenco de bens definidores da nacionalidade. O que é Patriménio Historico 67 COMO PRESERVAR Essa expressio, “como preservar”’, pressupde uma série infinita de atividades e de posturas perante o elenco de bens culturais do nosso patri- ménio, implicitando, inclusive, atuagdes interdis- ciplinares e julgamentos os mais variados. ‘A maior parte do pouco que temos preservado deve-se @ acio isolada e interesseira de grupos de colecionadores, como j4 vimos. Satisfazendo suas atividades de lazer especificas, estdo a sele- cionar e a guardar bens culturais méveis, como, por exemplo, obras de arte em geral, moedas, selos, méquinas, aparelhos mecanicos, livros, estampas e gravuras, receitas de comida, partituras musicais, discos, antiguidades, porcelanas, cera- micas populares, imagens sacras, vidros, pratas, jéias, autdgrafos etc. etc. Sdo o que podemos chamar de guardides de seus “Patriménios Seto- (ae ou patriménios de classe. Assim, o simples colecionismo se transforma num modo de preser- vac¢ao eficaz, principalmente quando os conjuntos colecionados representam valor alto. Nao se cole- cionam bens destitufdos de interesse pecunidrio e assim mesmo, quando isso acontece, 0 conjunto dessas pegas sem valor, logo que completo, pode vir a ter altas avaliagdes. No entanto, nao ha quem colecione casas de uma rua ou monumentos de uma cidade e, em geral, esses chamados “bens iméveis” necessitam. do amparo e da autoridade do governo. Daf, as entidades oficiais, sejam reparticdes ptiblicas ou fundagées, a zelar pelo chamado Patriménio Histérico e Artistico. Esto elas a cuidar de bens arquitet6nicos e de alguns bens méveis, estes, quase sempre, “aderen- tes’ aos monumentos, naquilo que chamamos de integracdo das artes. O “como preservar’”, que entdo nos interessa primordialmente neste livrinho, é aquele relacio- nado com a conservagdo de bens culturais arqui- tetdnicos e sobre esse assunto hd muito o que falar. Inicialmente, havemos sempre de cogitar a respeito das relagdes que a construcdo mantém com o programa de necessidades a ser satisfeito em suas dependéncias. O uso do edificio nas condiges previstas pelo projeto é, j4 de inicio, © primeiro fator de sua conservacdo garantida. Realmente, a satisfagdo integral do programa é condig¢S0 basica de preservacéo da integridade ee 08 Carlos A. C. Lemos O que é Patriménio Histérico 69 de uma obra arquiteténica. Nesta ocasido, relem- bramos o exemplo da basilica romana, a que jd nos referimos linhas atrés, que 6 significativo por dois motivos. Primeiro, porque é um rarissimo exemplo de um partido arquiteténico vinculado a um determinado programa, depois de certo tempo, passar a servir muito bem o outro programa completamente diverso. Antes, nas basilicas romanas se desempenhavam atividades laicas, como sabemos. Com o advento do cristianismo, recém-saido das praticas secretas das catacumbas, a basflica ajustou-se 4 fungao de templo, sem neces- sidades de obras de adaptacao. Seu portico semi-abrigado, que recebeu 0 nome de galilé, lembrando a Galiléia biblica, passou a ser o local de permanéncia dos catectimeros & espera do batismo. Quem ja fosse batizado poderia entrar no grande saldo, que se tornou a nave dos fiéis embarcados na conducdo de Sado Pedro, o pescador. A ceriménia da Santa Missa se deseri- volvia com o altar instalado na abside do pretor romano, local que passou @ posteridade com o nome de capela-mor. fm segundo lugar, temos de nos lembrar que o ritual da celebragéo das cerimdnias religiosas da Igreja catélica n&o se alterou significativamente nestes dois mii anos, e isso fez com que o partido arquiteténico dos templos se repetisse indefinida- mente, havendo s6 as inevitaveis variagdes técnico- construtivas, as mudangas estil(sticas. E isso faz ~ a também com que nas cidades em processo de metropolizagéo, que se desenvolvem sobre si mesmas em implacdvel autofagia, somente os templos catédlicos sobrevivam na sua construgao original por nunca terem tido a necessidade de adaptagdes advindas de alteragdes programaticas. Enfim, a primeira. norma de conduta ligada ao “como preservar” é manter o bem cultural, espe- cialmente o edificio, em uso constante e sempre que possivel satisfazendo a programas originais. Mas isso nfo é facil. O grande problema é que os movimentos preservadores sempre j4 encontram as construgées de interesse arruinadas, mutiladas, aviitadas por acréscimos esptrios, descaracterizadas @ muitas vezes irrecuperdveis no seu aspecto docu- mental. Daf ser bastante interessante um breve histérico sobre o comportamento dos técnicos Perante as varias hipdteses relativas ao estado de conservagdo dos monumentos, a partir do século XIX, e nisso nos é dtil a classificagao esqueméatica do Prof. Ambrogio Annoni constante em sua obra Scienza ed arte del restauro architettonico, qual introduziremos alguns comentérios escla- recedores. No seu quadro, onde faz uma s{ntese das teorias da restauracdo, de inicio, aquele autor italiano classifica os bens arquiteténicos em ru(nas, em edificios danificados, mas recuperdveis, e em Construgdes “‘sis”, isto 6, boas para uso, mas Podendo apresentar trés hipdteses: estarem modi- 70 Carlos A. C. Lemos O que é Patriménio Historico 1 ficadas em sua feigdo original devido a acréscimos sucessivos, naturalmente decorrentes de alteragdes de programas; estarem, ao contrario, incompletas, ou por nao terem sido terminadas, ou por terem sido mutiladas por motivos variados; e, finalmente, construgGes com o seu partido e volumetria origi- nais conservados, mas necessitando de obras de “revalorizagdo” a que também chamamos de revitalizagdo ou de reciclagem. Nao esquece o autor, também, das questdes do urbanismo a que denominamos de relativas ao Patriménio Am- biental Urbano. O professor italiano chama de ‘‘método roman- tico ou de reintegragdo estilistica’’ aquele que emocionou os arquitetos amantes do passado a partir dos meados do século XIX, especialmente Viollet-Le-Duc. Tais restauradores eram realmente dotados de grande erudicéo e tinham verdadeira obsesséo pela arquitetura medieval, procurando, a duras penas, recuperar em sua integridade todos Os monumentos daquele perfodo histérico, mesmo que fosse necessério reconstruir quase tudo a partir das rufnas identificadas como significativas; e, para tanto, como que transfigurados, se colo- cavam “no lugar” do arquiteto primitivo autor da obra. Nos edificios danificados, reconstruiam as partes desmoronadas, combalidas ou faltantes exatamente como tinham sido feitas anterior- mente de modo a nao poderem ser percebidas mais tarde depois da recuperacdo total, e para J f isso, evidentemente, néo poderiam prescindir de méo-de-obra aitamente especializada. Os edificios com acréscimos sucessivos eram impiedosamente “purificados”, isto é, expurgados de quaisquer trabalhos posteriores a fatura original, mesmo que tivessem suas préprias qualidades artisticas bem definidas. Esse comportamento foi geral na Europa toda e, em alguns lugares, praticamente chegou até nossos dias. Em Portugal mesmo pudemos ver intmeras “‘recuperacdes’’ onde valiosissimos trabalhos barrocos dos tempos do farto ouro brasileiro foram destruidos em benefi- cio da volta de singelas e humildes expressdes romanicas dos tempos da firma¢do da nacionali- dade lusitana. Hoje, isso seria imperdodvel. Esses mesmos restauradores roménticos, na comple- mentacéo ou revalorizagdo de ediffcios, coeren- temente aumentavam areas construidas dentro do estilo e da fatura originais, sempre procurando a “unidade’” desejavel. Esta claro, também, que recomendavam fossem as dreas envoltérias dos monumentos construjdas com a preocupacdo de se observar o mesmo estilo, numa perfeita adequacao’ plastica de modo a construgao antiga Preservada ficar “‘enquadrada” harmoniosamente quaisquer que fossem as visuais. Essa providéncia foi normal em Londres da Rainha Victéria, por exemplo, quando imperou o estilo neogdético nascido das discusses sobre o tolerante ecletismo, que aceitava outros estilos além do neoclassico. >) J Carlos A. C. Lemos O que é Patrimonio Historico O método historicista tolerava reconstrugdes recuperadas, inclusive de rufnas, dentro do mesmo estilo e acabaménto, mas nao aceitava as “fanta- sias” ou invengdes ditas romanticas: tudo haveria de ser estribado em documentagao habil e veraz. Nas chamadas “purificagdes”, os testemunhos de épocas posteriores & construcéo poderiam ser demolidos, desde que houvesse prova docu- mental de como teria sido a construgao primitiva. Toda revalorizagéo seria sempre uma reconquista da “unidade estil (stica’’. Talvez tenha sido com a Conferéncia de Atenas, em 1931, 0 inicio