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im Ensnando a trangreir ta, O retrocesso antifeminisea que arualmente afeta a cul- tura como um todo mina'o apoio & produgio académica feminista, Visto que a produsio feminista por parte de académicas negras sempre foi marginalizada na academia, ‘marginalizada tanto em relagio & hegemonia académica cexistente quanto 3 corrente principal do feminismo, aque- las entre nde que creem que esse trabalho & crucial para ‘qualquer discussio imparcial da experiéncia negra tém de intensificar seu esforgo de educagio em prol da conscién- cia critica, Aquelas académicas negras que comecaram @ tratar de questbes de género enquanto ainda eram ambiva- lentes em telagio & politica feminista ¢ agora cresceram, tanto em sua conscigncia quanto em seu comprometimen- to, tém o dever de se mostrar dispostas a discutir publica- mente as mudancas no seu pensamento. A construgao de uma comunidade pedagégica Um didlogo Em sua introdugio & coletinea de ensaios Berween Bor- ders Pedagogy and the Politis of Culral Seudies, 8 orgae nizadores Henry Giroux e Peter McLaren slientam que os pensadores critics que trabalham com pedagogia © tém ‘um compromisso com 0s estudos culeurais dever aliar teoria e a pritica a fim de afirmar e demonstrar priticas pedagépicas engajadas na criagio de uma nova linguagem, na ruptura das fronceras dsciplinares, na descentralizacio dda autoridade e na rescrta das eas limrofes insivucio- nais e discursivas onde a politica se torna um pré-requisico para reafirmar a relagéo entre atividade, poder e luc’. Dado esse programa, é crucial que os pensadores criticos dispostos a mudas nossa pritias de ensino conversem en- tue si, colaborem com uma discussio que transponka fron- teiras crie um espago para a intervengio. Hoje em dia, quando a “diferenca” é tema quente nos circulos progres- sistas, estd na moda falar de “hibridacio” e “cruzarfrontei- ras’, mas raramente encontramos exemplos concretos de individuos que realmente ocupem posigbes diferentes den- two das estrururas ¢ partilhem idelas entre si, mapeando seus terrenos, seus winculos e suas preocupasées comuns no que se refere is pritica de ensino, in 1 Enenando rangrode [Apri do dog 6 um dos sie mai simples com aque ns, como proesores sade e pend rt or — Gee pode se oun enue pela, plo ger, pl Sse bo, el epuao profsinal © por un some a ~—™rmrté‘“ tren ¢ mulheres € ent aeademicon neon, O segundo LL ———. a L— ops Ein ob cass, prea aver tomas = ree plics das dive ence eas grupos que {segs ou deaqusdaguls momentos poderosos Ques ona so anspesan ar diengar so confon- thas a dco aontcr ea sldaiedade surge. Pech - £é; i i; Sapo apucncmente a nas feuentment el) a2 ur ra muito improvvel que ais indvduos cose fuisem o encom lm das fons, Sem es Con feccmpls eu seta que oman ods ic de pe — impose Por ies foaoe mis ccc de gue on {idlogs pins podran ser ncervengr Quo comec eta coltinea de ens er par culamenteintresada em queGona apes de gue A construe de ums comunidad pedagigca 18 ‘lo pode aver pontes de contato e camaridagem entre académicos brancos do sexo masculino (Fequentemente visto, com ou sem razdo, como representantes da incorpo- ragio do poder e do prvilégio ou das hierarquias opreso- 1a e grupos marginalizados (mulheres de todas a raga © eanias © homens de cof), Nos anos secenes, muitos acadé- micos brancos do sexo masculino se engajarem crticamen- te com meus esrtes. Peraubasme o fito de esse engaj ‘mento ser encarad com supeia ou visto meratnente como ato de apropriasio feito para levar adiante wn programa ‘oporcunista. Se realmente quetemos criar uma atmosfere cultural em que os preconcsitos possam ser questionados ¢ ‘modificados, todos os atos de cruarfronteiras devem ser vistos como vidos e legos. ns no