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BANCA EXAMINADORA
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Profª Drª. Bárbara Breder Machado - UFF
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Profª Drª.Tainá dos Santos Oliveira - UFF
3 CONCLUSÃO.......................................................................................................................26
REFERÊNCIAS........................................................................................................................27
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1 INTRODUÇÃO
Anterior da minha trajetória acadêmica, existe uma trajetória pessoal-ancestral-
familiar marcada pela violência racista e misógina sob nossos corpos. Esse trabalho pretende
discorrer sobre a violência de gênero que não só marcou minha vida, mas que continua
marcando e ceifando a vida de muitas mulheres negras. Mulheres que são ditas loucas,
mulheres que enfrentam manicômios sociais e institucionais, mulheres que não puderam e
muitas outras que continuam não podendo falar de si mesmas enquanto sujeito.
O presente trabalho propõe refletir sobre a ausência do debate acerca das questões de
raça e gênero no âmbito da reforma psiquiátrica brasileira. Partindo da experiência do Estágio
Supervisionado na Rede de Saúde Mental no município de Campos dos Goytacazes localizada
no interior norte-fluminense do Rio de Janeiro, orientado pela Prof. Dra. Bruna Brito na grade
de formação em psicologia da Universidade Federal Fluminense. O percurso neste campo
deu-se de Março/2018 a Dezembro/2018, nele chamou a atenção o fato de que no território e
nos serviços o racismo e a violência de gênero estavam ausentes tanto nas reuniões de equipe
da rede quanto nos espaços deliberativos da Política Nacional de Saúde Mental, onde
aparecem timidamente em relação aos demais temas de debate.
Os caminhos percorridos nesse trabalho, desejam escrachar para a luta antimanicomial
brasileira de que os usuários atendidos pelos serviços substitutivos ao manicômio, tem raça e
gênero, portanto, não são apenas “usuários”, a luta antimanicomial precisa ser antes de tudo,
antirracista, procura-se, então nesses escritos, racializar o debate sobre as Políticas Públicas de
Saúde Mental.
Procurar dar voz ao sofrimento de quem sempre foi silenciada, ocultada e violentada.
A partir de tais observações feitas no campo de estágio em Saúde Mental, deu-se conta de que
mulheres negras ditas loucas sofrem uma soma de preconceitos que resultam em violências
cotidianas nos espaços que transitam.
Segundo Cândida Beatriz Alves e Polianne Delmondez (2015), deve-se considerar
que as hegemonias só existem a partir da negação do outro. No caso desse trabalho, pretende-
se expor que esse outro são as mulheres negras. É necessário escrachar profundamente os
padrões de supremacia ao investigar as questões inerentes que percorrem na vida das
mulheres negras. O racismo que essas mulheres vivem tem sido arquitetado pela lógica
escravagista, o resultado disso, são incontáveis violências institucionais e simbólicas sofridas
por essas mulheres, -silenciamentos, femínicidios, manicômios e prisões- nas quais iremos
expor ao longo desse artigo.
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O CAPS III é um dispositivo 24 horas que consta com até 5 vagas de acolhimento a
pessoa de qualquer idade que considerem está em crise por qualquer instância que esteja
causando sofrimento psíquico. (BRASIL, 2018).
capim, também apanhavam e eram violentados fisicamente, inclusive as mortes dos pacientes
ocorriam devido a essas violações físicas e também por frio, fome ou doença. Os
eletrochoques que fazem parte do tratamento para dita loucura no manicômio, eram tão fortes
que a sobrecarga acabava derrubando as redes do município. (ARBEX, 2013).
Sendo assim, é importante ressaltar que o hospital psiquiátrico não é um espaço
terapêutico, inclusivo e de cuidado, é um ambiente avesso pelo o que se entende enquanto
Direitos Humanos.
Tais pontos da história como raça e gênero são de extrema relevância para que seja
levado em consideração quando se fala e faz luta antimanicomial. Para explanar essas
afirmativas utilizaremos a história de Sônia, mulher negra, - como mostram as imagens do
livro- que passou pelo Hospital Colônia de Barbacena no qual sofreu por ser mulher e preta.