do método arqueologista, que j4 contraria os anteriores. Aceita tao-somente a pura consolidagéo de rujnas, nao admitindo recomposi¢ées fantasiosas ou imitativas, mas aceita aproveitamento de espagos através de obras modernas, Admite, somente, conforme o caso e a iconografia existente, a anastilose, isto 6, a reconstrugio baseada nos elementos originais dispersos ainda conservados. Condena, também, a demoligao gratuita de acréscimos nas ‘‘purifi- cagées” quando eles possuem valor histérico ou artistico, qualquer que seja a sua época. Depois, vem o método dito cientifico. Este profbe terminantemente reconstrugdes de rufnas @ 0 uso de seus espagos disponiveis, exigindo que nos trabalhos de consolidacdo estejam de modo visivel e claro os materiais e recursos da nova tecnologia ali empregada. Nos monumentos dani- r- ficados, as partes reconstrufdas jamais deverdo imitar as originais, mas havendo sempre o cuidado de nao se obter desarmonias. Nos edificios com acréscimos, respeitar todas as intervengGes Ifcitas, demolindo-se somente as intromissdes espirias comprometedoras do partido original. Nos acrés- cimos novos aos edificios que necessitam de aumento de drea, o estilo a ser empregado é o “estilo neutral”, no dizer do professor Annoni, que seria um estilo descompromissado plastica- mente na ornamenta¢do com o outro ali existente, mas mantendo as mesmas relagdes de cheios e vazios e talvez a mesma modinatura. Esse 6 0 método que praticamente todos esto a seguir, como logo veremos. Menciona ainda 0 autor italiano mais dois méto- dos: 0 ‘‘néo método”, aquele, como a expressio diz, que considera cada caso de per si: cada caso € um caso cada um tem a sua solugdo peculiar, 86 nao admite reconstrugdes de rufnas, e, final- mente, 0 método artistico ou de reintegracdo artistica, que nada mais é que a combinagdo dos métodos arqueologista e cientifico, enfatizando-se 0s aspectos pldsticos, principalmente aqueles de adequagdo estética do meio ambiente ao monu- mento, e pelo visto 6 0 método que mais seguidores possui na Itdlia, como sugerem citagdes do autor. Esses métodos foram sendo seguidos com total liberdade pelos especialistas dos varios paises segundo suas tendéncias filoséficas ou gostos Be 4 MS Carlos A, C, Lemos pt e em grande parte das veze: ‘idades pUblicas destinadas a zelar pelo patriménio arqui- teténico, por ndo terem uma politica definida, faziam vista grossa a comportamentos personalistas, muitas vezes interesseiros, quando viam na “‘misti- ficagao romantica’ vantagens proporcionando oportunidades de firmagdo dentro da classe domi- nante com a revivescéncia de cendrios antigos. E é incrivel a gente verificar que isso é poss{vel até hoje, como ocorreu recentemente com a total reconstrugdo da igreja do Patio do Colégio, em So Paulo, a partir de mas interpretagdes de duas ou trés fotografias do século XIX e de mais meia duzia de desenhos ingénuos de um ou outro viajante ou artista popular que passou pela cidade. Foi justamente para evitar esse fabrico de bens artificiais que pretendem substituir bens culturais préprios de outras épocas e de outras tecnologias, para evitar outros abusos e, também, para tentar normalizar em todo o mundo os procedimentos preservadores que se reuniu, em maio de 1964, em Veneza, o Congresso Internacional de Arqui- tetos e Técnicos em Monumentos Histéricos. Eram setecentos profissionais, inclusive brasilei- ros, ligados a restauragao de monumentos, que se reuniram preocupados com a falta de entrosamento e de conceitos comuns no trabalho de preservagao de bens culturais. " O tema de tal congresso foi a “‘conservagao do Patriménio monumental e ambiental no mundo, oo O que é Patriménio Historico momento em também nos paises de nova formagao, a necessidade de conser- var os valores artfsticos e os elementos represen- tativos das civilizagdes do passado fundindo seu espirito com a vida moderna”. Conforme Gian Carlo Gasperini, o relator da comitiva brasileira, © congresso “seguindo os principios estabelecidos em 1957, em Paris, propunha criar uma ‘Carta Internacional de Restaurag¢éo de Monumentos’ para a implantagdo de uma politica comum de pesquisas e valorizagéo dos monumentos em seu ambiente, dos centros histéricos e da paisagem’’. Naquele encontro, “o programa de trabalhos foi dividido em cinco secdes, cabendo a cada uma a andlise de um setor espectfico da Restauracdo e@ permitindo a cada congressista ou delegacao uma participacéo mais ampla e ativa a todas as diferentes especializagdes’’. A primeira segdo coube a “‘Anilise da Teoria da Conservago e Restauracdo de Monumentos”’; a segunda seco, a “Andlise dos Métodos”, que foi subdividida em trés grupos de trabalho lidando com a restauragéo arqueolégica, com as novas técnicas de restauragdo e com “a problematica da restauracdo, como teoria destinada a integracao dos monumentos na vida moderna’. A terceira seco preocupou-se com os problemas jur(dicos relativos as quest6es ligadas 4 protesdo de monu- mentos, de ambientes monumentais dos chamados centros histéricos e paisagisticos. A quarta secdo 75 we 76 Carlos A. C. Lemos aS Ssec“— tratou dos resultados préticos advindos das esca- vagSes arqueolégicas e das descobertas efetuadas durante obras de restauragao. Finalmente, a quinta se¢éo cuidou das “medidas preliminares de pro- tecdo do Patriménio Monumental”. Os trabalhos dos arquitetos ali reunidos foram proficuos e rapidamente chegaram a conclusdes interessantes ligadas, antes de tudo, & conscienti- zacéo de obrigagdes comuns, e daf foi facil a criagéo do “ICOMOS, estatuto -preparado pela Unesco, 4 semelhanga do jé existente ICOM, que retine técnicos mundiais dos museus”, visando 4 reunido de todos os 6rgaos nacionais de pro- tecdo de monumentos. Daf, dada a ampla anuéncia da delegagao brasileira, estarmos hoje sujeitos aos sdbios ditames do documento nascido naquela reunido, denominado ‘‘Carta de Veneza’, cuja redacdo nos leva a adotar o chamado “método cientifico” mencionado por Annoni, fato que provocou duas discussées entre alguns partici- pantes. Conta-nos, por exemplo, o nosso relator Gasperini da polémica nascida entre o represen- tante norte-americano Professor Charles Porter, adepto da “‘reconstrucao integral dos monumentos desaparecidos como fonte de instrucdo e de satis- facao espiritual’’, com o Professor Roberto Panem, da Universidade de Napoles, que j4 propugnara por uma “‘qualificagao moderna” da restauracdéo e conserva¢ado dos monumentos. * E de sumo interesse o texto da Carta de Veneza cl a ec O que é Patriménio Histérico 7 ae ere Te a ae e a todos nado podem escapar as suas recomen- dagdes. Em resumo, ela expGe e sugere o seguinte, segundo 0 nosso modo de ver: 1.0 monumento é inseparével do meio onde se encontra situado e, bem assim, da historia da quai 6 testemunho.” Procura-se, entao, relacionar o bem cultural (0 monumento, que, inclusive, pode ser uma obra modesta) com o seu meio ambiente, com sua 4rea envoltéria, com o seu contexto sécio-econémico, recusando-se a encara- lo como trabalho isolado no espaco. 2. A conservacdo e a restauragao de monumen- tos séo fundamentalmente atividades interdiscipli- nares, que apelam “‘para todas as ciéncias e todas as técnicas capazes de contribuir para o estudo e salvaguarda do patriménio nacional (...)”. Daf, a ampla relacdo de especialistas a que recorre © arquiteto responsdvel pela intervencdo preser- vadora. Esse auxilio de técnicos vai desde a parti- cipagao de historiadores, criticos de arte, arqued- logos, na identificagdo correta do bem cultural até o concurso de peritos em mecanica do solo, em comportamentos de materiais perante a po- luigéo ambiental, em estabilidade de velhas cons- trugdes combalidas, em pinturas depauperadas ete. etc. 3.0 uso do edificio, quando correto, conser- va-0, e sua utilizagdo “’ndo pode alterar a disposi¢ao dos elementos” que o compéem. £ 0 caso da ade- 78 Carlos A. C. Lemos O que é Patriménio Histérico 79 quacao do programa, tanto o original como outro qualquer surgido por trabalhos de revitalizagao, ao partido arquiteténico. Neste caso de atribuicéo de “‘funcao util a sociedade’’ dada ao monumento nao se pode esquecer, também, de sua area envol- téria que deve ser usufrufda com dignidade. 