significa que no Sejam sujetos a erfticas ou questionamentoscritcos ou que no haje muias cases em que a entrada dos poderosos nos terttéros dos impoteates serve para perpetuar as e- mutans exstents. Esse sso, em tltima anise, € menos ameagador que oapego ¢0 apoio continuos as sistemas de dominacio exisentes, parccularmente na medida em que aferam o ensino, como ensinamos €o que ensinamos Para proporcionar um modelo de posibildade, deci ime engajar num didlogo com Ron Scapp, um filsofo,ca- marada e amigo branco do sexo masculine. Ar hd pouco tempo cle lecionavano deparamenco de sofa do Queens College, em Nova York, wabalhava como dirtor do Cal- lege Preparatory Program” da School of Education, sendo ‘rogama qe prepa alunos do ensio bli par oingrano maf culdade (8.407) v6 Enanando a racgrede autor de um manuscrito intivulado A Question of Voice: ‘The Search for Legitimacy. Ataalmente, é diretor do Pro- sgrama de Pos-Graduacio em Educagio Muldicultaral Ur bana no College of Mount St. Vincent, também em Nova, York. Conheci Ron quando fui ao Queens College acom- panhada por doze alunos que estavam fazendo 0 seminsrio sobte Toni Morrison que dei no Oberlin College. Fomos a tuma conferéncia sobre Morrison em que cla falou ¢ eu também dei uma palestr, Minha perspectiva critica sobre ‘obra dela, especialmente Beloved, nio foi bem recebida. ‘Quando eu estva saindo da conferéncia, rodeada pelos alunos, Ron se aproximou e partilhou seus pensamentos sobre minhas ideas. Esse foi o comego de um intenso in- tercimbio erftico sobre o ensinar, 0 escrever, as ideias ¢ a vida. Queria incluie aqui esse didlogo porque ocupamos posigées diferentes. Embora Ron seja branco e do sexo rmasculino (duas posigées que Ihe conferem poderes ¢ pri- vilégios especficos), tenho lecionado principalmente em. instituig6es particulares (consideradas mais presigiadas {que s instiruigdes extatais onde n6s dois lecionamos atual- mente), tenho grau hierérquico mais alto e wenho mais prestigio. Ambos somos de origem trabalhadora. Ele tem suas rafzes na cidade, eu tenho as minhas na América rural ‘Accompreensio ¢ apreciacio de nossa diferentes posigBes foram estrururas necessrias para a construgio de solidarie- dade profisional e politica entre nés, bem como para a criagio de um espago de confianga emocional onde pos- sam ser alimentadas a intimidade ¢ a mitua considerasio, ‘Ao longo dos anos, Ron eeu tivemos muitas discuss6es sobre nosio papel de pensadorescrticose professores uni- ‘A construe de uma comunidad pedagigca 77 ‘ersitérios, Assim como eu tive de confiontar crticos que consideram meu trabalho “no académico, ou no sufi cientemente académico”, Ron teve de lidar com extcos ‘que se perguntam se 0 que ele faz €“flosofia de verdade”, ‘especialmente quando ele cita minhas obras e a de outros ppensadores que nfo tiveram formagio tradicional em filo- sofia. Nés dois somos apaixonadamente comprometidos ‘com o ensino. Nosso interesse comum em que o papel do prosvor ado xe devoid ae pone de puia der ta discusso, E nossa esperanga que ela produza muitasdis- ‘eussbes semelhantes: que la mostre que os homens bran- cos podem mudar,e efeivamente mudam, 0 modo como pensam e ensinam; e que as interagBes que transpBem nos- sas diferengas © as levam em conta sejam significaivas © entiquesam nossas préticas de ensino, nosso trabalho aca- démico e nossos hébitos de ser dentro ¢ fora da academia, ball book: Ron, vamos comesar filando sobre como nos ‘vemos como professores. Um dos modos pelos quais «ste livro me fez pensar sobre o meu proceso de en- sino é que sinto que meu jeto de ensinar foi funda tmnalente ind peo dems eq rido ser académica. Por isso, nunca me imaginei como professora universitiia antes de entrar na sala deaula. Acho que iso ¢ sgnifcativo, pois me