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siete mmtaaaiaatcaai tai iaiammiaiaimaaie PSICANALISE Ie XX, afirmava que ao construir sua teoria ele nio pretendia formar convicgoes, S igmund Freud, o fundador da psicandlise na passagem do século XIX para osécu- ‘mas estimular o pensamento e derrubar preconceitos. ‘Se fosse preciso concentrar numa palavra a descoberta freudiana. essa palaura seria incontestavelmente ineonseiente, i LAPLANCKE, Le SONTAUIS JB Vecohulnnda Pcandlise, So Palo Martins Fonte, 20 | SigMUND FREUD — 0 FUNDADOR DA PSICANALISE 'As teorias cientificas surgem influenciadas pelas condigées da vida social, nos seus i aspectos econdmicos, palticas, culturais etc. Sao produtos histéricos criadlos por ho- mens concretos, que vivem 0 seu tempo e contribuem ou alteram, radicalmente, 0 de- senvolvimento do conhecimento. Sigmund Freud (1856-1939) foi ‘um médico vienense que alterou, ra dicalmente,o modo de pensara vida i psiquica. Sua contribuicdo € compa- : ravel de Karl Marxnacompreensio dos processos histéricos © sociais. Freud ousou colocar os “processos misteriosos” do psiquismo, suas “re- ides obscuras isto 6 as fantasia, os sonhos, 0s esquecimentos, a interio- tidade do homem, como problernas cientificos. A investigacio sistemati- ca desses problemas levou Freud & criagao da Psicandlise. ‘Otermo psicanilise € usado para se referir a uma teoria, a um método de investigacao e a uma pritica pro- Sjeuund Freud em seu escrtér. Viena. 1938 fissional. Enquanto teoria, caracteriza-se por um conjunto de conhecimentos sistemati- zados sobre o funcionamento da vida psiquica. Freud publicou uma extensa obra duran- te toda sua vida, relatando suas descobertas e formulando leis gerais sobre a estrutura € © funcionamento da psique humana, * A Psicandlise, como método de investigagao, caracteriza-se pelo método inter- pretativo, que busca o significado oculto daquilo que é manifestado por meio de ages e palavras ou pelas produgdes imaginarias, como os sonhos, os delitios, as associagves livres, os atos falhos. A pritica profissional refere-se 4 forma de tratamento — a andli- se — que busca 0 autoconhecimento ou a cura, que ocorre por meio desse processo de investigacao. Atualmente, 0 exercicio da Psicandlise acontece de muitas formas. E usada como base para psicoterapias, aconselhamento, orientagao; é apli¢ada no trabalho com gru- os, instituigdes. A Psicanélise tambem é um instrumento importante para a andlise ¢ a compreensio de fendmenos sociais relevantes: as novas formas de softimento psiquico, 0 excesso de individualismo no mundo contemporaneo, a exacerbagao da violencia ete. Compreender a Psicandlise significa percorrer novamente 0 trajeto pessoal de Freud, desde a origem dessa ciéncia ¢ durante grande parte de seu desenvolvimen: to, A relacdo entre autor e obra torna-se mais significative quando descobrimos que grande parte de sua produgao foi baseada em experiéncias pessoais, transcritas com rigor em varias de suas obras, como A interpretagao dos sonhos e A psicopatologia da vida cotidiana, dentve outras. Compreender a Psicanslise significa, também, percorrer no nivel pessoal a experiéncia inaugural de Freud e buscar ‘descobrir" as regides obscuras da vida psiquica, vencendo as resisténcias interiores, pois se ela foi realizada por Freud, ‘nao é uma aquisicao definitiva dahumanidade, mas tem que ser realizada de novo por cada paciente ¢ por cada psicana- lista’ (MEZAN, Renato, Freud: a trama dos conceitos. Sao Paulo: Perspectiva, 1998)). A GESTAGAO DA PSICANALISE Freud formou-se em Medicina na Universidade de Viena, em 1881, ¢ especializou-se em Psiquiatria, Trabalhou algum tempo em um laboratdrio de Fisiologia e deu aulas de Neuropatologia no instituto onde trabalhava. Por dificuldades financeiras, ndo pode se dedicar integralmente a vida académica e de pesquisador Comegou, entao, a clinica, atendendo pessoas acometidas de “problemas nervosos’ Obteve, a0 final da residéncia médica, uma bolsa de estudo para Paris, onde trabalhou com Jean Charcot, psiquiatra francés que tratava as histerias com hipnose. Em 1886, retornotta Viena e voltou a clini- ar, ¢ seu principal instrumento de trabalho na eliminagao dos sintomas dos distirbios nerVosos passou a