4. Hoje, nem sempre as técnicas tradicionais s8o suficientes 4 perfeita consolidagdo de edifi- cios ameagados, sendo licita a busca de “’técnicas modernas”, “‘cuja eficdcia tenha sido comprovada por meios cientificos e pela experiéncia’. Dai a liceidade dos modernissimos experimentos com resinas de complexa qufmica industrial em “colagens” e complementagdes de alvenarias antigas, de elementos estruturais comprometidos por fissuramentos etc. 5."A restauragéo é uma operagdo que deve ter cardter excepcional. Ela visa a conservar e a revelar o valor estético e hist6rico do monumento. Apéia-se no respeito a substancia da coisa antiga ou sobre documentos auténticos e deverd deter-se onde come¢a a conjuntura. Além disso, todo trabalho complementar, verificado indispensavel, deveré se destacar da composigéo arquiteténica e levaré a marca de nosso tempo.” Este item da Carta de Veneza é, talvez, 0 mais importante. Primeiro, porque taxa de excepcional o cardter da restauracdo as condigdes originais por pressupor que todo bem cultural deve ser ininterruptamente bem usado mesmo a custa de adaptacdes, e por- rc tanto a tentativa de sua volta a feicdo antiga quase nunca vem a_ satisfazer programas modernos e & por isso que se verifica amitide a “museifica- gio” de ediffcios recuperados inutilizando-os as fungdes ou usos contemporaneos, o que, na verdade, nao interessa. A restaurac¢do cientifica nao permite conjecturas e, portanto, 0 arquiteto deve deter-se quando sua imaginacdo é solicitada a ir buscar solugdes francamente modernas e pes- soais nos trabalhos de complementagaéo, que deveréo mostrar claramente a sua contempora- neidade, sendo, entdo, condendveis os “‘disfarces’’, as imitagdes que nunca passarao de falsificagées a concorrer com os agenciamentos auténticos. A Carta de Veneza assim pede que a “‘restaurac¢do no falsifique 0 documento de arte e de histéria’’. Isso ainda nos sugere mais reflexGes e nos aconse- tha a distinguir com precisdo dois tipos de restau- ragdes, principalmente a vista da acep¢do corrente do termo “‘restaurar”’, que é usado indistintamente tanto para designar reversGes a situagGes originais (operagdes de cardter excepcional, como vimos) como para denominar intervengSes que procuram manter aparéncias ou exterioridades semelhantes as primitivas, enquanto facilitam novos usos ou adequagdes as exigéncias modernas. Em ambas as hipéteses semanticas estd garantida a preservacdo dos bens culturais, mas os resultados finais real- mente sao bastante diferenciados entre si. Rara- mente a primeira interven¢do é possivel e, na ver- Carlos A. C. Lemos O que é Patriménio Histérico 81 dade, é quase que s6 aplicdvel na pratica a monu- mentos também atendidos dentro do significado popular: a construgfo evocativa e comemorativa sem outras possibilidades de uso. Esse tipo de restauragdo quase sempre ser ligado & construcao que Annoni chama de sa, necessitando apenas de revalorizagdo. A grande maioria das “‘restaura- gdes”, no entanto, sdo acompanhadas de introdu- Ges 4 organizagao do espaco definido pela cons- trugdo a preservar. No fundo, sempre hé uma alteracdo formal que impede o retorno do bem cultural 4 sua exata fei¢do original, mas isso até certo ponto nado tem muita importancia porque esté, de qualquer forma, garantida a preservacao, e as “introdugées”, quando honestas, n&o pas- saréo de meras “marcas de nosso tempo”, propi- ciando, ainda, “recriagdes’’, algumas de muito mérito. 6. “As contribuigdes de todas as épocas para a construggo de um monumento devem ser respei- tadas, nao devendo considerar-se a unidade do estilo como o objetivo a alcangar no curso de uma restauracéo.” Esta recomendagao flui natural- mente a partir do que ja foi dito, aceitando taci- tamente as “marcas” dos outros tempos. ‘Quando ocorrem num ediffcio diversas contribuigdes superpostas, a recuperagao do estado jacente nao se justifica senado excepcionalmente e sob condi¢ao de que os elementos a serem retirados nao apresen- tem nenhum interesse, a0 passo que a composicao, —~ r colocada 4 mostra, constitua um testemunho a alto valor histérico, arqueoldégico ou estético e seu estado de conserva¢do seja julgado satisfatério. O julgamento do valor dos elementos em causa e a decisiéo sobre as eliminagdes a serem feitas naa podem depender somente do critério do autor do projeto.” O final desta frase tem um valor que muitas vezes passa despercebido, mas todos devem atentar & recomendacdo de que os julgamentos nao devam ser pessoais — o arqui- teto sempre devera ouvir terceiros, especialistas gue a interdisciplinaridade do tema esté a reco- mendar. Nada de resolucdes pessoais. 7.“A remogao total ou parcial de um monu- mento do sitio original para outro local néo pode ser tolerada, salvo se a sua preservacdo assim o exigir ou se razdes de grande interesse nacional ou internacional a justificarem.” Esse é 0 caso de algumas intervengdes j4 havidas, quase sempre envolvendo monumentos ditos da humanidade, como, por exemplo, os templos egipcios ameaca- dos pela represa de Assua. 8. “A preservacio do monumento implica a da moldura tradicional; as construgdes, demolicdes Ou agenciamentos novos nao poderao, pois, alterar as relagdes de volume e colorido do monumento com seu ambiente préprio.” Nesta recomendagdo tém inicio as regras que norteiam os procedimentos ligados ao Patrimonio Ambiental Urbano, ao valo- rizar as relagdes que mantém as construgdes com 82 Carlos A. C. Lemos O que é Patrimonio Histérico oo suas dreas envoltérias, principalmente quando podem surgir comprometimentos de equilibrio ou de escala. 9.“O agenciamento de ruinas e as medidas necessdrias 4 conservacdo e a prote¢do permanente dos elementos arquiteténicos, assim como dos objetos descobertos, serfo assegurados. Por outro lado, todas as iniciativas deverdo ser tomadas com © objetivo de facilitar a compreensio do monu- mento descoberto, sem jamais desvirtuar sua si nificagdo. Todo trabalho de reconstrucdo deveré entretanto, ser exclufdo ‘a priori’, somente a anastilose pode ser admitida, quer dizer, a recom- posicéo de partes existentes, porém desmem- bradas.”” 10. ‘‘Os trabalhos de conservacao, de restauragao e de escavagdes seraéo sempre acompanhados de uma documentacao precisa sob a forma de relat6- rios anal(ticos e criticos, ilustrados com desenhos e fotografias.” Esta ultima recomendagao é extre- mamente importante porque exige das entidades encarregadas da salvaguarda dos monumentos importantes 4 preservagado da meméria social um procedimento sistemdtico de coieta e registro de dados necessdrios 4 compreensdo daquilo com que se lida. Tais relatérios devem anteceder os trabalhos de preservagdo e, também, acompanha- los, baseados em cadernos de obras. Os trabalhos preliminares se dedicam as pesquisas mais variadas, L sempre acompanhadas de levantamentos relativos A ao universo de elementos do Patrimonio Cultural da regido onde se situa o bem em estudo. Hé de se conhecer todas as relagdes e modos de articu- lagdo entre os bens significantes. Somente apds desejdvel nivel de informacdes que possibilitem andlises e criticas pertinentes 6 que se comeca a intervir no monumento. Assim, trabalhos meté- dicos vo, aos poucos, ensejando o aparecimento daquilo que chamamos de “‘banco de dados”’, Essas informagées coletadas séo importante instru- mento operacional e passam a servir constante- mente a sucessivos trabalhos de preservacdo. Os registros de andamento das obras, sempre na forma de cadernos, sio valiosos documentos a comprovar as varias etapas dos trabalhos, jus- tificando sempre decisdes ocorridas, principal- mente por motivos imprevistos. Na verdade, nenhuma restauragdo poderd ser julgada e aceita sem serena andlise de toda a documentacao cole- tada antes de seu infcio e de todos os registros providenciados durante o seu processamento.