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DIMENSOES «Yo 1 ~ Jt / De 2000 307 ANDRE REBOUCGAS E LOUIS COUTY: IDEIAS PARA O SECULO VINTE Luiz Cléudio Ribeiro As idéias que apresento neste trabalho ecam avangadas hd um século ¢ produziram efeitos imporrantes em seus contemporineos; se em sua origem foram consideradas “esbocos sociolégicos”, hoje sio histéria, Trazé-las ao clardo dos fogos de artificio da passagem do milénio é uma oportunidade de repensé- las & luz dos problemas que a sociedade brasileira ainda enfienta em relacdo a0 trabalho, & propriedade da terra ¢ a tecnologia Foi apés a imposigo do fim do trifico de afticanos pela Inglaterra que 0 problema da mao-de-obra brasileira passou a ordem-do-dia nos meios abolicionistas e, principalmente, nas elites eseravistas. A populagao escrava estendia-se tanto a0 meio urbano quanto 20 rural, fem especial no Rio de Janeiro. Ao lado dos escravos estavam também os mestigos, Numerosos, incultos, seu contingente preocupava as elites por no ser possivel nem igualé-los ao escravo na lavoura quando esta necessitava mais “bragos”, nem guid-los a um projeto econémico “modernizador”, no dizer técnico e racista do Brasil do século XIX. Para fazer entender melhor 0 quanto a preacupacéo com a exaustio do siscema agroexportador atormentava o espitito téenico-liberal, basceio presente trabalho na [citura de obras de dois fcones desse pensamento no Brasil do fim do século XIX: André Rebousas ¢ Louis Couty. O primeiro, brasileiro, negro, monarquista, engenheiro pela Escola Militar, membro da Sociedade Auniliadota da Industria Nacional, do clube de Engenharia e pertencente a0 circulo de personalidades influentes, como 0 Visconde de Taunay, 0 Bardo do Rio Branco ¢ o préprio Imperador, D. Pedro II. O segundo, francés, branco, bidlogo: com menos de 30 anos, jé fora convidado a ensinar Biologia Industrial 308 LUNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPIRITO SANTO ~ Deparment dt Misra na Escola Politéenica ¢ no Museu Nacional. Coury freqtientava © mesmo cfrculo de intelectuais e politicos da corte brasileira, Em suas opinibes nota-se a preocupagio em encontrar para a “crise” que afirmavam existir no sistema econémico brasileiro uma saida que ao mesmo tempo apresentasse o fim da escravidio sem comprometer a produtividade agricola dinamizadora - as lavouras cafeeira, canavieira ¢ de alguns outros produtos tipicamente exportiveis. ‘As primeitas idéias a serem analisadas sfo relativas 20 préprio escravismo. Escrevendo em 1874, Rebougas resumiu a vigéncia de um modelo anacrénico na organizagfo produtiva do Pats. Para ele, aquela altura, te telégeafose locomozivas lavrando a tereaeexportando os seus produtos como a 100 anos atrs é fazer, pelo menos, um papel ridiculo perante o mundo ivilizado que hoje ouve cada uma das nossas palavas, vé cada um de nossos atos, sence cada uma de nossas pulsagbes, sob a ago migica da eletricidade.! Rebougas condenava a escravidao nao apenas pela auséncia de liberdade individual e de iniciativa nesse tipo de trabalho, mas também pela propria ‘qualificagio do escravo para uma economia diversificada. Dezaanos apés, Couty via no negro defeitos que, porsi, incompatibilizavam ‘o sistema com a ideia de progresso: “Achamos o escravo de fazenda inferior a0 irlandés, ao russo, 20 operirio aleméo ou francés, como fator de revoluglo ou de progresso social”? Na busca de um elemento é¢nico afinado com os ares modernizantes, quue a0 mesmo tempo promovesse uma “arrancada” para livrar o Pats do atraso dos séculos de escravidio africana, Couty propugnava: “O esctavo € mau trabalhador, sua produsio ¢ muico cara, de md qualidade ¢ pouco abundante? PPara clea mio-de-obra representava tum fator preponderante ¢ um problema a equacionar, e a proximidade da emancipagio exigia solucio prioritéria. 1 REBOUGAS, A, Arcs nacioah:caudoseconbmicos, Rio de Jano: AJ. Lamoreauy, 1883. 2COUTY, LO Bn en 188% ebocoesocioligios. Bria: FCRB/Senado Federal, 1984. 