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A FILOSOFIA
DA AÇÃO

A REDE
CONCEPTUAL
DA AÇÃO
HUMANA

Ano Letivo 2013/2014


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A FILOSOFIA DA ACÃO
Disciplina filosófica que procura compreender em que consiste
uma acão humana, identificando as condições em que o sujeito
da ação pode ou não ser responsabilizado pela mesma.

O objeto de estudo da Filosofia da Ação é a justificação da


crença na racionalidade da ação humana.

TEXTO 1
“Recentemente li uma notícia no jornal sobre um jovem pai que se
esqueceu de deixar a sua filha bebé no infantário quando ia para o
trabalho. A bebé passou o dia todo trancada no carro num parque de
estacionamento sobreaquecido, e quando ao fim do dia o pai passou no
infantário para a ir buscar, disseram-lhe: “Hoje não a deixou cá.” Correu
de volta para o carro para a encontrar ainda presa na sua cadeirinha na
parte de trás, morta. Se o leitor conseguir ponha-se na pele deste
homem.(…)
Não sei mais nada sobre este jovem pai. É concebível que seja um ser
humano insensível e irresponsável, um vilão que merece o desprezo de
todos nós. Mas também é concebível que seja basicamente uma boa
pessoa, uma vítima do azar cósmico.” DANIEL DENNETT, A Liberdade
Evolui, Temas e Debates

Estamos perante uma situação – problema que exige que


sejam levantadas várias questões:

1. Deixar a bebé no carro foi resultado de uma decisão


racional, deliberada e reflectida?
2. O pai tinha a intenção, a vontade e o desejo de matar a
bebé?
3. Quais os motivos que o levaram a agir daquela maneira?
4. Qual a diferença entre ser ator/agente da morte da bebé
ou ser vítima de distração?
5. Em qualquer das circunstâncias, num caso como este,
dentro de que medida será o pai responsável ou culpado?
6. Que sentido podem assumir para o pai, a partir de então,
a vida e a morte da filha?
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Concluindo, o facto de colocarmos todas estas questões


revela que

A ação humana não é um tema simples e pacífico

constituindo um verdadeiro problema filosófico

Uma questão se impõe

O QUE É UMA AÇÃO HUMANA ?“Recentemente li


uma notícia no jornal sobre um jovem pai que se esqueceu de
deixar a sua filha bebé no infantário quando ia paraa todo

Só compreenderemos a acão humana na sua


complexidade :

a) Se distinguirmos o que fazemos do que nos acontece;


b) Se reconhecermos que nem tudo o que fazemos é ação, pois
nem tudo é feito voluntaria e conscientemente;
c) Se compreendermos o que são intenções, desejos e crenças ;
d) Se compreendermos o que são motivos.
e) Se tivermos em conta a difícil experiência da deliberação e da
decisão;
f) Se perspetivarmos o agente como ser livre e responsável.

É fundamental compreender o que é referido no quadro acima para


avaliarmos aquilo que efetivamente importa na ação humana: a
responsabilização do homem.
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A. O QUE FAZEMOS E O QUE NOS ACONTECE


(AÇÃO E ACONTECIMENTO)

O que distingue a ação do acontecimento é a intençaõ.

É a intenção que nos permite distinguir o acontecimento da ação,


sendo que esta só se define como ação humana a partir do conceito
mencionado.

O que é a intenção?
A intenção é o objectivo que guia a ação (é uma ideia que queremos colocar
em prática). Uma verdadeira ação humana é sempre uma ação
intencional, isto é, um comportamento dirigido e controlado pelo
agente.

A intenção:
É o objetivo que guia a ação

É o que dirige a ação

Não é visível

Ao contrário do acontecimento, a ação é intencional porque é


um comportamento dirigido e controlado pelo agente.