Rejeitada aos onze anos por fazer molecagem na rua, em Belo Horizonte, foi
despachada para o hospital pela polícia. Antes, porém, apanhou muito de “uma dona
aleijada” com quem morava, sendo obrigada a cozinhar, mesmo sem altura
suficiente para alcançar o fogão. Para conseguir mexer as panelas, precisava subir
num banquinho. Embora tenha aprendido a preparar um bom feijão com arroz,
pegou birra da cozinha. A história de Sônia foi construída dentro do Colônia. Sua
verdadeira data de nascimento é desconhecida. Por isso, o dia, mês e ano de seu
aniversário são estimados: 28 de julho de 1950. No documento de identidade da
antiga paciente, retirado quarenta e cinco anos depois do seu provável nascimento,
Barbacena aparece como local de origem, embora o município não seja sua cidade
natal. É como se ela tivesse aparecido no mundo sem que alguém a parisse. Sônia
cresceu sozinha no hospital. Foi vítima de todos os tipos de violação. Sofreu
agressão física, tomava choques diários, ficou trancada em cela úmida sem um único
cobertor para se aquecer e tomou as famosas injeções de “entorta”, que causavam
impregnação no organismo e faziam a boca encher de cuspe .. (ARBEX, 2013, p.
45).
Ao longo da experiência de estágio no CAPS III pode-se deparar com outras mulheres
negras que partilham de narrativas similares ao de Sônia e Geralda, houveram muitos relatos
de mulheres que falavam sobre as violências de raça e gênero que sofreram e sofrem, esses
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relatos eram de experiências que aconteceram no CAPS, em casa, pelas ruas e nos
manicômios.
Era recorrente que essas falas não encontrassem lugar porque essas mulheres
encarnam dois estigmas: suposição da loucura e o fato de serem mulheres e em maioria
negras. O termo estigma se refere a uma caraterística que representa algo profundamente
insultuoso, que permite validar a normalidade de alguém em cima do dito desvio do outro que
se entende enquanto normal. A concepção de normalidade se dá a partir de um modelo de
higiene mental no qual os indivíduos inscritos nesses parâmetros são bem ajustados e
ponderados, a quem foge disso, consideram-se limitados, enrijecidos e inadequados.
(GOFFMANN, 1980).
A partir dessas observações feitas ao longo da experiência de estágio, nas quais não
poderão ser comprovados por meio das métricas cientificas, pode-se observar que a maioria
dos assistidos no CAPS III são pessoas negras. Os questionamentos ocorrerm porque as
questões sobre raça e gênero surgiram, porém não encontraram espaço de fala no dispositivo
para que esses assuntos fossem pautados nos direcionamentos clínicos dos casos
acompanhados.
Acredita-se ser sintomático que justamente essas observações sejam silenciadas, visto
que a Lei da reforma psiquiátrica propõe garantir direitos dos usuários da Rede de saúde
mental; mas como falar em garantia de direitos se as pessoas quando chegavam nesse
dispositivo não tinham suas falas que encontravam-se atravessadas por racismo e misoginia
respeitadas?
Na conjuntura pós-reforma psiquiátrica, são poucas mulheres que pesquisam o tema
saúde mental e questões de raça e gênero. Para Passos (2017), a carência de material literário
sobre esse campo impede que haja evolução nas abordagens dos dispositivos substitutivos ao
manicômio.
Ao longo da história, a ligação entre doença mental e raça foi uma prática alienista do
século XIX no Brasil. Essas concepções fizeram com que as práticas psiquiátricas brasileiras
fossem feitas tecendo ligações entre características étnicas e de raça a formas de doença
mental. (SANTOS; SCHUMAN; MARTINS, 2012 apud DAMASCENO; ZANELLO, 2018).
A autora Rachel Gouveia Passos, professora e pesquisadora em assuntos relacionados
à Saúde Mental, no artigo “Holocausto ou Navio Negreiro?: inquietações para a Reforma
Psiquiátrica brasileira”, faz críticas sobre a construção da Luta Antimanicomial e ao livro
“Holocausto Brasileiro”, por acreditar e evidenciar que as questões raciais no campo da saúde
mental precisam ser exteriorizadas para que sejam ouvidas.
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visíveis, gerando criação de coletivos de mulheres negras, conforme analisa Djamila Ribeiro
(2018).