liberou para sentir que a professora universiiria€ algo em ue vou me tomnando, ¢ nio uma espécie de identi dade jéestrururada que levo comigo para a aula Ron Scapp: De modo semelhante, mas tlvez um pougui- tho diferente, nfo é que eu nfo queria ser professor Be Ensiande 8 ranegrecie ex nunca penici no assunto. Matos amigos meus sequer terminaram 3 fculdade~ alguns nto fam nem oensino médio ~e no exit ee negécio de encarar & eicoa como wma cara profisional. ‘Acho que vc! nio queter ser profsors snivrsiciia signifcava que nfo queria em identiicagto profis- Sional como tal, Eu sequer pensive sobre io. Mas, como voct disse, eu também no. Quer dize, como jovem negra no Sul segregado, eu pensava~€ reas pais pensavam ~ que et volta iquele mundo sera professors na ecole pblice, Mas nunca ocot- reuaidea de que eu pudese ser profesor univers tira pois, para falar averdade, nds no enhamos ou ‘ido flr de nenhuma profsora universicia nega. De modo diferente, mas semthanee, meus pais, de clase trabalhador, vam a educa na verdadecomo tum meio para un fim © nfo como o fim em si Quando alguém fra Faculdade, ra para ser advogs- do ou metic, Para les, ers um meio de melhorar a condigio econdmica. Nio que eles desprezassem of profesoresunivesitris:é que 2 unversidade nao ra uma profs. As pessoas estdavam para gonhar dinhcito,ganhar a vida, fier fai. Hi quanto tempo voce ensina? Comecei no LaGuardia Community College quan- ddo me formei no Queens Coleg, em 1979, Exava no departamento de suprimenco de abiidads bast Gas, Détamos alas deleiturae inglés para psi as defciéncas dos alunos. E depois vet se doutorow em filosofa? ‘A consruco de uma comuniddepedagéeca 79 RS: Poi. Por iso, eu dava aulas enquanto fazia @ pés- -sraduagio, Desde 1979 que estou envalvido com o ensino em tempo parcial ou integral. Isso & quanto? Quatorze anos? bb: Fu ensino desde os 21 anos, Na pés-graduagio, dava ‘meus cursos sobre literacuraafro-americana e sobre a ‘mulher afto-americana porque tinka interesse em f- 2er isso © havia um grupo de alunos dispostos a fazer cesses cursos. Mas s6 fui obter meu doutorado bem ‘mais tarde, embora jéestivesse na sala de aula. Vejo que jé estou nas salas ce aula das faculdades ha 20 anos. F interessante que voc! ¢ eu tenhamos nos co- nnhecido quando levei meus alunos do Oberlin para ‘uma conferéncia no Queens. Acho que parte do que ros uniu foi um interese, evidenciado pela minha palestra, nfo 56 pelo trabalho académico que fazia- ‘mos em sila de aula, mas também pelo modo com {que esse trabalho académico nos afeta fora da sala de aula, Passamos anos depois do nosso encontro discu- ‘indo pedagogia © ensino; uma das coisas que nos vvincularam é que nds dois temos verdadeiro inceres- se pela educagio como pritica libertadora e pot es tratégias pedagégicas que possam servir mio 6 para ‘nossos alunos, mas cambém para nés. ‘RS: Com certeza. Esse também é wm bom jeito de com- preender ou descrever o modo como eu, na verdad, passe a me sentir cada vez mais & vontade no papel de professor. ‘bh: Quero volta 4 ideia de que, de algum modo, foi 0 fato de eu nao ter investido na nogio de professora Ensnando a trangrer niverstria ou académica como definigio da mi- ‘ha identidade que me deixou mais disposta a ques- tionar e interrogar esse pape. Se talver olharmos para onde eu realmente vejo minha identidade, que, tna maioria das vees,é a de excritora, quem sabe et feja muito menos flexivel ao imaginar esse pritca jque quando me vejo como professora. Sinto que me benefice! muito por nlo ser apegada a mim mesma como académica ou professora universittia, Isso me deixou mais dsposta a citicar minha pedagogia ea acetar critcas dos alunos e de outras pessoas sem sentir que questionar © modo como dou aula equi- vale, de algum modo, a questionar