* Todos esses procedimentos atrés arrolados e as préprias recomendacSes da Carta de Veneza sao aplicdveis aos monumentos selecionados * Ha varias traduc&es da Carta de Veneze. Esta que comentamos @ transcrevemos 6 a que nos esté as mos e comperece om "Documento 1" de Arquimeméria, 83 Carlos A. C. Lemos segundo critérios varios, como ja vimos, inclusive critérios politicos de interesses ligados a cada regido ou nagao e respectivas classes dominantes, as quais nem sempre confessam suas verdadeiras intengdes prdticas, principalmente nos momentos de definigSes de verbas a serem alocadas tendo em vista a preservacdo de monumentos, de modo especial conjuntos urbanos. Essa politica interes- seira s6 é possiVel em decorréncia de dois fatos realmente importantes e que, amitide, comparecem Ma programacdo da preservagdo de elementos do Patriménio Cultural a nivel regional, especial- mente aqueles ligados ao setor pertinente a arqui- tetura e aos bens urbanos significativos de grande valor social. O primeiro fato é a falta de esclarecimento popular sobre.a importancia da preservagdo de nosso Patriménio, para néo dizermos deseducagdo coletiva. Esse é um dado brasileiro e daf a formu- lagéo de mais uma regra: a preservacao aqui entre nés depende fundamentalmente da elucidacao popular, um caminho j4 percorrido por outros pafses, como o México, que dedica atencdo toda especial a essa questéo de educacio de massa no que diz respeito 4 meméria. : A segunda ocorréncia é de ordem jurfdica, ligada as questdes do direito de propriedade que, entre nés, ainda estéo muito presas a tradigdes que remontam a Revolugdo Francesa, onde o direito do individuo, as vezes, afronta o direito O que é Patriménio Historico 85 a do povo. Ai, 0 instituto do tombamento esbarra com 0 direito de propriedade e com o esqueci- mento do valor social do bem cultural protegido. O tombamento é um atributo que se dé. ao bem cultural escolhido e separado dos demais para que, nele, fique assegurada a garantia da perpetuacado da memoria. Tombar, enquanto for registrar, é também igual a guardar, preservar. O bem tombado nao pode ser destrufdo e qualquer intervengdo por que necessite passar deve ser analisada e auto- rizada. © tombamento oficial nao pressupde desapropriacdo. O bem tombado continua na posse e usufruto total por parte de seu proprie- tario, 0 responsdvel pela sua integridade. O bem tombado pode ser alienado. Quando tudo isso incide sobre um imével em zona valorizada da cidade, a coisa se complica muito porque o seu proprietdrio se sente prejudicado com a distingao muito honrosa para os outros mas altamente danosa para si, ja que seu patriménio material viu-se repentinamente alcancado devido a inevi- tdvel desvalorizag0. Todo imével com restrigdes drasticas nada vale. Nada vale porque o mercado nao esté conscientizado das vantagens que podem resultar daquela atribuicdo, como tem ocorrido em Parati, por exemplo. E que o fluxo turfstico ainda ndo é sempre composto de pessoas eluci- dadas nessas questées mercadolégicas e nem sabem ver a longo prazo. Enfim, 0 governo precisa criar condigdes compativeis com a situacado coti- Carlos A. C. Lemos O que é Patriménio Historico 87 diana em face do instituto de tombamento ima- ginando vantagens ou ressarcimentos aos proprie- térios de iméveis tombados, j4 que aquela figura protetora estdé totalmente alheia a realidade jurf- dica que cerca o imével. Daf, a “‘inoportunidade politica’’ de muitos tombamentos que fatalmente desgostarao grupos influentes ligados a especu- lagao imobiliaria. Depois do surgimento da Carta de Veneza, cada pais participe daquela reunio de arquitetos patrocinada pela Unesco tratou de providenciar as suas linhas de conduta ou as normas locais aplicdveis dentro de suas peculiaridades e sempre desejando “regulamentar’’ as normas venezianas. Foram, também, realizadas reunides latino-ameri- canas destinadas a organizar regras apropriadas as condigdes dos povos do terceiro mundo. Assim é que, em dezembro de 1967, patrocinada pela OEA, Organizacdo dos Estados Americanos, e em decorréncia de determinacdes oriundas de uma Reunido de Chefes de Estado havida em Punta del Este, deu-se a reunido, em Quito, de autoridades e técnicos ligados 4 preservacio de monumentos para tratar de problemas prdéprios do mundo latino-americano, tendo como texto orientador a Carta de Veneza. Representou o Brasil nesse encontro o arquiteto Renato Soeiro, chefe do entéo IPHAN, do Ministério da Educagdo e Cultura, um dos signatdrios das ‘“‘Normas de Quito”, o texto final aprovado pelos presentes. f Ali houve muita preocupacdo com as relagdes entre o turismo e © conjunto de monumentos do Patriménio Cultural. Antes de tudo, uma das consideragées gerais afirmava: ‘Todo monumento. nacional esté implicitamente destinado a cumprir uma fungao social. Corresponde ao Estado fazer que a mesma prevaleca e determinar, nos varios casos, a medida em que a dita fungdo social é compativel com a propriedade privada e o inte- resse dos particulares’. A partir dessa conside- ragéo justa estudam.os participantes a situacéo do patrimonio monumental em face do momento americano, onde a crénica falta de meios se mescla & desorganizagao comprometendo conjuntos signi- ficativos dada uma ma “administragéo do pro- gresso urbano". Principalmente nos paises em desenvolvimento, “‘ndo 6 exagerado afirmar que © potencial de riqueza destruida com estes irrespon- sdveis atos de vandalismo urban(stico, em numero- sas cidades do Continente, excede em muito aos beneficios @ economia nacional derivados das instalagSes e melhorias de infra-estrutura com que pretendem justificar-se”. As solugdes desses problemas exigem graves reflexdes e, entre elas, vé-se que “a continuidade do horizonte histérico e cultural da América, gravemente comprometido pela entronizagaéo de um processo andrquico de modernizagao, exige a adogio de medidas de defesa, recuperacéo e revalorizacdo do patri- ménio monumental da regido e a formulacdo | ! 88 Carlos A. C. Lemos de planos nacionais e multinacionais a curto e largo prazo”. Levando em conta que o Patriménio Histérico e Artistico, quer dizer, arquiteténico, constitui um “capital” a ser mantido para render vantagens, principalmente através do turismo, os participantes diziam que partiram da suposigao de que os monu- mentos de interesse arqueolégico, histérico e art{stico constituem, também, recursos econdémicos semelhantes as riquezas materiais do pais. Conse- qiientemente, as medidas igidas 4 sua preser- vagio e adequada utilizagdo no sé guardam relagaéo com os planos de desenvolvimento como também formam, ou devem formar, “parte inte- grante dos mesmos’’. Dai, 0 maior interesse dos projetos de “puesta en valor’ (“enhancement”, a versdo inglesa do documento). Seriam projetos de “valorizagéo”, significando intervengdes em monumentos ou conjuntos arquiteténicos diri- gidas a “habilité-los de condigées objetivas e ambientais que, sem desvirtuar a sua natureza, ressaltem suas caracteristicas e permitam seu étimo aproveitamento”’. Essa “‘acdo valorativa’’* de conjuntos de monumentos, baseando-se, é claro, no uso adequado dos bens culturais devido * Expresso usada in Proposta de Valorizagso de trés Monumentos Baienos, p. s/n, Salvador, Bahia, 1974, publicado pela Coorde- nagéo de Fomento ao Turismo. Me scat nical EY O que é Patrimonio Historico a atuacdo “eminentemente técnica’ de todos ali envolvidos, visa, também, uma “‘benéfica ago reflexa” na drea envoltéria, j4 que as vanta- gens advindas das intervengdes programadas, principalmente aquelas de ordem tur(stica insti- gando comércio paralelo, repercutem nas constru- goes circunvizinhas. A nosso ver, ha muito oti- mismo nesta ponderacdo e noutras passagens das Normas de Quito, porque permanentemente estamos vendo o turismo justificando verdadei- ras poluigdes visuais em torno de monumentos devido ao comércio inevitdavel que abastece os visitantes. Sinceramente, nao acreditamos que “os valores propriamente culturais nao se desna- turalizam e nem se comprometem ao vincularem-se aos interesses tur/sticos’’. . . Se até mesmo um acd- mulo de visitantes, num museu improvisado qualquer, que se acotovelam apertados e embas- bacados, um ambiente que fora destinado eviden- temente a outras praticas alheias a visitacdo cole- tiva, jé constitui um comprometimento e até mesmo uma violéncia. Enfim, tais normas gastam algumas paginas todas dedicadas as relagdes entre © turismo e o Patriménio Cultural, sempre alme- jando em nossa América 0 mesmo éxito financeiro que a velha Europa usufrui com aquela indistria. Dentro do mesmo otimismo, as Normas de Quito também esperam do povo uma efetiva ajuda 4 defesa do Patriménio, com a previsio de “agrupamentos civicos” cuja “voz de alarme 89 —_ en Carlos A. C. Lemos O que é Patriménio Historico r e acao vigilante” estarao defendendo o “‘interesse social’, embora “encontrem uma ampla zona de resisténcia dentro da 6rbita dos interesses priva- dos”. Para tanto, os planos de recuperacdo e valorizago devem ser acompanhados de programas anexos de educa¢ao civica. Finalmente, 0 documento apresenta recomen- dagdes. varias, a nivel nacional e a nivel interame- ticano, onde ratifica as ordenagdes da Carta de Veneza. Depois, indica um rol de medidas legais estabelecendo zonas envoltérias, sugerindo, inclu- sive, uma atualizagao da legislagao vigente e incen- tivos fiscais. A seguir, vém as medidas técnicas que natural- mente implicitam os procedimentos recomendados pela reunigo de Veneza, mas sempre tendo em vista “‘la puesta en valor’ de monumentos isolados ou de conjuntos ambientais, onde deve ficar enfa- tizada a interdisciplinaridade nas intervencgdes e nunca esquecidas as estimativas dos beneficios econdmicos que se espera venham a surgir neces- sariamente. A partir do inicio da década dos anos setenta proliferaram os “‘encontros” destinados a dar continuidade aos documentos atrés analisados, como o de Nairobi de 1976 e o de Machu Picchu em dezembro de 1977. A nivel nacional o prin- cipal deles foi o ocorrido na capital do pais, em abril de 1970, donde emanou o célebre “Compro- misso de Brasilia’ assinado pelo ministro da 5 Tee sssess e Cultura da época, por governadores de seis estados e representantes dos demais e, também, por outras autoridades representativas de entidades culturais variadas. Dentre suas conclusdes, o Compromisso de Brasilia verificou que: 1. Era “inadidvel a necessidade de ago supletiva dos Estados e dos Munic/pios a atuacao federal no que se refere 4 protecio dos bens culturais de valor nacional'’, Esta frase pela primeira vez tornava piiblica a distinggo entre bens culturais quanto ao seu nivel de interesse, pois subentendia entrelinhas dois grupos classificatérios: os bens de interesse eminentemente nacional, cuja protecao seria atribuigdo do érgdo federal DPHAN, e os de interesse regional a cargo dos estados e municipios. Certamente estes dltimos também poderiam ser subdivididos em bens regionais propriamente ditos, ligados 4 vida cultural de uma regido, ou estado, e em bens de interesse eminentemente local, liga- dos a uma cidade, a um municipio. Explicando e exemplificando aos nedfitos, a quem se destinam estas linhas: bem cultural de interesse nacional é aquele ligado ao quadro de elementos determina- dores da identidade patria, imprescindiveis 4 exata compreenséo da nossa formacao. A casa de um bandeirante no Planalto de. Piratininga, a sede de uma fazenda pioneira de café, uma fortaleza a 92 Carlos A. C, Lemos SF obra dos holandeses, outro fortim executado pela politica defensiva de Portugal, um teatro rico e representativo de uma cidade em reformulacado no século XIX na qualidade de capital de vasta regido’ produtora de riquezas, como Recife, o cendrio de tantos eventos significativos da histéria brasileira, séo, por exemplo, bens culturais de interesse nacional. A “Calcada de Lorena”, que venceu a Serra do Mar, em Sao Paulo, nos fins do século XVIII, obra de um engenheiro militar trazido de Lisboa e gre facilitou o escoamento da produgdo de agicar paulista, é um bem cultural de interesse regional, assim como certos conventos irradiadores de instrugéo numa rea, certas escolas superiores, certos semindrios etc. Os bens culturais de interesse low como a expressdo afirma, sado ligados & vida de uma pequena sociedade com limites territo- riais definidos, como a casa do fundador de uma cidade, a pequena estacdo de estrada de ferro abandonada; 0 tumulo de um benfeitor qualquer etc.; 2. Era importante a criagdo, portanto, de érgdos estaduais e municipais destinados a suplementar a acdo nacional do entao DPHAN; 3. “Para remediar a caréncia de mio-de-obra especializada, nos niveis superior, médio e artesa- nal, é indispensdvel criar cursos.visando a formacdo de arquitetos restauradores, conservadores de O que é Patriménio Historico 93 aaa aaa aaa tina pintura, escultura e documentos, arquivologistas e musedlogos de diferentes especialidades, orien- tados pela Diretoria do Patriménio Histérico e Artistico Nacional os cursos de nivel superior.” Dessa constatacdo, a partir de convénios apro- priados, houve o primeiro curso de especializagdo, realizado na Faculdade de Arquitetura e Urba- nismo da Universidade de S%o Paulo, em 1974, com a participagdo de arquitetos alunos oriundos de praticamente todos os estados brasileiros, acasido em que veio ao Brasil o principal de seus professores, o especialista da Unesco, Hugues de Varine-Bohan. Depois, instalaram-se outros cursos que, aos poucos, foram interessando a problematica jovens arquitetos recém-formados; 4. "Sendo o culto do passado elemento basico da formag&o da consciéncia nacional, deverdo ser inclufdos nos curriculos escolares de niveis primério, médio e superior, matérias que versem © conhecimento do acervo histérico e artistico das jazidas arqueolégicas e pré-hist6ricas, das riquezas naturais e de cultura popular” 5. E recomendavel a defesa dos acervos arqui- visticos, bibliogréficos, paisagisticos e arqueolé- gicos, inclusive com a formacao de museus, “tendo em vista a educacdo civica e o respeito da tradigdo"; 6.£ desejdvel a participago de intelectuais escrevendo monografias elucidativas ‘‘acerca dos aspectos sdcio-econdmicos regionais e valores 94 Carlos A. C. Lemos O que é Patrimonio Historico — compreendidos no respectivo patriménio histérico e@ art(stico”, nao estando descartado o empri de todos os “‘meios de comunicagio de massas”’; 7. E necessdrio o perfeito entrosamento com os elementos do clero e autoridades militares visando 4 salvaguarda de construcGes religiosas em geral e de obras de defesa e “instalacdes e equipamentos castrenses, para a sua conveniente preservacdo”; 8. recomendavel a “‘utilizago preferencial para ‘Casas de Cultura’ ou reparticdes de ativi- dades culturais, dos iméveis de valor histérico Sie cuja prote¢ao incumbe ao Poder Pu- blico”; 9. E recomendével aos “poderes piiblicos Esta- duais e Municipais colaboragio com a Diretoria do Patriménio Histérico e Artistico Nacional, no sentido de efetivar-se o controle do comércio de obras de arte antiga’. A este Compromisso de Brasilia seguiu-se o Compromisso de Salvador resultante do encontro havido em continuidade ao primeiro, na Bahia, em outubro de 1971. Ali, as recomendacdes se mM especialmente aos aspectos legais e finan- ceiros vinculados 4 preservacao de bens culturais, especialmente a este ultimo, dando uma série de sugestdes de hipéteses ligadas ao “como” obter verbas e financiamentos de obras. A seguir, trata da participacdo de estudantes em levantamentos ls de bens culturais e do aprimoramento de cursos \ voltados ao assunto em pauta. eee Esses documentos nacionais nao se referem explicitamente 4 questdo do Patrimonio Ambiental Urbano como hoje ele é entendido, fazendo somente referéncias vagas a “‘conjuntos de monu- mentos” ou a “cidades histéricas’ como um todo a ser preservado, sem maiores explicagdes. Foi por volta de 1975 que vimos pela primeira vez um documento da ai CNPU, da Secretaria do Planejamento da Presidéncia da Repiblica, que tratava do assunto sem atentar necessariamente ao aspecto histérico, como deve ser. Na verdade, nao temos ainda uma legislacdo pertinente que se refira, com a praticidade dese- javel, 4 questao da preservacdo de conjuntos de bens culturais caracterizados de urbanizagées a conservar. Temos somente algumas leis municipais, como a paulistana, que deseja preservar constru- gdes sem tombd-las e sem desaproprid-las, trope- gando assim nos direitos de propriedade e de construir. Com isso, 0 “como” guardar conjuntos urbanos significativos fica: entre nés bastante prejudicado, se j4 nao bastassem os entraves de ordem sécio-econémica. No Brasil, a experiéncia estrangeira nesse setor da preservaco tem relativa importancia, porque as condigSes legais e de instrugdo, elucidacdo e x te 95 a sy e') 96 Carlos A, C. Lemos poder aquisitivo do povo séo bem diferentes, e deve ser acrescido a tudo isso uma enorme diver- sificagdo de nossas condigdes locais que realmente impossibilitam leis genéricas indistintamente diri- gidas a todas as regides de um pais, como foi possivel na Franga, com a chamada ‘‘Lei Malraux’’ de 4 de agosto de 1962, lei surgida apés as expe- rigncias de reconstrugao de nicleos urbanos hist6- ticos prejudicados pelos bombardeios ocorridos na 11 Grande Guerra. Lei surgida num encadeamento de leis sucessivas ligadas ao Patriménio Artistico e Histérico desde 0 século X!X, nao sendo, por- tanto um repositério de exigéncias imposto de chofre. Depois, la, a compreensao coletiva sobre o problema é outra, 0 poder aquisitivo popular é maior e as dotagdes orcamentarias das repartic¢des que cuidam da cultura tém uma dimenséo que nunca passou pela cabeca de qualquer dirigente brasileiro. Quase o mesmo a gente pode dizer da expe- riéncia italiana, hoje téo citada, especialmente os trabalhos do arquiteto Cervelatti, na Bolonha. Deles, temos a aprender, somente, alguns aspectos conceituais de abordagem do tema e alguns dados ligados aos projetos de intervencao. E claro que toda a problemética sécio-econémica, como ela foi resolvida, na Bolonha, cidade ininterrupta- mente administrada pelo Partido Comunista Italiano desde o armisticio de 1945, nao pode servir de modelo a qualquer que seja a cidade FO ee ee O que é Patriménio Histérico SF EE brasileira. Dentro de todas as limitagdes, haveremos de descobrir 0 nosso caminho. A nosso ver, 0 “como” preservar o Patriménio Ambiental Urbano depende de providéncias