Se tratando de feminismo1, a necessidade da existência de uma vertente como a do
feminismo negro no Brasil, aponta que o movimento político ainda não está pronto para
acolher mulheres negras. Acreditar que o racismo é um recorte dentro do feminismo, além de
falácia, é desonestidade e omissão com a existência material das mulheres negras, Segundo o
Atlas da Violência de 2018, (BRASIL, 2018) a taxa de homicídio de mulheres negras
aumentou em comparação a mulheres não negras, para cada 100 mil mulheres negras o
aumento foi de 15,4%, enquanto as não negras houve queda de 8%. Em vinte estados a taxa
de homicídio cresceu entre 2006 e 2016, em doze desses estados o aumento foi maior que
50%. A questão de raça e etnia no Brasil, país colonizado pelos portugueses deveria ser
central para a luta e pela emancipação feminina, mas ainda não é, por isso a necessidade
repetitiva de expurgar o racismo da branquitude brasileira que diz ser feminista.
Para Sueli Carneiro (2003), as mulheres são diferentes em suas perspectivas e
experiências e por conta disso, mulheres não brancas, não podem ter as violências sofridas
lidas apenas como questões de gênero, porque não é só o gênero que a fazem ser violadas.
Faz-se necessário lançar mão do conceito de feminilidade que é um modelo de mulher
universal concebida pela ótica masculina e branca que a incentiva ao fracasso. Desumaniza o
feminino a partir da construção social do que é ser mulher, ela, contudo dentro dessa
imposição, torna-se inferior ao homem no quesito material e simbólico. Seguindo esse modelo
de feminilidade, espera-se que a mulher viva para um homem.
pessoa enquanto mulher, mas algo para, além disso, ela era tida como um ser superior,
merecedora de adoração, mas essa devoção só acontece por conta da moralidade na qual essa
mulher estava supostamente inscrita: ela é pura e amorosa segundo ele.
Mas, segundo o sistema positivista, ela nem assim permanece menos encerrada na
família; o divórcio é-lhe proibido e seria mesmo desejável que sua viuvez fosse
eterna; ela não tem nenhum direito econômico nem político, é apenas esposa e
educadora. (BEAUVOIR, 1970, p. 144)
O que Simone de Beauvoir aponta com isso é que de alguma forma as mulheres
precisam estar inscritas nos símbolos da feminilidade, como seres dóceis, domesticadas e
brancas. As mulheres enquanto seres submissos ficam adormecidas de suas próprias potencias
e desejos, deslocando-a de sua grandeza e de sua autonomia enquanto pessoa. Fazendo com
que vivam em torno de um lar.
As mulheres são escravizadas à cozinha, ao lar, fiscalizam-lhes ciumentamente os
costumes; confinam-nas em um ritual desavoir-vivre, que trava qualquer tentativa de
independência. Em compensação, honram-nas e cercam-nas das mais requintadas
delicadezas. "A mulher casada é uma escrava que é preciso saber colocar num
trono", diz Balzac; está estabelecido que, em quaisquer circunstâncias
insignificantes, o homem deve eclipsar-se diante delas, ceder-lhes o primeiro lugar;
ao invés de fazê-las carregar fardos como nas sociedades primitivas, insistem em
desobrigá-las de toda tarefa penosa e de toda preocupação, o que significa livrá-las
ao mesmo tempo de toda responsabilidade. (BEAUVOIR, 1970, p. 145).
O que Simone de Beauvoir e Maria Rita Kehl apresentaram enquanto feminilidade que
é construída a partir da visão dos homens brancos e localiza as mulheres brancas enquanto
segundo sexo, não se enquadra na produção de feminilidade de uma mulher negra. Por serem
historicamente exploradas e escravizadas, essas mulheres não são concebidas para a ótica
patriarcal como as mulheres brancas são, por isso, as mulheres negras por conta do racismo
não estão dentro dos parâmetros de feminilidade no qual é branco e domesticado e não
literalmente escravizado.
Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a
proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estamos
falando? Nós, mulheres negras, fazemos parte de um contingente de mulheres,
provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito,
porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um contingente de
mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas,
como vendedoras, quituteiras, prostitutas... Mulheres que não entenderam nada
quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar!
Fazemos parte de um contingente de mulheres com identidade de objeto. Ontem, a
serviço de frágeis sinhazinhas e de senhores de engenho tarados. São
suficientemente conhecidas as condições históricas nas Américas que construíram a
relação de coisificação dos negros em geral e das mulheres negras em particular.