meu direito de stn plane Sino qu ua ds cos i ppedem muitos professores de questionar suas préti- as pedagégicas € 0 medo de que “axa ¢ minha iden tidadee ido poso quetioné-a”. Estivamos falando sobre o direcionamento profis- sonal ~ essa expresso talver. seja canhestra ~ uma rentativa de chegar numa sensagio de votasao. Fala: mos sobre a diferenga entre vero titulo de profesor “universcrio, ou mesmo de simples professor, como ‘uma mera ponte profssonal como os de advogado fou médico, um termo que nas nossas comunidades de classe trabalhadoratraziaprestigio ou acescentar ‘a importincia& pessoa que jf éramos. Mas, como professores, acho que a0 longo dos anos nossa prin Cipal preocupacio tem sido a de afirmar quem nds somos por meio da transagio de estar com outras pessoas na sala de aula e realizar algama cosa al by ‘construe de ums comunads pecagSeia 8h [Nao simplesmente transmit informagio ou fazer declaragbes, mas trabalhar com as pessoas. “Agora hi pouco estivamos falando de como nos apresentamos fsicamente naquele expaco, entrando rele vindos da comunidade. ‘Uma das coisas que eu estava dizendo € que, como mulher nega, sempre tive aguda consciéncia da pre- senga do meu corpo nesses ambientes que, na verda de, nos convidam a investir profundamente numa cisio entre mentee corpo, de tal modo que, em certo sentido, voctesté quase em conflto com a estrutura existente por ser uma mulher negra, que professora, quer aluna. Mas, se vo quiser permanecer ali, pre- cis, em certo sentido, lembrar desi mesma— porque Jembrar de si mesma é sempre ver asi mesma como ‘um corpo num sistema que nfo se acostumou com a sua presenga ou com a sua dimensio fisica, Do mesmo modo, como professor universtiio bran- 0 de winta € rantos anos, também tenho profunda ‘onsciéncia da minha presenga na sala de aula, dada a histéra do eorpo masculino ¢ do profesor do sexo rmasculino, Precso ser sensivel & minha presenga na histeia que me levou a ali e preciso critica. Mas isso écomplicado porque tanto voo? quanto eu somes sensiveis—e talver até desconfiados — diance daqueles {que parecem fugir de uma conseiéncia real, avez ra dlical, do corpo ese refugiam numa cso entre mente « corpo muito conservadora. Alguns colegas do sexo maseulino se escondem por tris disso, repimem scus ‘orpos no por deferéncia, mas por medo. bh: Ensnando a wansgredi I € interessante que & nesses espagos privados onde corte 0 assédio sexual — em escritrios ou outros tipos de espagos-— que ¢ preciso sofrera vinganga dos ‘optimidos. Mencionamos Michel Foucault como ‘um exemplo de alguém que na teoria parecia desaiar ‘esas oposig6es bindrias e cisdes simplistas entre mente © corpo, Mas, na sua pritica de vida como professor, ele fzia claramente uma separagio entre 0 tspago onde se via como intelectual praticante — ‘onde nio s6 se via como pensadorcritico, mas tam- ‘bém era visto pelos outros como pensador critico —e ‘ espago onde era corpo, Esté muito claro que 0 espa- ‘90 da alta culeura era onde sua mente estava, 0 es paco da rua eda culeura de rua (e da cultura popular a cultura marginalizada) era onde cle sentia que mais podia se expressar dentro do corpo. Dizem que ele declarou que o lugar onde se sentia sais livre cram as saunas de Sdo Francisco. Talvez nfo haja tanta divisio e duslismo em seus escrtos, mas, pelo que sei ~ nunca rive aula com ele ~, ele levava ‘muito a sétio a pose do intelectual francés tradicional. Do intelectual francés branco do sexo masculino. E imporeante voc? e eu acrescentarmos iso, pois nio somos sequer capazes de cea, de improviso, o nome de algum intelectual frances negro do sexo masculi- no, Isso apesar de sabermos que eles dever existits ‘como o resto da Europa, a Franca jé nfo é exclusiva- ‘mente branca. ‘Acho que um dos inctmodos