35, 3 Thi. p 80 DIMENSOBS «Yo 11 Jl Ee 2000 309 ‘As causas da situagio financeira devem see procuradas na prépria formasio do povo € na arregimencagao de suas forgas produtivas. Enquanto clas ppermanecerem as mesmas ou continuarem a diminuir pela supressao progressiva da escravidao, as dificuldades financeiras continuaréo também a se agtavar! Poréin, a0 analisar as desvantagens da escravidio, cafam os autores no problema da propriedade latifundidria, sem a qual o escravismo néo se justificava, Rebougas procurava dar ao problema uma dimensio global, derivada talvez da existéncia dos antagonismos internos dos regimes de propriedade nos diversos pafses que por isso softiam pertirias econémicas: “Os latifiindios ndo s6 perderam a Teélia e tém causado as principais misérias financeitas deste Império, como estio barbarizanda a Islanda ¢ despovoando as regides da prépria Inglaterra” $ JaCouty traravao caso bra entre o tamanho da Javoura e a quantidade de mao-de-obra, com algumas dliferencas regionais perceptiveis para aqueles anos de 1880: io como um problema de dimensionamento ‘A mio-de-obra atual ¢ insuficiente nfo sb para as cerras que precisim ser povoadas mas também para as jé cultivadas: os grandes proptietétios colhem imal o café e a cana-de-agicar, por falta de bragos disponivels. Excetuando-se So Paulo, 2 maior parte desses grandes proprictitios, apegados as suas idéias © jimpregnados de preconceitos escravocratas, também no ousam ou no sabem cempregar os meios necessirias para atrai colonos.© tetceiro fator do atraso a que se referiu Rebougas em relagéo ao processo produtivo brasileiro comparado com a Europa da eletricidade pode ser tratado camo o problema da técnica ou da tecnologia e a preparagdo infra-estrutural existente no Pafs. E digna de nota a preocupacéo de Rebougas com o problema das técnicas mais propicias & lavoura, que afetavam mais diretamente a produgio e cconomizavam o trabalho humano. Ressalte-se a surpreendente preocupasao do engenheiro para o que em nossos dias chamarfamos talvez de causa ecoldgica 4 Tie, p65, 5 REBOUGAS, op. ci, p. 30, not GCOUTY, pct, p. 25, nota 2 310 UNIVERSIDAD FEDERAL DO ESPIRITO SANTO ~ Dprumente de Hinde [Em seus dias Rebougas aconselhava os agricultoresa conservat 0 solo, evitando as queimadas, ¢ a utilizar 0s “os restauradores, os estrumes € 08 adubos que a ‘quimica agricola aconselha’? (© engenheito brasileiro inovava ao divulgar a utilizagio do arado em substituigio & enxada e ao aconsclhar a instalagio das maquinas para 0 beneficiamento dos produtos agricolas movidos pelo meio natural mais, disponivel, fosse este 0 moinho de vento nas planicies - a exemplo de sua utilizagéo na Europa e nos Estados Unidos da América - ou os motores hhidréulicos onde houvesse quedas d’égua, como era 0 caso das terras do vale do tio Parafba do Sul. E dizia: (Os residues do osft ¢ de qualquer eutro produta agrcala 330 excelenter returadres (eres, adie ds rrees gu drum esa cocina. Nio ques As ates deca, quando cometerder ene ero econdaicoapanbai uidadosarente, Gs cna ewlitat camo estrume mineral nes vowos eafes. Apanba rude que ‘ir dos vos maguintonos de prepanor caf misturai com a terrae diribul Cuidadosamente eve elemento retanradey pelo vos esis. Lede os mansaisde quinoa agricole, kde Liebg. ede Kablmann, lede Botte, compreenderis a sabida importineia dese conslbo? Devo dizer que havia nos dois autores a preocupacio de promover a emancipagio do eseravo e, 20 mesmo tempo, resolver o problema de méo-de- ‘obra dos grandes fazendeitos. Afinal, em tempos de escassez de mio-de-obra, o valor da “pega” subia e provocava um diferencial cada vez maior em relagio a tetra cultivada, Os pregos das terras eram mais elevados para as plantagbes de café em franca produtividade e com facilidade de transporte, condigées reais apenas para a parcela de propriedades com plantel suficiente de escravos cm idade ativa e em localidades servidas por ferrovias. Para 0 fazendeiro obter lucros era necessério manter a produtividade de sua layoura € a0 mesmo tempo expandi-la, o que demandava méo-de-obra renovada, Tudo isso, a despeito das oscilagSes das pregos dos produtos nos 7 REBOUGAS. op. its p. 113, nota 1 8 A repeio duliza industrial dos curioed'gua na gerago de fsa motte, ver: BEAUCLAIR, Geraldo, Raes de india wo Baia psindxa Saminense ~ 1808-1860, Rio de Jans: Sao Fes, 1992. 