(CARNEIRO, 2013, p. 2)
Dessa forma, por conta da sua condição racial outros cruzamentos sobre a
feminilidade percorrem na vida das mulheres negras. A relevância da feminilidade negra no
feminismo é esquecida porque cria-se um mito de que o sexismo não possa ser tão devastador
quanto o racismo na vida de uma mulher negra e de que ambos não possam ser combatidos
juntos. O feminismo branco acredita que o racismo e o machismo não estão entrelaçados, o
resultado disso são: mulheres negras silenciadas e negadas das reivindicações de seus direitos.
(Hooks, 2014)
Levando em consideração esse duplo emudecimento, evidencia-se que as mulheres
negras vivem uma realidade diferente das mulheres brancas. Toda a existência de uma mulher
negra é atravessada pelo racismo.
De acordo com Gama (2018), as mulheres negras ocupam o último lugar na escala
social porque vivem em um sistema social machista, racista, desigual e injusto que só
contribuem para que seja feita a manutenção da suposta subalternidade dessas mulheres, essa
continuidade de opressão endereçam ao período escravocrata e se contemporizam para que o
Estado não garanta os direitos básicos das mulheres negras.
Tendo em vista que as mulheres negras foram escravizadas juntas aos homens negros
faz que consequentemente, uma mulher branca historicamente tenha poder sob corpos de
pessoas negras e das mulheres negras, isso destaca novamente a importância de debater
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questões raciais no feminismo e na sociedade como um todo. Tecendo a ligação entre gênero e
raça, Angela Davis, expõe as diferenças entre mulheres negras e brancas ao longo da história.
As mulheres negras sempre trabalharam mais de casa do que a mulheres de brancas. O
espaço que o trabalho ocupa na vida das mulheres negras é fruto do padrão de anos sendo
escravizadas, enquanto escravas, essas mulheres tinham outros âmbitos da sua vida ofuscados
pela escravidão, sendo assim, qualquer ponto de partido de exploração da mulher negra na
escravidão, tinha como intuito avaliar seu desempenho enquanto trabalhadora. (DAVIS,
2016).
Há outros pontos que estão relacionados à feminilidade na vida das mulheres negras e
que são diferentes das mulheres brancas; espera-se que uma mulher branca seja frágil e dócil,
no entanto, as mulheres negras ao longo da história não foram concebidas como frágeis.
Sequer como humanas.
Esse relato expõe a necessidade de pensar feminismo e raça. As mulheres negras não
só estão disputando os espaços com os homens, mas também com as mulheres brancas,
porque ao longo da história sofreram inúmeras violências e silenciamentos. Por conta da carga
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Para que haja equidade entre as mulheres dentro e fora do feminismo é preciso ouvi-
las. Ao longo da história os homens brancos tiveram suas vozes e teorias valorizadas. Até
mesmo quando falaram sobre as mulheres. É preciso ouvir para que se saiba a direção das
lutas e as questões entre as diferentes mulheres. Podemos levar em consideração que mulheres
negras e brancas, pessoas LGBTS, nunca serão ouvidas como um homem branco pois
vivemos em uma sociedade sob poder do patriarcado e da branquitude. (RIBEIRO, 2018).
Retomando nossa questão apresentada de saída, nos cabe refletir sobre o fato de que
mulheres negras, usuárias da rede de saúde mental atendida por algum CAPS com ou sem
histórico de internação em Instituições manicomiais sofrem vários tipos de violência.
Assim sendo, o feminismo, a luta antimanicomial e a reforma psiquiátrica não poderão
ser verdadeiramente libertadores se não possibilitarem que todas as mulheres negras falem por
si mesmas. Como dizer que há liberdade de fala e garantia de direitos, se as mulheres negras
ditas loucas não encontram espaço de fala nos lugares que teoricamente as defendem e
protegem? Algo falhou e precisa ser mudado: elas precisam ser urgentemente ouvidas e não
somente seus gritos e prantos pela dor e morte previamente garantidas pelo Estado.
Apontar, portanto, para a falta de debate em relação as mulheres negras que não se
restringem ao feminismo, esse furo acontece em grande escala na luta antimanicomial e em
espaços deliberativos, não só o debate sobre gênero, mas o de raça também. Ou seja, pontuar
que, se, por um lado, a pauta antimanicomial não adentrou o campo das reflexões do
feminismo, por outro, o movimento antimanicomial não incluiu em seu interior os debates
acerca de gênero e raça.
Em espaço deliberativos para as políticas públicas de saúde mental como o Conselho
Nacional de Saúde e o Colegiado Gestor em Saúde mental, não encontra-se nos websites essas
questões evidenciados.