silenciosos que r0- deiam 0 modo como um discurso sobre raga e géne- ‘A construo de uma comunidade pedagsgct ss ro, le soci prin seal perurbou a acade- mma €cxataente odes ae cio ene mens Cope. Quando comeramoe far msl de sla Sobre o compo, sobre como vivemos no corpo, ex mms automatcamentedesaiando 0 mado come o Pode orquetou nese cpu insacionaizade {Em patil A soa mais poderosa em opie gio de nga o proprio corpo, Lembo que a ge dao, aha profesor bancs do sexo mass. lino que wav sempre o mesmo pale de need mesma cama amass ou cis que o valk mar todos ns sablamos que dabamos de fing. Nonea Pools coments ses iment de pina fia sna de earéci inloctal da nose pare A ueno er que todon ns thams deeper fo deel cotar al para er una mene no um corp ‘Algunas pensar faminisas ~ a das gue mmc vém i mente net content so, curiosamente tslacanana Jane Gallop Shoshana Flan tents fam acrever brea presen do profesor como car po nasal de aula presenga do profesor como a fuém que tem eco wal sobre 6 desenvavimento Go ano, nao somente meio inlet nas tum eo sobre comes sn prebe «read foradasaa de aul Todas essas coisas pesam sobre os ombros de qual- quer pessoa que leve a séxio a histéria do corpo de conhecimento personificado no professor. Esiva- ‘mos mencionando como, de certo modo, nosso tra- Dalho leva nosso eu, nosso corpo, para dentro da sala § Ensnando a wangreir de aula. A nosdo tradicional de estar na sala de aula adem professor atris de uma escrivaninha ou em. péA frente da clase, imobilizado, Estranhamence, isso lembta o corpo de conhecimento firme e imével ‘que integra a imutabilidade da prépria verdade. E. ddaf que sua roupa estd suja, suas calgas estio mal ajustadas ou sua camisa est4 amarfanhada? Enquan- to amente ainda estiver funcionando com elegincia ce eloquencia, € isto que se deve apreciar. [Nossa nosso romfntica do professor estd amarrada a uma nocio da mente transiiva, de uma mente que, fem cetto sentido, esté sempre em conflito com 0 ‘corpo. Acho que uma das r1aBes pelas quais todas as pessoas nesta cultura, € 0s alunos em geral, endem a ‘yer os professoresuniverstirios como gente que no ‘rabalha é com certeza essa sensacio do corpo imé- vel, Parte da separagio de classes entre o que nés f- zemos ¢ o que 2 maioria das pessous nesea culeura pode fazer (servgo, trabalho, labuta) & que elas me- ‘xem o corpo. A pedagogialibertadora realmente ex ie que o professor crabalhe na sala de aula, que tr balhe com os limites do corpo, trabalhe tanto com cesses limites quanto através deles e contra cles: 08, professores alvez insistam em que nfo importa se ‘yoo! fica em pé ates da tibuna ou da escrivaninha, ‘mas isso importa sim. Lembro, no comego da minha atividade de professora, que na primeira ver em que tentei sar detrs da escrivaninha fiquei muito nervo- sa, Lembro que pensei “Isto tem a ver com 0 poder. [Realmente sinto que tenho mais ‘controle’ quando ‘A construg de uma comunidde pedagtsca 1s estou atrés da tibuna ou atris da esrivaninha do {que quando caminho na ditego dos alunos, fico em pao lado dees, 8s vezes até encoetonees.” Revonlhe- ‘zt que somos corpos na sala de aula fo imporeante para mim, especialmente no esforgo para quebrar @ nogéo do profesor como uma mente onipotent, Quando voc sida ibunae caminha, de repente 0 seu cheto, 0 seu eito de se movimenta fam evi- dentes pars os anor. Além disso, voct leva consigo um certo tipo de pocencial,embora nfo sea garanti- do, para um cero tipo de rlagio face a face e de respeito por “o que eu digo” e “o que woo! diz’. O aluno co professor olham um paraooutto. E quan do nos aproximamos fsicamente, de repence 0 que digo nfo vem mais de tis dessa linha invstve, desea ‘muralha de demarcasso que implica que tudo 0 que vem deste lado da escrivanina ¢ ouro, é a