9 REBOUGAS, op. it, p. 140, not. DINENSOES + WL 11 = ex 2000 311 mercados interno e externo e da concorréncia internacional com técnicas de produgio mais apuradas. Ao analisar as oscilagdes de pregos de alimentos no mercado internacional, Landes vé no periodo 1873-1896 uma queda dos pregos como a conseqiiéncia vel dat mudanga tecnolégica ocorsida no final da Primeira Revolugdo Industrial." No Brusl, a crise de pregos foi consegiiéncia de sua prépria insergéo no mercado internacional com um produto que houvera sido bem assimilado pelas massas populares urbanas européias. Mas, no decorrer das transformagées industriais experimentadas naqueles paises mais desenvolvides para 2 época, as técnicas aqui utilizadas mostravam-se obsoletas, enquanto os presos praticados refletiam jé a desvantagem técnica em face dos novos bens industriais. Quanto ao estado da produgio cafecira até os anos 1870, os estudos sio ‘ou especificos, como os de Stcin'" sobre Vassoura/RJ, ou muito abrangentes, ‘como 03 de Caio Prado Jr." sobre os esforgos para conter a exaustio das terras aaltivadas pela técnica de “insolagio”."* Pode-se supor que o fazendeiro que, tendo um capital em escravos baixo, se endividasse, encaminhava-se para a faléncia, pois o valor de suas terras, na proporcio ditera do valor de sua mo-de-obra, também diminua tanto quanto fosse 0 estado de abandono. Entretanto, pela ética de Coury, a implancacio de “tecnologia” pouca vantagem trouxe 4 relacio terra/mao-de-obra no Brasil Ele afitmava: “Uma iinica provincia, a de So Paulo, soube simultaneamente comesar a construgio de estradas de ferro © engenhos povoar as suas terras; ela possui uma produgéo ¢ uma tecnologia importantes”."* Rebougas, pot suia ver, projetava para o Brasil o modelo de expansio industrial e comercial dos Estados Unidos da América, que investiam no México e incentivavam a penetragao por ferrovias que interligavam terras IO LANDES, D. Prognso role y nual inurl Madi Tecnos, 1979. p 255 1 STEIN, S. Grandexee desedncie do af. Rio de Jeo: Brasiene, (19. 12 PRADO Je, C. Hiaiiaecondmie do Bri So Pale: Cirela do List, [19— 13 Pars aprofindamenco sobre as diferentes tdnicar de culivo dos cfezis no Bl © demas pies preluores no seo XIX, ler: RIBEIRO, L.C. Ofer iavento «patente de miquioa de benefice ‘afé no Brasil 1870-1810. 1995. Disertagio - FELCH, Universidade de Sao Paulo, So Paulo, 1995 TA COUTY, op ci, p 27, nota 2 312 LUNIVERSIDADE BEDERAE DO ESPIRITO SANTO ~ Deparamene de Mindrie marginais com atividades agroindustrias. Alids, o inventor e industrial norce- americano mais admirado por Reboucas por sua genialidade em desenvolver maquinas agricolas, William Van Vleck Lidgerwood, estabeleceu-se em Campinas no ramo de importagio, fabricagio € comércio das maquinas de beneficiar café, de sua invengio, todas patenteadas pelo Governo brasileiro, Sua empresa foi da maior importincia na medida em que deu o “tom” da mudanga tecnolégica que seu ramo industrial experimentou no Brasil e seus desdobramentos econdmicos ¢ socias.* Em contraste com as economias dos paises mais industrializados, escravidio ce emprego ettado dos capitais disponiveis eram, em tese, os problemas mais centrais que, para Rebougas, atrapalhavam a economia no Brasil. No caso da Bahia, onde a produgéo de fumo ¢ cacau ja provara ser rentével, Rebousas afirmava que nfo havia escassez de capitais, pois a préptia “inddistria rural” imobilizava 200 mil contos; também néo faltava mio-de-obra, pois apenas no Vale do Rio $0 Francisco havia 103 mil escravos ¢ 500 mil indios que podcriam ser aproveitados. F acrescentava: “Hi, sim, falta, c, desgragadamente, ‘muita falta em instrugio técnica, 20 mesmo tempo que supetabundam os talentos ¢ as aptidées para todas as Ciéncias e para todas as profissbes!""