Os acontecimentos são as coisas que acontecem e que não são resultado da


interferência humana. O ser humano não é nem a causa, nem o agente
(aquele que pratica a ação), nem o ator dos acontecimentos. É antes, o
agido (o que sofre a ação) ou o recetor dos mesmos.
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Vejamos alguns exemplos:

Morrer é algo que me acontece. Suicidar-me é algo que eu faço porque


implica uma intenção. No 1º caso, eu sou o agido ou o recetor. No 2º caso,
eu sou o agente ou o ator.

Os terramotos, as tempestades ou os tsunamis são exemplos de fenómenos


que nos acontecem. O homem não é a causa destes acontecimentos, não
interfere nem os controla, não é a sua causa.

NOTA: Face aos vários acontecimentos, o ser humano pode fazer uma série
de coisas. Face a um acontecimento como, por exemplo, o tsunami que
devastou o Sudeste Asiático, um indivíduo pode ajudar as vítimas através
de donativos ou voluntariar-se para apoiar os feridos

É importante salientar que não podemos nem devemos ficar


paralisados pelo que nos acontece.

EX: Face ao acontecimento que foi o meu nascimento, eu não posso ficar
paralisado(a). A vida foi algo que me foi dado, foi algo que me aconteceu
mas compete-me a mim conquistar essa vida que me foi dada e que eu não
escolhi. Como? Tomando decisões, traçando projectos, escolhendo
caminhos. Enfim, exercendo a minha liberdade.
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Nem tudo o que fazemos é ação, pois nem tudo é feito


voluntaria e conscientemente.

“ O verbo “fazer” cobre um campo semântico bastante mais amplo que o


substantivo “ação”. (…) Tudo quanto fazemos ou realizamos é parte da
nossa conduta, mas nem tudo o que fazemos ou realizamos constitui uma
ação. (…) Vamos reservar o termo “ação” para as coisas que
realizamos conscientemente, dando-nos conta de que as fazemos.”
Jesús Mosterin

Nota: Distinguir ato humano e ato do homem

O QUE É A AÇÃO HUMANA?

A ação humana é a acção voluntária, consciente, intencional e racional


implicando dois conceitos fundamentais e interdependentes: os conceitos de
liberdade e de responsabilidade.

http://www.youtube.com/watch?v=WOdBQYiIKWc
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ACTIVIDADE 1:

O que fazemos Consciente e Consciente e


voluntariamente Inconsciente e involuntariamente involuntariamente

Ir à praia

Respirar

Ressonar

Estudar

Sonhar

Transpirar

Ruborizar

Fumar

Acenar a um
amigo

Emprestar um
DVD

ATIVIDADE 2 (Proposta de actividade do Professor Hugo Araújo)

António deseja herdar uma fortuna e crê que o melhor a fazer para satisfazer o seu desejo é
matar o seu pai abastado. Mas este pensamento põe-no tão nervoso que, ao conduzir
desajeitadamente o seu carro, mata um peão que é, afinal, o seu pai! Cometeu ou não um
parricídio?

Questão:

É o António responsável pela morte de seu pai? A morte do pai do António foi uma acção do
António? Qual é o aspeto que nos permite dizer que um acontecimento é uma acção?

i. Será a sua associação a um ser humano? Mas há acontecimentos que envolvem

pessoas, mas que claramente não são ações – por exemplo, escorregar.

ii. Será a existência de movimentos corporais? Mas há ações sem movimento corporal

(estar imóvel a estudar) e há movimentos corporais que não são ações (respirar).
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iii. Uma outra resposta a este problema afirmaria que a intenção é aquilo que distingue
os acontecimentos das ações:

Um acontecimento é uma ação apenas no caso de ser possível descrevê-lo de forma a


exibir a presença de uma intenção no agente.

O que é uma intenção? É um estado mental mediante o qual se concretiza, se anula ou se


mantém um certo estado de coisas.

Os desejos e as crenças, e o seu discutido papel causal nas ações, são exemplos de estados
mentais intencionais.

No exemplo 1, existe claramente um desejo (herdar uma fortuna) e uma crença, e parece que
à custa deles João concretiza um acontecimento – a morte de seu pai. Tudo aponta, pois, que
se trate de uma ação de João. Concorda?