verdade, ‘ou que tudo o que se diz fora de I é algo que eu te- rho de avaliat, que minha tnica reasso possvel & dizer “muito bem", “corres” e assim por diante. A medida que as pessoas se deslocam, se toma mais cvidente que nés mebalbamos na sala de aula. Alguns professores, especialmente os mais velhos, desejam. sgozar do privilégio de dar aimpressio den taba Iae em sila de aul. Isso por si mesmo & esranho, smas é especialmente irdnico pelo fato de os mem- bros do corpo docente se ccunizem fora da sala de aul alae sem parar sobre o quanto tio tendo de tabalbar, RS: Ensnando a ensgredi © arranjo corporal de que estamos falando desenfa- tiza a realidade de que os professores universtirios cstdo na sala de aula para dar algo de si para os alu- ros. © mascaramento do corpo nos encoraja a pen= sat que estamos ouvindo faros neuttos ¢ objetivos, fatos que ndo dizem respeito & pessoa que partlha a informasio. Somos convidados a transmisirinforma- Ges como se elas nko surgissem através dos corpos. Significativamente, aqueles entre nds que esto ten- tando crticar os preconceitos na sala de aula foram obtigados a volear 20 corpo para falar sobre si mes- ‘mos como sujeitos da histéria. Todos nés somos su- jeitos da histéri. Temos de volear a um estado de jresenga no corpo para desconstruir e modo como o poder tradicionalmente se orquestrou na sala de aula, negando subjesividede a alguns grupos e facul- tando-a a outros, Reconhecendo a subjetividade e 0s Jimites da identidade, rompernos essa objetificagio to necessiria numa cultura de dominagio. por Jsso que os esforcos para reconhecer 2 nossa subjeti- vidade e a subjetividade dos nossos alunos geraram uma critics e uma reagio to ferozes. Embora Dinesh D'Souza e Allan Bloom apresentem essa critica como sendo fundamentalmente uma critica das ideias, ela também & uma erftica de como essas dias sfo sub- ‘vertidas, rompidas e desmontadas na sala de aula. Se os professores levam 0 corpo discente a sério € tém respeito por ele, io obrigados a reconhecer que estamos nos drigindo a pessoas que fazem parte da bhistéria. E alguns deles vém de uma istéria que, se ‘A constrgio de ums comunithds pedagiice ir for reconhecide, pode ser ameacadora para os modos cstabelecidos do saber. Isso vale especialmente para 0s professores, universiciros ou outros, que, na sala de aula, se encontram face a face com individuos que ‘do veem nos bairros onde moram. Nos ambientes tuniversitérios urbanos, por exemplo, no meu pré- prio campus, um bom nimero dos profesores no ‘mora na cidade de Nova Yorks alguns no moram ‘nem no estado de Nova York. Moram em Connecti- ‘cut ou Nova Jérsei, ou em Long Island. Muitas co- ‘munidades onde eles moram so extremameute iso- ladas e ndo refletem a mistura racial de pessoas que sstio no campus. Acho que € por iso que muitos desses professores se consideram liberais embora mantenham uma postura conservadora na sla de aula. Isso parece especialmente verdadeiro no que se refere is questbes de raga. Muitos querem agir como se rasa nao importasse, como se esivéssemos aqui pelo puro interesse mental, como se a histéria no importasse mesmo que vocé tenha sida prejudicado, fu seus pais tenham sido imigrantes ou filhos de imigrantes que crabalharam por quatenta anos e io tém nada, O reconhecimento desses fatos deve ser suspenso; ea explicagio desse mascaramento é aque- la Iogica que diz: "Aqui fazemos ciéncia, aqui faze- ‘mos histéria objetiva,” fascinante ver como 0 mascaramento do corpo se liga ao mascaramento das diferengas de clase e, mais importante, «0 mascaramento do papel do ambiente luniversitirio como local de reprodusso de uma clas- bh: Ensinande a wangredr se prvilegiada de valores, do elmo, Todas esas ‘quetessio desmascaradss quando a cvilizagio oc- dental ea formacio