* Na vetdade, Rebougas reconhecia que 0 descuido com a implantagio de novos mérodos e com a qualidade do trabalho oferecido nfo estava apenas nos detentores dos principais negécios nas provincias mais longinquas, mas no Governo da Corte do Rio de Janeiro. Ele criticava veementemente as companhias de compra c exportagio de café estabelecidas no centro da cidade que, mesmo com atividades meramente comerciais, tinham scus estatutos aprovados para utilizarem a mio-de-obra escrava ¢ adotarem métodos ultrapassados, como, por exemplo, a perfuragao dos sacos quando da checagem ¢ classificagao dos cafés dentro de “um sistema de trabalho que nao é mais do séeulo do vapor e da eletricidade”.” Nas obras dos dois autores existe uma diferengz quanto ao sentido do termo tecnologia. Reboucas entendia muito mais como um arranjo de métodos e técnicas associadas a um projeto de educagio popular implantado 15 Para aprofundaento da partcpaso dos invencores de méquinss na economia indus brasileira no séulo XIX, er RIBEIRO, op. cit, oes 13. 1G REBOUGAS, op. cit p. 65-65, nora I 17 O Ausiliar da ladstria Nacional. Jancito de 1887. INENSOES «Yok 11 = Ja Dex 2000 313 pela vontade politica de alterar 0 modelo de produgio do Pats. Jd Coury considerava-o como o complexo maquina-ferrovia-porto que deveria existir no Pais. Para ele, a existéncia de tal base recnoldgica, sem a qual ndo haveria chance para um pais voltado para a agriculeura e com os problemas do Brasil, seria fundamental, Para Coury, 2 produtividade da méo-de-obra estava aquém do potencial agricola: 0 reduzido niimero de fazendas em relagio 3 disponibilidade de terras ea auséncia de beneficiamento nao eram condizentes com a capacidade de transporte ferroviitio ¢ de embarque instalada. E afirmava Hai quinze anos 0 Pais vem realizando considerdveie progressos em sua tecnologia nacional; construiu quase mil quilémeteas de estradas de ferro; garantie a construgio de vérias outras linhas imporcantes, que esto atualmente sendo executadas. [.-] Aconelusio de todos esses fatos¢, entretanto, bem simples: as méquinas as estradas de ferro nao valem nada por si s6s; clas nfo criam a produgio, apenas a melhoram. Atris ¢ adiante delas devem estar presentes bragos ¢ inteligencias; e um povoamento adequada deve preceder ou ao menos acompanhar o aperfeigoamento da tecnologia Em todos os paises novos 0 Estado ocupou-se primeico do povoamento e 96 mais tarde da tecnologia. No Brasil fer-se o inversos deram garantias ans engenhos sem assegurar a matéria-prima e construlram estradas de ferro que néo tém nnenbum tifego E interessante analisar a opinido de Coury a luz das reflexes de Schumpeter, que constréi um modelo redrico de economia estética de acordo com o qual a mudanga técnica ocorre apenas quando os dados que a compéem mudam sem, no entanto, alterar sua natureza." Essa perspectiva ajuda-nos a 18 COUTY, op. ct, p.26-28, nota 2 19 Para Schumpeter "se a mudanca ocorer nos dads nfo sociis (eases naturis) out nos dads sociss no econtmicas (aqui se ineluem ox efeitos da gue, at udangas na politica comes, sexial ‘01 econdmics), ou no gosto dos consumidores, nfo parece ser neccisiris nena reviso fundamental ‘os instrumentoscasricos,Esesinstrumentos x falham (1 quando 4 vida econtniea em si mesma ‘modifica seus prdpriosdados de tempos em tempos. A constusio de ua estrada de ferro pode servi ddeexemplo™. SCHUMPETER, J. Theory of comic development. Harvard: University ree, 1934. p. % 314 LUNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPERITO SANTO ~ Deparment de Mink entender a idéias de desenvolvimento de Couty: “Entendemos por desenvolvimento, portanto, apenas as mucangas da vida econémica que néo forem impostas de fora, mas que susjam de dentro por sua prépria iniciativa* Reboucas, porém, defendia a emancipagéo dos escravos ¢ a utilizagso da :mio-de-obra nacional como um todo, complementada pela imigtagao pela colonizagéo. E buscava esclarecer a distinggo que fazia entre imigrante - 0 estrangeiro que vinha espontaneamente - ¢ colono - aquele que vinha contratado por companhia de colonizagio ou pelo Estado" Essa distingéo foi importante, pois, sob o ponto de vista da andlise consistia em ocupar ‘¢ povoar a terra ¢ atuar na lavoura de forma dirigida, pouca iniciativa teria em relagio a mudangas de sua condigio de obcen¢fo de lucro, enquanto 0 jmigrante estaria muito mais voltado para a