sera sugestde hipnética Em Viena, 0 contato de Freud com Josef Breer, médico e cientista, também foi impor- tante para. continuidade das investigagBes. Nesse sentido, o caso de uma paciente de Brewer {oi significativo. Ana O. apresentava um conjunto de sintomas que a faziam softer: paralisia com contratura muscular, inibigdes e dificuldades de pensamento. Esses sintomas tiveram origem na época em que ela cuidava do pai enfermo, No periodo em que cumprira essa ta- refa, ela havia tido pensamientos ¢ afetos que se referiam a um desejo de que o pai mortesse. ssas ideiase sentimentos foram reprimidas e substituidos pelos sintomas, A-evouugio pa citncia rsicoudaica | 47 Sugestio hipnética © medicoinduz ‘opaciente um «estado aterado da consciéncia nessa concigso, investiga uma ou mais conexdes entre condutas efoventrefatose condutas que podem terdeterminado.o surgimento de um sintoma. Oméico também ineroduz vas ideas (a sugestio) que podem, pelo menos temporariomente, provocaro desapareclmento do sintoma 48 | psicoLacias No método catartico aliberacio de afetos levaa eliminacéo dos sintomas. Em sew estado de vigilia, Ana O. nao era capaz de indicar a oigem de seus sinto- mas, mas, sob 0 efeito da hipnose, relatava a origem de cada um deles, que estavan ligados a vivencias anteriores da paciente, relacionadas com o episddio da doenca do pai. Com a rememoragao dessas cenas ¢ vivéncias, os sintomas desapareciam. Esse desaparecimento nao ocorria de forma ‘magica’ mas devido a liberagao das teacoes emotivas associadas ao evento traumitico — a doenca do pai e o desejo inconsciente da sua morte. Breuer denominou método catartico o tratamento que possibilita a liberacdo de afetos e emogoes ligadas a acontecimentos traumaticos que nao pucleram ser expresses na ocasiao da vivencia desagradavel ou dolorosa. Essa liberacao de afetos leva a eliming: a0 dos sintomas. Freud, em sua Autobiografia, afitma que desde o inicio de sua pratica méclica usaraa | hipnose, nao s6 com objetivos de sugestao, mas também para obter a historia da otiger dos sintomas. Posteriormente, passou a utilizar 0 método catirtico e, “20s poucos, fo modificando a técnica de Breuer: abandonou a hipnose, porque nem todos os pacientes se prestavam a ser hipnotizados; desenvolveu a técnica de concentragic’, na qual a re ‘memoragio sistemitica era feita por meio da conversacio normal; e pot fim, acatando a sugestio (de uma jovem) anénima, abandonou as perguntas — e com elas a direcao da | sesso — para se confiar por completo 3 fala desordenada do paciente” (MEZAN, Renato, Froud: a trama dos conceitos. Sao Paulo: Perspectiva, 1998).. A DESCOBERTA DO INCONSCIENTE “Qual poderia ser a cousa de os pacientes esquecerem tantos fatos de sua vida interior e exterior.” perguntaya-se Freud. FREUD.S.Auobiogrti In: Oa compos. Ensayo NCVLLL AL CCM ‘Madre Biotore Nacia TL Td des ae) © esquecido era sempre algo penoso para o individuo e era exatamente por isso que havia sido esquecido, eo penoso nao significava, necessariamente, sempre algo rim, mas podia se referir a algo bom que se perdera ou que fora intensamente desejaclo. Quando Freud abandonow.as perguntas no trabalho terapéutico com os pacientes @ os deixou dar livre curso as suas ideias, observéu que, muitas vezes, eles ficavam embaracados, enver- gonhados com algumas ideias ou imagens que lhes ocorriam. A essa forca psiquica que | se opunha a tornar consciente, a revelar um pensamento, Freud denominou resistén- cia. E chamou de repressio o processo psiquico que visa encobrir, fazer desaparecer da Consciéncia, uma ideia ou representacdo insuportavel e dolorosa que esta na origem do sintoma, Fsses contetidos psfquicos “localizam-se" no inconsciente, ‘Tais descobertas “Co. constituiram a base principal da compreensdo das neuroses ¢ impuseram uma ro dificagde do trabalho teranéutico. Sew objetiva (..) era descobrir as repressées e suprimélas através de um juizo que aveitasse ou condenasse definitivartente 0 exeluido pela represséo. Considerarido este novo estado de coisas, dei ao método de investigagdo ¢ cura resuiltante 0 rome de psicandlise em substituigdo ao de eatartico : FREUD 5. Autabiografa, In: Ona compas Ersayos XCVLLL ALC Made Biblioteca Nueva, TL (ra. sos} A BYOLUGKO