A REDE CONCEPTUAL DA AÇÃO HUMANA


A acção humana implica um conjunto de conceitos , a saber:

INTENÇÕES, DESEJOS E CRENÇAS

O QUE É UMA INTENÇÃO?

A intenção é o objectivo que guia a ação (é uma ideia que queremos colocar em
prática). Uma verdadeira ação humana é sempre uma ação intencional, isto é,
um comportamento dirigido e controlado pelo agente.

As ações humanas são originadas por desejos, ou seja, são ações realizadas por
alguém que as quer realizar e que acredita que esse é o melhor meio para
atingir um fim.

Exemplo:

O João deseja jogar no euro milhões e acredita que entregar o boletim no


quiosque da Tia Maria é único meio de alcançar aquilo que deseja – jogar no
euromilhões – com vista a atingir um fim – investir em Portugal, dando o seu
contributo para que o seu país saia da crise em que está mergulhado.

NOTA:
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A ideia de PROJETO é um conceito em íntima relação com o conceito de


intenção. O PROJETO é o propósito da ação, é aquilo que queremos realizar
tendo em conta uma determinada meta ou finalidade. Responde à questão
“para que quer o agente praticar determinada acção?”

Importa salientar os seguintes aspectos:

•O projeto está orientado para o futuro, uma vez que as nossas intenções são
ideias nas quais antecipamos as nossas ações.

•A realização dos nossos projectos pressupõe aquilo a que poderemos chamar o


background, isto é, um conjunto de conhecimentos, capacidades, habilidades,
atitudes, hábitos…sem os quais os nossos projetos não se poderão realizar.
Quando os meios de que dispomos para realizarmos os nossos projectos são
insuficientes ou inadequados, a ação que queremos realizar fica comprometida.

•Por fim, diremos que a ação humana comporta duas componentes: uma
componente mental e uma componente física. Ou seja, antes de ser real, , a
ação humana- porque é projetada e pensada- tem uma existência mental.O
projeto é uma antecipação da ação. É a ação antecipada, pensada, idealizada.

MOTIVOS

Por detrás das ações que praticamos encontram-se motivos ou razões que
as explicam. O motivo é a razão que torna a ação intencional,
compeensível e explicável tanto para o agente (quem pratica a ação)
como para os outros que a sofrem.

DISTINÇÃO ENTRE INTENÇÃO E MOTIVO

 A INTENÇÃO responde à pergunta “Que quer fazer aquele que


age?”. A intenção serve para identificar e nomear a acção e
está intimamente relacionada com o conceito de motivo: uma
acção só é realizada intencionalmente quando é realizada por
algum motivo.
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 O MOTIVO é aquilo que nos leva a realizar a acção e responde


à questão “PORQUÊ” . Desta forma, EXPLICA e JUSTIFICA a
ação.
 O motivo tem uma função de explicação e a explicação
esclarece, torna inteligível e compreensível a ação humana. Os
motivos são o motor da ação.

Nota: É importante salientar o seguinte: tendo em conta que a acção


humana reflecte a complexidade do agente, muitas vezes é difícil saber
qual ou quais os motivos que conduziram o agente a realizar determinada
determinada acção. Os motivos que nos levam a agir podem ser de ordem
racional mas também de ordem emocional, psicológica ou até inconsciente.

A DELIBERAÇÃO E A DECISÃO

O projeto ou intenção terá de ser objeto de uma decisão.

A DECISÃO é uma escolha ou opção que irá implicar um corte ou rutura


entre as diversas possibilidades de ação. Significa que escolhemos
determinado projecto em detrimento de outro. Quando decidimos estamos
ao mesmo tempo a escolher e a rejeitar. Por isso é difícil decidir.