busca de novas oportunidades de ganko pessoal. Coury © Rebougas esto de acordo nas criticas que tecem a grande propriedade. E a partir daf que constroem todo um conjunto de idéias € propostas que entre si divergem quanto ao grau de influtncia do liberalismo a forma de participagio do Fstado na reorganizagao da estrutura econémica, tendo por base a producio agricola, passando & industria, ao comércio, & instrugio técnica, & politica de emissfo ¢ cimbio, entre ouras Porém, o autor francés via um paradoxo entre a politica econdmica liberal praticada no Brasil e sua prépria estrutura econémico-social: “Nao percebem [os brasleiros), em 1884, que ainda concinuam a aceitar a religifo do Estado, aauséncia de registro civil e de naturalizacfo,a escravidio, a grande propriedade co pior dos regimes econémicos, que jamais existiu num pais novo: 0 regime colonial portugués”.”* schumpeteriana, 0 colono, cuja fangao pré-estabeleci Pata ele as reformas sociais mais urgentes a serem feitas eram a imigragao, as medidas para a utilizacio dos antigos habitantes, caboclos ou: libertos, ¢ as medidas gerais para o Estado atrair imigrantes europeus e assumir a responsabilidad pelo transporte, registro ¢ naturalizagio, informagio, comunicagio e controle estatistico dos colonos. 20 COUTY, op. cit p47, nota 2. 21 REBOUGAS, op. city pe 3, not 1 22 COUT. pit p93, aota 2 DIMBNSOES + Yo. 11 at? Dee 2000 315 Deveria também o Estado criar bancos hipotecétios ou engenhos centrais que cuidassem do crédito e da instalagio dos niicleos de povoamento para fundar povoados de agricultores europeus livres. Ao lado desses trabalhadores livres, com ou sem dinheito para comprar os préprios lotes de terras dos grandes fazendeiros ou das empresas de colonizagio, deveria também o Estado dedicar-se a attair € orientar um “fluxo de trabalhadores curopeus que Forneceria, sem despesas, aos grandes proprietétios, os assalariados e meciros aque eles precisam...” Ao tecer suas criticas, Coury, ao mesmo tempo em que combatia a escravidio co latifiindio, reforgava a “vocacio” do Brasil para a agricultura de exportagio. Na sua visio, para o Pafs superar a crise e alcangar o progresso, deveriam Govern e grandes proprictérios adiantarem-se na iniciativa de buscar a solugio revitalizadora da economia ¢ da sociedade, pela transformagao das grandes fazendas em pequenas propriedades ocupadas por méo-de-obra imigrante europeia motivada pelo lucro. Em primeiro lugar, porque os imigrantes daquele continente poderiam adaptar-se 2s terras es “culturas nacionais” com maior entusiasmo, uma vez que teriam luctos mais seguros e ripidos. Em segundo, porque a permanéncia do sistema cscravista comprometia a possibilidade do retorno de capitais investidos na construgfo das estradas de ferro, ou seja, mesmo com a ferrovia, as fazendas ndo contavam ainda com méquinas, equipamentos e técnicas ceapazes de substituir o trabalho bragal nas lavouras eno beneficio da produggo, antes de transporté-la aos portos, Couty fazia distingfo clara entre os produtos das “verdadeiras culturas nacionais” - café, cana-de-agticar, algodao, ete. - ¢ os demais produtos agropecuitios - milho, feijio, ou gado para laticinio ou corte, etc. - que deveriam ser destinados as terras no servidas pot “tecnologia”. Dessa forma, esbosava-se © projeto para a superagso da esctavidao no Brasil, que 0 bidlogo francés formulara em erés anos de permanéncia entre 0 Rio de Janeiro e Sto Paulo. Seu projeto visava alterar a paisagem “sociolSgica” rural brasileira através da eliminagao da figura do escravo e do grande fazendeito e substitul-los por um elemento tinico centralizadot, 0 branco, ao mesmo tempo trabalhador e patric, ao menos nas regides mais 23 Bid, p88 316 LUNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPIRITO SANTO ~ Depestameie de Kina préximas da Corte. Ele afirmava: “Somente quando as estradas de ferro do Brasil estiverem cercadas de populagdes titeis como as da Europa e as dos Estados Unidos, serd possivel reduzir as tarifas em fungéo de um erifego maior”. Dentro do mesmo projeto, uma vez resolvido o problema do assentamento dos imigrantes ¢ as dificuldades dos grandes proprietdrios ¢ asscgurada a lucratividade dos negécios, o Pais voltar-se-ia entao para a resolugio do problema de integragao dos escravos e libertos até que fossem totalmente assimilados pela nova estrutura produtiva, produzindo nela os artigos mais voltados & subsisténcia e ao abastecimento interno. Sendo assim, © modelo de Couty explicita uma inversio das fungées, além da concenttagdo dos escravos de maneira a melhor “educi-los” para sua nova forma de participacéo econdmica. O autor expressa sua opinio: [No Brasil € preciso substiuir o esravo e, por conseguinte, instalaro colon nas culturasj exstentes, Enssiou-se fer essa mudanga pelos meios maissimples, substicuindo homem por homem, negro por branco, escravo por contratado ou assalariado. Fracassou-se e se fracasard sempre que se tentar conservar a fzenda com suas tutmas ¢ seus feitores, em vez de acetar o trabalho verdadeitamente livre, salaria pago mensalmente, arrendamento, meaglo e pequena propriedade.” E ainda: Sendo a libertacio progressiva, inerementada,agilizada, fundar-se-o escolas « coldnias para os mais pobres; concedendo-se terras devolutas as companhias decolonizasio, se imporia a elasa obrigagéo de utilizar os caboclos eos alforriados nos trabslhos de desbravamento e valorizagio. Se eles gostarem do trabalho e se souberem executi-lo, uma parte dessas errs se tornard propriedade deles.* Quanto a Rebougas, seu projeto baseava-se na concentragio da produgéo dos principais artigos da economia em organizag6es centrais - fazendas, engenhos ¢ fabricas centrais -, 0 que chamava prinefpio da centralizagio agricola, 24 Tid p. 29, 25 Ibid p. 29. 26 Tid. nos 2 DIMENSOES + Wt 11 jaf Eee 2000 B17 A produgio se dividiria em duas partes, de acordo com conjunto de ‘operagbes necessétias, desde o plantio © a semeadura até a preparacio pata 0 consumo. A primeira parte dizia respeito & atividade agricola, seunindo todas as operagbes em contato imediato com o solo ou com a terra [..J.a segunda, concentrando, em estabelecimentos especiais, dotados com as melhores condigbestécnicas eecondmicas, todas as operagies necesséias para Preparat os producos obtidos ma primeira operacio, para a exportagio ou pata 0 consumo imediato.” Baseava-se Rebousas, nesse ponto, na divisio do trabalho defendida em sua época pela Ciéncia Econémica como o “principio econdmico, em virtude do qual, em uma industria qualquer, encarrega-se cada agente de produgao de executar © menor niimero de operagdes que é posstvel”. ‘Tratava-se da montagem de um sistema de unidades agrérias produtivas com atividades primaria ¢ secunddria artculadas ¢ com a especializacao das fungées de cada produtor. Tal sistema serviria tanto para a ocupagio de éreas novas com trabalhadores lives, nacionais eestrangeiros, quanto para a grande propriedade. Do ponto de vista legal, a unidade deveria transformar-se numa empresa de sociedade andnima voltads para a especializagio da producio, instrugdo da mfo-de-obra, captagio de recursos tecnolégicos atualizados, de ‘mancira a transformar a lavoura escravista em atividade “livre, fettilizadora ¢ progressista”; E mais fil, entre 100 senhores ce engenho, achar $0 com as habiltagSes ‘necessirias para bem plantar ¢ colher a cana-de-agicar, do que 10 capazes de tirar da cana, pelos sistemas hodiernos, o agicar e 0s produtos concxos de modo @ ober méximo lucro. Nada mais racional do que aconselhar a esses 90 senhores dle engenho que se limitem a ser simplesmente plantadores de cana, deixando. 208 10 outros explorar 2 indiisttia sacarina, que exige conhecimentos técnicos, ceificios, méquinas¢ aparelhos de clevaco custo, isto é,ralento e capital, qu, por fatalidade, s6 excepcionalmente se acham reunidos em um sé individu. ‘Em outras palavras: dos 100 engenhos, 90 se reduziséo a plantagécs de cana ¢ 10 se constituirio em engenhos centrais.” 27 REBOUGAS, op. cit p 5 28 Ibid, p. 12 29 Ibid p13. 318 LUNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPIRITO SANTO ~ Depesmene de Hina Rebougas entendia ser possivel eliminar © monopélio da produgio © implantar um método eficaz para estimular a concorréncia ¢ a defesa dos inceresses reefprocos. Entretanto, para a consecugio de seu projeto, havia as limitagBes impostas pela Lei n.