DA CiENCIA eSICOLOSICA TEORIA SOBRE A ESTRUTURA DO APARELHO Psiquico Em 1900, no livro A interpretagao dos sonhos, Freud apresenta a primeira concepcao sobre a estrutura e o funcionamento psiquicos. Essa teoria refere-se 8 existéncia de trés sistemas ou insténcias psiquicas: inconsciente, pré-consciente e consciente. + O inconsciente exprime o “conjunto dos contetidos nao presentes no campo atual da consciéncia’ (LAPLANCHE, J. e PONTALIS, |-B, op. cit). E constituldo por con- tetidos reprimidos, que nao tém acesso aos sistemas pré-consciente/consciente, pela acdo de censuras internas. Esses contetidos podem ter sido conscientes, em algum momento, e terem sido reprimidos, isto é, “foram” para o inconsciente, ou podem ser genuinamente inconscientes. © inconsciente é um sistema do aparelho psiquico regido por leis proprias de funcionamento. Por exemplo, atemporal, nao existem as nogées de passado e presente. O pré-consciente refere-se ao sistema em que permanecem os contettdos acessiveis A consciéncia, F aquilo que nao est& na consciéncia nesse momento, mas no momen to seguinte pode estar: O consciente é 0 sistema do aparelho psiquico que recebe 20 mesmo tempo as in- formagdes do mundo exterior e as do mundo interior. Na conseiéncia, destaca-se 0 fenomeno da percep¢ao, principalmente a percep¢ao do mundo exterior: a atencao, o raciocinio. -Agaisagem recratade pel fordgrafo & urn exemplo da peroepcio que ele tem de rund exterior Hen Carcier-Bressanfotografa em Nova brque (1946), ° Inialmente,o bebe sence prazerraboca siazona pare fru edepoisparso ‘ego seas Napubercade, outro so objees dedesco. Freud, em suas investigagGes na prética clinica sobre as causas eo fuuncionamento as neuroses descobriu que a majria dos persementos edesjs reprimidos reteria- isto é,na vida infantil estavam as experiéncias de carter traumatico,reprimidas, que se configuravam como origem dos sintomas atuais. Confirmava-se, dessa forma, que as ‘ocorréncias desse periodo da vida deixam marcas profundas na estrutura¢io da pessoa As descobertas colocam a sexualidade no centro da vida psiquica, ¢ ¢ postulada a cexisténcia da sexualidade infantil Essas afirmagGes tiveram profundas repercuss6es na sociedade puritana da época, pela concepgio vigente da infincia como “inocente” Os ptincipais aspectos dessas descobertas'sio: + A fungao sexual existe desde o principio da vida, logo apés 0 nascimento, ¢ no s6 a partir da puberdade como afitmavam as ideias dominantes, + Operiodo de desenvolvimento da sexualidade é longo e complexo até chegar & sexua- lidade adulta, quando as fungdes de reprodugao e de obtencao do prazer podem estar associadas, tanto no homem como na mulher. Essa afirmacio contrariava as ideias, predominantes de que o sexo estava associado, exclusivamente, a reproduc, 6 deles” (FREUD, + A llibido, nas palavras de Freud, ¢ a energia dos instintos sexuais es S..op. cit) No processo de desenvolvimento psicossexual, o individuo, nos primeiros tempos de vida, tema fungio sexual ligada & sobrevivéncia; portanto, o prazer é encontrado no pré- prio corpo. O corpo € erotizade, isto ¢, as excitagdes sexuais estao localizadas em partes do corpo, e ha um desenvolvimento progressivo que levou Freud a postular as fases do desenvolvimento sexttal em: fase oral (a zona de erotizagao éa boca), fase anal (a zona de erotizacao ¢ o anus), fase falica (a zona de erotizacao é 0 drgio sexual). Em seguida, vem um periodo de laténcia, que se prolonga até a puberdade e se caracteriza por uma diminuigao das atividades sexuais, isto 6, hd um “intervalo” na evolugao da sexualidade. Finalmente, na puberdade, é atingida a ultima fase: a fase genital, quando o objeto de erotizagao ou de desejo nao esté mais no préprio corpo, mas em um objeto externo a0 individuo ~ 0 outro. Alguns autores denominam esse periodo exclusivameente como ge- nital, incluindo o periodg falico nas organizagdes pré-genitais, enquanto outros autores denominam o periodo filico de organizacdo genital infantil No decorrer dessas fases, sucedem-se varios processos e ocorréncias. Desses eventos, destaca-se 0 complexo de Edipo, pois é em torno dele que ocorre a estruturagao da vida psiquica do individuo. Acontece entre 3 e 5 anos, durante a fase genital. No