Ex: Eu tenho a intenção de ser médico. Esse é o meu projeto de vida a nível
profissional. Para o concretizar terei de tomar uma decisão: matricular-me
no 10º ano, na área de ciências. Quando escolho esta opção estou ao
mesmo tempo a rejeitar outras opções, a saber, economia, artes,
humanidades, etc.
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DECIDIR NÃO É UMA TAREFA SIMPLES PORQUE IMPLICA


ESCOLHER UM CAMINHO E REJEITAR OUTROS

“A decisão é uma espécie de mutilação, de sacrifício consentido,


pois, ao privilegiarmos uma determinada ação, rejeitamos
outras igualmente possíveis (…) Todas as nossas decisões são
sempre uma espécie de aposta ou compromisso que exige a
aceitação do risco e, como tal, a possibilidade de sucesso mas
também a possibilidade de fracasso.”

“(…)Decidindo, tornamo-nos de certo modo criadores,


pronunciamos um Fiat: faça-se! Que isto aconteça! E assim
introduzimos algo novo na realidade, modificamo-la, uma parte
dela é obra nossa, é realizada por nós.
(…)Decidindo, escolhemo-nos e construímo-nos a nós
próprios.(…)
A decisão é uma característica exclusivamente humana. A
decisão é a pessoa respondendo “presente” a uma solicitação do
mundo, comprometendo-se para a vida e para a morte com a
resposta que dá.” E.Mounier.

QUE RELAÇÃO EXISTE ENTRE A DELIBERAÇÃO E A DECISÃO ?

Simples:

DECIDIR é difícil e, por essa razão, implica um processo de


DELIBERAÇÃO, isto é, um processo de REFLEXÃO. Antes de decidirmos
teremos que DELIBERAR, ou seja, teremos que pesar os prós e os
contras, os riscos e os benefícios das nossas decisões. A deliberação é
a fase do ato voluntário que antecede a decisão. E a deliberação é
tanto mais difícil quanto mais importante a decisão se apresentar para o
individuo.

Exemplos que mostram que a decisão e a deliberação podem ser


experiências de elevado grau de dificuldade:
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 Decidir ter um filho fruto de uma violação


 Decidir acusar um criminoso que é nosso amigo
 Decidir emigrar
 Decidir doar um órgão para ajudar um familiar doente
 Etc.

Concluindo:

A Deliberação é o processo que deve anteceder a Decisão.

Vamos decidir?
Prosseguir ou não os estudos são duas possibilidades de ação. Que decisão
tomar? Vou ponderar os prós e os contras. Vejamos:

1. Prosseguir os estudos:
 Prós: prosseguir os estudos aumenta a probabilidade de arranjar um
bom emprego, aumenta os nossos conhecimentos e a nossa
formação em geral.
 Contra(s): prolonga a nossa dependência económica em relação aos
pais.

2. Não prosseguir os estudos:


 Prós: não prosseguir os estudos poderá ter como vantagem a
entrada mais rápida no mundo do trabalho e a mais rápida
independência económicaContra(s): aumenta a possibilidade de
obter um trabalho pouco interessante, quer em termos financeiros
quer a nível de realização pessoal.

Depois de pesar os prós e os contras, o sujeito terá que optar por


uma das possibilidades. Qualquer que seja a nossa decisão, ela
marcará para sempre as nossas vidas. Para o bem ou para o mal.
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O AGENTE: LIBERDADE E RESPONSABILIDADE


A ação humana é tudo o que fazemos de modo consciente voluntário e intencional e esta
ação pode ou não, ser objeto de uma deliberação. É bom que o seja.

Quem é o autor da ação? O agente.

“ A intenção é de alguém; o motivo é o que leva alguém a fazer algo; por fim , o
agente é o que pode responder à pergunta: Quem fez isto? Mediante a resposta:
EU:”

O AGENTE que realiza as suas ações de forma consciente, livre e intencional, é o


RESPONSÁVEL pelas mesmas. Se o agente é livre para escolher, então também é
responsável.

E Ser RESPONSÁVEL é assumir as suas ações e responder por elas. Responsabilizar


o agente pelas suas ações é pressupor que o agente é LIVRE. E ser LIVRE é ter o
poder de escolher entre alternativas possíveis, sem ser constrangido ou submetido a
pressões extremas.

Na ação humana LIBERDADE e RESPONSABILIDADE são as duas faces da mesma moeda.