Até mesmo no congresso da ABRASME (Associação Brasileira de Saúde Mental),
importantíssimo para as políticas de saúde mental, a palavra gênero apareceu nos eixos
temáticos a partir do terceiro congresso (2012)2. Mas, no entanto, no quarto (2014)3 não
constava. Retornando somente no quinto (2016)4 e continuando no sexto (2018)5, é importante
frisar que a palavra raça sequer apareceu nos eixos pesquisados.
Segundo, Damasceno e Zanello (2018, p. 452) isso acontece porque o mito da
democracia racial fez com que a sociedade brasileira como um todo esquecesse a ligação
entre racismo e a concepção de saúde.
Na legislação de Saúde Mental e em suas diretrizes as palavras gênero e raça também
não aparecem.
2
Disponível em: https://www.congresso2012.abrasme.org.br/conteudo/view?ID_CONTEUDO=623. Acesso em:
05 jul. 2019.
3
Disponível em: https://www.congresso2014.abrasme.org.br/conteudo/view?ID_CONTEUDO=721. Acesso em:
05 jul. 2019.
4
Disponível em: https://www.congresso2016.abrasme.org.br/conteudo/view?ID_CONTEUDO=816. Acesso em:
05 jul. 2019.
5
Disponível em: http://www.congresso2018.abrasme.org.br/conteudo/view?ID_CONTEUDO=410. Acesso em:
05 jul. 2019
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Tais dados denunciam que a preocupação com as mulheres negras e a população negra
ainda é faltosa. Esta realidade nos faz colocar a seguinte questão: em um país marcado por
tanto racismo e misoginia, o debate no campo da saúde mental não pode se furtar a incluir em
seu campo a analise destes vetores e produzir políticas de acolhimento à população negra.
Levando em consideração a importância discursiva e reivindicando o espaço de fala,
faz-se necessário apresentar a Stela do Patrocínio, que foi uma mulher negra internada no
Centro Psiquiátrico Pedro II, por ter sido encaminhada em 1962 pela Delegacia de Polícia do
Rio de Janeiro. Foi diagnosticada com esquizofrenia. Em 1966 foi transferida para a Colônia
Juliano Moreira, onde ficou até morrer em 1992. Stela era solteira, gostava de óculos de sol,
caixa de fósforos, cigarro, Coca-Cola, leite condensado e biscoito de chocolate. (MOSÉ,
2009, pp. 14-15 apud ALMEIDA, BONFIM, 2018, p. 1).
3 CONCLUSÃO
Adentrando na importância de dizer e expor para a sociedade brasileira que as pessoas
assistidas pelas Políticas Públicas de Saúde Mental tem raça, gênero e classe, buscou-se com
o feminismo negro, mostrar que as estruturas manicomiais estão além dos muros do
manicômio, podem ser encontradas no discurso, na segregação espacial-urbana e no
silenciamento que as mulheres negras sofrem. O feminismo negro mostra que as observações
feitas no estágio, de que a maioria das mulheres ditas loucas, não por acaso são negras.
Portanto, atrelar o campo da saúde mental e as questões das mulheres negras deveria ser
primordial na luta antimanicomial e no manejo clínico dos serviços da RAPS.
Torna-se evidente que há necessidade urgente de que as Políticas Públicas de saúde
mental tenham suas práticas de cuidado direcionadas por raça e gênero. Vivemos em um país
que os índices de feminicídio e encarceramentos só aumentam em relação as mulheres negras.
As mulheres que vivem dentro dos CAPS, apesar de não se enquadrarem no modelo de
feminilidade construído pela ótica patriarcal também não se configuram dentro dos
paramentos do próprio movimento feminista. Tais mulheres precisam acessar meios de
reivindicar para si a garantia de direitos, que mesmo previstos por leis, por vezes não são
acessados.
branco e colonizador, portanto hegemônico para validar a mulher enquanto gênero, pergunta-
se, como validar uma mulher negra dita louca se as condições da mesma fogem dos critérios
psíquicos e estéticos do que supostamente são uma mulher, dessa forma, elas então escapam
dos padrões do feminismo e da sociedade ocidental do que é ser um ser humano, acaba-se que
para as mulheres ditas loucas não há lar, não há fugas, não há álibis, não há proteção, não há
voz e escuta.
REFERÊNCIAS
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