com- plexo de Faipo, a mie € 0 objeto de desejo do menino, e o pai éo rival que impede seu acesso ao objeto desejado. Ele procura entio ser o pai para “ter” a mae, escolhendo-o como modelo de comportamento e passando a internalizar as regras ¢ as normas sociais representadas e impostas pela autoridade paterna. Posteriormente, por medo da perda do amor do pai, o menino “desiste” da mie, isto é, ela 6 “trocada’ pela riqueza do mundo social e cultural. O garoto pode, entio, participar do mundo social, pois tem suas regras bisicas internalizadas por meio da identificagao ‘como pai. Esse processo também ocorte com as meninas, com as figuras de desejo e de identificacio invertidas, Freud fala em Edipo feminino. A pvoiugho on citncia rsicotécica | 52 EXPLICANDO ALGUNS CONCEITOS Antes de prosseguirmos um pouco mais com as descobertas fundamentais de Freud, é necessitio esclarecer alguns conceitos que permite compreender os dados e as in- formagies colocadas até aqui, de um modo dinamico e sem consideré-los processos mecinicos € compartimentados. Além disso, esses aspectos também sio postulagées de Freud, e seu conhecimento é fundamental para compreender a continuidade do de- senvolvimento de sua teoria, 1. No processo terapéutico e de postulagio teérica, Freud, inicialmente, entendia que todas as cenas relatadas pelos pacientes tinham de fato ocorrido. Posteriormente, descobriu que poderiam ter sido imaginadas, mas com a mesma forga e consequén- cias de uma situacao real. Aquilo que para o individuo assume valor de realidade é a realidade psiquica. Esso 0 que importa, mesmo que nao corresponda a realidade objetiva funcionamento psiquico ¢ concebido a partir de trés pontos de vista: o econdmico {existe uma quantidade de energia que “alimenta’ os processos psiquicos), o tépico (0 aparelho psiquico é constituido de um ntimero de sistemas que sio diferenciados quanto 4 sua natureza e seu modo de funcionamento, 0 que permite consideré-lo como “lugar” psiquico) e o dinamico (no interior do psiquismo existem forcas que entram em conflito ¢ esto permanentemente ativas, das quais a origem ¢ a pulsao). Compreender os processos ¢ os fendmenos psiquicos é considerar os trés pontos de vista simultaneamente A pulsao refere-se a um estado de tensdo que busca, por meio de um objeto, a su- pressio desse estado. Eros é a pulsio de vida e abrange as pulsdes sexuais e as de autoconservagao. Tanatos ¢ a pulsio de morte, que pode ser autodestrutiva ou estar dirigida para fora e se manifestar como pulsio agressiva ou destrutiva 4, Sintoma, na teoria psicanalitica, é uma produggo — quer seja um comportamento quer seja um pensamento resultante de um conflito psiquico entre o desejo e os mecanismos de defesa. © sintoma, ao mesmo tempo em que sinaliza, busca encobrir um conflito, substituir a satisfacao do desejo. Ele ¢ ou pode ser o ponto de partida da investigacao psicanalitica na tentativa de descobrir os processos psiquicos encobertos que determinam a sua formacao. Os sintomas de Ana O. eram a paralisiae os distir- bios do pensamento; hoje, o sintoma da colega da sale de aula é recusar-se a comer A SEGUNDA TEORIA DO APARELHO PSiQUICO Entre 1920 e 1923, Freud remodela a teoria do aparelho psiquico e introduz os con- ceitos de id, ego e superego para referir-se aos trés sistemas da personalidade. id constitui o reservatério da energia psiquica e é onde se “localizam’ as pulsées: a de vida ea de morte. As caracteristicas atribuidas 2o sistema inconsciente na primeira teoria, nesta teoria sio atribuidas ao id, que é regido pelo principio do prazer: © ego 60 sistema que estabelece o equilibrio entre as exigéncias do id, as exigéncias da realidade e as “ordens’ do superego. Procura “dar conta’ dos interesses da pessoa. £ regido pelo principio da realidade, que, com o principio do prazer, rege o funcionamento psiquico. E um reguledor, na medida em que altera o principio do prazer para buscar a satisfagdo, considerando as condigoes objetivas da realidade, Nesse sentido, a busca do Eros a pulséo de via; ‘Tanatos 6 pulse de morte. 