de seu none si questionadas e rigorosamente interrogadas.E exatamente so que os académicos conseradores consideram ameagador =r posibildade de que esas ericas desmoncem a iden bargucsa de “profesor univeniero”e de que, como consequénca, x nogGex da nossa imporincia do nosso papel como profesores na sla de ala te- fnham de ser fandamenealmente modifcadas. En- quanto esrevia os ensios dest lo, x pensvacon- dinuamente no fato de conhecer tants profesor ‘niversiirios que so politicamene progress, que tiveam a disposiio de mudar os cures de seus turos, mas na verdade se ecusram resolutamente & muda anarurec das piticapedagéica. Muitos desser profesiores universiirios no tém consciéncia de como se conduzem na sala de ala. ‘Um profesor pode até apresentar as obras que voce cecreveu, por exemple, ou as de intelecrsis de ou- tos grupos sub-tepresentados na academia: mas le ‘ai cabathareses tvs, vai eabalha as ideas que tlespartilham, de modo a dara enender que no f- fal nio hi difeenca ener esas obras ess obras mais onservadoras escrtas por pessoas privegiads em mnatéria de cst, raga on genero “Também é muito imporeante econhecer que os ro- fessores podem tentardesconsrie ax parcilidades ttadcionas a0 mesmo tempo em que partlham es- Sas informagbes por meio de uma posta corporal bh | contrugio do uma comunidaepodagouce a8 tum tom de vor, uma escolha de palavras perpenuam as préprias hierarquias © parc que ext crtcando, Exatamente. O problema é esse. Por um lado, a re- petigio de toda aquela tradigios por outro, qual 0 feico dela sobre o texto apresentado? Parece mais seguro apresentar textos muito radicais como outros tantos ivos a seem acrescentados is lita tadicio- nais~ ao cinone jf exisente. (0 exemplo que me vern & mente &0 da professora branca de inglés que esté mais que disposta a in- cluieToni Morrison no programa de su curso, mas nndo quer diseuir a questio da raga quando fala do livro Véiso como uum questionamento muito mais ameagador do sentido do ser professor do que 0 apelo pela mudanca do curiculo, E rem razdo de considerararrscado o apelo pela mudanga das = cwarégias pedagégicas. E certo que os professores que fencam institucionalizar prévicas pedagégicas progresistas corzem o risco de set avo de eritcas aque buscam deracreditélos E verdade, Os professores univenstirios que efetiva- mente evocam a necessidade da madigio poderiam falar sobre ela de mancira diferente. Tradicio deveria ser uma palavra maravlhosa, ura palava ica, Mas ¢ frequentemente usada num sentido negativo para repetir a tradigio do poder do stats quo. Poderia- sos celebrar a tradicfo dos professres que criaram tum curiculo progresita, Mas ess eadigfo nunca é cicada nem valorizada; mesmo quando se leem tex- Ensnando a tangredr tos radicais, as pessoas sentem necessidade de faé-lo cde maneita a validar os estudos académicos em cujo contexto foram educadas. Fle no conseguem largar ceases estudos. Mesmo quando leem certas coisas na sala de aula, essas coisas tm de ser apresentadas, no fim das contas, de modo que nio parecam incompa- ‘iveis com tudo o que veio antes. Mas aimporcincia ‘€0 impacto de uma obra de Toni Morrison, ou sa, fo desvalorizados se a obra nfo for ensinada de um jelto que vai contra 2 corrente. Hoje em dia, nas aue las de flosofia, obras sobze raga, etnia e gnero sio tusadas, mas no de um jeito subversive. Sio utiliza- cas s6 para atualizar superfcialmente o curriculo, Esse apego ao passado é determinado pela crenca profunda na Iegitimidade de tudo 0 que veio antes. Or professores que tém essa crenca realmente tém dificaldade para fazer experiéneias e artiscar o seu corpo ~ a order social. Querem que a sala de aula seja como sempre foi. Quero reterar que muitos professores que no tm dificuldade para abrir mio das