São interdependentes e não podem ser consideradas isolada.
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Concluindo, falar de acção implica falar de um agente, de uma


intenção/projeto e de uma motivação:

INTENÇÃO/PROJETO
o mesmo que projeto, isto é, aquilo que nos propomos fazer
ou o propósito da ação (implica a tomada de consciência do
sentido dos nossos atos); o sentido da ação, isto é, o
significado atribuído a uma ação, identificado através da
resposta à pergunta «o quê?»ou "para quê".

O MOTIVO
identifica e explica as suas razões da ação; refere-se ao
porquê da intenção, ou seja, «o que é que levou A a fazer
X»; distingue-se do conceito de causa, porque ao
identificarmos os motivos não podemos considerar que
existe sempre entre eles e a intenção uma relação
necessária; há que ter em conta a intervenção da vontade.
A causa faria ocorrer a ação independentemente da
vontade do agente.

O AGENTE
o autor da intenção e da ação , isto é, o que pratica a ação;
identifica aquele que, por sua iniciativa (livre e
voluntariamente), produz alterações no decorrer normal
das coisas; por ser o autor, isto é, aquele que pratica uma
ação intencionalmente, é aquele a quem se atribui a
responsabilidade da ação, isto é, aquele que responde por
ela.
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Definição dos conceitos nucleares

Ação: é uma interferência consciente e voluntária de um ser


humano (o agente), dotado de razão e de vontade, no normal
decurso das coisas, que sem a sua inferência seguiriam um
caminho distinto;

Agente: é o ser humano que realiza consciente e


voluntariamente uma acção;

Intenção: é o quê e o para quê, isto é, o propósito que o


agente quer atingir;

Motivo: é a razão pela qual ele age.

QUESTÃO FUNDAMENTAL:

MAS…SERÁ QUE SOMOS EFETIVAMENTE LIVRES OU


ESTAMOS DETERMINADOS ?
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DETERMINISMO E LIBERDADE NA AÇÃO HUMANA

O Livre Arbítrio

A noção de liberdade corresponde ao livre - arbítrio, isto é, à


possibilidade de escolha e de autodeterminação, ou ao ato voluntário,
autónomo e independente de qualquer constrangimento e coação externa
ou interna.

O livre - arbítrio corresponde a uma vontade livre e


responsável de um agente racional.

Questões que se impõe:

Será que somos livres ou estamos determinados?

Será que a nossa vontade é verdadeiramente autónoma e


independente de quaisquer constrangimentos ou condicionalismos
externos e internos?

Não existirão condicionalismos que limitam ou que anulam a nossa


liberdade ou livre-arbítrio?

Se alguém é forçado a agir de uma certa forma, será legítimo


responsabilizá-lo pela sua «ação»?

Que “forças” condicionam as nossas ações?

Só poderemos responder a estas questões se


conhecermos as Condicionantes da Ação
Humana.
A liberdade é um fato da nossa experiência. Contudo, esta é uma
liberdade condicionada, situada, inserida no real e não uma
liberdade absoluta.

A nossa liberdade não é sinónimo de omnipotência. Não podemos


fazer tudo o que queremos ou o que nos apetece uma vez que há
condicionantes de vária ordem que limitam a nossa liberdade.
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“ A liberdade ( que consiste em escolher dentro do possível) não


é a mesma coisa que a omnipotência ( que seria alguém poder
conseguir sempre aquilo que quer(…)”

Existem algumas condicionantes que limitam a nossa


liberdade de ação. Contudo, afirmar que a nossa
liberdade está condicionada não significa dizer que ela
está determinada. Afirmar que a nossa liberdade está
condicionada significa que não somos completamente
livres, mas que conservamos a liberdade suficiente para
saber que , em muitos casos, somos responsáveis pelos
nossos atos.

Podemos reconhecer os seguintes tipos de


condicionantes da acção humana:

a) CONDICIONANTES FÍSICAS E BIOLOGICAS

A nível das condicionantes físicas estamos condicionados pelas leis da


natureza que não podemos ultrapassar, como por exemplo, a lei da
gravidade ou a lei da causa/efeito. Acontece-nos estarmos submetidos a
estas leis e sofrê-las, recebê-las.