32 | psicotocias Percepcio, meméria, sentimentos, ensamento:as Fungoes basicas do ego. prazer pode ser substituida pelo evitamento do desprazer. As fungdesbisicas do ego sto percepgao, meméria, sentimentos, Ppensamento. O superego origina-se com o complexa de Ealpo,a partir da internalizagio das proi- bicdes, dos limites e da autoridade. A mora, os ideais sio fungdes do superego. O con. tetido do superego refere-se a exigéncias sociais e culturais, Para compreender a constitui¢io do superego é necessirio introduzir a ideia de sen- timento de culpa. Nesse estado, o individuo sente-se culpado por alguma coisa errada que fez ~ 0 que parece ébvio ~ ou que nao fez e desejou ter feito, alguma coisa von. Siderada mé pelo ego, mas nao necessatiamente perigosa ou prejudicial ~ pode, pelo contratio, ter sido muito desejada, Por que, entdo, € considerada ma? Porque alguéin importante para ele, como o pai, por exemplo, pode puni-lo por isso. E a principal pu nigto ¢ a perda do amor e do cuidado dassa figura de autoridade. Portanto, por medo dessa perda, deve-se evitar fazer ou desejar fazer a coisa mé: mas o desejo continua por isso, existe a culpa Uma mudanga importante acontece quando essa autoridade externa ¢ intemaliza- da pelo individuo. Ninguém mais precisa Ihe dizer ‘nio” E como se ele “ouvisee” exca Proibigao dentro dele mesmo. Agora, nao importa mais a acio para senti-se culpado:o Pensamento, o desejo de fazer algo mau se encarrega disso. E nao ha como esconder desi mesmo esse clesejo pelo proibido. Com isso, o mal-estarinstala-se definitivamente no in terior do individuo, A fungao de autoridade sobre o individuo seré tealizada permanen- femente pelo superego, E importante lembrar aqui que, para a Psicandlise, o sentimento de culpa origina-se na passagem pelo complexo de Fdipo, © 20 ¢, posteriormente, o superego sao diferenciacées do id, o que demonstra uma interdependéncia entre esses trés sistemas, retirando a ideia de sistemas separados, O id refere-se a0 inconsciente, mas o ego e o superego tém, também, aspectos ou ‘partes? inconscientes. F importante considerar que esses sistemas nio existem como uma estrutura vazia, ‘mas sio sempre habitados pelo conjunto de experiéncias pessoais e particulares de cads lum, que se constitui como sujeito em sua relacao com 0 outro e ein determinadas eit Gunstaneias sociais. Isso significa que, para compreender alguém, & necessario resgatar sua historia pessoal, que est igada ahistria de seus grupos e da sociedade em que vive. Os MECANISMOS DE DEFESA ‘A peroep¢io de um acontecimento, do mundo externo ou do mundo interno, pode Ser algo muito constrangedor, doloroso, desomyanizador Para evar esee desprazer, a Besson ‘deforma’ ou suprime a realidade ~ deixa de registrar percepeces externas, afasta determinados conteridos psiquicos, interfere no pensamento, Sio varios os mecanismos que o individuo pode usar para realizar essa deformacio dla realidade, chamados de mecanismos de defesa, S30 tocessos inconscientes reali “ados pelo ego, isto &, ocorretn independeniemente da vontade ds individuo, Para Freud, defesa 6a operagio pela qual o ego exclui da consciéncia os ‘contetidos in dlesejavels,protegendo dessa forma o aparelho psiquico O go — uma instanciaa servico da tealidade externa sede dos procestos defensivos ~ mobiliza cone mecanismos, que regina plssimulam a percepedo do perigo interno, em funcao de per gos reais ou imaginérios localizados no mundo exterior A evouusko Da citnera psicoudcica | 53 Esses mecanismos so: + Recalque: o individuo “nao ve", “nao ouve" o que ocorte. Existe a supressao de tama parte da realidade. Esse aspecto que no ¢ percebido pelo individuo faz par- te de um todo e, a0 ficar invisivel, altera, deforma o sentido do todo. E como se, ao ler esta pagina, uma palavra ou uma das linhas nao estivesse impressa ¢ isso Impedisse a compreensio da frase ou desse outro sentido para o que esti escrito, Um exemplo € quando entendemos uma proibigio como permissio porque nio “ouvimos’ o “ni! © recalque, ao suprimir a percep¢ao do que esté acontecendo, €o mais radical dos mecanismos de defesa. Os demais referem-se a deformagies da realidade, + Formagio reativa: o ego procura afastar 0 desejo que vai em determinada diregio, ¢€ para isso o individuo adota uma atitude oposta a esse desejo. Um bom exemplo sto as atitudes exageradas ~ ternura excessiva, superprotecao — que escondem o seu ‘oposto, no