ideias velhas © de abragar novos modos de pensamento podem ainda set tio resolutamente apegados as velhas maneiras de _praticaro ensino quanto seus colegas mais conservar ddores. Essa questio ¢ crucial. Mesmo aqueles entre ings que fazem experitncias com priticas pedagégi- cas progressstas tém medo de mudar. Conscience de ‘mim mesma como sujeto da histéria, membro de um ‘grupo marginalizado e oprimido, vitimada pelo r2- cismo, sexismo ¢ elitismo de classe institucionaliza- ‘A constrgio de uma comunidade pedagipct 1 dos, eu tinka um medo terrivel de que meu ensino viesse a reforgar essa hierarquias. Mas eu nio tinha absolutamente nenhum modelo, neahum exemplo de 0 que significaria entrar na sala de aula ¢ ensinar de modo diferente, O impulso de expetimentar pri- ticas pedagégicas pode no ser bem recebido por alunos que frequentemente esperam que ensinemos dda maneira com que eles estio acostumados, O que quero dizer é que ¢ preciso um compromisso forts- simo, uma vontade de lutar de deixar que nosso tra- batho de professors reflta as pecagogias progresis- tas. Cerra critica as pedagogias progresistas chega até nés nfo somente de dentro, mas também de fora Bloom ¢ D'Souza aleancaram um pblico de massa « conseguiram dar uma impresséo distorcida da pe- dlagogia progresssta. Considero assustador que a mi- dla tenba passado ao pablico a ideia de que realmen- tehouve uma revolusio na educagio onde 0s brancos conservadores do sexo masculino pastaram a ser completamente desacreditados, quando na verdade sabemos que pouca coisa mudou, que somente um ppequeno grupo de profescores defende a pedagogia progresssta. Habitamos insttuigSes reais onde pou- |quisimas coisas parece ter mudado, onde hé pouguis- simas mudangas no curriculo, quase nenbuma mu danga de paradigma, ¢ onde © conhecimento © a informagéo continuam sendo apresentados da ma- ‘neira convencionalmente aceita. Como voce estava dizenda hé pouco, os pensadores conservadores conseguiram apresentar seus argu- bh Ersnando a eansgredir mentos fora da universidade echegaram até persu- adios alunos de que a qualidade da educaao dees vai diminur se forem feitas madangas. Acko, por xemplo, que mite akinos confundem a fala de formalidade tradicional reconhecivel com uma falta de veriedade {© que mais me mete medo € que a erica nega da pedagogia progress nos afea~ far com que os professoresrenhara medo de muda, de exprimen- far novasestracfgias. Muitas profesioras univers tiasfeminias, por exemplo, comegam a carrie ttabalhando para insticacionalizar pris pedags- ties mais radicsis; mas, quando os alunos parecem fio “Tespeitar sua autoridade’, clas sete que esas Priticas io dfeiaosasc indignas de confanca € Yoltam as prtics radicionss. claro que deveiam ‘aber de antemio que os alunos edacados de mane ta mals convencional se seniiam ameacados ¢che- fgatam até acess a priticas de ensino em que insste que os alunos parcipem de sua elucasio € no scjam consumidores passives. E bastante dificil comunicar iso 208 alunos, pois muitos dele esti convencidos de que no poder. responder aos apelos pars que parcipem na sala de fla. Ji foram formados para se ver como desprovi- dos de autordade,desprovids de legvimidade, Re- ‘onhecer a responsiblidade dos alunos pelo proces- so deaprendizad ¢deposiéla onde, as olhos dels prdpros, ela € menos legtima, Quando tentamos Idara sla de aula para promover a nosio de wma ‘A construcio de uma comunidade pedailcs responsabilidade recfproca pelo aprendizado, os alu- nos ficam com medo de que vocé deixe de ser 0 ca- piitio que trabalha com cles e passe a ser apenas, no fim das contas, mais um membro da eipulasio ~ als, um membro no muito confidvel, Para educar para a liberdade, portanto, temos que

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