° 1.083, de 22 de agosto de 1860, conhecida como Lei dos Entraves.** ‘Assim, no caso da produsio do café, Rebougas previa transformagdes cecrolégicas importantes, consolidadas a partir da forma como seria organizada a produgdo nas fazendas, Algumas invengdes ¢ inovagées” jé vinham sendo utilizadas de forma isolada e desconexa no sistema produtivo exporcador. O préprio uso do arado na lavoura, jé amplamente difundido fora do Brasil, fot iniciativa de uma fazenda de Limeira, Sfo Paulo, aproximadamente em 1870, que assim comprovou a superioridade dessa técnica em relagio & capina tradicional. Segundo Rebougas, a implantagéo de seu projeto traia para a agricultura cafecira brasileira as seguintes mudangas: cemprego do arado e de todas as outras méquinas no trato das terras; emprego de estrumes, adubos e restauradores para a conservagio € multiplicagio da forga produtiva do solo; ‘emprego de material hidréulico, de moinhos de vento ¢ de méquinas vapor, conforme as citcunstincias, mas sempre dos tipos mais aperfeigoadoss cemprego dos melhotes terreiros e das melhores méquinas para seca, preparar, jocirar, escolher, classifica, brunir ¢ ensacar 0 cafés subdivisio do solo nos engenos e fazendas centrais, reunindo todas as vantagens da grande propriedade, acabando com © monopélio territorial. entusiasmo do autor fazia-o propor um avango mais radical da inddstria cafeeira. A seu ver o Brasil teria em breve, seguindo seu projeto de centralizagéo, condig6es de industrializar o café nas fabricas centrais aré 0 ponto do consumo imediato, e de transporti-lo para o exterior néo mais em 430 Ese lel ficou coabecda como a “Lei dos Entre” por impor medidas de redugto das caxas de ‘oporago, de difeuldades de crédito «de embargp 4 paricipsseacionca de bancos em indstrs, ‘desetmulando a india nacional. CE LEVY, M. B. A indusralzngto do Rio de Jeneieo através dos str viaadesenOnina. 1988, Tese (Tita) - FEA, Univesidade Federal do Rio de Jnciro, Rio de Jondizo, 198, 3 No send “shumpeteiano’, entende-se por favengio © dominio primitio obi na aplicagio de ‘tn roceno oa miguiaa por nora, ar aaprybesposterires sofas pela invengio com o fio da thcngfo de laeo, Ver, SCHUMPETER, op city nots 19. DIMENSOBS + Vol 11 ~ De 2000 319 grios © nos sacos, mas em latas, *..sob a forma de extraro, em forma de chocolate ou de qualquer outco modo”. Admirador do progresso da Europa ¢ dos Estados Unidos da América, Rebousas acreditava que o Brasil teria as mesmas oportunidades, na medida «em que fossem postos cm pritica os principios da Siéncia Econémica Hodiemna 0 fundamento de sua doutrina principal: a liberdade, Assim, buscava criar um modelo de liberdade e propriedade articulado com o sistema produtivo, de forma a promover a emancipasio dos escravos e sua instrugio, a catequese dos indios e também sua instrusdo industrial, visando aproveité-los na agricultura, ¢ a imigracio espontinca, Isso seria, em tetmos socioecondmicos, a base para a fundagio de uma “democracia rural no Brasil” 22 CONCLUSAO As propostas de André Reboucas para a solugéo do problema da emancipagio dos escravos ¢ das grandes propriedades eram opostas as de Louis Coury. Rebougas preocupava-se com as alternativas a serem implantadas em todo o Brasil, a partir de uma reorientagio geral de cada uma das atividades econdmicas desenvolvidas nas provincias. Seu modelo admitia a convivéncia harménica entre a lavoura exportadora, a lavoura c a pecuidtia para o consumo interno e a manufatura, de acordo com as disponibilidades naturais e de capicais de cada regio, Quanto a Louis Coury, sua idéia de progresso passava muito mais pelo predominio das etnias européias na implantagio do modo capitalista do que pela claborasio desse modelo adaptado & realidade brasileira. Crise e diffeuldades financeiras soavamn para ele como resultado da mé exploragio do potencial da terra pelos fazendeitos brasileiros e pela orientacéo do governo. Em seu entender, no cerne da crise estava a persisténcia na utilizagio de uma