caso, um desejo agressivo intenso. Aquilo que aparece (a atitude) visa es- conder do proprio individuo suas verdadeiras mativagoes (0 desejo), para preservé-lo de uma descoberta acerca de si mesmo que poderia ser bastante dolorosa, £0 caso da mic que superprotege o filho, do qual tem muita raiva porque atribui a ele muitas de suas dificuldades pessoais. Para muitas dessas maes pode ser aterrador admitir essa agressividade em relacio 20 filho. + Regressio: o individuo retorna a etapas anteriores de seu desenvolvimento; é uma passagem para mods de expresso mais primitivos. Um exemplo € o da pessoa que enfrenta situagies dificeis com bastante ponderaco, mas ao ver uma barata sobe na mesa, a0s berros. Com certeza, nfo é s6 a barata que ela vé na barata » Projegao: é uma confluéncia de distorgoes do mundo externo e interno. O indivi duo localiza (projeta) algo de si no mundo externo e nao percebe aquilo que foi pro- jetado como algo seu que considera indesejével. E um mecanismo de uso frequente € observavel na vida cotidiana, Um exemplo é 0 jovem que critica os colegas por serem extremamente competitivos e nao se da conta de que também o 6, as vezes ats mais que os colegas. + Racionalizagao: o individuo consir6i uma afgumentagio intelectualmente con- vincente e aceitével, que justifica os estailas “deformados” da consciéncia. Isto é,uma defesa que justifica as outras. Portanto, na racionalizacao, o ego coloca a razio a servigo do irracional e utiliza para isso o material fornecido pela cultura ‘ou mesmo pelo saber cientifico. Dois exemplos: © pudor excessivo (formacio reativa), justificado com argumentos morais; ¢ as justificativas ideologicas para ‘0s impulsos destrutivos que eclodem na guerra, no preconceito ¢ na defesa da pena de morte. Além desses mecanismos de defesa do ego, existem outros: denegagio, identifica- Gfo, isolamento, anulacio retroativa, inversio ¢ retorno sobre si mesmo. Todos nds os utilizamos em nossa vida cotidiana, isto é, deformamos a realidade para nos defender de perigos internos ou externos, reais ou imaginérios. O uso desses mecanismos nao é,em si, patoldgico, contudo distorce a realidade, e s6 0 seu desvendamento pode nos fazer superar essa falsa consciéncia, ou melhor, ver a realidade como cla é recalque, 20 suprimir {a percepsio do que ests acontecendo, 60 mais radical dos mecanismos de defese, | s4 | PsICOLOGIAS PSICANALISE: APLICAGOES E CONTRIBUIGOES SOCIAIS | A caracteristica essencial do trabalho psicanalitico é o deciframento do inconsciente ea integracao de seus contetidos na consciéncia. [sso porque sao esses contetidos desco- | inhecidos ¢ inconscientes que determinam, em grande parte, a conduta das pessoas ¢ dos . grupos ~ as dificuldades para viver; o mal-estar, o softimento. A finalidade desse trabalho investigativo é o autoconhecimento, que possibilita lidar com 0 softimento, criar mecanismos dle superagzo das dificuldades ¢ dos conflitos em diregdo a uma produgao humana mais autonoma, criativa e gratificante de cada indivi- duo, dos grupos, das instituicées, da coletividade. Nessa tarefa, muitas vezes bastante degejada pelo paciente, é necesséio que o psica- nalista ajude a desmontar, pacientemente, as resistencias inconscientes que dificultam a passagem dos contetidos inconscientes para a consciéncia ee A representagao social (a ideia) da Psicandlise ainda ¢ bastante estereotipada em nosso cusiaxtadapréprin Meio. Associamos a Psicanzlise com o diva, com o trabalho de consultorio excessivamente Eo ‘aide wnafomade longo es6 possivel para as pessoas de alto poder aquisitivo. Essa ideia correspondeu, durante : sofrimentonioimpos- muito tempo, a pritica nessa drea que se restringia, exclusivamente, ao consultério, ‘a voluncira Contudo, ha varias décadas é posstvel constatar a contribuicio da Psicandlise dos psicanalistas em vatias dreas da sai- de mental. Historicamente, é importante lembrar a contribuigao do psiquiatra e psicanalista D. W. Winnicott, cujos pro- gramas radiofénicos transmitidos na Eu. ropa, durante a Segunda Guerra Mundial orientavam os pais na criagao clos filhos ‘ou a contribuicao de Ana Freud para a Educagao; e, mais recentemente, as con- tribuigoes de Francoise Dolto e Maud ‘Mannoni para o trabalho com