em dois campos. O primeiro deles é ligado ao plane- jamento, ao projeto de recupera¢éo, ou revitali- zaciio de niicleos de interesse documental ou art{stico, somente possivel apés exaustivos levan- tamentos de natureza variada. O segundo campo & aquele decorrente da implantacdo do projeto e tem fundamentalmente um interesse social ja que, ao se intervir num imével, se esta intervindo na vida de seu ocupante. Do planejamento de recuperacéo de um centro hist6rico naturalmente decorre um “Plano Diretor” que, além de tratar dos problemas comunitérios, como aqueles da infra-estrutura, por exemplo, também cuida das normas de intervengdes e uso das construgSes situadas dentro do perfmetro histérico, como também das novas edificagdes nos terrenos porventura disponiveis. Deve ser posto em pratica a longo prazo e deverdo estar Os seus executores permanentemente alertas a vista das usuais exorbitancias dos interessados em conseguir sempre mais do que a lei tolera. E-nos, por exemplo, constrangedor ver como, aos poucos, Parati esta sendo destrufda em bene- ficio de alguns e em detrimento do Brasil, a quem pertence como documento ‘{mpar de nosso Patri- 98 Carlos A. C. Lemos caaene oe CT eeeN ménio Cultural. Naquela cidade litordnea, hoje, 86 se preservam as visuais dos pedestres que ali transitam comovidos com o cenério colonial que percebem das ruas. Mas a cidade histérica, com as suas caracter(sticas espaciais originais do século XVIII, jé nado mais existe. A agua do mar da maré alta jé nado mais inunda as ruas beira-mar, fato que, sem ddvida, constitufa um dado cultural. As relagées entre as construgdes e as dreas livres verdes também. j4 nao sdo as mesmas. Aparentemente, os logradouros ptiblicos so ainda aqueles de dantes, salvo algumas tenta- tivas de aformoseamento que recorrem a ajardi- namentos dos alinhamentos, sobre as calcadas, como o emprego de plantas floridas. As relacdes destruidas deram-se na ocupacao indiscriminada dos quintais e dos terrenos baldios cercados de altos muros que tudo escondem. A taxa de ocu- pacéo da cidade esté praticamente dobrada. O mesmo esta ocorrendo com Santana do Parna(ba, em Sao Paulo, que por sinal ainda nao tem o seu nucleo histérico tombado. Essa cidade ainda nao sofreu um levantamento identificador de suas construgdes histéricas executado com critérios cientificos de pesquisa histérica e documental, mas esta sujeita a “protecdo” de “amantes” do passado provenientes da metrépole paulistana sua vizinha que, aos poucos, estao ‘‘valorizando” segundo seus critérios romanticos as humildes casas de taipa dos tempos caipiras da colénia. O que é Patriménio Histérico Esto, até mesmo, cosmetizando a cidade indefesa ao transformar em “‘coloniais”, mediante reformas de fachadas, casas neoclassicas de tijolos feitas ao tempo da construcéo da represa da usina hidre- létrica no comeco do século. Na hora de implantagdo de Planos Diretores aqui no Brasil, nao é possivel o estabelecimento de procedimentos padronizados, porque as con- digdes sécio-econdmicas nunca se repetem igual- mente dentro da indigéncia de recursos de sempre. Em primeiro lugar, a recuperacdo ou a conservagao desses centros histéricos custam muito dinheiro, nao s6 aquele destinado as intervengdes em prédio por prédio mas também o que deve ser atribufdo aos demais servigos, que vao desde os inquéritos Preliminares, em que tanto devem ser ouvidos Os moradores dos iméveis selecionados como a populac¢do envoltéria que de um modo ou de outro também é participe do evento, até a implan- tagado das instalagdes basicas das redes de dguas Pluviais, 4gua potdvel, esgotos, telefone, eletrici- dade e de iluminacao publica, além do calgamento, tudo isso de acordo com as conveniéncias do projeto. Os gastos serao realmente grandes se ainda atentarmos as ja mencionadas despesas com os iméveis componentes dos conjuntos a preservar. Na Europa, principalmente na Franga, cabem aos proprietdrios as despesas de revalori- zag&o das construgdes até o Gitimo limite de suas potencialidades financeiras, arcando o governo 99 100 Carlos A, C. Lemos (RR EN com a diferenca, e nesses tramites sio levados em conta as valorizagdes imobilidrias tanto ligadas as vendas e compras como as relacionadas aos novos aluguéis. Tudo é quantificado e mensurado € 0 poder piiblico tem plenos poderes para exigir anuéncias a procedimentos varios, inclusive a desocupagdo dos iméveis. Na Franga, um imével “insalubre” pode ser esvaziado sem mais delongas e € a atribuicdo de insalubridade que se dé a maioria das construgGes por recuperar. Aqui, o grande problema é o baixo poder aquisitivo dos ocupantes de monumentos aliado sua costumeira indiferenca as questées de preser- va¢ao cultural, pois, em principio, quase todas as nossas ditas cidades histdricas s4o bastante pobres e destitu/das de melhoramentos basicos e de popu- lagdo humilde e obviamente mal instruida. Temos alguns casos especiais, para exempli- ficagdo, como os de Ouro Preto, de Salvador ou da citada Parati, cujas construgdes histéricas sofreram intervengGes norteadas segundo condigdes préprias em que o controle do poder publico é acionado de modos diferentes em face da natureza da populacao envolvida. Ouro Preto, no fim do século XIX, com a inauguragao de Belo Horizonte, esvaziou-se de sua populagéo diretamente ligada as atividades legis- lativas e administrativas proprias de uma capital de estado e, também, deixou de receber, portanto, toda a populacao flutuante normal aquela condicdo O que é Patriménio Historico de sede de governo. Ficau, por isso, mais pobre e vivendo quase que em torno de sua escola de engenharia. O seu tombamento veio encontrar esse quadro e o SPHAN teve que lidar com uma populacdo local muito bem definida que, de um jeito ou de outro, foi mantendo o zelo desejavel, sem grandes problemas sociais relativos a deslaca- mentos de pessoas e liberacdo de imdveis. Todos ‘os percalcos surgidos da incompreensdo de muitos, da falta de verbas, do turismo predador, do transito pesado e do escorregamento das encostas foram e est&o sendo superados pontualmente sem proble- mas maiores de prazos. As despesas do governo com as construgées particulares, proporcional- mente, sdo bastante pequenas. Em Salvador, o problema ja foi diferente. La, a antiga drea histérica chamada de Pelourinho havia sido zona residenal da alta burguesia colonial e mesmo do Império. A partir da Republica, aos poucos, os novos bairros foram levando a classe média para outras e modernas construgées, favore- cendo a transformacao dos velhos e enormes sobra- dos em corticos os mais degradados, onde imperava, inclusive, a prostituicio. Em todo caso, essa foi uma modalidade de uso que, bem ou mal, ajudou a conservacao do conjunto histérico. A interven¢gao preservadora, chegou um momento, teve que ser feita lidando concomitantemente com grupos de construgdes, como se fosse uma obra sé. Nao foi facil a tentativa de desiocamento dos moradores, ‘se 101 102 Carlos A. C. Lemos O que é Patriménio Historico 103 todos carentes das mais diversificadas atenc¢Ges liga- das a assisténcia social. Poderia e deveria essa popu- lagéo retornar as suas primitivas habitagSes, antiga- mente improvisadas e hoje planejadas e bastante valorizadas? Dentro do bom senso e da justiga a resposta deveria ser positiva, principalmente a vista do fato de ter sido ptiblico o dinheiro ali gasto. Deflagrou o governo federal, através de sua Secre- taria do Planejamento, um plano de amparo as ditas cidades histéricas do nordeste e através dele, em Salvador, financiou despesas de recuperacdo do Pelourinho. Diferentemente de Ouro Preto, cuja populagao nao necessitou de deslocamentos, Salvador vem constituir o exemplo da responsabi- lidade direta do governo em financiar obras em que o problema maior nao é técnico mas social, devido a questdo do alijamento de pessoas radi- cadas numa rea ligada 4s suas oportunidades de trabalho — principalmente. Pelo 0 que sabemos, até hoje esse assunto nao esta resolvido satisfato- riamente, apesar dos varios estudos e teorias escri- tas a respeito. Ja em Parati nao foram repetidos os fatos atrés citados, nem ‘mesmo aqueles ligados ao turismo, porque o mar e suas praias dirigem dife- rentemente os visitantes. Em Ouro Preto ha um pretenso turismo cultural que da uma rotativida- de maior de hdspedes aos hotéis, o comércio e a inddstria do “souvenir” impdem um cardter peculiar as lojas e ruas, oO que nao acontece pro- URLS CASES EEA eR aC aE fe. | priamente em Parati. Naquela cidade do litoral sul fluminense o que logo se pode constatar, quanto 4 questdo social ligada 4 preservacdo de centros histéricos, é a