A nível das condicionantes biológicas é certo que tal como os outros


animais, todos nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos. E é
impossível escapar a esta programação natural.

Somos ainda, portadores de um bilhete de identidade genético que


condiciona fortemente as nossas características físicas, psicológicas e
intelectuais.

Estamos de acordo que há coisas que a nossa constituição biológica


não nos permite fazer. Não podemos voar ou descer ao fundo do mar,
não possuímos a velocidade natural dos outros animais nem as garras com
que eles se defendem, não podemos ver nem o infinitamente grande nem o
infinitamente pequeno. Enfim, somos uma espécie biologicamente
inacabada.
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Contudo, convém salientar que a hereditariedade individual ou


específica não é destino. Apenas um exemplo: Imaginemos que uma
criança tem um genótipo que a predispõe para ter uma inteligência média.
Suponhamos um cenário possível: a criança cresce e é educada num meio
favorecido sob vários aspetos, nomeadamente estimulante a nível
inteletual. É muito provável que esta criança desenvolva uma inteligência
acima da média.

Enfim, somos uma espécie biologicamente inacabada mas somos…


infinitamente ricos em possibilidades o que significa que somos tão
possíveis quanto reais.

Vejamos:

“ No animal a pauta de conduta específica permanece invariável


enquanto a espécie sobrevive. Salvo ligeiras variações situacionais, o
rouxinol atual canta como cantou o primeiro dos rouxinóis…
O homem, pelo contrário, século após século, é diferente daquilo que
havia sido.(…) em três milhões de anos o género humano passou do
nível rudimentar do homo habilis até àquele que inteletual, técnica e
esteticamente alcançaram os superiores do Homo sapiens sapiens.
Do ponto de vista da sua conduta, o homem é um animal
inquietum e a inquietação é a raiz do desejo de “ser mais” e
“ser outra coisa” (…)”

A incompletude biológica do homem levou-o a querer encontrar


soluções, inventando, criando, transformando, agindo. O homem é
um agente criador, a tal ponto que construiu um mundo artificial,
social e evolutivo que designamos por cultura. E é nesse mundo que
, através da sua ação, o homem se faz homem. O homem faz e,
fazendo, faz-se. Faz-se homem…com os outros homens. E os outros
homens não nos limitam mas fazem-nos ser e crescer.

b) CONDICIONANTES PSICOLÓGICAS

As nossas ações estão dependentes das nossas características


psicológicas, nomeadamente da personalidade do agente, do seu
temperamento, do seu carácter ou dos seus estados psicológicos
temporários, como a alegria, a tristeza, a depressão, etc.
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c) CONDICIONANTES HISTÓRICO- CULTURAIS

A ação humana também depende do ambiente social, cultural, científico,


tecnológico e histórico em que se desenrola. A ação humana é sempre
uma ação contextualizada o que significa que o conjunto de regras
sociais, hábitos, costumes e padrões culturais, o tipo de socialização e de
educação irão condicionar os nossos modos de pensar, sentir e agir. Ex: A
ditadura limita a liberdade do homem mas também abre a possibilidade à
conquista dessa liberdade através de ações de contestação que podem
culminar em revoluções.

d) O PESO DO PASSADO

“A nossa liberdade atual está condicionada pela história da nossa


liberdade.” José-Luís Aranguren

Isto é, a nossa liberdade atual está condicionada pelas escolhas que fizemos
no passado. Refazer a nossa vida é bastante difícil e, muitas vezes,
impossível, devido aos compromissos, obrigações e deveres que assumimos
no passado. O uso que fazemos da nossa liberdade vai ter implicações
no presente e no futuro.

“A morte fecha a história da nossa liberdade, anula todas as


possibilidades, transforma a vida em algo que, feito e terminado,
fica à mercê dos juízos dos outros e da sua memória.”

Adaptado de vários manuais

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