criancas e adolescentes em instituigdes ~ hospitais, creches, abrigos, Atualmente, e inclusive no Brasil, os psi- canalistas esto debatendo o alcance social da pratica clinica, visando tomné-la acessivel aamplos setores da sociedade. Eles também estao voltados para a pesquisa ea producao. de conhecimentos que possam ser titeis na compreensio de fenémenos sociais graves, como o aumento do envolvimento do ado- lescente com acriminalidade, o surgimento de novas (antigas?) formas de softimento produzidas pelo modo de existéncia no mundo contemporaneo ~ as drogadigoes,a anorexia, a sindiome do panico,a excessiva medicalizagao do sofrimento, a sexualiza 0 da infancia. A evoustAo Da citNcia psicoLdaica | 55 Enfim, os psicanalistas procuram compreender os novos modos de subjetivagao e de exist, as novas express0es que o sofrimento psiquico assume. A partir dessa compreen- séo e de suas observagdes, buscam criar modalidades de intervencio no social visando superar 0 mal-estar na civilizagao. Allds, o proprio Freud, em varias de suas obras ~ O mal estar na civilizacdo, Reflexes ‘para.o tempo de guerra e morte ~ coloca questbes sociais, ¢ ainda atuais, como objeto de reflexio, ou seja, nos faz pensar e ver o que mais nos incomoda: a possibilidade constante de dissociacao dos vinculos sociais, © metodo psicanalitico usado para desvendar o real, compreender o sintoma indivi ual ou social e suas determinagdes ¢ 0 interpretative, No caso da anilise individual, | material de trabalho do analista s4o 5 sonhos, as associacbes livres, os atos falhos (os, esquecimentos, as substituigdes de palavras etc.) Em cada unt desses caminhos de aces- 50 ao inconsciente, o que vale é a histéria pessoal. Cada palavra, cada simbolo tem um | significado particular para cada individuo, o qual s6 pode ser apreendido a partir de sua hist6ria, que é absolutamente tinica e singular Por isso se diz que, a cada nova situaao, realiza-se novamente a experiéncia inau- gurada por Freud, no inicio do século XX ~ a experiéncia de tentar descobrir as regibes alone obscuras da vida psiquica Sintese 1 Freud ~o fundador da Psicanilise: priticas que antecederam a formulacao da teoria psicanalitica + Descobertas que configuraram a criacao da Psicanélise; + Ostrés usos do termo Psicanslise . A primeira teoria sobre o aparelho psiquico: + Asdescobertas sobre a sexualidade infantil; + As fases do desenvolvimento sexual; + Ocomplexo de Edipo; + Realidade psiquica 2 + Os modelos do funcionamento psiquico: + Conceitos: pulsdo, sintoma, 3. A segunda teoria do aparelho psiquico: + Ométodo de investigagao da Psicanilise; + A pritica terapéutica; 4A contribuigao social da Psicanslise + Osmecanismos de defesa se | psicouocias Texto complementar Sobre o inconsciente ue significa havero inconscente? Em primero lugar.) uma certa forma de descobirsentidos, tipica da interpretaao psicanaltca, Ou sea, tendo descoberto uma espécie de ordem nas emocées das pessoas, 0s psicanalistasafirmam que hé um lugar hipotético donde elas provém, E como se supuséssemos que existe um lugar na mente das pessoas que funciona a semelhanca da interpre- tacGo que fazemos;s6 que ao contrério: ase cifra« que aqui deciframos ‘ejaossonhas, por exempla. Dormindo, produzimas estranhas historias, que parecem far sentido, sem que saibamos qual Chegamos a pensar que nas anunciam futuro, smplesmente porque pa- ‘ecem anunciar algo, querer comunicar algum sentido. Freud, tratando dos sonhos, pata do prin- Cipio de que ees diam algo e com bastante sentid. tao, porém, o futur. Decic interpreti-ls. ‘Sua técnica interpretativa era mais ou menos assim, Tomava as Varias partes de um sono, seu ou alhelo, fazia com que o sonhadorassocasse idetas e lembrancas a cada uma elas. Fi possvel descobrir assim que os sonhos diziam respeito, em parte, aos acontecimentos do dia anterior, em- ‘ora se relacionassem também com modos de ser infantis do sujeito, ‘gualmente, ele descobriualgumasregras da lica das emocdes que produz os sonhos, ejamos as mais conhecidas. om frequéncia, uma figura que aparece ns sonhos, uma pessoa, uma situ- aco, representa vérias figuras fundidas, significa isso e aquilo ao mesma tempo, Chama-se este rocesso condensacéo, e ele explica o porqué de qualquer