paulatina substituigéo do morador primitivo. pelo adventicio endinheirado oriundo do Rio ou de S3o Paulo, cujo lazer hé de se revestir de toques refinados, inclusive na sua casa de férias, casa “colonial” e “‘restaurada”, 0 que, no fundo, é um simbolo de status. Alias, como jé vimos, ali o problema social maior é esse: a lenta e pro- gressiva substitui¢ao da populagdo autéctone, que vai se desfazendo de seus confortos e paisa- gens, pela gente de fora com grande poder aquisi- tivo. E tudo isso é conseguido mansamente, sem que ninguém reclame na cidade porque, aparen- temente, a conveniéncia é de todos. Assim o SPHAN nao necessitou dispender numerdrio de espécie alguma no velho nucleo tombado, ficando s6 por conta dos particulares as recuperagdes dos iméveis antigos em mau estado. Pena é que esses trabalhos de valorizacéo tenham exorbitado tanto na taxa de uso do solo, fazendo desaparecer significativa 4rea verde antes ocupada por verde- jantes pomares de drvores centendrias. Hoje, por exemplo, o primitivo e vasto quintal de uma “‘pou- sada” elegante qualquer estd totalmente ocupado por uma “rua colonial’ composta de varios aparta- mentos de cada lado para héspedes, numa perfeita contrafagéo que s6 avilta a construgao original, eeeeenatercsa ie rewmerrrete ene “a Sa O que é Patrimonio Historico 105 — —— além de enganar os incautos e embevecer os “roméanticos”’ adeptos das “recriagdes” de ambien- tes de antigamente. Assim continuando, Parati logo seré uma outra cidade colonial feita 4 imagem se pretendeu guardar. Tomara que a classe média de Sdo Luis do Maranhio e adjacéncias nunca se enriquecga tanto como as do sul porque, se nado, Alcantara que se cuide. Essa apreensao deve ser estendida a indmeras cidadezinhas e povoagdes litoraneas, vitimas indefesas do lazer predatorio. Realmente, hd de se ter um controle efetivo nos sitios significativos, nado sé nos centros urbanos mas também na sua paisagem envoltoria. Ha de se manter sempre intatas as relacdes entre cheios e vazios, entre as dreas livres e as ocupadas, e as novas construgdes necessariamente serao feitas dentro de toda a modernidade, na forma em que os documentos internacionais recomendam. Os governos, especialmente os estaduais, tem que aquilatar a enorme responsabilidade que thes pesa nos ombros, representada por importantis- simos centros histéricos hoje 4 beira da descarac- terizagao total gragas, antes de tudo, a inoperancia de meia dizia de decisées ou providéncias mais demagogicas ou politicas do que efetivamente praticas e sinceramente imaginadas com base em honesta avaliacdo do que realmente valem Be ee ra eee de um sonho coletivo burgués e nao a original que ' aqueles bens de interesse social. Nunca o valor social de um bem cultural é devi- damente quantificado e quase sempre ele 6 posto de lado, quando deverd estar presente num dos pratos da balanga onde se observam as conve- niéncias de certas intervengSes, e quando preva- lecem sempre outras vantagens, aquelas dos orca- mentos baixos. Nao nos esquecemos, por exemplo, da polémica surgida em torno da demolicéo ou no do antigo Instituto Caetano de Campos, na Praga da Reptiblica, em Sao Paulo. Indmeras reunides de técnicos se realizaram para discutir o problema e nao sairé de nossa meméria um tenso encontro entre membros do Condephaat e a diretoria do Metr6, cuja estagao de transbordo de passageiros naquele local estava a exigir a demo- ligdo da escola hist6rica e participe fundamental de segmento importante de nosso Patriménio Ambiental Urbano. Ali, os técnicos em transporte de massa provaram a necessidade da destrui¢aéo do monumento levando em conta nao s6 os eleva- dissimos e proibitivos custos da estagéo afastada do edificio, como também o quase que impossivel remanejamento de cabos telefénicos ali situados — motivo, aliés, de serem relembradas as razées ligadas @ seguranga nacional, 0 argumento intima- dor, Em nenhum momento sequer se tentou contrapor aqueles orgamentos o valor social do monumento. Providencial entrevista de um enge- nheiro inglés a favor da conservagao da escola, el Carlos A. C. Lemos O que é Patriménio Histérico 107 sem prejuizos da parte técnica, é que veio ajudar bastante a luta de poucos abnegados que, em acéo popular, lutaram judicialmente pela conservagdo de nossa primeira Escola Normal que, afinal, acabou sendo salva, com a estacéo Ihe envolvendo as fundagées.* Vale a pena determo-nos mais tempo neste assunto da preser- vag&o do Instituto Caetano de Campos porque ele mostra bem toda a sorte de entraves que surgem pela frente quando se ja conservar um imével que esteja atrapalhando os planos , Sempre comodistas e baseados em concorréncias piibli- cas onde na maioria das vezes o barato sai caro. O esforco coletivo ali empenhado, reunindo @ associago dos ex-alunos daquela escola, varios deputados @ intelectuais, tomara soja © primeiro de outros movimentos reivindicatérios. Assim, é de sumo interesse 0 acompanhamento das variadissimas matérias jornalfsticas que surgiram na imprensa paulista quate que diari mente durante muitos meses. Quem se interessar pela memoravel campanha popular em torno da dafesa do edificio do Instituto Caetano de Campos poderd ler, entre indmeros artigos e entre- vistos, © seguinte: "O caso da Caetano de Campos” por Carlos A.C. Lemos, in Folha de S. Paulo, p.3, de 12.10.1975; "Caetano de Campos deveré mesmo cair" in O Estado de S. Paulo, de 19.11.75; “Prefeito é contra a preservacdo do Caetano de Cam- intrevista a Folha de S, Paulo de 19.11.75, quando o Sr. Olavo Setdbal dizia:."Eu era favorével & preservagao do Instituto Caetano de Campos até saber do custo, agora, sou contra.” © engenheiro Ptinio Assman, diretor do Metré, faz depoimento sobre a necessidade de demolicfo do imével histérico no Condephaat em 3.12.75. Ver noticias sobre esse encontro no —~ Nosso pais é jovem e nos seus quatrocentos e tantos anos de vida conseguiu aqui e acolé seu acervo de bens absolutamente tipicos de uma cultura nascida de trés ragas em paisagem paradi- siaca e, no entanto, hoje tem proporcionalmente muito pouco a mostrar como lembranga represen- tativa de sua memoria por dois motivos: pelo fato de o SPHAN ter nascido pobre e muito tarde, na década dos anos trinta, e devido ao total e noté- tio descaso popular por tudo o que represente © passado morto, sendo o futuro sempre uma es- pécie de sonho dourado — inconscientemente bus- Jornal da Tarde de 4.12.75. No dia 12 de dezembro de 1975 © governador Paulo Egydio Martins manifestou-se contra o tombamento do Instituto devido aos precos altos que a estacdo ‘em nova localizagdo exigiria, ver Folha de S, Peulo dessa data. No dia seguinte, 0 prefeito dizia: “O caso do Caetano esté encerrado.” (Foiha de S. Paulo.) Assim estava a questdo quando conseguimos entrevistar pelo telefone, em Londres, 0 enge- nheiro John Whitefield que viera semanas atrés sem alarde 2 ‘Sio Paulo e pago por importante firma empreiteira para estudar © problema, e no dia 25.2.1976, na Folha de S. Paulo, saiu ‘@ manchete: “Engenheiro vé Metré na Republica e aconselha novo estudo para conservar a Praca’. Nessa mesma edicéo, no editorial “O Habito do Sigilo", 0 jornal comenta o siléncio feito sobre a vinda ¢ a ida daquele técnico ¢, principalmente, sobre a possibilidade de conservacdo do imével histérico. Novos estudos foram feitos e em maio o mesmo prefeito ja dizia: “Castano de Campos: intoctvel”, Jornal de Tarde, 28.5.76. No dia 4 de junho de 1976, 0 Secretério Max Feffer tombava © prédio histérico encerrando a questo. 