emia inadequada ao trabalho modemno, o esbanjamento ¢ o luxo, enquanto sobravam terras férceis no Pats, e demanda, mao-de-obra e capitais nos grandes 32 REBOUCAS, op. ct, p. 140, nor 1, 320 LUNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPIRITO SAUYTO ~ Deparment de inhi centros financeiros do exterior. Seu modelo buscava também branguear 0 favendeiro, inserindo-o numa vizinhanga européia voltada para a produtividade iméxima da lavoura exportadora, capaz de remunerar os jvestimencos em tecnologia ‘Assim, o plano de agricultura de Couty romperia todo 0 processo histsrico da formagio das forcas produtivas do Pais, na medida em que vishumbrava @ fazenda seevida por transporte eficiente, méquinas ¢ técnicas modernas € propriedade privada de imigrantes europeus orientados para o lucro. ‘Outro ponto a considerar € 0 da vocagio do Brasil, Nessa matétia, o consenso que subjaz da leitura dos dois autores quanto & nacureza agricola dessa vocagio contém em si uma armadilha sutil, capaz de encantar o leitor menos cauteloso: a grande lavoura, que Couty chamava de verdadeina culrura nacional, praticada nas melhores terras, era 0 elemento de hierarquizayio © parimetto da nova organizagio social que ele propunha baseada no imigrante europeu. Obviamente que, nesse modelo, is culeurassecundétias, no nacionas, seria destinada exatamente a méo-de-obra nacional negra ¢ mestiga Jé Rebougas valorizava a agricultura agroexportadora sem excluit @ importincia das demais culcuras, de acordo com © potencial produtor de cada regido brasileira. Muito mais voltado para o desenvolvimento de um modelo empresarial cooperative, seu projeto primava pela organizagio da produgio agricola, pecudria ou industrial, afinada com a tendéncia & expecializagao das fungBes que marcou o surgimento do capitalismo industrial nna Europa e nos Estados Unidos da América no século XIX. ‘Assim, a evolugio politico-econémica que marcou o fim do século XIX zo Brasil encontra um ponto de convergéncia entre a histéria politica, a histéria ‘econdmico-social ea histéria da tecnologia, na medida em que se observa que os anos de 1888 e 1889 registraram 0s picos méximos de patenteamentos industtiais para 0 beneficiamento do caft no Brasil,” quando, passado o ciclo mundial dos presos baixos, Sio Paulo, j4 incorporado 20 circuito mundial, despontou republicano como a terra dos “barées do café”, base politico- econ6mica para o desenvolvimento posterior de sua industrializagio geral. Portanto, as trés éltimas décadas do século XIX podem ser pensadas como um momento de intensificagio da arividade inventiva ¢ mesmo da imicagio, 33 RIBEIRO, op cit, noe 13. DIMENSORS Yl 1 = fl / Dez 2000 321 sob protesao das leis de parentes do perfodo. Nesse sentido, as propostas de Rebougas ¢ Couty deram forga aos argumentos emitidos por Schmookler* sobrea importincia da demanda no processo de mudanca técnica, Tal demanda seria ampliada pela disponibilidade dos capitais liberados pela cessagio do trdfico de escravos descrita por Prado Jr Note-se, porém, que Schumpeter via a mudanga tecnolégica como fenémeno apenas inerente ao capitalismo. No caso brasileiro, a complexidade da mudanga tecnolégica ¢ a transformagio da base produtiva ocorriam sob a vigéncia do regime mondrquico escravista e em Fangio apenas de alguns produtos agricolas, em especial 0 café. : A conclusio deste artigo, acredito que Rebougas ¢ Couty sentiram quando © Brasil atravessou uma “destruigio criadora” de sua base produtiva, refetida ros textos da época como uma crite profiendis, ocortida nas tltimas décadas do século XIX. Nessa crise, antes de constituir a prépria mudanga, 0 fim do escravismo ¢ do regime mondrquico foi parte de mudangas muito maiores do capitalismo mundial, BIBLIOGRAFIA BEAUCLAIR, G. Ratzes dat indistria no Brasil: a pré-inddstria fluminense (1808-1860). Rio de Janeiro: Studio F&S, 1992. COUTY, L. A eseravidao no Brasil, Rio de Janeiro: MinC/ECRB, 1988. CRUZ, H. N, Observagées sobre a mudanca tecnolgica em Schumpeter. Estudos Econdmicos, Sio Paulo, set.ldez. 1988. Separata. LANDES, D. 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