interpretacdo ser sempre muito mais extensa do que o sonhointerpretado. Outro process, chamado deslocamento, 60 de dar 0 sonko uma importancia emocional maiora certs elementos que, quando da interprtagéo, se revelarao secundérios, negando-se aqueles que se mostrardo realmente importantes. Um detalhezinho do sonho aparece, nainterpretagd, como o elo fundamental. Digamos que o sonho, como um estudante desatento colocaerradamente o acento tOnic (emo- ional, € claro}, crando um drama diverso do que deveria narrar; como se dissesse Esqullo por esquila... Um tercero processo de formagao do sonko consiste em que tudo é representado por melo de simbolase, um quart, reside na forma final do sonho que, 2o contéro da interpretacao, ‘nao € uma histria contada com palavas, porém uma cena visual.) Do conjunto de associagdes que partem do sono, ointérpreteretira um sentido que Ihe parece razod- vel, Para Freud, e para nés, todo sonho é uma tentativa de realizaco do deseo. (..) Serd tudo apenas um brinquedo, uma charada que se inventa para resolver? No, po certo ..). ‘Apenas voc® deve compreender que o inconsciente psicanalitico néo é uma coisa embutida no undo da cabece dos homens, uma fonte de motivos que explicam o que de outra forma ficaria Poucorazoavel ~ como o medo de baratas u anecessidade de autopunicio. Inconsciente 6 nome que se d a um sistema légico que, por necessidade teérica, supomos que opere na mente das es50as, sem no entanto afirmar que, em si mesmo, seja assim ou assado. Dee sé sabemas pela interpreta. HERRIAAN, Fibie. 0 goe Pans. So Fl: Bslense eco Primes Ps), 198, A evolugho a ciéncia rsicotdaica | 57 } Atividades | 11, Quais séo 05 ensinamentos que a interpretacdo dos sonhos nos propicia? Utilizem : 0 texto complementar como referencia para essa discussio. | | 2, Com os subsidios do texto, justfiquem a afirmagéo: “Se fosse preciso concentrar em uma palavra a descoberta freudiana, essa palavra seria incontestavelmente inconsciente’. 3. Discutam a frase:“O que Joao diz de Pedro diz mais de Jodo do que de Pedro’ 4, Pesquisem e discutam textos de psicanalistas cujos objetos de analise sio fend- menos sociais atuais ou fatos do cotidiano. Esses textos tém sido publicados com frequéncia em jomnais de circulago nacional. Dois psicanalistas tém se destacado | | i | nessa producao e divulgacao: Jurandir Freire Costa e Contardo Calligaris. Para saber mais 8 Bibliografia ba: Uma boa referéncia para se iniciar um estudo da Psicanélise é 0 livro intro- dutsrio Nogées bdsicas de Psicandlise, de Charles Brenner (Rio de Janeiro: Imago, 1987), bastante utilizado pelos iniciantes @ que fornece uma visdo ampla dos fun- damentos dessa teoria. Na literatura, temos 0 livro Quando ‘Nietzsche chorou, de Irvin D. Yalom (Rio de Janeiro: Ediouro, 2004), que conta um en- contro ficcional entre Nietzsche, Freud e Josef Bauer, & Bibliografia avancada Nas Obras psicolégicas completas, de Sigmund Freud (Rio de Janeiro, Imago, 2006), esto contidas sua Autobiografia (historico das descobertas do autor) € as Cinco conferéncias (exposicao sistemética e introdutéria da teoria psicanalitica). Para consultas especificas sobre a terminologia psicanalitica, bem como as diferentes formas de conceituar o mesmo fenomeno ou processo na teoria de Freud, existe o livro de J. Laplanche e J-B. Ponta- lis, Vocabulério da Psicandlise (Séo Paulo: Martins Fontes, 2001). Esse é um livro bas- tante conceituado pelo rigor e exatidio das concepedes freudianas. Ha também a colegio Clinica Psica- nalitica, organizada por Flavio de Carvalho Ferraz (Séo Paulo: Casa do Psicélogo}, que rene publicacGes de autores brasileiros especialistas em diferentes temas da Psi- candlise. = Filmes + Freud, além da alma (Estados Unidos). Diregao de John Huston. 1962. 140 min. © filme mostra o inicio dos trabalhos de Freud em Viena, enfocando sua te- oria sobre interpretagdo dos sonhos. Mostra também a rejeicao da comuni- dade médica 4s suas ideias. + Contos de Nova York (Estados Unidos). Direcdo de Woody Allen, Francis Ford Coppola e Martin Scorsese. Walt Dis- ney, 1989, 124 min, 0 episédio “Edipo arrasado’, dirigido por Woody Allen, aborda a relacao conflituosa com a figura materna.

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