108 Carlos A. C. Lemos cam todos melhoria de vida destruindo lembrancas de antigamente. Em Sao Paulo, isso foi tipico, a taipa de piléo varrida da cidade porque nao havia saudades do tempo da vida caipira, e o paulista quatrocentéo, pelas maéos de Ramos de Azevedo, com o dinheiro do café, propiciou 4 mao-de-obra imigrante a reconstrucio da cidade em tijolos. Depois, hoje, confundem Patriménio Cultural com amontoado ‘de velharias, néo sabendo que agora também estdo, enquanto vivem, a enrique- cer, ou a empobrecer, nosso elenco de bens repre- sentatives. Acham que sO 0 “bonito” ou o histé- rico é que devem ser preservados e esse “bonito” evidentemente depende de critérios subjetivos e quase tudo para quase todos é feio ou insignifi- cante. Daf a posigao quixotesca que assumiram Mario de Andrade e Paulo Duarte, que, pela primeira vez no Brasil, tiveram urna visdo cienti- fica abrangente do que fosse Patriménio Cultural. E n&o € s6 0 povo o responsdvel pelo descaso, pois a classe dirigente sempre teve cuidados com os bens de seus clas, mas permitindo adoidada a mistificacdo e a contrafacdo apoiada na linguagem antiga. Classe. dirigente que também sabe, quando Ihe interessa politicamente, ndo desagradar o elei- torado contrario a certos movimentos de preser- vagaéo de bens ligados ao Patriménio Ambiental Urbano. Quase nunca afronta a opiniéo publica, preferindo ficar em cima do muro aguardando Os acontecimentos. Politicos existem, mormente O que é Patriménio Histérico vereadores, que intercedem contra tombamentos programados, outros, por sua vez, solicitam tom- bamento de construgdes de propriedade de seus desafetos politicos para prejudicd-los, sem cogitar se a coisa é realmente merecedora, ou nao, do atri- buto. Enfim, prejuizos, s6 aos inimigos e assim mesmo quando nao haja risco de reclamos popu- lares. Todo tombamento 6 entendido como um gravame altamente prejudicial. Dai, também, o fato da maioria das preservac6es legais incidirem sobre bens de uso ptblico, ediffcios administrati- vos, pracas, jardins botanicos, reservas florestais etc., j4 que disso nao resulta reclamagado de nin- guém e as repartices encarregadas de guardar © Patrimonio ganham a imagem de bastante ope- rativas, principalmente em fins de governo. Sem duvida, tornamos a repetir, a base correta do “como preservar’’ esta na elucidacéo popular, na educa¢do sistematica que difunda entre toda a populacado, dirigentes e dirigidos, o interesse maior que ha na salvaguarda de bens culturais. Acionar com todo o entusiasmo as recomenda- gdes do Compromisso de Brasilia que pratica- mente ficaram no papel, principalmente naquilo que tange aos ensinamentos que devem participar dos curriculos minimos aos niveis primdrio e secundario. As bases tém que ser esclarecidas sobre nossas autenticidades culturais e os pequenos aglomera- dos, as pequenas vilas e cidades devem, através 109 110 Carlos A. C. Lemos de suas sociedades representativas, principalmente as “‘sociedades de amigos de bairros”, lutar pelos seus bens culturais, antigos ou novos. Primeiro, defender com unhas e dentes os bens de interesse local. Justiga seja feita, em Sao Paulo, pelo menos, meia dizia de prefeituras j4 estao tratando de pro- ‘teger seu acervo cultural, mas ndo se sabe do éxito dessas empreitadas com as proximas alteragdes nos quadros dirigentes municipais. Note-se que a continuidade de pensamento é fundamental. Esta publicagéo destina-se ao ptiblico jovem em geral, que esta acertando os seus “primeiros Passos”, e mele depositamos nossas esperancas de que, qualquer a direco em que andem, estejam sempre a olhar com ‘amor e desinteresse material as coisas nossas que estao espalhadas por af. a ee rer. INDICACOES PARA LEITURA Na verdade, a bibliografia brasileira disponivel sobre a problematica do Patriménio Cultural e sua preservacdo 6 realmente escassa — 0 tema transparece aqui e ali principalmente em artigos de revistas e em apostilas de cursos de especiali- zac¢éo. No entanto, podemos recomendar aos leitores interessados em se aprofundar no assunto alguns textos bastante interessantes, de especialis- tas diversos principalmente os artigos que constam de dois ntimeros especiais da revista C.J. — Arqui- tetura, publicada pela FC Editora, de n°s 17, de 1977, que trata dos “40 anos do Patriménio Hist6rico” e 19, de 1978, que versa sobre o ‘“Patri- ménio Cultural de Sao Paulo”. Também sao do maior interesse livros que histo- riam e tratam dos processos da preservacdo do nosso Patriménio e dentre eles acsmonchr ea) 112 Carlos A. C. Lemos O que é Patriménio Histérico 113 A ligo de Rodrigo, \ivro publicado em Recife, em 1969, pelos “Amigos da DPHAN”, Mario de Andrade por ele mesmo, de Paulo Duarte, Editora Hucitec, Sd0 Paulo, 1977; Cartas de trabalho, de Mario de Andrade, correspondéncia com Rodrigo Mello Franco de Andrade (1936-1945), publicagao da Secretaria do Patriménio Histérico e Artistico Nacional, n° 33, Brasilia, 1981. Sobre a legislagdo vigente e toda aquela anterior, inclusive sobre os projetos de lei pioneiros, princi- palmente 0 de Mario de Andrade, ler Protecdo e revitalizagao do patriménio cultural no Brasil: uma _trajet6ria, também publicado pela SPHAN, n? 31, Brasilia, 1980. A respeito das recomendagdes_internacionais que regem o assunto, dos “‘compromissos”’ assumi- dos entre nés e dos resultados de congressos que trataram das questées em volta do Patriménio Cultural, indicamos, pelo menos, quatro volumes editados pela Faculdade de Arquitetura e Urba- nismo da Universidade de Sdo Paulo em convénio com o entéo Instituto do Patriménio Histérico e Artistico Nacional, que séo: Patriménio Cultural, RecomendagGes, acordos e convengdes Unesco, UIA; Patriménio Cultural, Legislagio Federal, 1922-1945; Patriménio Cultural, Legislacio Esta- dual, Legislagéo Municipal; Patriménio Cultural, Legislagao Federal, 1945-1974. H4, também, uma publicagdo muito interessante que € 0 Documento 1 de Arquimeméria — 19 5 Encontro Nacional de Arquitetos sobre Preservagdo de Bens Culturais havido em Sao Paulo em julho de 1981. Tal publicagéo apresenta conciusdes de congressos de arquitetos e também estampa, por exemplo, os “Compromissos” de Brasilia, de 1970, e de Salvador, de 1971, a Carta de Veneza comentada neste livro, as Cartas de Machu Picchu, de Pelotas e de.Nairobi. Sobre a problemdtica do tombamento e do direito de propriedade, ler Direito Urbanistico Brasileiro, por José Afongo da Silva, Editora Revista dos Tribunais, Séo Paulo, 1981. A bibliografia estrangeira 6 bastante vasta e dentre livros que possam nos interessar recomen- damos especialmente La culture des autres, Edi- tions du Seuil, Paris, 1976, de autoria do técnico francés da Unesco Hugues de Varine, que também possui uma de suas aulas ministradas aqui em Sao Paulo publicada pela FAUUSP. Ha, também, © interessante livro de professor italiano Ambro- gio Annoni, Scienza ed Arte de! Restauro Architte- tonico — idee ed esempli, Edicioni Artistiche Framar, Milano, 1946. x BIBLIOGRAFIA ANDRADE, Mario de. Cartas de Trabalho, correspondéncia com> Rodrigo Mello Franco de Andrade (1936-1945). MEC-SPAHAN — Pré-Meméria. Publicagées da Secretaria do Patriménio Hist6- rico ¢ Artistico Nacional, n? 33, Brasilia, 1981. ANNONI, Ambrogio. Scienza ed Arte de! Restauro Archittetonico = idee ed esempli, Edicioni Artistiche Fremar, Milano, 1946. ARQUIMEMORIA, DOCUMENTO 1 do 1° Encontro Nacional de Arquitetos sobre: Preservacdo de Bens Culturais, Sé0 Paulo, 1881, BARROSO, Gustavo. "A defesa do nosso passado", in Anais do ‘Museu Histérico Nacional, vol. \V, 1943, imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1947. CERVELLATI, P.L. e SCANNAVINI, R. Bolonia — Politica y metodologia de Ja restauracion de centros histéricos, Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1976. COMPROMISSO DE BRASILIA — Publicago do Departamento de Historia da USP em convénio com Instituto de Arquitetos do Brasil, Dept? de Sdo Paulo e 49 Distrito da DPHAN (atual SPHAN), So Paulo, 1970. CONDEPHAAT — 0 Sitio urbano original de Séo Paulo ~ 0 Pétio do Colégio. Publicacéo n° 1. Sd Paulo, abril de 1977. COORDENACAO DE FOMENTO AO TURISMO. Proposta de VilorizagSo de Trés Monumentos Saianos, Salvador, Bahia, 1974, DUARTE, Paulo, Mario de Andrade por ele mesmo, prefécio de ‘Antonio Candido, 2? digo corrigida e aumentada. Editora Hucitec, co-edigéo com a Secretaria da Cultura, Ciéncia e Tecno- logia do Estado de S80 Paulo, So Paulo, 1977. LEMOS, A.C, — “Acusagéo Inatil”, in Folha de S. Paulo, p.3, ‘Sf Paulo, 17.3.76, + — “Capelas Alpendradas de Séo Paulo", in Notas sobre @ arquitetura tradicional de Sdo Paulo, publicagéo da Fac. Arg. ¢ Urb. da USP, Dept? de Historia, Séo Paulo, 1969. O que é Patrimonio Histérico LOBATO, José Bento de Monteiro. Cidades mortas, contos ¢ impressées, Monteiro Lobato ® Cia. Editores, So Paulo, 1923. 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Formou-se em arquitetura em 1950 pela Facul- dade de Arquitetura Mackenzie e em 1955 passou a lecionar na FAU da Universidade de Sao Paulo, onde se especializou em arquitetura do Brasil e na problemitica de preservagdo do Patrim6nio Cultural. Tem varios livros publicados e colabora permanente- mente na Fotha de S, Paulo. LS Caro leitor: As opinides expressas neste livro sao as do autor, podem nao ser as suas. Caso vocé ache que vale a pena escrever um outro livro sobre o mesmo tema, nds estamos dispostos a estudar sua publicagao como mesmo titulo como “segunda visGo” Lesh al ee Lk) Aisin — 341.349.1 2.2. 20.2037/00 a. L535q_ LEMOS, C. A.C. |_| — Sed. Oqueé patriménio Histérico. — __ Tl | DATA ASSINATURA DO LEITOR WV aI | Rec. n°.550 — D.0.U. 09/11/88 Port: Ree. Dr. Bacellar, 1212

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